versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.12 Rio de Janeiro dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141912.17042013
Os acidentes de trânsito, juntamente com os homicídios e suicídios, estão incluídos entre as causas de morbidade e mortalidade violentas. É difícil dimensionar a magnitude destes óbitos, mas uma ideia do seu significado pode ser obtida ao comparar com o número total de mortes em operações de guerra: estas têm sido significativamente menores que qualquer uma das três tomadas individualmente1.
A importância dos acidentes de trânsito, do ponto de vista de saúde pública, dá-se pelo fato de serem passíveis de prevenção e por atingirem os mais jovens. Mais da metade das vítimas fatais têm entre 15 e 44 anos, pessoas que se encontram na época mais produtiva de suas vidas. Projeções indicam que até o ano de 2020 essas mortes terão um decréscimo nos países de alta renda. Porém, aumentarão consideravelmente nos países de média e baixa renda, passando a ocupar a sexta posição na lista das principais causas de morte mundiais2 .
O Brasil está situado entre os dez países com maior índice de mortalidade no trânsito3 . Nas últimas três décadas, os acidentes de trânsito ceifaram mais vidas que os homicídios e suicídios e do que a maioria das doenças4. Esta mortalidade está ligada ao modelo escolhido pelo sistema de transporte, que deu prioridade às estradas e ao uso de carros particulares, sem oferecer infraestrutura adequada e, frequentemente, mal preparados para lidar com as infrações às regras de trânsito3.
Uma análise do período de oito anos (1998-2005) mostra que o sistema de informação do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) captou sempre um número crescente de acidentes. Vale lembrar que os dados se referem a acidentes em que houve pelo menos uma vítima, projetando um aumento relativo de 46,1%. Quanto aos tipos de acidentes, em uma série histórica de 1999 a 2005, prevalecem as colisões (50%); destas, mais da metade aconteceram durante o dia e, cerca de 70%, foram em zona urbana, sendo que, em 13% dos casos, a informação foi considerada ignorada5.
No período de 1998 a 2008, dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), evidenciam preocupante aumento no número de óbitos por acidente de transito, da ordem de 23,9%. Enquanto diminuíram as mortes por atropelamentos, mais que duplicaram para ocupantes de automóveis5, sendo que o estado do Paraná encontra-se entre os seis estados com as taxas mais elevadas de mortalidade6.
Uma análise da tendência temporal de mortalidade por acidente de trânsito, identificou um aglomerado de maior risco constituído por um grande número de municípios do Paraná, Santa Catarina e alguns de São Paulo, que fazem fronteira com o Paraná6.
Estudos relacionados a acidentes ocorridos em rodovia são úteis para se entender as circunstâncias que envolvem os mesmos. Entretanto, é necessário ressaltar que muitas vezes as ocorrências, principalmente as de menor gravidade, que não implicam em morte ou internações, acabam não sendo registradas em bancos de acesso público como Denatran, SIM e Sistema de Informação Hospitalar (SIH). Diante do exposto, a realização de estudos utilizando bancos de dados privados são importantes para se entender as circunstâncias que envolvem estes eventos, uma vez que identificadas, são úteis para se estabelecerem medidas preventivas.
O objetivo deste estudo foi identificar o conjunto de circunstâncias que, devido à semelhança entre os eventos, contribuem para um padrão de envolvimento dos adultos em acidentes de trânsito.
Estudo descritivo transversal, utilizando dados secundários. Foram coletados dados dos acidentes de trânsito ocorridos durante o ano de 2010 no Lote 2 do Anel de Integração do Paraná. Esse lote é administrado pela Concessionária Rodovias Integradas do Paraná S.A. (Viapar), desde 1997, sob supervisão do Departamento Estadual de Rodovias (DER). A malha viária do Estado é constituída por rodovias administradas pelas instituições públicas ou concedidas à iniciativa privada (empresas concessionárias). Este lote concessionado é constituído pelas rodovias BR 158, 369 e 376, e PR 317 e 444. Estas rodovias cortam o Estado do Paraná na região Norte, Noroeste e Oeste, com 547 quilômetros de extensão, alternando pista dupla (127,050 km) com simples (419,490 km). O fluxo diário é de, aproximadamente, 55 mil veículos, sendo 74% veículos leves (automóveis e utilitários), 20,5% caminhões/carretas, 3% ônibus e 2,5% motocicletas.
Foram coletados dados de todos os acidentes de trânsito envolvendo condutores de veículo de passeio e utilitários, com idade compreendida entre 20 a 39 anos, ocorridos durante o período de um ano, a partir do relatório de acidentes gerado no atendimento às vítimas pelas equipes da concessionária.
Neste estudo, o termo acidente de trânsito foi utilizado para designar os de transporte ocorridos em via pública, somente com a participação de veículo automotor. Estes acidentes são especificados segundo a classificação Internacional de Doenças (CID), 10ª revisão, no capítulo "Causas externas de mortalidade e morbidade", em categorias que vão desde V40 a V597.
As variáveis coletadas relacionadas ao condutor foram: sexo; idade, categorizada em dois grupos, conforme as faixas etárias utilizadas pelo SIM, ou seja, 20-29 e 30-39 anos; agravo, categorizado com base na avaliação feita pela equipe de atendimento pré-hospitalar que realiza abordagem primária, utilizando a Escala de Coma de Glasgow e Escala de Trauma Modificada, sendo classificado o estado de cada vítima em: sem agravo, agravo leve, moderado, grave e óbito; considera-se também a variável recusa de atendimento, quando o condutor exerce o seu direito de recusá-lo; e o uso de dispositivo de segurança: cinto de segurança. Quanto às variáveis relacionadas às circunstâncias do acidente, destacam-se: estação do ano; dia da semana; período do dia, categorizado em quatro períodos: madrugada (0:00-5:59), manhã (6:00-11:59), tarde (12:00-17:59) e noite (18:00-23:59). Nestas variáveis, incluem-se ainda, o tipo de impacto, categorizado em: veículo-veículo, veículo-objeto, capotamento e outros que são constituídos por derrapagem, saída de pista e tombamento; condições da pista: seca ou molhada; ano de fabricação do veículo, categorizado em: 1984 ou menos, 1985-1989, 1990-1994, 1995-1999 e 2000 ou mais; e tipo de pista: simples ou dupla.
Para análise dos dados, as variáveis selecionadas geraram categorias mutuamente exclusivas. Os valores codificados dessas variáveis foram analisados simultaneamente (1251 casos, 42 categorias de 11 variáveis), empregando um método de classificação chamado de Classificação Hierárquica Ascendente (HAC)8. Essa classificação é um método de análise por agrupamento e adequada para o tratamento de dados categóricos, dividindo os casos sob estudo em um número de classes, de modo que, cada caso pertença a uma, e apenas uma, classe. O critério usado para a classificação dos casos (e também das classes), em ordem ascendente, é a sua semelhança, isto é, sua proximidade, estimada pelo qui-quadrado métrico.
Uma vez que o sistema de classes está estruturado, quatro critérios são usados para decidir o número de classes utilizadas. A variação intraclasse indica quão similares são os eventos formadores da classe. Quanto menor, mais similares são os eventos. A variação interclasse indica quão diferentes as classes são uma das outras. O objetivo é minimizar a variação intraclasse e maximizar a variação interclasse. A variação total dos dados é igual à soma das variações intra e interclasses. A consistência na interpretação de classes se refere à informação contida em uma classe, referente às categorias que possuem maior contribuição significante para a sua formação (p < 0.05). Se uma ou mais classes não são muito informativas, pode ser movida para cima ou para baixo na sua classificação hierárquica.
Aplicações anteriores em estudos sobre lesões no trânsito, são encontradas em estudos sobre acidentes fatais9. Para a análise estatística foram utilizados os softwares estatísticos SAS 9.1 (Statistical Analysis System(r) ) e STATLab 30.32 (Logiciel d'Analyse Statistique de Données(r)).
O desenvolvimento do estudo obedeceu aos preceitos éticos disciplinados pela resolução nº 196/9610 do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP) e o seu projeto teve a aprovação do Comitê em Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá.
Foram documentados 1.251 acidentes envolvendo motoristas adultos, durante o ano de 2010, no trecho rodoviário pesquisado. Cinco classes consistentes e distintas foram destacadas. As características dessas classes resultantes estão descritas na Tabela 1.
Tabela 1 Descrição das cinco classes resultantes da classificação hierárquica ascendente. Paraná, Brasil, 2010
Variável | Classe 1 | Classe 2 | Classe 3 | Classe 4 | Classe 5 |
(n = 331) | (n = 9) | (n = 384) | (n = 340) | (n = 187) | |
Sexo | |||||
Masculino | 94,0 | - | 87,8 | 84,7 | 30,0 |
Feminino | 6,0 | 100 | 12,2 | 15,3 | 70,0 |
Idade | |||||
20 a 29 | 51,1 | 66,7 | 46,1 | 52,9 | 67,9 |
30 a 39 | 48,9 | 33,3 | 53,9 | 47,1 | 32,1 |
Estação do ano | |||||
Primavera | 37,4 | - | 26,6 | 11,8 | 22,5 |
Verão | 24,8 | 33,3 | 17,7 | 21,8 | 29,9 |
Outono | 24,5 | 33,3 | 23,2 | 21,1 | 25,1 |
Inverno | 13,3 | 33,3 | 32,5 | 45,3 | 22,5 |
Dia da Semana | |||||
Segunda-Feira | 8,2 | - | 17,2 | 9,5 | 12,8 |
Terça-Feira | 9,4 | 11,1 | 14,1 | 11,4 | 8,6 |
Quarta-Feira | 10,9 | - | 12,2 | 13,2 | 17,1 |
Quinta-Feira | 2,6 | - | 21,9 | 13,8 | 11,8 |
Sexta-Feira | 13,6 | 33,3 | 15,9 | 10,9 | 11,8 |
Sábado | 28,7 | 33,3 | 10,2 | 20,6 | 18,7 |
Domingo | 26,6 | 22,2 | 8,5 | 20,6 | 19,2 |
Pista | |||||
Simples | 41,4 | 33,3 | 23,7 | 88,5 | 44,9 |
Dupla | 58,6 | 66,7 | 76,3 | 11,5 | 55,1 |
Período do dia | |||||
Manhã | 19,6 | - | 29,4 | 30,3 | 22,5 |
Tarde | 31,7 | 33,3 | 34,9 | 42,1 | 37,4 |
Noite | 22,7 | 44,4 | 32,6 | 20,8 | 22,5 |
Madrugada | 26,0 | 22,2 | 3,1 | 6,8 | 17,6 |
Ano de fabricação do Veículo | |||||
1984 ou menos | 3,3 | - | 0,8 | 7,3 | 2,7 |
1985 a 1989 | 1,5 | - | 0,5 | 7,3 | 5,8 |
1990 a 1994 | 12,1 | - | 2,1 | 8,5 | 5,3 |
1995 a 1999 | 24,8 | - | 8,3 | 15,9 | 16,6 |
2000 ou mais | 58,3 | 55,6 | 88,3 | 60,6 | 44,4 |
Desconhecido | - | 44,4 | - | 0,3 | 25,1 |
Condições da Pista | |||||
Seca | 58,0 | 88,9 | 97,1 | 98,2 | 77,0 |
Molhada | 42,0 | 11,1 | 2,9 | 1,8 | 23,0 |
Tipo de impacto | |||||
Veículo-Veículo | 33,5 | 55,6 | 26,3 | 90,0 | 33,1 |
Veículo-Objeto | 30,2 | 11.1 | 66,7 | 7,1 | 9,1 |
Capotamento | - | - | - | 2,1 | 48,7 |
Outros | 36,3 | 33,3 | 7,0 | 0,8 | 9,1 |
Dispositivo de segurança | |||||
Cinto de Segurança | 86.4 | 44,4 | 87,8 | 90,0 | 78,1 |
Não usava cinto de Segurança | 13,6 | 55,6 | 12,2 | 10,0 | 21,9 |
Agravos | |||||
Recusa atendimento | 80,4 | - | 97,9 | 87,3 | 27,8 |
Sem agravos | 19,6 | - | 1,6 | 7,6 | 13,9 |
Leve | - | - | - | 1,2 | 33,2 |
Moderado | - | - | 0,5 | 2,1 | 15,5 |
Grave | - | - | - | 1,8 | 9,6 |
Óbito | - | 100 | - | - | - |
As categorias das variáveis que significativamente contribuíram para a formação de cada classe estão marcadas em itálico.
Classe 1: Acidentes ocorridos durante o final de semana em pista dupla envolvendo homens (n = 331). Relacionaram-se, majoritariamente, ao sexo masculino (94%). Recusaram atendimento (80,4%). Em pista dupla (58,6%) e seca (58,0%). Na primavera (37,4%), envolvendo derrapagem, saída de pista e tombamento (36,3%). À tarde (31,7%), entre sábado (28,7%) e domingo (26,6%). Condutores com idade entre 20 e 29 anos (51,1%).
Classe 2: Acidentes envolvendo mulheres que foram a óbito no local (n = 9). Relacionaram-se exclusivamente ao sexo feminino, ocorrendo óbito (100%). Condições de pista seca (88,9%) e dupla (66,7%). Envolvendo veículo-veículo (55,6%). Não utilizavam cinto de segurança (55,6%). Durante a noite (44,4%), entre sexta-feira (33,3%), sábado (33,3%) e domingo (22,2%). Condutores com idade entre 20 e 29 anos (66,7%).
Classe 3: Acidentes com recusa de atendimento envolvendo impacto entre veículo-objeto (n = 384). Relacionaram-se ao sexo masculino (87,8%), com recusa no atendimento (97,9%). Condições de pista seca (97,1%) e dupla (76,3%). Envolvendo impacto entre veículo-objeto (66,7%). Período da tarde (34,9%), no inverno (32,5%), durante a semana, sendo quinta-feira o dia preponderante (32,5%). Condutores com idade entre 30 e 39 anos (53,9%).
Classe 4: Acidentes envolvendo veículo-veículo em pista simples, no inverno (n = 340). Relacionaram-se ao sexo masculino (84,7%), envolvendo impacto entre dois veículos (90%). Recusaram atendimento (87,3%). Em pista seca (98,2%) e simples (88,5%). No inverno (45,3%). À tarde (42,1%), durante o final de semana, sábado (20,6%) e domingo (20,6%). Condutores com idade entre 20 e 29 anos (52,9%).
Classe 5: Acidentes envolvendo capotamento em pista dupla (n = 187). Relacionaram-se ao sexo feminino (70,0%). Em pista seca (77,0%) e dupla (55,1%), envolvendo capotamento (66,7%), com agravos leves (33,2%). À tarde (37,4%), durante o final de semana, sábado (18,7%) e domingo (19,2%). Condutores com idade entre 20 e 29 anos (67,9%).
Os acidentes de trânsito têm sido examinados sob várias perspectivas, utilizando fonte de dados originários de registros policiais e/ou hospitalares. Porém, nem todas as ocorrências são captadas por estes sistemas. Uma visão geral dos acidentes de trânsito ocorridos num determinado trecho rodoviário, a partir de um banco de dados privado, originado no local da ocorrência do evento, permite identificar as circunstâncias referentes, tanto ao indivíduo quanto ao ambiente, que contribuem para a sua ocorrência.
Nestes acidentes, envolveram-se majoritariamente condutores do sexo masculino (Classes 1, 3 e 4). Aconteceram durante o final de semana e no período da tarde, em que habitualmente são boas as condições de visibilidade, em pista seca, envolvendo colisão entre dois veículos. Isso reflete o perfil dos acidentes rodoviários no Brasil. Os estudos são unânimes em apontar os homens, com idade igual ou inferior a 40 anos, como vítimas mais comuns11. Ainda, 60% dos acidentes são à luz do dia, com tempo bom, em pista simples e durante o final de semana, destacando-se como tipo de impacto, a colisão frontal12, similar também ao resultado de estudo realizado em trecho rodoviário no Estado do Mato Grosso, no qual, 55,8% dos acidentes envolveram dois veículos, 56,3% aconteceram durante o dia, 63,3% com boas condições de tempo e 92,9% em pista simples. Esta, a mais presente nesse local13.
Já no presente estudo prevaleceram os acidentes em pista dupla, embora seja menos frequente no trecho rodoviário pesquisado, representando 25,6%, e pode estar associado especificamente ao condutor adulto, pois o estudo citado anteriormente não delimitou a faixa etária dos envolvidos em acidentes.
Nos acidentes, há vários fatores que contribuem, em maior ou menor parcela, para a sua ocorrência. O fator humano, as condições da estrada e do veículo estão entre os principais, preponderando o humano em torno de 95%. Entre os principais erros humanos estão: dirigir em velocidade acima da permitida para a via, não manter uma distância segura em relação ao veículo que está à frente, ultrapassar em local não permitido e dirigir sob o efeito de álcool e outras drogas14. Há que se destacar a pouca regularidade de realização de exames de alcoolemia e outras drogas em vitimas de acidentes de trânsito no Brasil. Porem, é senso comum, que os mais jovens, possivelmente, abusam mais das bebidas alcoólicas, incorporando risco maior em relação aos acidentes15 . Estudos apontam para o fato destes aceitarem o risco de dirigir nestas condições16. Embora a pista dupla ofereça menor risco17, no presente estudo a maioria dos acidentes foi neste tipo de pista, podendo ser consequência deste perfil de maior exposição ao risco.
Nas Classes 1 e 4, os acidentes foram preponderantes durante o final de semana, envolvendo o grupo dos mais jovens, entre 20 e 29 anos. Os mais jovens são pouco representados durante a semana e super-representados no final de semana. Relacionados a atividades sociais, tendem a agregar-se, aceitando o risco de dirigir em condições adversas, como durante o final de semana e após consumo de bebidas alcoólicas e/ou outras drogas16. Outro fator que deve ser considerado neste grupo é o tempo de experiência de viagem, em quilômetros viajados. Os mais jovens apresentam um padrão de direção de alto risco relacionado à inexperiência, menor habilidade ao dirigir e menor familiaridade com a estrada18.
A Classe 3 representa os acidentes que ocorreram durante a semana, revelando um possível perfil de utilização da rodovia pelos indivíduos entre 29 e 39 anos, os quais fazem uso habitual para deslocamento em função do trabalho ou estudo, pois as rodovias do trecho avaliado ligam cidades pequenas a grandes centros urbanos. Estudo investigou fatores associados a este perfil de usuário e encontrou acidentes no período diurno, com mais preponderância na quinta feira19. Outro, relacionou a faixa etária dos 25 aos 34 anos como a mais presente no envolvimento de acidentes pendulares20. Embora a ocorrência destes eventos que envolveram veículo-objeto tenha se relacionado ao período diurno, ocorreram durante a estação do inverno, quando os dias são mais curtos e a oferta de luminosidade é menor. A luminosidade é um fator importante para a segurança nas estradas. Estudo comparando acidentes ocorridos no período diurno e noturno, mostrou que a diminuição da iluminação e do contraste de imagem, faz com que imagens sejam processadas lentamente pelo nosso padrão visual, influenciando na severidade das lesões21.
Nos acidentes relacionados às mulheres, Classes 2 e 5, são encontradas circunstâncias comumente associadas a acidentes mais graves, como direção noturna e menor utilização do cinto de segurança. A direção noturna para o grupo dos mais jovens pode não ser tanto uma questão de visibilidade, mas uma consequência da forma como estes dirigem22.
As mulheres tiveram uma adesão menor ao cinto de segurança. Embora seja uma das formas mais comuns de proteção, apesar de obrigatório observa-se que seu uso ainda não está completamente incorporado. Estudo encontrou uma taxa mais alta de acidentes associados a não utilização dos mesmos e, similar a este, uma tendência de utilização maior para os homens22.
O maior envolvimento das mulheres em acidentes graves pode ser atribuído à menor presença em ambiente de rodovia enquanto condutoras, refletindo menor familiaridade nessas condições. Neste estudo, representaram apenas 14% dos casos. Os homens aprendem a dirigir precocemente, muitas vezes antes dos 18 anos, idade mínima prevista pela legislação brasileira. Em consequência, têm uma maior experiência em termos de tempo de direção23.
Em ambiente urbano elas estão mais presentes. Estudo relacionado ao perfil delas no trânsito urbano, encontrou uma parcela significativa (65,0%), a maioria com idade entre 21 e 30 anos, com predomínio de envolvimento em acidentes durante os dias úteis24.
Na Classe 5, a maioria dos acidentes resultou em capotamento. Embora neste tipo de impacto o modelo do veículo possa estar envolvido, condutores mais novos têm uma frequência maior. Isso sugere habilidades e comportamentos inerentes a determinados grupos de condutores, especificamente aos mais jovens, levando à imprudência e mau julgamento das situações do trânsito25.
Algumas limitações do presente estudo devem ser consideradas. A classificação dos agravos, feita no local do acidente, pode sofrer uma reclassificação a qualquer momento, de modo que um acidente inicialmente com vítima em estado grave pode evoluir para óbito no prazo de até trinta dias. Futuros estudos, que possam fazer uma ligação com outros bancos de dados, permitirão uma visão mais completa destes acidentes, não somente em relação aos agravos, como também aos dados pessoais, socioeconômicos, estado de saúde antes do acidente e o papel no trânsito.
Entender o tipo de veículo, em relação ao seu modelo e ano de fabricação, é importante para se constituir um plano de prevenção. Por se tratar de fonte de dados secundários, não foi possível obter o registro do ano de fabricação de todos os veículos envolvidos, principalmente nas classes onde as mulheres foram mais representadas. Por ser uma primeira aproximação com este banco de dados, algumas variáveis não foram coletadas, como o tipo de veículo envolvido e se houve registro policial do acidente, devendo estas serem contempladas futuramente.
O número de acidentes encontrado neste estudo, envolvendo o sexo feminino, pode ter implicações na composição das classes, estando sujeito a flutuações ao longo do tempo, em função do aumento da representação das mulheres na sociedade, que também se refletirá na sua maior participação no trânsito rodoviário.
Apesar das limitações apresentadas, este estudo oferece subsídios para ampliar a visão do conjunto de circunstâncias que contribuem para o envolvimento do adulto em acidentes. Algumas são relativamente conhecidas, como a condução do veículo majoritariamente ligada ao sexo masculino, acidentes envolvendo veículo-veículo, período diurno, durante o final de semana e em condições de pista seca.
Neste ambiente de rodovia, as mulheres foram menos presentes mas envolveram-se em acidentes mais importantes do ponto de vista de agravos, refletindo uma baixa percepção de risco, em situações sabidamente conhecidas, como direção noturna e não utilização de cinto de segurança.
A prevenção dos acidentes de trânsito é alcançada através de medidas que minimizem os fatores circunstanciais que contribuem para sua ocorrência, relacionados ao ambiente e aos indivíduos. Dentre as recomendadas, algumas são bem conhecidas, como a utilização do cinto de segurança e evitar dirigir em condições adversas, tais como menor luminosidade, horários de maior tráfego, durante o final de semana, evitando distrações, manter uma distância segura entre veículos e atenção para possíveis objetos na pista.
Na maioria destes acidentes, houve recusa de atendimento médico pré-hospitalar, com danos materiais, sem consequências em termos de agravos. Pela sua maior frequência, devem ser estimados, pois geram custos pessoais e sociais, merecendo atenção do ponto de vista da saúde pública.
A produção científica nesta área contribui para estabelecer estratégias para a segurança do usuário da via. Os achados deste estudo, principalmente no que se refere aos acidentes graves envolvendo motoristas mulheres, chama a atenção e aponta novos estudos envolvendo estas, cada vez mais presentes no trânsito.