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Uma breve história de Cadernos de Saúde Pública

Uma breve história de Cadernos de Saúde Pública

Autores:

Marilia Sá Carvalho,
Cláudia Medina Coeli,
Claudia Travassos

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.7 Rio de Janeiro jul. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.05882015

Introdução

O convite para escrever um artigo no número de comemoração dos 20 anos da Ciência e Saúde Coletiva (C&SC) traz oportunidade de repensar nosso trabalho no Cadernos de Saúde Pública (CSP), nos dois anos que completamos como Editoras-Chefes, e os 30 anos da revista, comemorados em 2014. No número dedicado à efeméride (volume 10, número 1), foi com grande alegria que homenageamos Frederico Simões Barbosa, Luiz Fernando Ferreira, Paulo Buss, Sergio Koifman, Luis David Castiel, Mario Vianna Vettore e Carlos Coimbra Jr., Editores-Chefes que nos precederam e que contribuíram para que CSP se consolidasse como importante veículo de disseminação da produção científica no campo da Saúde Coletiva. Também nesse número publicamos os fac-símiles dos editoriais do primeiro número e dos números comemorativos dos 10 e 20 anos de CSP. A leitura desses editoriais, assim como dos muitos assinados por Carlos Coimbra Jr. ao longo dos vinte anos em que foi Editor-Chefe, permite conhecer a trajetória exitosa de CSP, passando de publicação trimestral de circulação restrita para um periódico mensal indexado nas principais bases de dados bibliográficas.

O Cadernos, como é informalmente chamado, é publicado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz, responsável por cerca de 80% dos recursos financeiros do CSP, sendo o restante proveniente de agências de fomento (CNPq e FAPERJ), assinaturas e vendas avulsas. O apoio da ENSP e das agências de fomento têm sido fundamental para que CSP conte com equipe editorial qualificada e implemente processo editorial com alto nível de profissionalização, garantindo a regularidade na publicação de seus números e a adoção de um cuidadoso projeto gráfico. Desde o ingresso na biblioteca SciELO, em 1998, CSP disponibiliza seus artigos em acesso aberto sem repasse de custos aos autores.

CSP tem como missão a publicação de artigos no campo da Saúde Coletiva com destaque para as áreas de epidemiologia, planejamento em saúde, ciências sociais em saúde, saúde ambiental e outras áreas afins. À medida que a Saúde Coletiva muda, incorporando dinamicamente novas questões de investigação e novas disciplinas, CSP acompanha esses movimentos, procurando permanentemente expressar em suas páginas a vitalidade do campo.

Os principais critérios para aceite de artigos são a originalidade, a adequação metodológica e a relevância para a Saúde Coletiva. Para dar conta da interdisciplinariedade do campo, fazem parte do corpo editorial de CSP 27 editores associados, de diferentes instituições de pesquisa nacionais e internacionais, que são lideranças acadêmicas nas suas áreas de atuação. Um dos desafios editoriais é buscar o equilíbrio na publicação de artigos das diferentes áreas em cada fascículo, especialmente considerando a grande submissão de artigos da área de epidemiologia. Adicionalmente, nas seções “Espaço Temático”, “Perspectivas” e “Debate”, são publicadas opiniões de destacados autores sobre temas de grande atualidade, de modo a inserir o Cadernos no debate e reflexão sobre questões relevantes e políticas que interferem na saúde e no desenvolvimento científico.

No editorial do número comemorativo dos 30 anos de CSP, Nísia Trindade Lima cunhou o termo “artesanato intelectual” para se referir ao tom pessoal adotado pelos editores de CSP em suas diferentes fases1. Alinhadas a essa tradição, em 2013 escolhemos a cor rosa e as fotos de capa como homenagem às mulheres, para marcar o início de nossa atuação como Editoras-Chefes de CSP. Este ano, 2015, o tema das fotos de capa é a mudança climática, inaugurado com um editorial que coloca em foco os pinguins em Copacabana2. É também por meio de nossos editoriais que nos aproximamos dos nossos leitores e autores, debatendo aspectos de nossa política editorial, da publicação científica e avaliação da ciência. Neste artigo vamos retomar alguns temas abordados nesses editoriais, relembrando a trajetória de CSP e apresentando alguns dos nossos planos para o futuro.

Um pouco da história em meio à política editorial

CSP começou trimestral e desde 2006 é mensal, assim como a C&SC, uma das poucas revistas com essa periodicidade disponível no SciELO. O aumento na periodicidade foi resultante do expressivo aumento na produção científica no campo. Como se pode notar na Figura 1, em 2001 CSP recebeu 311 submissões e, em 2014, 1.699. A oscilação nesses números entre anos subsequentes deve-se, em geral, aos suplementos temáticos: desde 1986, quando foi publicado o primeiro, foram 53 fascículos temáticos e suplementos, abordando assuntos variados: envelhecimento, avaliação tecnológica, saúde da mulher e da criança, nutrição, saúde e ambiente, câncer, entre muitos outros.

Figura 1 Total de submissões, aprovações e recusas segundo critério, 2001-2014. 

Além do volume de submissões, a proporção de artigos recusados cresceu substancialmente (Figura 1). Considerando que, em média, são publicados anualmente, desde 2006, 276 artigos, e que o volume de submissões quase dobrou, foi necessário aumentar a proporção de recusas.

Em recente debate editorial, exprimimos nossa posição em relação à recusa antes da revisão por pares. Dois fatores contribuem para essa política: o excesso de manuscritos que pouco acrescentam ao conhecimento e a dificuldade de obtermos bons pareceres para todos os artigos encaminhados a consultores. Quanto a manuscritos mais do mesmo, ao menos no campo da epidemiologia, deixamos claro no editorial3 com esse título as nossas preocupações sobre artigos de baixa relevância tanto científica como para a Saúde Coletiva. Muitos manuscritos que nos são submetidos trabalham o mesmo tema à exaustão, quase uma linha de montagem na qual muda apenas o objeto, mantendo exatamente a mesma estrutura de pesquisa. Por vezes cabe perguntar: por que testar novamente hipóteses já mais do que comprovadas? Por que começar a discussão dos artigos afirmando que vários estudos mostraram padrões semelhantes? Não parece uma justificativa razoável para publicação. Buscamos artigos com mais reflexão teórica, criatividade, qualidade metodológica e capacidade de responder a questões importantes para a Saúde Coletiva. A partir dessa avaliação, a recusa pelas Editoras-Chefes antes da avaliação por pares, que já era prática usual de CSP e comum à grande maioria dos periódicos científicos, ficou explicitamente estabelecida como política de CSP. Sempre, é claro, encaminhando para revisão por pares todos os artigos que tenham potencial inovador e consistência metodológica.

A origem do excesso de submissões e dos artigos mais do mesmo certamente está relacionada ao publish or perish e ao modelo quantitativo de avaliação da pós-graduação4 e de pesquisadores no país. Também contribui para o excesso de submissões as regras de alguns programas de pós-graduação que subordinam a defesa de teses e dissertações a ter artigo aceito em periódico. Terceiriza-se a atribuição do grau aos editores de revistas científicas, além de se desconsiderar que os tempos de publicação não necessariamente seguem os tempos dos programas de pós-graduação.

O outro aspecto merecedor de profunda discussão é o próprio processo de revisão por pares. Quase sinônimo de qualidade da publicação científica, a revisão de um manuscrito é um trabalho quase invisível. Ainda que tenhamos excelentes consultores, vários colegas simplesmente não respondem às solicitações de revisão. Atualmente, para cada artigo enviado a consultores, 5,4 não aceitam. Considerando que o ideal seriam três pareceres por artigo, precisaríamos enviar em média 15 solicitações por artigo5.

A meia vida de CSP – tempo necessário para que o periódico receba 50% do total de citações – em 2015 foi de 8 anos, o que indica que na Saúde Coletiva o que se publica não é descartável. Neste momento, cabe um brevíssimo questionamento sobre o valor dos famosos índices bibliométricos, o mais conhecido dos quais utiliza uma janela de dois anos. Desde que o SciELO iniciou a contagem, até março de 2015, CSP registrava 27 milhões de acessos, o que o coloca na posição da revista mais acessada de toda a base. Nos artigos por nós publicados em 2014, excluindo o próprio CSP, a Ciência & Saúde Coletiva foi a que recebeu o maior número de citações. O contrário também ocorre: a C&SC é a fonte principal de artigos que citam CSP. Cabe ressaltar que nem CSP nem C&SC limitam o número de referências de um artigo, seguindo assim as recomendações da San Francisco Declaration on Research Assessment – DORA6.

O sistema de submissões

O SAGAS - Sistema de Avaliação e Gerenciamento de Artigos - foi totalmente desenvolvido no CSP. Avaliamos que o sistema tem qualidade equivalente aos softwares comerciais voltados para o mesmo fim. O sistema é de uso bastante simples, tanto por autores como por editores e consultores, seguindo um fluxo conforme mostramos na Figura 2. Também gera as estatísticas como as que usamos neste artigo. Em uso desde 2006, está permanentemente sendo adaptado. No momento, estamos preparando uma versão nova e bastante ampliada nas suas funcionalidades.

Figura 2 Fluxograma do SAGAS. 

O desenvolvimento do SAGAS somente foi possível graças ao apoio da ENSP, garantindo assim que a ferramenta fosse de fato adequada às necessidades de um periódico científico com grande número de submissões. Por uma questão de coerência, da mesma forma que defendemos o acesso livre aos artigos científicos, o SAGAS é um software livre, ou seja, pode ser copiado, redistribuído e aperfeiçoado em benefício de todos possíveis usuários. No momento, estamos fazendo a documentação do sistema para de fato permitir seu uso por periódicos e editoras de ciência e, se possível, estabelecer uma comunidade de desenvolvedores e usuários.

Além disso, atualmente é parte da nossa rotina de gerenciamento de artigos o uso de software de detecção de plágio. É nossa percepção que os casos de submissões antiéticas vêm aumentando e pretendemos enfrentá-los de forma transparente. Ainda não temos totalmente definidos os procedimentos nesses casos e estamos aguardando nossa aceitação como membros do Committee on Publication Ethics - COPE para consolidarmos nossa política.

Internacionalização

Desde sua criação, CSP se colocou como veículo científico de caráter internacional, priorizando, na medida do possível, apoiar a integração Sul-Sul7. Se em 2010 publicamos 35 artigos cujo autor para correspondência era da América Latina (excluindo o Brasil), em 2014 foram 105 (Figura 3). Também foi expressivo o aumento de submissões oriundas da Europa, com 38% de crescimento entre 2013 e 2014, basicamente de artigos de Portugal e Espanha.

Figura 3 Número de artigos publicados por CSP segundo continente de origem do autor de correspondência entre os anos de 2010 e 2014. 

A criação do Fórum de Editores Científicos da Fiocruz e o decorrente lançamento do Portal de Periódicos da Fiocruz8 inauguraram um espaço na instituição para, entre outros objetivos, debater a publicação científica. Nesse contexto, discutiu-se recentemente a questão da internacionalização, abordada de forma equivocada, a nosso ver, por alguns agentes9. Acreditamos que a internacionalização não pode ser buscada como um fim em si, ou corremos o risco de priorizar publicações de menor qualidade simplesmente para dar um caráter internacional à revista, o que pode resultar simplesmente numa estrangeirização (Esse termo, usado por José Leopoldo Ferreira Antunes, editor da RSP, é muito feliz).

Cooperação entre periódicos

Vivemos um momento de grandes desafios para a publicação científica. O acesso aberto, no qual o Brasil foi pioneiro com o SciELO, depende de financiamento por parte do autor em diversas revistas. A insuficiente adesão de nossos colegas à atividade de revisão de manuscritos e a limitada qualidade de parte dos pareceres são problemas do sistema de revisão por pares que devem ser enfrentados.

Cabe a nós editores e à comunidade cuja produção queremos ver refletida nas nossas revistas aprofundar a reflexão sobre o sistema de publicação científica, para além de soluções imediatas a problemas isolados. Precisamos compreender o sistema da publicação científica em toda sua complexidade. Nossos parceiros nessa consideração são além dos editores, os cientistas, trabalhadores da área da saúde, gestores e políticos, que são nossos potenciais leitores. Nesse ecossistema, há espaço e nichos para uma grande variedade de publicações. Um dos eixos norteadores desse pensamento é o acesso aberto. Novos desafios se colocam, entre os quais como tornar os dados das pesquisas que publicamos também de livre acesso10,11. Precisamos voltar nosso espírito investigativo para essas questões.

Uma nota destacada nesse contexto complexo foi a recente criação do Fórum de Editores da Abrasco12. Esperamos que esse espaço seja rico para todas as revistas que dele participam e, mais ainda, para nosso ecossistema da publicação científica. Aliás, já está sendo: foi na primeira reunião desse fórum que a Profa. Cecília Minayo convidou-nos para escrever sobre nossas revistas na comemoração dos 20 anos da C&SC. É o espírito de companheirismo e partilha que queremos no nosso fórum. Longa vida à C&SC.

REFERÊNCIAS

Lima NT. Cadernos de Saúde Pública: 30 anos. Cad Saude Publica 2014; 30(3):455-458.
2.  Barcellos C. Climate change, health, and penguins in Copacabana. Cad Saude Publica 2015; 31(1):5.
3.  Carvalho MS, Travassos C, Coeli CM. More of the same epidemiology? Cad Saude Publica 2013; 29(11):2141-2141.
4.  Camargo Júnior KR. Produção científica: avaliação da qualidade ou ficção contábil? Cad Saude Publica 2013; 29(9):1707-1711.
5.  Carvalho MS, Travassos C, Coeli CM. The value of peer review. Cad Saude Publica 2014; 30(12):1-2.
San Francisco Declaration on Research Assessment -DORA [Internet]. 2112 [acessado 2015 mar 30]. Recuperado de: https://arilab.wordpress.com/tag/impact-factor/
7.  Carvalho MS, Travassos C, Coeli CM. A internacionalização da ciência. Cad Saude Publica 2014; 30(8):1585-1587.
Portal de Periódicos - Fiocruz [Internet]. [acessado 2015 mar 27]. Disponível em: http://periodicos.fiocruz.br/pt-br
Fórum de Editores Científicos da Fundação Oswaldo Cruz. A Internacionalização dos Periódicos Científicos Brasileiros [Internet]. 2015 [acessado 2015 abr 12]. Disponível em: http://periodicos.fiocruz.br/sites/default/files/anexos/Carta%20Forum%20Editores%20Fiocruz.pdf
10.  Carvalho MS, Travassos C, Coeli CM. Open access. Cad Saude Publica 2013; 29(2):213-215.
11.  Carvalho MS. Why open source? Cad Saude Publica 2015; 31(2):221-222.
Fórum de Editores da Abrasco debate panorama da editoração científica - ABRASCO [Internet]. [acessado 2015 mar 28]. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/site/2015/01/forum-de-editores-da-abrasco-debatem-panorama-da-editoracao-cientifica/