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Um corpo: cartografando trajetórias de vida de sujeitos com sequelas de acidente vascular cerebral

Um corpo: cartografando trajetórias de vida de sujeitos com sequelas de acidente vascular cerebral

Autores:

Marlize Degrandi Gelatti,
Andréa do Amparo Carotta de Angeli

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional

versão On-line ISSN 2526-8910

Cad. Bras. Ter. Ocup. vol.27 no.1 São Carlos jan./mar. 2019

http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao1697

Abstract

This research was based on the corporal perception of people with stroke sequels, mapping the relation between the conceptions of deficiency on the territory, the ways for care and bodies production related to their daily actions. In the interventions context, it was sought do a short clipping, presenting a body conception, and here, with the comprehension as a process molded by the lived experiences. And more, some observations were presented about the stroke, the contemporary Occupational Therapy and the model of Family Health Strategy. The base of this research was a qualitative study developed by the cartography and the Body Map Storytelling. Two people linked to Family Health Strategy Program from Santa Maria/RS were the object of the study, where was realized an intervention with the construction of Body Map Storytelling, with the intention to identify how the subject perceive itself with the body marked by the deficiency, and what this perception influences the common days of this people. With this research was possible to contribute to produce a better life of this subjects in their territory and it was able to see how the pathology could means an interruption, but also, provide the opening for invention and the affirmation of new ways of existing.

Keywords: Stroke; Occupational Therapy; Human Body; Activities of Daily Living

1 Introdução

Buscamos pensar a percepção corporal de sujeitos com sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), por causar uma ruptura importante no cotidiano e por esse corpo ficar marcado repentinamente. Não há uma preparação prévia, ninguém espera acontecer até acontecer, e isso impacta, gera revolta, medo, insegurança. Há todo um processo a ser aceito. O que nos moveu foi buscar cartografar as linhas de composição deste corpo-AVC, como o sujeito o enxerga e o experimenta como parte de sua vida. Como um fio que se rompe quando todos diziam ser forte o suficiente para aguentar... Como compor outra forma possível de viver ao invés de tentar emendar? O que esses fios soltos podem trazer de potência na produção da vida?

O corpo é foco de muitos estudos, ora sendo definido apenas em seu aspecto sensório-motor, outras vezes relacionado aos aspectos psicológicos. Assim, para enriquecer a formulação de outras perspectivas, é possível pensar o corpo como pulso, estando em permanente desconstrução e construção na medida em que encontra com outros corpos (LIBERMAN; LIMA, 2015). O corpo, aqui, portanto, pensado de modo processual, como expressão de um determinado conjunto de forças históricas e sociais que compõem uma época, uma história de vida. Sant’Anna (2000, p. 237) acrescenta:

As descobertas do corpo possuem uma história secular e vasta, pontuada pelos avanços e limites do conhecimento humano. Pois se o corpo não cessa de ser descoberto, é preciso não perder de vista a provisoriedade de cada conhecimento produzido a seu respeito: constantemente redescoberto, nunca, porém, completamente revelado! Cada tentativa feita para conhecer o funcionamento do corpo, incluindo os seus significados biológicos e culturais, é desencadeadora de esclarecimentos e de dúvidas inusitadas a seu respeito. Da medicina dos humores à biotecnologia contemporânea, passando pela invenção de regimes, cirurgias, cosméticos e técnicas disciplinares, o conhecimento do corpo é por excelência histórico, relacionado aos receios e sonhos de cada época, cultura e grupo social.

Podemos pensar no corpo como um dispositivo histórico-social que conforme a época será definido e tratado de formas diferentes, caracterizando-se como um processo influenciado pelo que o rodeia. Diz respeito à forma como a sociedade o viu, tratou e vivenciou e as concepções sobre ele são transformadas com o tempo (SAITO; CASTRO, 2011). Mas afinal, o que é corpo? Nas palavras de Favre (2004, p. 80),

O que chamamos de corpo é um processo, uma corrente contínua de eventos, sem saltos nem elos perdidos, que se estende como forma corporificada por pelo menos 3,8 bilhões de anos dos aproximadamente cinco bilhões do nosso planeta. Essa corrente contínua de produção de corpos e territórios existenciais prossegue diariamente em nossas vidas.

Encontramos em Keleman (1994) ressonâncias com este modo de pensar quando afirma que ao longo da vida de um sujeito encontraremos vários “corpos”. O autor diz: “o corpo é um processo vivo, organizacional, que sente e reflete sobre sua própria continuidade e forma” (KELEMAN, 1992, p. 16). Ainda, Favre (2004), a partir do pensamento de Stanley Keleman, afirma que o corpo se caracteriza por ser um processo vivo auto organizativo, auto generativo e autorregulado, organizando a partir de si mesmo as respostas de como se comportar. Ainda, acrescenta que o corpo utiliza-se de sua estrutura embriogenética (neural, muscular e visceral) para compor uma realidade delineada simultaneamente com a experiência. Salienta que o corpo é composto de impulsos básicos como a atenção, apego e imitação de tudo o que o afeta, para assegurar sua potência formativa, garantir a diversidade e a continuidade da vida.

Quando nos concebemos como um processo vivo, podemos falar sobre os aspectos que percebemos como parte de nosso funcionamento vivo: pensamento, sentimento, gestos, satisfação, sexualidade, dependência, individualidade, senso de comunidade, amor e visão interior. Vemos então que nossa vida organísmica, nosso processo vital é a orquestração contínua de uma multiplicidade de eventos. Somos impactados pelo fato de que a partir desses eventos, formamos uma unidade, uma direção, uma vida coesa, que continuamente se forma e se reforma nas muitas instâncias de seu funcionamento (KELEMAN, 1994, p. 21).

Tudo o que nos acontece, os sentimentos que nos atravessam, como a raiva, o medo, a vergonha, a angústia, produzem corpos ao longo de nossa existência, ressoam como manifestações corporais, pois não há como separar o corpo do que o afeta. Desse modo, o corpo dá forma aos acontecimentos e experiências vividas. Com base nas considerações de Keleman sobre a anatomia emocional e os modos do corpo expressar tudo o que o atravessa, Liberman (2008, p. 25) acrescenta

[...] o corpo, mesmo contra a nossa vontade e a despeito da consciência, age e reage, ora se contorce, ora se enrijece, protege-se com os braços ou se abre às experimentações por meio de certa atitude, expressa pela voz, pela postura corporal ou pelo olhar, entre tantos e inumeráveis estados e composições.

Keleman (1994) parte da ideia de que somos pessoas diferentes ao longo de nossa vida, expressas em muitos corpos, os quais formam a nossa existência desde a infância, adolescência, vida adulta e maturidade até a morte. Dessa forma, se olharmos nossas imagens em fotografias ao longo de muitos anos, veremos a mudança e a manutenção das formas corporais que pudemos construir e exprimir ao longo da vida. Este mesmo autor também trabalha com o conceito de que o corpo funciona como uma bomba pulsátil e a excitação seria a base da experiência:

A excitação é o pulso básico da vida. Ela flui numa explosão de luz e se retrai para recarregar. O corpo é um oceano de excitação biológica, que se manifesta como impulsos e desejos, gerando novas formas e movimentos em direção à satisfação. Como vivemos essa excitação mostra como moldamos nossas vidas (KELEMAN, 1994, p. 27).

O corpo há muito tempo tem sido foco de estudos e pesquisas a seu respeito. Seja para entender a forma como é constituído, qual seu significado ou quais suas concepções de acordo com a época histórica e social vivida. Porém, nos tempos contemporâneos, principalmente pela influência da mídia, tem-se uma preocupação cada vez maior com a aparência, com estereótipos de beleza e padrão corporal que a sociedade parece impor, juntamente com um modelo a ser seguido. Assim, as pessoas buscam desenfreadamente por tratamentos mais modernos para diminuir a ação do tempo no corpo, objetivando sempre o modelo de saúde e bem-estar que parece ser o ideal, como uma fórmula mágica de juventude e eterna saúde.

As manchetes impõem: Não demonstre sua idade! Tenha boa aparência! Não seja gordo demais, mas também não seja magro demais! Esteja em boa forma! Faça exercícios! Vá à academia! Coma alimentos saudáveis! Ingira vitaminas! As imagens nas revistas sobre beleza e saúde parecem gritar, mostrando o modelo ideal de corpo, sempre com mulheres novas, brancas, magras e com a pele intacta. Prado (2007, p. 6-7), ao abordar sobre a influência da mídia em relação às concepções de corpo saudável, diz:

Trata-se de apresentar aos leitores o universo do corpo transformado e transformável, a partir das descobertas e pesquisas das ciências (novas substâncias, novos tratamentos), buscado por aqueles que têm força de vontade, dinheiro e conhecimento. Como melhorar seu corpo? O que o mercado, irrigado pelas conquistas das ciências, coloca à sua disposição? Ainda há tempo de você se preparar para mostrar seu corpo no verão. Os inimigos a combater: celulite, gordura, rugas, doenças. Metodologias: dietas, cirurgias plásticas, super-remédios, uma série de tratamentos estéticos sempre renovados, terapias, budismo pop. Passionalização: faça tudo isso com alegria e força de vontade.

A questão parece ser esta: Adequar-se aos padrões de beleza e aos estereótipos de saúde para viver melhor, como sendo esta a fórmula da felicidade. Desse modo, a medicina, a indústria e o comércio também se apropriam de alguma forma desses estereótipos de saúde e beleza, a fim de usá-los a seu favor, seja nos lançamentos de produtos de beleza, medicamentos mais eficazes capazes de aplacar as dores, ou nas cirurgias plásticas mais avançadas para aperfeiçoar a estética.

O corpo humano, derradeiro território a ser conquistado, desvendado e controlado, revela-se, assim, um campo preferido às experimentações da biotecnologia e dos investimentos da economia de mercado, justamente quando é fortalecido um paradoxo característico das sociedades industriais: por um lado, tem-se o culto, a adoração, a valorização extrema das aparências e da saúde; por outro, a fragmentação do organismo e das terapias em expansão, a dispersão de células, genes e órgãos, além do comércio destes materiais em larga escala. Em suma, esta era favorável aos cultos do corpo é também aquela que facilita a sua manipulação e comercialização desenfreada (SANT’ANNA, 2005, p. 76).

Todavia, e as pessoas com deficiência física? No caso específico desta discussão, e aquelas que tiveram seu corpo marcado pelo AVC? O que significa para elas não estarem encaixadas nos padrões corporais que esta sociedade capitalista insiste em nos apresentar em cada esquina, em cada revista, em cada canal de televisão? Refletir sobre as concepções de corpo para poder pensar a pessoa com deficiência física nos parece fundamental. Afinal, esse corpo que sofreu modificações em decorrência de uma patologia já não corresponde ao ideal preconizado pela sociedade. No caso específico desta discussão, o sujeito se depara com seu passo que se torna mais lento, já não há tanta destreza nos membros, aspectos motores e cognitivos se alteram. As marcas produzidas pela patologia são visíveis a todos, principalmente se esta for uma sequela física, como no caso da hemiplegia em sujeitos que sofreram AVC. Desse modo, “[...] pode-se nomear que as sequelas remanescentes geram o luto do “corpo perdido”, ou da independência perdida” (DELBONI; MALENGO; SCHMIDT, 2010, p. 173).

Sabemos que o corpo, por ser influenciado pelas experiências, se molda a partir do que o afeta. Um corpo repentinamente marcado por alguma patologia irá ser percebido de forma diferente, porém continua sendo o mesmo sujeito, com desejos e histórias. É necessário não reduzir ou categorizar esse sujeito pela patologia ou deficiência que apresenta. Assim, fica o questionamento:

[...] como determinado sujeito-corpo se apresenta como deficiente? Quais experiências construíram esse tipo de moldagem, essa historicidade? (LIBERMAN; TEDESCO; SAMEA, 2006, p. 148).

Nesse sentido, Rocha (2006, p. 289) acrescenta ser necessário para o sujeito

entender o que está se passando consigo, o que é sua deficiência, como seu corpo funciona, o que significa para si e para os outros, apropriar-se de possibilidades de solução [...].

Ou seja, parece ser fundamental o empoderamento desse sujeito em relação ao processo vivenciado pela deficiência.

1.1 Um corpo com a experiência do acidente vascular cerebral

O acidente vascular cerebral (AVC), também denominado acidente vascular encefálico diz respeito a uma síndrome clínica que se caracteriza por um déficit neurológico localizado. Acontece em decorrência de uma alteração na circulação sanguínea do cérebro e pode causar diversas sequelas, dependendo da região afetada e do tamanho da lesão (ARES, 2003).

É uma doença que acomete muitas pessoas em todo mundo, sendo responsável por grande parte das incapacidades geradas em sujeitos em idade produtiva. As sequelas decorrentes interferem significativamente na vida do sujeito, causando uma ruptura no cotidiano. Conforme Cecatto (2012, p. 05), os sujeitos acometidos pelo AVC

possuíam vidas, preferências, comportamentos, famílias, contextos socioeconômicos e outras características culturais anteriores à lesão. A patologia foi antes de tudo uma ruptura abrupta de uma vida já em curso [...].

Dessa forma, diante da complexidade das interferências que o AVC causa nas diversas esferas da vida do sujeito, muito além das sequelas visíveis, observamos que

O modelo biomédico de compreensão da deficiência e de desenvolvimento de estratégias de reabilitação, centrado nas dimensões do funcionamento motor e cognitivo pós-AVE, é bastante limitado no que se refere à compreensão dessa experiência e à instrumentalização dos sujeitos e suas famílias rumo à construção de alternativas para lidar com uma nova inserção do sujeito na vida social. A melhora da independência funcional não desencadeia naturalmente maior autonomia pessoal, ou ainda, o desempenho dos papéis sociais prejudicados pela aquisição de uma deficiência. A falta de autonomia e de participação familiar e social incide drasticamente na vida material e psicossocial das pessoas com AVE e de suas famílias (NICOLAU; AOKI; OLIVER, 2012, p. 282).

Entre as sequelas decorrentes dessa patologia, podem surgir tanto as sensitivo-motoras como as cognitivas. Na primeira categoria, podem-se apresentar hipotonias, paresias, plegias, espasticidade, rigidez, tremores, atetose, distonias, alterações na movimentação e controle do tronco, contraturas, alterações da sensibilidade, entre outras manifestações. Já em relação às sequelas cognitivas, pode surgir afasia, apraxias, alterações de percepção, memória, atenção, de comportamento, entre outras (CECATTO, 2012).

De acordo com Ares (2003), o AVC possui alta incidência na população, sendo a terceira principal causa de morte no mundo e a principal causa de incapacidade neurológica. A idade de maior risco é a partir de 65 anos, porém está cada vez maior o número de adultos jovens acometidos por esta patologia. Entre os fatores de risco podemos citar a idade, a hipertensão arterial, além de doença cardíaca, histórico familiar, estresse, tabagismo, uso de contraceptivos orais, drogas ou álcool, ocorrência de AVC prévio, entre outros fatores.

Dessa forma podemos perceber que alguns fatores de risco estão muito associados à vida contemporânea, onde o ritmo é mais acelerado e as pessoas precisam se adaptar a este ritmo. A atualidade parece demandar dos sujeitos que estes sejam cada vez mais eficientes, ágeis, versáteis, em suma, um corpo-máquina. A correria do cotidiano está atrelada a constante expectativa de sucesso criada pelas pessoas, onde estas devem estar sempre à frente, precisam cumprir muitas tarefas diárias e não conseguem encontrar tempo para desacelerar. Assim, “[...] o mundo contemporâneo é um grande produtor de deficiências e incapacidades” (ROCHA, 2006, p. 10). Com isso, surgem as patologias como o AVC, resultado das condições da vida atual, onde o corpo exprime um excesso entre o seu ritmo e o ritmo do mundo.

Diante disso, “o ritmo intenso acaba impossibilitando (parcial ou totalmente) as pessoas de realizarem atos que poderiam contribuir para seu bem-estar” (SILVA; SILVA; TAVEIRA, 2010, p. 5). Ainda, Keleman (1994, p. 51) nos auxilia para pensarmos a respeito da mudança de ritmo pessoal que a sociedade atualmente demanda dos sujeitos, dizendo que

Num passado não tão distante, o ritmo de vida era muito mais lento. As exigências de reorganização de vida eram menores [...]. Mas hoje, as mudanças surgem numa velocidade verdadeiramente cataclísmica e precisamos de múltiplos referenciais para estarmos preparados para lidar com elas. Sem esse tipo de preparação, as novas solicitações tornam-se esmagadoras e o processo pessoal culmina em frustração e desgaste.

Moretti et al. (2009) contribui argumentando que alguns fatores relacionados ao contexto atual de vida da sociedade, como o surgimento de novos hábitos e modelos de comportamento, a transição demográfica, a complexidade da vida moderna, o aperfeiçoamento da indústria farmacêutica, bem como a intensa medicalização da população contribuiu para transfigurar a qualidade de vida dos sujeitos, modificando o perfil dos agravos à saúde. Acrescenta, ainda, que diante do atual panorama de saúde brasileiro, surgiram, por um lado, as doenças que se manifestam em uma ou mais situações como as doenças infectocontagiosas, e por outro lado, grande predomínio das condições crônicas não transmissíveis, como é o caso do AVC, por exemplo.

Com base nessas considerações, sabemos que o AVC é uma patologia que tem acometido muitas pessoas e, atualmente, parece estar cada vez mais recorrente em nossa sociedade. Isso se deve aos fatores de risco apresentados nessa discussão, que se relacionam com as condições de vida contemporânea. Com isso, sabemos que o sujeito se depara repentinamente com uma ruptura de seu cotidiano, envolvendo todo o contexto do qual faz parte, e com um corpo que difere dos padrões considerados “normais”, que esta mesma sociedade nos apresenta.

A pesquisa surgiu, portanto, como uma forma de pensarmos como vivem estes sujeitos com AVC, como seus corpos expressam estas vidas e, ainda, problematizar um modo de fazer terapia ocupacional. Apresentam-se, neste artigo, algumas das elaborações realizadas neste percurso consideradas pelos autores interessantes disparadores de novas discussões sobre a temática, a saber: corpo, deficiência e terapia ocupacional.

1.2 Uma terapêutica ocupacional

Já há algum tempo, alguns terapeutas ocupacionais no Brasil vêm trabalhando e desenvolvendo outra lógica de atuação, que se distancia do modelo biomédico e reducionista. Em Galheigo (2009), é abordada essa perspectiva de atuar em terapia ocupacional, traçando um paralelo entre os tempos técnico-científicos e os tempos contemporâneos. O primeiro é marcado pela objetividade, validação e mensuração da patologia e da deficiência e o segundo está caracterizado pela narrativa, subjetividade, contextualização. Surge da crise do modelo onde se dizia que para cuidar de alguém era necessário avaliar, medir e provar seu sofrimento para traçar os objetivos de intervenção. Nessa lógica, Castro, Lima e Brunello (2001, p. 46) acrescentam que

Essas novas perspectivas na prática do terapeuta ocupacional distanciam-se de um sentido positivo de ciência para se aproximar de um campo conceitual, cujo paradigma é de superação do modelo médico-psicológico, e envolve uma compreensão de novos valores [...]. Há uma mudança significativa do papel do profissional, que passa a ser responsável pela criação de novas possibilidades e novas configurações dessas práticas.

Assim, é interessante observar como houve uma mudança de atuação ampliando-se, inclusive o conceito de saúde, que

passa a ser compreendida não como reparação do dano ou como genérico bem-estar físico-psíquico-social, mas como produção de vida, o que implica uma multiplicidade de intervenções (CASTRO; LIMA; BRUNELLO, 2001, p. 46).

O que contribui para essa mudança, em grande parte, diz respeito ao modo como hoje percebemos o sujeito inserido em seu cotidiano, não mais o vendo isolado e fragmentado, mas relacionado com o contexto ao qual está inserido. Assim, Lima (2003, p. 65) contribui dizendo que

algumas formas de se fazer terapia ocupacional têm, no contemporâneo, invertido a lógica disciplinar e produzido caminhos que apontam para a direção oposta, afirmando o direito à diferença e encontrando positividade em formas de vida, as mais singulares e em situações, as mais adversas.

Várias são as referências que contribuem para pensarmos numa outra lógica de atuação da terapia ocupacional, mais sensível ao sujeito em seu cotidiano, distanciando-se das formas mais rígidas e modeladoras de corpos e modos de ser (BARROS; GALVANI, 2016; CASTRO et al., 2013; GALHEIGO, 2014; GUAJARDO, 2014; LIMA et al., 2011; LIMA; OKUMA; PASTORE, 2013; MAGALHÃES, 2013; MORRISON JARA, 2018; SALLES; MATSUKURA, 2013; VALENT; CASTRO, 2016). Assim, partimos da noção de produção de vida ao invés da cura ou reabilitação, encontrando possibilidade de operar na diferença e achando um modo do sujeito caber respeitando e afirmando sua singularidade. Dessa forma, Moreira (2008, p. 87), acrescenta que

[...] a reabilitação limitada às incapacidades e às disfunções não abarca a complexidade das ações humanas, pois estas apenas ganham sentido nas interações reais do sujeito em seu cotidiano.

Tomando o cotidiano como pano de fundo, se soma a isso o que Galheigo (2003, p. 108) salienta:

A incorporação do conceito de cotidiano na produção teórica e no discurso da prática traz implícita uma mudança radical na proposição teórico metodológica da terapia ocupacional. A ação da terapia ocupacional, segundo a perspectiva crítica, funda-se na retomada histórica e contextualizada do sujeito e sua inserção participante no coletivo.

Por conseguinte, percebemos que o conceito de cotidiano está ganhando cada vez mais espaço nas discussões e análises teóricas da terapia ocupacional, em detrimento de discursos que remetem a atividades de vida diária ou atividades de vida prática, mais pautados na lógica da funcionalidade2. Assim, o conceito de cotidiano se revela bem mais amplo e capaz de dizer sobre o sujeito, suas histórias e desejos. Dessa forma,

[...] o cotidiano traz em si a marca da singularidade do sujeito, e toma forma a partir de suas necessidades, valores, crenças e afetos. Nesse sentido, o cotidiano de cada pessoa é único e irrepetível [...] (GALHEIGO, 2003, p. 106).

Interessa também abordar a mudança de denominação do sujeito alvo das práticas, em relação a sua identidade. Nos tempos técnico-científicos o sujeito era denominado de indivíduo bio-psico-social, como se fosse uma identidade automática, categorizando e separando essas três esferas como se isoladas e independentes uma da outra. Nos tempos contemporâneos sob o olhar da diversidade falamos em sujeito, pois não o conhecemos a princípio, seu contexto é influenciado por uma construção histórica e política (GALHEIGO, 2009).

Cabe ressaltar que na terapia ocupacional residem inúmeros campos de atuação e uma multiplicidade de saberes. Assim observa-se que

a ação da terapia ocupacional no Brasil está buscando consonância com a diversidade das questões trazidas pelos campos de prática. Está ficando cada vez mais atenta às demandas das populações e dos sujeitos (GALHEIGO, 2009, p. 9).

Isso se relaciona aos tempos contemporâneos na medida em que a diversidade tem espaço, diferente de considerar um modelo único de atuação para uma variedade de práticas e saberes.

Com base nessas observações, fica evidente a mudança de percurso que a terapia ocupacional vem tomando nos últimos tempos, se distanciando do modelo biomédico e positivista para poder pensar na complexidade do sujeito inserido no cotidiano e em todo o contexto histórico-social do qual faz parte. Poder considerar esses aspectos contribui para que o terapeuta ocupacional tenha uma visão mais crítica e abrangente desse sujeito e seu contexto.

2 Método

Escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 13).

Este estudo foi resultado de um trabalho de conclusão do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição com número CAAE 63470116.8.0000.5346, teve caráter qualitativo e se utilizou da cartografia como método.

A cartografia surge como uma possibilidade de pesquisa que vem crescendo muito, uma prática investigativa que, ao invés de buscar um resultado ou conclusão, procura acompanhar o processo (COSTA, 2014, p. 70).

Nesta direção, destaca-se que trajeto percorrido por este estudo foi composto pela imersão no território da ESF - Bela União, juntamente com dois sujeitos moradores da vila Bela União, no bairro Caturrita, Santa Maria no Rio Grande do Sul, interessados no tema da pesquisa e que possuíssem vínculo com a Estratégia Saúde da Família do bairro. Além disso, fez-se necessário que apresentassem sequelas resultantes de AVC, bem como aceitassem participar da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes foram indicados pelos profissionais da ESF Bela União, sendo também acompanhados pelo estágio supervisionado em terapia ocupacional I e II, do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que acontecia na época da pesquisa naquela comunidade.

Costa (2014) nos diz que o cartógrafo, ao atuar sobre a matéria a ser cartografada, nunca sabe previamente os percursos a serem percorridos e as impressões que serão geradas. A pesquisa ganha corpo a partir da força dos encontros produzidos no decorrer do processo de imersão do pesquisador em um território. É o que acontece entre, o que se faz de mais interessante na pesquisa, por isso o cartógrafo necessita ser consideravelmente poroso para capturar essas microssensibilidades que se instauram.

A construção cartográfica se compôs em nosso estudo entre sujeito e pesquisador por meio da confecção de Mapas Corporais Narrados.3 Estes são definidos como desenhos do corpo humano em tamanho real, utilizando-se de pintura, colagem ou outras técnicas gráficas para expressar e simbolizar questões do mundo em que os sujeitos vivem e aspectos de suas vidas presentes em seus corpos (GASTALDO; MAGALHÃES; CARRASCO, 2013). Deste modo, permitem a emergência de sentidos e significados gravados nos corpos pelas experiências vividas (GASTALDO et al., 2012; GASTALDO; MAGALHÃES; CARRASCO, 2013; MACLEAN, 2009; SILVA; BARRIENTOS; TAPIA, 2013; MURASAKI; GALHEIGO, 2016; VARNIER; ALMEIDA; GOMES, 2016). Gastaldo, Magalhães e Carrasco (2013, p. 96) acrescentam que

Histórias mapeadas devem ser analisadas em sua integralidade, o que inclui o processo de criá-las (com transcrição completa das sessões e notas de campo), o mapa corporal e as narrativas que o acompanham (testemunho e legenda). O objetivo da análise não é avaliar psicologicamente os participantes por meio de sua arte, mas obter insights sobre certos aspectos de sua lógica, aspirações, desejos, circunstâncias materiais e maneiras de lidar com questões especificas.

Neste sentido, por se configurarem como uma técnica de pesquisa que permitia o encontro e a construção conjunta de uma história e de uma presença corporal que integra o adoecimento, a deficiência no processo de se ver, os mapas corporais permitiram dar visibilidade e dizibilidade as linhas de forças históricas, sociais e das narrativas pessoais que compunham os corpos em relação. Neste sentido, servindo de intercessores à produção da escrita, a construção da análise e da elaboração do que estava em curso no processo de pesquisar. O estudo se dividiu em três momentos: mapeamento dos sujeitos com AVC no território da ESF, confecção dos mapas corporais e conversa com a equipe da ESF, e realização da exposição dos mapas. Em todo percurso se produziram os dados4 da pesquisa, bem como, sua análise. O período de produção dos dados da pesquisa foi de março a junho de 2017. Para os encontros foi criado um roteiro composto por entrevista e confecção dos Mapas Corporais, baseado em Gastaldo et al. (2012). Os temas da entrevista consistiram nos tópicos: cotidiano, redes de suporte, percurso de tratamento e formas de lidar com as sequelas. As etapas de confecção dos Mapas foram organizadas do seguinte modo: 1º encontro (introdução aos Mapas com explicação de seu propósito; traço corporal; percurso de tratamento), 2º encontro (símbolo e slogan pessoal; marcas acima e abaixo da pele; autorretrato), 3º encontro (mensagem aos outros; análise corporal para pontos fortes e dificuldades; estruturas de suporte), 4º encontro (desenhando o futuro; narrativa do participante; decorando/acabamento) (GASTALDO et al., 2012). Todo este processo foi gravado e transcrito na íntegra, além de ser registrado em diário de campo. Os Mapas foram fotografados no final de cada encontro e depois de finalizados. Utilizaram-se nomes fictícios, com o intuito ético de preservar a identidade dos sujeitos.

No processo de construção da pesquisa sentiu-se a necessidade de incluir uma conversa com a equipe da ESF como parte da produção de dados e da análise. Por fim, decidiu-se com os participantes organizar e montar a exposição dos Mapas produzidos para compartilhamento com outros sujeitos da comunidade também. A pesquisa pode construir um território de conversas inusitadas em torno da vida com AVC, dos modos de cuidar e de olhar/significar a deficiência. A exposição, produzida em conjunto com os sujeitos da pesquisa, ficou montada por cinco dias na instituição e ganhou o nome “Um Bom Lugar”, sugestão de um dos participantes.

3 Resultados e Discussão

3.1 Imersões e trajetos junto a Estratégia Saúde da Família

Nos caminhos do estudo percebemos a importância de observar a instituição de saúde da família, a ESF Bela União, em que os sujeitos estavam vinculados e onde se deu a composição dos Mapas Corporais. Mostrou-se necessário abordar essa temática e conceituar o modelo de assistência à saúde da comunidade na qual estes estão inseridos. Também pelo fato de que esta instituição de saúde atravessa a produção da pesquisa, dos corpos dos sujeitos que acompanhamos, bem como, o do pesquisador e a composição do território por onde pretendemos transitar.

A ESF Bela União localiza-se no bairro Caturrita, Santa Maria/RS. Faz parte da rede de saúde da cidade e atende casos de baixa complexidade, referentes à atenção básica. A equipe é formada por enfermeira, técnica em enfermagem, médica, agentes comunitários de saúde e recepcionista. Além desses profissionais, recebem estagiários de terapia ocupacional, enfermagem e medicina, oriundos de diferentes instituições de ensino. A equipe, desde o princípio, se mostrou receptiva e acolhedora à realização da pesquisa junto a esta unidade.

Podemos conceituar a ESF como parte do primeiro nível de atenção à saúde, a Atenção Básica, sendo a porta de entrada principal dos usuários ao Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a Politica Nacional de Atenção Básica (PNAB), a Estratégia Saúde da Família

visa à reorganização da atenção básica no País, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde, e é tida pelo Ministério da Saúde e gestores estaduais e municipais, representados respectivamente pelo Conass e Conasems como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da atenção básica por favorecer uma reorientação do processo de trabalho com maior potencial de aprofundar os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção básica, de ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade (BRASIL, 2012, p. 54).

Desse modo, entendemos que a ESF tem o objetivo de reestruturar a atenção básica, de forma que esta esteja mais orientada com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. Assim, a ESF está mais centrada nos usuários e suas famílias, levando em conta a realidade da comunidade onde vivem e todo o contexto no qual estão inseridos. Ainda, esse modelo busca romper com as práticas assistencialistas e fragmentadas de saúde, pensando na integralidade do sujeito.

Para que esse modelo se concretize, também é necessária a estruturação do vínculo entre usuários e equipe de saúde, de forma que se mantenha uma relação de confiança entre as partes. Esse vínculo se revela no contato entre a equipe e as famílias, nas visitas domiciliares, onde os profissionais conhecem as pessoas pelo nome, sabem sua história de vida e levam isso em consideração no atendimento ao sujeito. É quando os sujeitos sentem-se à vontade para relatar suas queixas e necessidades e veem na equipe uma rede de suporte efetiva. Em suma, conforme nos esclarece Viegas e Penna (2012), a ESF deve ter sua atenção centrada no usuário, de forma que a família seja o foco da intervenção.

Podemos entender que a ESF busca alinhar sua conduta baseada nos preceitos de humanização em saúde, a qual

pressupõe considerar a essência do ser, o respeito da individualidade e a necessidade da construção de um espaço concreto nas instituições de saúde que legitime o humano das pessoas envolvidas (SIMÕES et al., 2007, p. 442).

Ainda de acordo com Simões et al. (2007), a Estratégia Saúde da Família está ganhando mais visibilidade em todo o Brasil, por se tratar de um modelo que tem o objetivo de aperfeiçoar a assistência em saúde, melhorando o acesso da população ao sistema e qualificando o atendimento ofertado pelo serviço.

Contudo, ainda é um desafio formar profissionais da saúde que saiam da graduação com esse olhar mais voltado para o sujeito, justamente porque o modelo ainda vigente de formação dos cursos da saúde é mais alinhado a prática biomédica. Batista e Gonçalves (2011, p. 886) corroboram com essa afirmação, acrescentando que

Apesar de alguns avanços, a formação dos profissionais de saúde ainda está muito distante do cuidado integral. O perfil dos profissionais de saúde demonstra qualificação insuficiente para as mudanças das práticas. Uma necessidade crescente de educação permanente para esses profissionais, com o objetivo de (re) significar seus perfis de atuação, para implantação e fortalecimento da atenção à saúde no SUS é um grande desafio.

Assim, percebemos que é necessária uma mudança na formação dos profissionais, com discussões que considerem o contexto e história do sujeito, os princípios e diretrizes do SUS, bem como a realidade da atenção à saúde no país. Desse modo, a Estratégia Saúde da família, entre outras, foi pensada justamente para tentar modificar um pouco esse modelo de atuação centrado principalmente na cura de doenças e agravos.

Pela forma como está estruturado o modelo de assistência à saúde na atenção básica como saúde da família, podemos identificar em grande parte a sua relação com o modo de pensar o sujeito e a prática da terapia ocupacional, que são aqui tomados nesta pesquisa. Assim, entendemos o sujeito como um ser único, com sua história de vida singular, cercado por um contexto que influenciará em seu cotidiano, valores, crenças e sua saúde como um todo. Dessa forma, buscamos romper com uma visão reducionista que não considera todas as especificidades do sujeito e o fragmenta, categorizando-o de acordo com uma patologia ou condição de saúde, apenas.

Discutir o corpo como processo e sendo moldado pelas experiências ao longo da vida (LIBERMAN, 2010; SAITO; CASTRO, 2011; KELEMAN, 1992; KELEMAN, 1994), pode se relacionar com o conceito de integralidade, para pensar este sujeito alvo das práticas de saúde como alguém cuja presença, corporeidade, exprime processos saúde-doença de um território, repleto de narrativas pessoais, ambientais, sociais, culturais. Uma saúde que também é processual, produzida e produtora de novas narrativas para este sujeito e seu entorno. Bem como, um corpo-sujeito inserido em seu cotidiano, que age singularizando a história do mundo, de seu entorno social e cultural, sendo parte daquilo que inventa ou repete as coordenadas deste mesmo mundo (LIMA; OKUMA; PASTORE, 2013). Compreenderem-se como parte, integrantes igualmente deste percurso de composição do mundo, parece favorecer que profissionais e sujeitos do cuidado se engajem simultaneamente na produção de saúde.

Desta forma, podemos pensar que quando nós, terapeutas ocupacionais, buscamos intervir nos processos de saúde e de subjetivação através da realização de atividades, estamos atuando no interior de um campo cultural que produziu uma forma de fazer, um saber-fazer, uma tecnologia. Estamos inseridos em um território coletivo. No entanto, não podemos desconsiderar que quando alguém faz alguma coisa nesse território, quando alguém age, produz-se um movimento singular que é como uma pequena desterritorialização daquele território no qual a ação emergiu (LIMA; OKUMA; PASTORE, 2013, p. 251).

Com a intervenção sendo proposta na ESF, pode-se perceber certo empenho por parte da equipe em fazer com que a pesquisa acontecesse e um cuidado na indicação dos sujeitos, para que a proposta pudesse ser uma intervenção interessante para eles. Ainda percebeu-se uma mudança dentro do espaço físico da instituição, onde havia uma movimentação diferente nos dias da pesquisa. Os profissionais da unidade acabaram percebendo essa mudança no decorrer do processo, seja nas conversas nos corredores, seja por uma palavra de incentivo a pesquisadora e/ou aos sujeitos, ou de como relatavam que estavam notando alguma diferença positiva nos sujeitos. Havia uma movimentação diferente naqueles dias em que eram realizadas as intervenções. A chegada dos participantes, que não estavam ali para alguma consulta ou retirar algum exame, e sim para participar da intervenção proposta. Havia um papel de protagonismo quando chegavam para as sessões marcadas. O preparo da sala de consultas para a atividade, tão diferente do que esta estava acostumada a receber cotidianamente, como evidenciado em um trecho do diário de campo elaborado durante o período da colheita de dados5:

A sala que todos os dias, rotineiramente recebe pacientes para realizar consultas, procedimentos médicos e de enfermagem se viu forrada de jornais, com tinta, lápis, pinceis. A maca, onde os pacientes deitam, serviu de mesa para realizar a atividade, enfim, o espaço pôde experimentar outro sentido de existir (DIÁRIO DE CAMPO, anotações do dia 24.03.2017).

Foram pequenos gestos e pequenos episódios que iam acontecendo que possibilitaram que a ESF pudesse também ser resinificada. Em meio à rotina corrida do lugar, a intervenção surgiu como um respiro das práticas, dos espaços, abrindo uma brecha para a novidade, para construção de outros modos de habitar e se relacionar com a unidade de saúde na busca por ou na produção de um cuidado.

No cotidiano da ESF, conforme a pesquisa ia ocorrendo simultaneamente ao funcionamento dos serviços de costume da instituição, observou-se, porém, um grande cuidado e preocupação com as pessoas atendidas, não no sentido de apenas monitorar sua condição de saúde, mas muito mais que isso, estar disponível para tentar ajudar o outro. A impressão que fica é que por mais que existam as linhas duras no trabalho dos profissionais da saúde ali, que são relacionadas ao próprio funcionamento do sistema, ainda assim, há possibilidade de encontrar passagem para as linhas de fuga, que também conseguem se fazer presentes.

A construção da exposição junto com usuários e em negociação com a equipe local possibilitou-nos observar as durezas expressas nas paredes que não podiam ser modificadas por uma semana, com seus cartazes de informações de saúde e de funcionamento da unidade, e que não poderiam agregar novos pregos. Bem como, as levezas, quando foi possível colocar por cima de algo o mapa de um, achar uma brecha em outro prego para o mapa de outro, preparações para a vernissage na sala de espera. O dia da exposição fora marcado por olhar e habitar estas brechas, conversar sobre outros assuntos que não se referiam ao adoecer, mas ao que cada um vem fazendo com ele. Novas relações entre os sujeitos, e destes com o próprio AVC, nesta cena, por exemplo, um ensina ao outro como produzir um chimarrão com a nova mobilidade de seus braços e mãos decorrentes da deficiência adquirida. Podem rir juntos das atrapalhações cotidianas, trocas sobre novos modos de viver.

Contudo, percebeu-se que ainda é difícil realizar um trabalho com uma perspectiva de atuação que visa à desconstrução de intervenções mais reducionistas, dentro de uma instituição onde o cotidiano de atuação é tão regrado e fragmentado pelos saberes e práticas de cada uma das disciplinas de cuidado. As práticas de saúde na instituição, por mais que busquem uma qualificação no cuidado, ainda não conseguem abrir espaço para ações pautadas pelas necessidades dos sujeitos e da comunidade, e deste modo, inventadas e/ou construídas de forma interdisciplinar. Como nos fala Ceccim e Merhy (2009, p. 537), a visão pautada no corpo biológico, que ainda é muito presente em algumas instituições de saúde

anima a construção de certas formas do agir clínico em detrimento de outras. O particular suprime a demanda pelo singular, protege-se o exercício das profissões em detrimento do acolhimento do outro em suas reais demandas [...].

Observou-se o quanto é instituído este lugar em que práticas voltadas à produção da vida não cabem na rotina de uma instituição de saúde e acabam tomando um caráter de menor importância. Compreendendo produção da vida, como um ato “onde cada um pode gerar um cuidar de si, não para construir um jeito protocolar de viver, mas para construir seu modo original de viver” (CECCIM; MERHY, 2009, p. 540).

Observa-se que só será possível a mudança nas práticas, se estivermos disponíveis a mudar nossas estratégias de atuação e pensar não apenas no que deve ser feito, mas no que é possível ser feito, para que de fato exista uma produção de saúde no território. Produção de saúde esta, não apenas quando se atua na cura de doenças e agravos, de forma reativa à demanda imediata com que se deparam os serviços de saúde, mas de fato, procurar intervir na promoção e prevenção da saúde, ao estar disponível a escutar o que os sujeitos trazem, propondo-se produzir um cuidado mais humanizado.

Aí, o cotidiano do atender passa a ser visto como um campo singular da produção de saúde, e não como um campo particular da prestação de assistência (CECCIM; MERHY, 2009, p. 533).

3.2 Um Narrar: Percurso ao lado dos sujeitos e a confecção dos Mapas Corporais

Um corpo, constituído por inúmeras narrativas ao longo de nosso percurso de vida. É através do que vivemos e do que fazemos com isso, vincularmente, que vamos produzindo a nós mesmos na relação com os outros no mundo. É por meio dos encontros com as muitas narrativas (dos sujeitos e nossas, dos espaços, dos ambientes vinculares, das histórias do bairro e da unidade de saúde) também que esta pesquisa ganha sentido e forma. Nesta direção, nos encontramos com as pessoas participantes deste estudo, e com as quais compusemos os mapas corporais. Galheigo (2009, p. 9, grifo do autor) nos diz,

Sem dúvida, o narrador fala de fatos, eventos e experiências. Só que ele fala na linguagem dos contos e das histórias, isto é, ele fala não a partir do, ou rumo ao fato em si, mas, conta algo pelo valor e pelo significado que a ele atribui [...].

Assim, apresentamos uma história destes encontros com Ana e José (nomes inventados por eles), com Marlize, a pesquisadora e Andréa, a orientadora. Camadas distintas desta experiência de fazer corpo com, importante destacar que havia um relato surgido entre Marlize e os participantes, e outros compostos entre ela e a orientadora. O que se segue é um percurso entre estes, muitos outros seriam possíveis.

3.2.1 Ela, a Ana

Tem 55 anos, é casada e quatro filhos. Teve diagnóstico de AVC em 2014 e, com este, algumas limitações físicas e variadas tentativas de suicídio. Desde então, agrega ao diagnóstico inicial este outro de sofrimento psíquico grave. Ela trabalhou em muitos lugares, limpando casas de outros e instituições, servindo pessoas em eventos, mas, depois dos diagnósticos não retornou ao trabalho. Limpa hoje sua casa e diz gostar de cuidar da horta e do jardim. O trabalho era central na construção de sua vida cotidiana, sua rotina era marcada pelos horários de entrada e saída dos espaços de trabalhar, sua família e casa ocupavam o tempo que sobrava, relatou não ter tempo para descansar e se cuidar. É no espaço de trabalho que sofre o AVC e são seus colegas que prestam socorro. Na confecção de seu mapa corporal (Figura 1), Ana escolhe a cor verde para contorno do corpo, pois representa a cor do uniforme utilizado no hospital onde trabalhava.

Fonte: Autores, 2017.

Figura 1 Mapa Corporal Narrado produzido por Ana. 

Neste momento, começamos a perceber como o desenho do Mapa vai favorecendo um reconhecimento de si, e a composição de uma forma que pode agregar elementos presentes na vida antes do AVC com a atual. Como símbolo pessoal, escolhe um broto, pois nos diz gostar de trabalhar no jardim. Para o slogan coloca a frase: “Vou voltar a lidar em minhas plantas como lidava antes e voltar a fazer o que fazia antes!”. Representando as marcas da pele, coloca em seu ventre uma figura de uma mãe com seus filhos para citar a cicatriz da cesárea. No centro do corpo coloca uma imagem do fogo, referindo-se a uma sensação de queimação que vem do peito e desce até o estômago. Também desenha ao lado do corpo uma bola para representar uma dor embaixo do braço. Notamos que compartilhar conosco, em um ambiente vincular que favorece a escuta de si e suas percepções, bem como, grafa-las, permite a ampliação da consciência deste corpo, de suas reais potências e limitações, do “contínuo do processo formativo” (KELEMAN, 1994).

Representando o percurso de tratamento, utiliza o símbolo de uma pessoa em uma cama de hospital e uma imagem de um médico, referindo-se ao tempo que ficou internada. Também coloca algumas flores, pois ganhou muitas nesse período. As linhas de composição do cuidado em saúde, olhadas anteriormente, ao traçarmos um trajeto com a ESF em seu lugar de moradia, retornam aqui, produzindo os corpos. O tratamento é representado de modo que o sujeito é passivo, deitado em uma cama, e chama-nos a atenção como a imagem de “cura” como algo que vem de “fora de si”, retorna neste desenho. Assim como, notamos uma desapropriação dos processos saúde-doença, numa submissão a um saber encarnado pelo “médico”, mas que poderia ser pelo “profissional de saúde”. De outro lado, aparecem as “flores”, cuidados vindos de familiares, de amigos, e mais uma vez, a ligação com uma ação que lhe parece fazer sentido. As flores fazendo fugir a totalidade da atenção em saúde prestada pelos profissionais de saúde, abrindo respiros e outros modos de engendrar cuidar.

No processo, em diferentes situações temos a impressão de lidar com duas vidas, a de antes e a de depois do AVC, a vida normal e a vida anormal, relata que “não é possível voltar a ser feliz se não puder voltar a ser normal”.

Parece-nos que o lugar que o conceito de deficiência ocupa em um território irá depender da forma como essas pessoas são vistas, repercutindo na forma como elas mesmas se reconhecem como deficientes. Um lugar em que é recorrente a sensação de que “algo falta” de que o corpo é anormal. Destas imagens-sensações decorre, também, a espera de uma cura que possa tirá-los desse lugar e que possibilite viver normalmente. Em nossos trajetos entre o contato com Ana e José, e os espaços cotidianos dos mesmos, deparamo-nos com esta deficiência associada à falta, com esta imagem de uma cura idealizada, que venha de alguma força superior (FARIA; SEIDL, 2005; RODRIGUES, 2009). Não há espaço para elaboração do que o sujeito pode, apesar da deficiência, no processo, mas no depois, quando se curar. Esse olhar perante a deficiência acaba mantendo o processo de adoecimento do sujeito, pois não há espaço para uma invenção de si. Esse ponto aparece com frequência na fala de Ana:

Se eu ficar bem, se Deus me ajudar que eu vá ficar bem, o meu futuro é esse. É voltar a trabalhar, voltar a viver, voltar com aquela alegria, com aquele amor, assim de vida, de me ajeitar, de me arrumar, de entrar numa loja, comprar uma roupa, [...] de pagar uma conta, é isso. [...] Às vezes eu penso assim, será um dia eu vou voltar a fazer o que eu fazia antes, sabe? (Ana, 4ª sessão, 25.04.2017).

Outro ponto observado na fala de Ana é sobre a sua percepção de saúde com a deficiência, pois ela não se considera saudável:

[...] Não, eu acho que eu não tenho saúde [...]. Se Deus me ajuda, que eu ficar com esse meu braço bom, meu pé não ficar pesado, e a minha visão me clarear mais, eu já me sinto realizada. Eu já posso dizer assim, eu tô boa. Mas assim como eu ando, eu não tô boa (Ana,1ª sessão, 29.03.2017).

Em seu mapa corporal ela escolhe um broto como símbolo pessoal, diante disso, buscamos associar a imagem a diferentes significados e sentidos, relacionamos com sua relação com a terra e o plantar, com renascimento, mas também com aquilo que ainda não se tem claro de que forma vai ganhar no processo, nem se vai vingar. O broto é um possível, agregando em si mesmo a morte e a vida, simultaneamente. Dos encontros entre Ana, o mapa e a pesquisadora parece se abrir uma singular construção de novas narrativas com o AVC. O broto ao remeter a ação de cuidar das plantas parece fazer uma ponte entre as duas vidas, já que era algo que realizava antes e uma das únicas coisas que permaneceu após a deficiência, fala do prazer que sente em mexer com a terra. Ela fala a respeito disso no trecho a seguir, quando responde sobre o motivo da escolha do símbolo:

Porque eu gosto de lidar na terra e eu gosto de plantar, ter horta, ter verdura e ir lá e colher um tempero verde (Ana, 2ª sessão, 04.04.2017).

Desse modo, pudemos pensar no broto como um lugar possível de reinvenção da vida. Por mais que o AVC tenha paralisado a processualidade de sua existência cotidiana, algo pôde vingar após essa ruptura, algo que ela conseguiu deixar vivo, um elo entre tempos rompidos, uma possível continuidade de si mesma.

Quando perguntada a respeito do que representa seu corpo atualmente, ela refere a ela mesma como “Uma inútil. Uma sem capacidade” (Ana, 4ª sessão, 25.04.2017). Dessa forma, essa falta de produtividade que veio com o AVC também suscitou sentimentos de inutilidade, em um corpo que não pode mais responder à destreza necessária que seu trabalho exigia. A relação trabalho, ser produtivo, faz retornar mais uma vez a imagem da deficiência como falta, criando uma expressão deste corpo como ser incapaz. Ainda, observamos que tirando o trabalho de sua vida, o sentido de viver acabou se perdendo. Seu cotidiano parecia se tecer em torno do trabalho e tarefas domésticas sem muito espaço para refletir, descansar, inventar. Em seus relatos, o trabalho sempre aparece como algo primordial em seu cotidiano. Paradoxalmente, o que contribuiu para o surgimento do AVC também foram o trabalho e as exigências da vida diária. Com uma rotina desgastante, de um emprego a outro, associado aos cuidados precários à sua saúde, houve o surgimento da condição para o AVC.

A motilidade dos tubos estabelece a forma contínua da pessoa [...] seu padrão de expansão e contração organiza percepções e cognições básicas: vazio, cheio, lento, rápido, expandido, retraído, engolido, expelido. Os sentimentos e pensamentos são fundamentados nessa ação de bombeamento. O padrão de motilidade pode ser aumentado na hiperatividade ou reduzido na hipoatividade, por medo, raiva ou choque. Podemos nos mobilizar até o frenesi ou nos desmobilizar até a apatia e o colapso (KELEMAN, 1992, p.17).

O encontro com esta linha de força, trabalho-produção-existência, fez-nos pensar na importância de tomar o cotidiano como matriz do raciocínio clínico em terapia ocupacional, a centralidade de uma ação e o empobrecimento da vida de Ana no que tange a experiências que lhe possibilitassem descansar, imaginar, sonhar, refletir, desenrolam um campo de possibilidades para a expressão do adoecer na forma de um AVC. De outro lado, se estes são valores que fomentam as relações sociais e culturais de um território, atuar com pessoas com deficiência deveria pressupor olhá-los e trata-los, e não só aos sujeitos, “reabilitar o contexto”.

O AVC pode vir a ser a expressão desta vida, é a falta de espaço para habitar o relaxamento, é a tensão e o aperto do ritmo pessoal em relação ao ritmo social, é a forma-corpo deste modo de viver. Neste sentido, se complexificam as suas variadas tentativas de suicídio, nos fazendo perguntar: o que exprimem destas relações entre ela, os outros e o mundo? Neste trecho ela diz:

[...] Se eu continuar assim eu não tenho mais vontade de viver. O que me faz pensar em não fazer uma besteira, não fazer uma coisa como eu já fiz, mas agora se eu fizer tem que ser bem feito pra não ter volta, é a minha mãe, somente minha mãe (Ana, 3º sessão, 18.04.2017).

Pensamos também com ela como o AVC pôde vir a ser experimentado como uma finalização, uma perda do corpo de antes e da vida que Ana tinha antes. Concordamos com Keleman (1997) que denomina essas finalizações de pequenas mortes, são ciclos onde estamos sempre em processo de perdas e novas descobertas. Onde é necessário finalizar algumas coisas do passado para que as novas possam se estabelecer em nossa vida. Para Ana, é difícil encarar essa perda como algo natural ou parte do processo de estar no mundo. Para o autor,

elaborar nossos fins permite-nos redefinir nossas relações, nos render ao que está morto, aceitar o que está vivo e estar no mundo mais plenamente para encarar a nova situação (KELEMAN, 1997, p. 45).

Observamos que a confecção dos Mapas pode ser um caminho de reconhecimento destas pequenas mortes ao longo da vida, de rever mudanças quando do nascimento e do crescimento dos filhos, de quando terminou um trabalho ou começou em um novo que lhe dava outra possibilidade de pertencimento e reconhecimento social, do próprio AVC, dos momentos em que desejou morrer ou que teve de encarar a morte de entes queridos, por exemplo.

Quando fala a respeito do que percebe de positivo em sua vida atualmente, responde:

Eu a única coisa que eu tenho de positivo, é a força que meu marido me dá. É ele (Ana, 1ª sessão, 29.03.2017).

Assim, notamos o quanto o apoio das pessoas próximas torna-se algo significativo para enfrentar os desafios que a deficiência acarreta (BOCCHI; ANGELO, 2005). Observamos que este apoio deva vir no sentido da cooperação, de relações vinculares de apoio, de trocas afetivas e materiais, de cuidados que operem de modo horizontal favorecendo a ampliação da contratualidade social e não sua anulação. Desenha um coração vazio, pois refere que seu coração está oco por dentro, sem alegria. No auto-retrato coloca olhos tristes e boca sem sorriso, pois diz que é assim que aparece para as pessoas.

Apesar de Ana possuir uma relação conflituosa com os filhos e estes muitas vezes não terem paciência com as limitações da mãe, o esposo acaba sendo seu apoio em casa, ao dar suporte e ao intermediar a relação com os filhos. De outro lado, na análise corporal coloca a imagem de um abraço de mãe e filha, dizendo que a sua força vem da mãe. Nas estruturas de suporte coloca a imagem de pessoas de mãos dadas, representando o apoio dos familiares. No processo, observamos que a rede de apoio vai aparecendo aos poucos, desde as flores no hospital até aqueles por quem não é possível se matar. Ganham no desenhar presença vincular, aparecem cenas de trocas com os filhos e seus companheiros, com a mãe, o esposo.

Em outro momento da entrevista, Ana fala a respeito da maneira como ela observa algumas pessoas, suas vizinhas, se dirigindo a ela com um olhar de pena. Narra que as mesmas pessoas que a admiravam por seu papel profissional anteriormente, agora sentem piedade dela. A imagem da deficiência, já explorada anteriormente, retorna na produção do olhar do outro e de si mesmo a respeito desta nova condição,

Eu não gosto é que fiquem me criticando, ficam me olhando, parece com pena. Eu não quero que tenha pena de mim, sabe, eu só quero que as pessoas me ajudem duma maneira do coração, não: ah coitada, [...] ela era tão trabalhadeira. Já disseram: ah coitada ela era tão trabalhadeira, ela trabalhava tanto, agora tá assim. Eu não gosto de ouvir isso (Ana, 2ª parte da 2ª sessão, 11.04.2017).

Para o futuro, coloca a imagem de uma pessoa escrevendo e uma carteira de trabalho, referindo-se a vontade de ter a sua agenda lotada de compromissos como antes e voltar a trabalhar. Também coloca uma mulher de traje preto, pois era assim que se vestia para trabalhar em eventos. Coerente com os valores compartilhados com seu grupo social, Ana projeta-se como ser produtivo e trabalhador. Rever estes sonhos, imaginar outros de si, novos rumos pressuporia um trabalho terapêutico ocupacional na direção da produção de novos valores culturais em torno da deficiência, novos sentidos para a palavra “produtiva”, sentidos estes, que implicassem outras esferas da vida cotidiana. Ações que investissem no que deixa de mensagem aos outros:

Gostaria que as pessoas tivessem mais respeito por mim, pelo jeito que estou. 6Quem me conheceu sabe que não é assim que eu sou, pois só estou assim porque fiquei doente. Meu coração não mudou, continuo amando as pessoas (Ana, 2ª parte da 2ª sessão, 11.04.2017).

3.2.2 Ele, o José

Tem 80 anos e vive na cidade há cinco anos. Sua vida anterior fora trabalhar no campo. Viúvo da primeira esposa casou-se novamente com uma mulher que conheceu na cidade. Ela é também responsável por seus cuidados após o episódio de AVC que o deixou com algumas sequelas físicas. José traz em seus relatos uma grande ligação com o dinheiro e sempre mensura as coisas pelo valor atribuído a elas. Passa boa parte do tempo em casa, tomando chimarrão e trabalhando na horta. Toda a sua história é permeada pelo trabalho no campo, na casa nova encontrou uma forma de deixar isto presente, segundo ele, na horta que cultiva em casa junto com a esposa.

Em seu mapa corporal (Figura 2), José escolhe para o corpo as cores vermelho e verde, pois diz que gosta delas e que combinam. Para simbolizar o percurso de tratamento, escolhe um pássaro e uma borboleta, pois no hospital se sentia protegido como em uma casa de passarinho. Escolhe também um avião, pois o hospital fica perto da base aérea da cidade e ele ouvia muito o som dos aviões. Acompanhar José nos faz entrar em contato com outros modos de se relacionar com o mundo. O trabalho, também central em sua vida, se realizava de outro modo, ele cultivava uma terra que era sua, com a qual se relacionava de modo cooperativo para que lhe rendesse matéria com a qual negociava um lugar nas trocas materiais do lugar onde vivia. As imagens dos bichos, as cores das plantas aparecem não como metáforas, mas como elementos reais de seu dia a dia, presentes em sua maneira de simbolizar, significar.

Fonte: Autores, 2017.

Figura 2 Mapa Corporal Narrado produzido por José 

Para o símbolo pessoal, escolhe a imagem de um gato e como slogan coloca uma frase explicando sobre o símbolo: “Me sinto como um gato, sete vidas. Pulo, salto, não me entrego”. Diz que em muitos momentos de sua vida ocorreram fatos que poderiam derrubá-lo, mas que seguiu firme, como se possuísse sete vidas. Para as marcas na pele, desenha formigas no ombro direito representando uma sensação de formigamento. Também desenha a imagem de uma cicatriz representando uma cirurgia na vesícula. Liberman (2007, p. 36), em sua leitura do trabalho de Keleman coloca: “podemos dizer [...] que tudo que vivemos é atividade somática”. No percurso com José vamos observando que seu vínculo com seres vivos, animais, insetos, plantas, a terra, permite a construção de um corpo processual, que vive o adoecimento como parte da produção mesma da saúde. Suas imagens representam elementos em movimento que nos levam a pensar que “as pequenas mortes” são experimentadas por ele de modo distinto de Ana, suas “sete vidas” nos sinalizam a potência de reinventar-se, driblar. A imagem do gato que sabe saltar, cair e levantar nos faz pensar em modos de existir com o AVC, na deficiência revertida em potência.

Neste sentido quando fala do significado do AVC em sua vida, diz:

Me representa um baita dum atraso. É, eu me anseio muito por causa do serviço né, com essa mão que tá eu não posso pegar né, vou te dizer que me anseio que é uma coisa muito séria, [...] fico bem furioso (José, 3ª sessão, 07.04.2017).

O reconhecimento das limitações são presentes na fala dele, outro corpo se fez para José com a experiência do AVC e com este procura construir um modo de existir por meio de ações que lhe são importantes e o constituem como sujeito no mundo. Nota-se que José consegue preservar algumas atividades de antes, por mais que tenha a consciência que não as realiza com a mesma habilidade. Ao comentar sobre as dificuldades e como cria coragem para enfrentá-las no cotidiano, responde:

[...] não, força eu tenho bastante [...]. É caminhando, andando, fazendo o serviço, vai agarrando coragem né. Pegando lá, movimentar, ai ganha coragem (José, 3ª sessão, 07.04.2017).

Outro exemplo é a horta que cultiva com o auxílio da esposa:

[...] tá verdejando a horta já. Hoje mesmo já ‘semeamo’ uns canteiro, umas semente. Mas já temo temperinho verde já dá pra ocupar, alface já dá pra cortar, ‘ruca’, de tudo, de tudo, tô ‘prantando’ (José, 4ª sessão, 28.04.2017).

É interessante observar o contraponto entre os dois participantes, a forma como cada um elaborou a deficiência e como tomaram esta para a sua vida. Aqui, novamente podemos pensar sobre os modos como as pessoas encaram as pequenas mortes. Podem ser vistas como parte natural do processo de estar no mundo (KELEMAN, 1997), ou pode-se simplesmente acreditar que a deficiência veio por alguma espécie de castigo e experimentar formar no corpo a expressão dessa concepção de ser deficiente. Assim, ao tomar a deficiência como um infortúnio, promovendo uma ruptura na vida cotidiana. Para Ana, a deficiência veio como um castigo que estava predestinado a ela:

Mas eu digo, tudo tem que acontecer comigo, mas se a gente tem uma passagem brutal, eu já tô passando minha passagem brutal [...] (Ana, 2ª parte da 2ª sessão, 11.04.2017).

Ao contrário, José, apesar das dificuldades por causa das sequelas, conseguiu se reinventar com tudo que lhe aconteceu e encarar essa pequena morte como parte do processo de viver. Assim, consegue planejar um futuro e ter objetivos de vida:

Eu espero que mais adiante se Deus quiser eu vou ter a possibilidade de comprar uma área de terra pra mim, pra fora, plantar e criar que eu tinha de primeiro né, eu criava pra fora, eu tenho ali os bloco [...] do gado que eu tinha né [...] Comprar uma chácara [...] se Deus quiser eu vou alcançar, vou chegar lá, vou (José, 4ª sessão, 28.04.2017).

Na sua fala, há forte presença desses objetivos para o futuro, que para ele são muito possíveis de se tornar realidade. Em seus relatos, ele não fala das dificuldades apresentadas como algo impossível de aceitar. Porém, quando fala do seu corpo com as sequelas, sempre o relaciona com um empecilho à produtividade, já que dificulta na realização de suas tarefas. Percebe-se com os mapas corporais, que o AVC de José e Ana ali desenhados como parte do que constitui suas vidas, como um evento entre tantos, abre a possibilidade para incorporá-lo, para apropriar-se de suas narrativas pessoais. Ao mesmo tempo em que tornam visíveis as narrativas sociais que atravessam e produzem ações, que exprimem modos de existir e de adoecer no contemporâneo.

José quando fala de sua saúde reconhece que não é o mesmo de antes e não se considera uma pessoa saudável:

Eu tenho, nuns anos pra cá muito ruim, muito ruim. Nove anos pra cá, [...] minha saúde era boa, que eu não ia em doutor nunca. Mas de uns nove anos pra cá, Deus o livre. As quedas que eu tenho levado não é mole [...] (José, 1ª sessão, 24.03.2017).

O que é ser saudável? Acompanha-los faz problema no modo como se pensa saúde naquele território, associá-la a conseguir acompanhar as acelerações atuais do trabalhar, tornando-o o centro da vida cotidiana. A “produtividade” como sinônimo de saúde retorna no trajeto com ele e o “ser produtivo” como aquele vinculado ao ser trabalhador, que dedica boa parte de seu tempo cotidiano a esta ação. Os mapas parecem dar visibilidade a uma questão que está para além do indivíduo, mas que constitui o terreno de possibilidades de seu existir, deste modo, lançando luz a um aspecto social importante de ser considerado na construção de estratégias terapêuticas ocupacionais de cuidado. Estariam os terapeutas ocupacionais problematizando este “ser produtivo” junto com as pessoas ou simplesmente “habilitando-os” para retomarem a esta condição?

Para a rede de suporte, coloca a imagem de pessoas abraçadas, representando principalmente o apoio de sua mulher e filhos. Na análise corporal diz que sua força vem da memória, colocando a frase: “Penso avante e em frente!”. Diz que a força também vem do trabalho e coloca no braço esquerdo a imagem de uma pessoa carregando uma caixa. José busca em si uma saída, encontramos em Keleman (1994, p. 75) que

com sucesso ou não, vivemos a jornada de nossas vidas, a modelagem e remodelagem de nossos corpos e estilo de vida. O corpo vivo, nossa personalidade somática, é uma viagem e nós a vivemos através de muitos corpos.

Ao desenhar-se conosco na realização dos Mapas, José parece reconhecer sua forma atual, apropriar-se de seus modos de agir, de pensar e projetar-se outro de si. Quando nos fala do futuro, aparece a imagem de uma nota de cem reais, pois sonha em juntar muito dinheiro, mas também, a de uma chácara, de verduras e de grãos, pois ainda pretende voltar a morar no interior. Em seu processo, não observamos um desejo de voltar a uma forma anterior, resgatar algo perdido, apesar do cenário ser o mesmo, José traça uma vida futura com suas limitações e possibilidades atuais. Parece remodelar-se. Como mensagem aos outros, deixa a frase:

Meu desejo agora é melhorar para que possa me divertir com as pessoas no dia a dia! (José, 3ª sessão, 07.04.2017).

4 Considerações Finais

As narrativas vividas junto ao outro por meio da confecção dos mapas corporais possibilitaram a manifestação da pluralidade dos modos de existência. Cada pessoa possui sua história e esta é cercada por um contexto (GALHEIGO, 2009). Possibilitaram, ainda, dar visibilidade a dimensões coletivas do viver, de que conceitos, ideias, sensações, sentimentos compartilhados social e culturalmente são parte do que constitui tecido, define pulsatilidade de órgãos, músculos, construindo presença nos corpos. Produziu-se um exercício de pensamento a partir da concepção de corpo - processo (SAITO; CASTRO, 2011; KELEMAN, 1992; KELEMAN, 1994) e o modo como este é expressão das narrativas que tecem nossas vidas. Para Benjamin (1994, p. 205),

A narrativa [...] é ela própria [...] uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.

Narrar parece nos levar a relativizar o jogo com a verdade, parece-nos que em uma narrativa podem coexistir verdades, de quem conta e de quem escuta, a mesma história não terá fabulações de cenários e personagens, de desenhos, falas, gestos, idênticos em um ou em outro. Abre-se também um contexto em que os personagens podem transitar de papel, e ainda, habitar um lugar de testemunho de quem narra, operando uma importante alteração nos lugares de poder habitados em potência por terapeutas e sujeitos sob seu cuidado.

Outras perguntas nascem: como me narro em cada relação? Poderia habitar a multiplicidades de eus? Poderia tornar esta multiplicidade uma potência de existir, e de inventar um lugar de viver? Se os ‘fazeres’ cotidianos que me constituem podem ser olhados como narrativas, não se abriria então possíveis para reescrever personagens, contexto e desfechos? Produziríamos com esta provocação alguma mudança no jogo dos saberes e dos poderes?

Talvez hoje se espere de um terapeuta ocupacional que conheça as atividades, ou melhor, talvez, que saiba estudá-las, reconhecer suas dimensões culturais, as relações sociais que se estabelecem por meio desta ação ou que a criam, suas dimensões históricas e, ainda, analisar os sentidos e significados que cada um atribui, e como a executa singularmente. Em 2013, Lima, Okuma e Pastore encontramos que “atividade é o termo mais utilizado pelos autores brasileiros” (p. 244). Em sua pesquisa as autoras buscaram compreender como os termos atividade, ocupação, ação, aparece na produção brasileira. Destaca-se também em sua discussão uma afirmação em que dizem:

atividade refere-se a um campo sociocultural, enquanto ação e fazer remetem a um gesto singular [...] poderíamos pensar que um sujeito em ação atualiza de forma singular um campo de saberes práticos, cultural e historicamente constituído. Ao agir, o sujeito se apropria de símbolos, formas de fazer e conhecimentos e cria, a partir deles, sua marca, seu estilo (LIMA; OKUMA; PASTORE, 2013, p. 251).

Parece-nos interessante afirmar que o sujeito ao agir narra o mundo e a si mesmo, ao mesmo tempo em que pode vir a produzir novas formas de narra-lo e a si mesmo. Há no fazer singular uma potência do novo que pode vir a fabricar novos enredos para a vida humana e modos de executar as atividades, neste sentido, uma potência clínica.

Galheigo (2009) acrescenta que para lidar com a complexidade do ser humano é necessário muito mais do que somente o entendimento de dados isolados. Assim, sabemos que cada pessoa é única e traz narrativas diversas sobre sua vida e a forma que a deficiência influencia no seu modo de viver e formar corpo.

A pesquisa nos leva a afirmar um olhar para a constituição de práticas em terapia ocupacional junto a estes sujeitos, que desloque a centralidade no diagnóstico, observando os processos de constituição dos corpos, suas narrativas. Revendo técnicas e tecnologias de cuidado pautadas em protocolos, avaliações e métodos de intervenção. Estas acabam por repetir um formato pouco crítico e descontextualizado das reais necessidades dos sujeitos na produção de suas vidas cotidianas. Afirmando assim, um cuidado artesanalmente construído com cada um em sua singular expressão no mundo. Um modo de pensar a clínica que implica o terapeuta também em seu corpo-processo.

Observamos no percurso do estudo que a forma como a equipe conseguia ler as demandas e compreender as necessidades dos sujeitos estava mais ligado ao que aparecia junto com a inabilidade que a deficiência traz nos corpos. Com isso, acabava-se atualizando este modo de pensar a deficiência e a intervenção não conseguia alcançar a produção da vida. Isto se deve em parte à própria formação dos profissionais de saúde, que ainda é insuficiente para as novas práticas (BATISTA; GONÇALVES, 2011) e a forma de funcionamento do sistema, que dificulta uma maior reflexão do trabalho realizado, seja pela sobrecarga ou pela falta de espaços para formação continuada. Assim, percebe-se uma grande necessidade de educação permanente, para que sejam resinificados os modos de produzir saúde (BATISTA; GONÇALVES, 2011). Ceccim (2004, p. 163), ao abordar sobre a Educação Permanente em Saúde, acrescenta ainda que

a introdução desta abordagem retiraria os trabalhadores da condição de “recursos” para o estatuto de atores sociais das reformas, do trabalho, das lutas pelo direito à saúde e do ordenamento de práticas acolhedoras e resolutivas de gestão e de atenção à saúde.

Consideramos assim importante a continuidade de estudos e práticas que problematizem os conceitos de corpo na formação de terapeutas ocupacionais, como profissionais de saúde, de modo crítico e reflexivo, para que as ações possam repercutir na invenção e na afirmação de modos de viver e não na reprodução de lógicas excludentes e estigmatizantes.

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