versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.68 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2019 Epub 21-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000239
To evaluate and measure the effects of mental health internship on Medicine Students (MS) attitudes towards people with mental illness (PMI).
MS was submitted to an attitude questionnaire previously and after the mental health internship. Their attitudes were measured inside five factors: (F1) “social acceptance of PMI”, (F2) “normalizing roles for PMI”, (F3) “non-belief in supernatural causes for mental illness”, (F4) “belief in bio-psychosocial causes for mental illness,” and (F5) “near contact with PTM”. T-tests were used to evaluate factor differences, confounding factor were analyzed by ANOVA and correlations through Pearson’s correlation test.
74 of 85 students responded. There were a significant reduction in four factors (F1, p < 0.001, F2, p = 0.002, F3, p = 0.04, F5, p < 0.001). An association between having a PMI friend and F3 was identified before the course (p = 0.04), but not after (p = 0.13). A positive correlation was identified between belief in disease improvement and negative F2 attitudes before course (p = 0.01), but not after (0.40). F5 was related with disease improvement after course (p < 0.001), suggesting positive attitudes when improvement is expected. There were an increase in improvement expectations after course for schizophrenia (p = 0.02), bipolar disorder (p = 0.03) and anxiety (p = 0.03).
Mental health internship was related to a decrease in negative attitudes towards PMI. Personal contact seems to influence this improvement. We believe that the reduction of fear toward PMI is more powerful to reduce stigma than the acquisition of knowledge about its natural causes. More studies with a regionally distinct population in Brazil and aimed to measure the impact of fear are necessary to confirm this hypothesis.
Key words: Internship and residency; medical students; attitude; mentally ill persons; psychiatry
A atitude ante um objeto é importante tema de estudo da psicologia social desde o início do século passado. A própria definição do que significa o termo “atitude” sofreu diversas modificações ao longo do tempo. Atualmente, discute-se se é uma entidade psíquica única que influencia outros atributos mentais, se é composta por múltiplas capacidades cognitivas (afeto, memória e comportamento, por exemplo) ou se se trata de um “pano de fundo” que influencia e é influenciada por essas capacidades1.
Diversos trabalhos mostram que o comportamento do profissional de saúde e, portanto, suas atitudes e preconceitos direcionados aos seus pacientes nem sempre são positivos2-5, o que potencialmente pode interferir na qualidade de seu serviço6. Além disso, profissionais de saúde são formadores de opinião importantes para a população leiga, e seu modo de agir e expressar pode influenciar tanto positiva quanto negativamente a opinião da população por eles assistida7. Um grupo que sofre com estigmas e atitudes negativas, as quais impõem limites recorrentes em sua vida cotidiana e mesmo no seu acesso a serviços e direitos sociais, é o de portadores de transtorno mental (PTMs)8,9.
Em um grande estudo conduzido em São Paulo, Peluso et al. encontraram preconceito significativo a PTMs com esquizofrenia, assim como associação entre violência e depressão pela população geral10,11. Estudando o medo direcionado a PTMs, Scazufca et al. demonstraram que idosos com quadro depressivo são identificados como potencialmente perigosos por profissionais de saúde12. Mesmo que o treinamento em psiquiatria possa estar associado a atitudes menos negativas com relação aos PTMs13,14, um importante trabalho brasileiro já demonstrou percepções muito negativas e estigmatizantes por parte de psiquiatras15,16, o que corrobora achados internacionais sobre o tema17,18.
A World Psychiatry Association (WPA) lançou uma iniciativa, em 2001, voltada para o combate do estigma dos PTMs na população geral e entre os profissionais de saúde19. Diversos trabalhos ao redor do mundo já demonstraram que cursos em saúde mental, especialmente aqueles em que os profissionais lidam diretamente com PTMs, melhoram as atitudes desses participantes após a capacitação13,20-25. No Brasil, um estudo conduzido com alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou redução nas atitudes negativas quanto ao PTM após a rodada obrigatória no curso de Psiquiatria realizado no nono período da faculdade13,26.
Este estudo tem como objetivo avaliar o efeito do internato em saúde mental nas atitudes de alunos de Medicina, oriundos de outra região do Brasil, a fim de avaliar se os achados prévios podem ser replicados em outras populações. Pretende-se ainda avaliar se um curso com duração mais curta produz o mesmo efeito observado nos alunos do Rio de Janeiro e realizar um teste de campo com a versão modificada do questionário de atitudes utilizado naquela pesquisa.
Neste estudo, a população analisada foi composta pelos alunos de Medicina do sexto ano da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (FCMS) do Centro Universitário Lusíada. Em consonância com as novas diretrizes curriculares nacionais27, a FCMS incorporou o internato em saúde mental como parte obrigatória do currículo médico, em 2016. Desde então os alunos do sexto ano participam por aproximadamente quatro semanas (75 horas) de um curso teórico-prático conduzido na rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade, uma das mais antigas do país28,29. Neste ano, a parte teórica do internato foi administrada no campus universitário, por meio de metodologia mista utilizando técnicas expositivas e construtivistas de reflexão por meio da análise de casos clínicos. A parte prática foi realizada no CAPS 3 da Zona Noroeste e no CAPS 3 do Centro de Santos, onde os alunos participaram dos atendimentos, conviveram com os pacientes no ambiente da unidade, observaram o manejo de pacientes em crise no ambiente ambulatorial e de acolhimento 24 horas, sob supervisão dos professores da disciplina.
A turma do ano de 2018 foi composta de 85 alunos, que, para o internato, foram divididos em grupos de 7 a 10 alunos. O estudo passou pela análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Lusíada, assim como a coordenação do curso foi consultada antes do início das atividades, recebendo autorização para a aplicação dos questionários e a participação dos alunos. Os alunos foram convidados a participar do estudo no início e ao fim de cada rodízio, sem prejuízo quanto a frequência ou avaliação para aqueles que não quisessem participar. A identificação do questionário no início e ao fim do curso foi realizada por meio de desenhos ou códigos elaborados pelos próprios alunos, de forma que o pesquisador não pudesse identificar os autores, mantendo-os, assim, no anonimato. Houve grande adesão ao estudo e nenhum aluno se recusou a participar dele. Perdas referentes ao abandono do curso e falha em devolver o questionário preenchido na fase inicial ou na fase final do curso resultaram no descarte de 11 conjuntos de questionários.
O questionário já havia sido previamente aplicado em outras populações13,20,30. Sua versão em inglês foi traduzida para o português e em seguida retrotraduzida para o inglês para verificação de consistência de significado dos itens, sendo, em seguida, aplicada em português durante um estudo semelhante realizado no Brasil13. Na versão deste estudo, foi utilizada uma versão ampliada do questionário sociodemográfico composta por identificação de gênero, idade, naturalidade, renda familiar, situação conjugal, religião e experiência pessoal prévia com transtorno mental, diferenciando-se estar em tratamento, ter familiares em tratamento ou amigos PTMs. Foi medida ainda a expectativa de melhora de quatro transtornos mentais (depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno de ansiedade generalizada) na concepção dos alunos, em uma escala de 1 a 5, sendo 1 “não melhora muito” e 5 “pode ser curada”, para verificar possíveis associações dessas expectativas com as atitudes deles.
O questionário é autoaplicável, e as atitudes são avaliadas por meio de questões sobre as causas de adoecimento, baseado na campanha antiestigma da WPA19, aceitação e estigma social associado ao PTM, baseados no questionário Community Attitudes to Mental Illness31 e distância social, baseado no Fear and Behavioral Intentions towards mentally ill (FABI)32. As respostas poderiam ser dadas por meio de seis variáveis, a seguir: “Certeza que sim”, “Acredito que sim”, “Talvez sim”, “Talvez não”, “Acredito que não”, “Certeza que não”. Para a construção dos valores numéricos utilizados posteriormente na análise estatística, foram atribuídos pontos a cada resposta, variando de 1 a 6. As questões cujo conteúdo afirmava uma sentença relativa a atitudes positivas tiveram seus valores invertidos, de forma que, na pontuação final, valores mais altos representassem atitudes mais negativas, enquanto valores mais baixos, atitudes mais positivas.
Para a análise dos dados, 30 das 52 questões originais foram utilizadas, segundo o agrupamento por fatores identificados por uma análise exploratória de fatores (EFA) realizada previamente em outro estudo com o mesmo questionário20. Os itens analisados foram separados em quatro fatores, representando: “aceitação social de PTM” (fator 1), “não acreditar em causas sobrenaturais para doença mental” (fator 2), “papéis sociais comuns para PTM” (fator 3) e “acreditar em causas psicossociais para doença mental” (fator 4). A fim de analisar o efeito do curso sobre o medo de agressão e imprevisibilidade de PTMs e evitar um possível viés de desejabilidade social, 10 questões foram selecionadas utilizando-se a lógica de Krosnick et al.33 e Lauber et al.34. Esses autores defendem que esse viés diminui ou desaparece quando o assunto analisado leva a uma grande intimidade ou proximidade com o objeto estigmatizado. Essas 10 questões compuseram o fator aqui chamado de “íntimas”.
O valor dos fatores foi construído por meio da soma das respostas, organizadas de maneira a indicar que quanto maior é o somatório, pior são as atitudes do sujeito analisado. O EFA não foi repetido nesta amostra e o questionário pode ser solicitado via contato direto com o autor principal.
Testes t pareados foram utilizados para comparar os fatores e a crença de melhora obtidos no início e no fim do estudo. O ANOVA foi utilizado para avaliar possíveis influências socioculturais nos fatores antes e depois do curso. Testes de correlação realizados por meio do produto-momento de Pearson foram utilizados para avaliar a influência da soma das crenças de melhora dos quatro transtornos mentais nos fatores de atitude. Amostras com erros de preenchimento que comprometem a análise foram excluídas. Foram considerados estatisticamente significativos resultados com o valor-p menor que 0.05.
A amostra final foi composta por 74 alunos, sendo 53 mulheres (71,6%), com idades entre 22 e 35 anos (média de 25 anos, dp = 2,37). Desses, 56 (75,68%) declararam-se como religiosos, com maioria da amostra católica (42,4%), seguida por espíritas (19,7%) e evangélicos (6%). A grande maioria dos alunos é solteira (95,95%), natural do estado de São Paulo (100%) e oriunda de família com renda acima de 10 salários mínimos (72,97%). Vinte e quatro (32,43%) alunos declararam estar ou já ter estado em tratamento psiquiátrico, 45 (60,81%) disseram ter algum familiar PTM e 56 (75,68%) têm amigos PTMs.
Não foram encontradas relações ou associações entre gênero, idade, religião, renda ou experiência prévia pessoal ou familiar com quaisquer dos fatores antes ou depois do curso. O fator 3 esteve associado a conhecer amigos PTMs antes do curso (p = 0,04*), porém tal associação desapareceu após o curso.
Os testes t revelaram uma redução significativa de praticamente todos os cinco fatores após o curso, exceto pelo fator 4, que alcançou um valor próximo da significância estatística (p = 0,06). Os resultados para cada fator podem ser encontrados na tabela 1. Exceto por depressão (p = 0,12), os três demais transtornos mentais avaliados apresentaram aumento da expectativa de melhora após o curso de forma estatisticamente significativa, como pode ser visto na tabela 2.
Tabela 1 Teste t entre fatores antes e depois do curso
Fatores | t | p | Diferença das médias | Intervalo de confiança de 95% | df | Média anterior (dp) | Média posterior (dp) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Fator 1 | 5,7 | <0,001*** | 3,73 | 2,42-5,03 | 69 | 29,93 (7,07) | 26,2 (8,29) |
Fator 2 | 3,25 | 0,002** | 1,24 | 0,48-2,00 | 69 | 9,34 (4,67) | 8,10 (4,48) |
Fator 3 | 2,06 | 0,04* | 0,26 | 0,008-0,51 | 73 | 4,16 (1,22) | 3,91 (1,35) |
Fator 4 | 1,89 | 0,06 | 0,46 | -0,02-0,94 | 73 | 6,27 (1,96) | 5,81 (1,94) |
Íntimas | 6,63 | <0,001*** | 3,49 | 2,44-4,54 | 70 | 22,27 (5,67) | 18,77 (5,77) |
Tabela 2 Teste t entre expectativa de melhora antes e depois do curso
Expectativa de melhora | t | p | Diferença das médias | Intervalo de confiança de 95% | df | Média anterior (dp) | Média posterior (dp) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Depressão | -1,59 | 0,12 | -0,21 | -0,46-0,05 | 72 | 4,01 (0,94) | 4,22 (0,77) |
Esquizofrenia | -2,43 | 0,02* | -0,27 | -0,49-0,05 | 73 | 3,12 (0,68) | 3,39 (0,76) |
Transtorno bipolar | -2,20 | 0,03* | -0,23 | -0,44-0,02 | 73 | 3,50 (0,73) | 3,73 (0,65) |
Ansiedade | -2,26 | 0,03* | -0,29 | -0,54-0,03 | 72 | 4,01 (0,82) | 4,30 (0,70) |
O produto-momento de Pearson entre os fatores e a soma da expectativa de melhora dos transtornos mentais não encontraram correlações significativas antes do curso, exceto para o fator 2, no qual expectativas mais altas estiveram relacionadas com atitudes mais negativas. Após o curso, não houve mais associação entre os fatores 1, 2, 3 ou 4 e a expectativa de melhora dos transtornos mentais. Houve uma correlação inversa e estatisticamente significativa entre o fator “íntimas” (p < 0,001***) e a expectativa de melhora para os transtornos mentais após o curso. Estes resultados encontram-se na tabela 3.
Tabela 3 Correlação entre fatores e a soma das expectativas de melhora dos TMs
Fatores | t | p | Cor | Intervalo de confiança de 95% | df |
---|---|---|---|---|---|
Antes | |||||
Fator 1 | -0,78 | 0,44 | -0,10 | -0,33-0,15 | 66 |
Fator 2 | 2,64 | 0,01* | 0,31 | 0,08-0,51 | 66 |
Fator 3 | -0,67 | 0,51 | -0,08 | -0,31-0,15 | 70 |
Fator 4 | -1,31 | 0,19 | -0,15 | -0,37-0,08 | 70 |
Íntimas | -1,59 | 0,12 | -0,19 | -0,40-0,05 | 67 |
Depois | |||||
Fator 1 | -1,43 | 0,16 | -0,17 | -0,40-0,07 | 66 |
Fator 2 | -0,84 | 0,40 | -0,10 | -0,33-0,14 | 66 |
Fator 3 | -0,63 | 0,53 | -0,08 | -0,30-0,16 | 70 |
Fator 4 | 0,25 | 0,80 | 0,03 | -0,20-0,26 | 70 |
Íntimas | -4,12 | <0,001*** | -0,45 | -0,62-0,24 | 67 |
O perfil médio do aluno de Medicina da FCMS nesta amostra foi composto por mulheres, com cerca de 25 anos, cristãs, oriundas de família de alta renda, solteiras e naturais do estado de São Paulo. Esse perfil é compatível com a expectativa descrita por Medeiros35 a respeito da origem social desses alunos. A maioria já havia tido contato pessoal com PTMs previamente ao curso e muitos já haviam inclusive necessitado de ajuda por ter adoecido. Esse perfil é comparável aos alunos observados no Rio de Janeiro e próximo ao perfil de transtornos mentais de alunos de Medicina no Brasil13,36,37.
Fatores socioculturais são comumente relacionados entre os principais influenciadores das atitudes de uma população34,38. Foi surpreendente não encontrar quaisquer influências desses fatores nas atitudes dos alunos examinados, porém esse resultado é compatível com os já observados em alunos brasileiros13. A ausência de influência dessas características mesmo sobre o fator “íntimas” nos permite concluir que isso não se deu devido a um viés de desejabilidade social. Angermeyer e Dietrich, por exemplo, afirmam, em ampla revisão da literatura, que quanto maior a intimidade avaliada em uma questão, maior a tendência ao distanciamento de pacientes portadores de esquizofrenia38. Dito de outra maneira, esse resultado não foi devido ao desejo de parecer “social” ou “politicamente correto”, fornecendo respostas que são socialmente esperadas, mas contrárias a crença ou atitude real do indivíduo.
Embora não seja possível negar alguma influência da experiência pessoal prévia com PTMs devido ao encontro de um resultado significativo antes do curso entre o fator 3 e ter amigos PTMs, essa experiência parece ter efeito muito pequeno sobre as atitudes dos alunos. Chama a atenção o fato de que esse efeito desapareceu após o curso, não sendo essa característica relevante na análise de nenhum dos fatores. Essa pouca relevância já havia sido identificada na amostra de alunos do Rio de Janeiro13.
A análise dos fatores permite-nos concluir que, nesse grupo de alunos, o internato de saúde mental apresentou efeito importante na redução das atitudes negativas dos alunos de Medicina da FCMS. Podemos descartar o viés de desejabilidade social devido à detecção dessa diferença mesmo no fator “íntimas”, sendo este inclusive com maior tamanho de efeito do que entre os demais fatores. Ressalte-se que, segundo Krosnick et al., a proximidade física e emocional, assim como o questionamento a respeito de temas moralmente impactantes e geradores de medo, reduzem a influência do desejo de agradar o pesquisador33. Essa redução das atitudes negativas encontra-se em consonância com resultados obtidos em estudos internacionais utilizando-se este13,20-23 e outros instrumentos14,25.
Embora a expectativa de melhora dos transtornos mentais já tivesse sido colhida em estudos anteriores utilizando-se este instrumento, é a primeira vez que se mede a influência deles sobre os fatores. Foi observada correlação positiva entre as expectativas de melhora e o fator 2 antes do curso, porém após o curso apenas o fator “íntimas” apresentou uma correlação inversamente proporcional. O achado para o fator “íntimas” indica que uma expectativa de melhora alta está associada a menos atitudes negativas após o internato, o que faz bastante sentido. A correlação anterior ao curso, entretanto, não segue a lógica de que uma expectativa positiva leve a melhores atitudes.
Uma possível explicação é que os alunos que acreditam em causas sobrenaturais para o transtorno mental podem ser mais tolerantes com o diferente, o que já foi descrito39. Embora a religião possa ter importância no suporte dos PTMs40, isso estaria em contradição com os trabalhos africanos sobre religião e atitudes41-43. Essa associação tampouco foi encontrada em outro estudo com uma grande amostra envolvendo o mesmo questionário24.
Observamos que o internato produziu ainda efeitos positivos sobre a percepção de melhora dos transtornos mentais pelos alunos. Em nossa amostra, exceto por depressão, que não apresentou mudanças estatisticamente significativas, houve aumento na expectativa de melhora para ansiedade, esquizofrenia e transtorno bipolar do humor. Esse efeito não é totalmente compatível com o observado no estudo realizado no Rio de Janeiro, onde houve piora na expectativa de melhora de todos os transtornos, exceto da esquizofrenia26. Devemos nos questionar se essa diferença não se deve aos cenários onde o curso foi realizado: no Rio de Janeiro, o curso é realizado dentro de um hospital com forte tradição manicomial, onde os pacientes se encontram, em sua maioria, internados. Já em Santos, o curso foi realizado em um CAPS 3, que, embora conte com leitos, oferece contato com pacientes em livre circulação em convívio constante com a comunidade onde moram.
É notório que, nesta análise, o fator “íntimas” apresentou variações muito maiores que os demais fatores. As questões que compõem esse fator (“Você se sentiria à vontade para casar com um PTM?”, “Um PTM recuperado é totalmente confiável para ser contratado como babá”, por exemplo) foram selecionadas, pois, devido as suas características de proximidade pessoal, seriam menos influenciadas pelo viés de desejabilidade social, conforme descrito por Krosnick et al.33 e Lauber et al.34 e, portanto, deveriam apresentar menor variação. Pode-se argumentar que o modelo de aplicação do questionário, preservando o anonimato e assegurando aos alunos de que não haveria interferência na participação e respostas na nota do curso, evitou totalmente esse viés, porém defendemos uma outra hipótese.
Um dos maiores motivadores de atitudes negativas diante dos PTMs está relacionado ao medo de violência e certa expectativa de imprevisibilidade no comportamento deles38,44. “Íntimas” é composta por seis questões da escala FABI e quatro outras questões relacionadas a contato pessoal muito próximo, mas também com avaliação do medo subjetivo causado pelo PTM. É possível que o que esteja sendo medido aqui, de fato, seja um efeito positivo, de redução global do medo dos PTMs pelos alunos de Medicina.
O medo é um importante modificador das atitudes, estando intimamente relacionado à criação de modelos mentais de evitação e rejeição social45-47. Parte do preconceito, assim como as atitudes negativas, estão relacionadas à necessidade instintiva de se proteger daquilo que pode ser imprevisível, ameaçador ou causador de danos a pessoa ou sua comunidade48,49. Como membros da comunidade geral, os alunos de Medicina provavelmente compartilham medos, preconceitos e estratégias de autoproteção com a sociedade leiga, o que é modificado apenas quando são devidamente instruídos e passam a ter experiência de contato direto com o PTM.
Se isso puder ser verificado em estudos posteriores, poderá ser demonstrado que o principal efeito do convívio e do aumento do conhecimento sobre PTMs nas atitudes é consequência da redução do medo como influenciador do comportamento, e não de atitudes específicas. Isso pode ser corroborado pela ausência da influência da religião nas atitudes de alunos brasileiros, diferente do que é observado em alunos africanos, para os quais a doença mental é associada a demônios e espíritos malignos24,40,42.
Observamos que, na população de alunos de Medicina da FCMS, o internato de saúde mental contribuiu de forma significativa para a redução das atitudes negativas quanto aos PTMs. Esse achado contribui e reforça os resultados observados internacionalmente quanto ao impacto positivo de cursos de formação em saúde mental sobre a atitude de profissionais de saúde quanto aos PTMs. Novamente, não foram observadas, de forma consistente, quaisquer influências na população de alunos brasileiros de fatores sociodemográficos ou experiência prévia com PTMs.
A expectativa de melhor evolução da doença parece estar relacionada, de alguma maneira, com melhores atitudes entre os alunos. A redução das atitudes negativas, entretanto, pode estar relacionada com a redução do medo dos alunos com relação aos PTMs, e não com aspectos específicos da participação social, capacidade de trabalho ou de recuperação desses indivíduos.
Este estudo possui limitações que merecem destaque. Segundo Medeiros35, os alunos de Medicina são uma população composta por um extrato completamente diferente da população brasileira, sendo oriundos de família de altíssima renda e altamente escolarizados. Dessa forma, não são de maneira alguma representativos da população brasileira em geral e nem mesmo dos demais alunos da área da saúde. O modelo do internato da FCMS leva a um contato intenso com os professores da disciplina, podendo a mudança observada ter sido causada pela influência deles sobre os alunos, e não pelo convívio e aumento do conhecimento sobre PTMs.
Outra limitação se encontra com relação à análise estatística realizada. Mesmo com uma amostra ampla, os valores observados nos fatores 1, 2, 3, 4 e íntimas não se apresentaram com distribuição normal, o que pode reduzir a validade dos testes conduzidos com ANOVA e Pearson. O tamanho do efeito dessa ruptura com uma das premissas do método estatístico não pode ser quantificado. Mais estudos sobre os efeitos de cursos de saúde mental nas atitudes com populações diferentes, compostos por alunos e profissionais de saúde de outras regiões do país, principalmente dos estados com maior tradição indígena, assim como culturas quilombolas, e de cursos oriundos de regiões mais pobres são necessários para se traçar um perfil das atitudes do brasileiro e a influência sobre crenças locais nas atitudes dos profissionais de saúde e população sobre os PTMs.