versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.2 no.2 São Paulo abr./jun. 2019 Epub 19-Jun-2019
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190018
O consumo adequado de opioides em países em desenvolvimento ainda é um grande desafio pois pode trazer a reflexão sobre as questões que envolvem o tratamento correto das dores aguda e crônica. A literatura é clássica em relatar que os médicos têm dificuldade em prescrever opioides e o paciente de aceitar a terapia pelo medo dos efeitos adversos ou vício. Por outro lado, os opioides, padrão-ouro no tratamento da dor oncológica e em outros tipos de dor de moderada ou intensa, apresentam disponibilidade e acesso ainda insuficientes para o paciente, seja pelo custo ou pela política pública da vigilância sanitária. A escassa educação sobre o tema dor na graduação e na pós-graduação das escolas médicas, as políticas governamentais restritivas para a compra e distribuição de opioides, a necessidade de registro para adquirir receitas específicas para a prescrição, o medo de adicção e do emprego de opioides para fins ilícitos, além das atitudes culturais frente à dor, contribuem para o que a comunidade científica nomeia de opiofobia1-5. Isso remete à crise de opioides que os países desenvolvidos enfrentam6. Paradoxalmente, essa crise trata exatamente das consequências do emprego prolongado e indiscriminado de opioides em países desenvolvidos, visto que houve aumento no número de relatos de morte e vício relacionado a esses fármacos. Na América Latina, no entanto, a incidência de abuso está em torno de 1%7. Na realidade, na nossa região, a cocaína e a maconha são as substâncias que lideram os problemas de abuso. Dessa maneira, estamos diante de um novo paradigma, onde o olhar e a leitura crítica da opiofobia deve ser diferenciada e relacionada ao contexto geográfico e econômico global. Basta realçar que a dose média diária de consumo opioides para fins estatísticos é de 150 Daily doses for statistical purposes (S-DDD). Essa dose é abaixo da recomendada pela literatura, refletindo o quanto temos que melhorar para alcançarmos um tratamento otimizado da dor8. Também, o consumo global de opioides é maior nos países desenvolvidos, sendo que 75% da população mundial, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, não recebem analgésicos de maneira proporcional à intensidade da dor9. Por essa razão, a Federação Latino Americana de Associações para o Estudo da Dor (FEDELAT), na gestão atual, reuniu em São Paulo líderes de opinião e representantes de vários países da América Latina para publicar um posicionamento sobre as medidas necessárias para reverter essa situação e o impacto da opiofobia nos países em desenvolvimento. Esse paper10 a ser publicado na Pain Reports (já aceito para publicação e in press) trata das medidas necessárias para corrigir esse problema, que incluem: 1) educação continuada - promovendo a capacitação de profissionais para que utilizem opioides de maneira segura, baseado em protocolos e na evidência científica. A capacitação poderá acontecer através de encontros com especialistas e material educativo nas plataformas web institucionais; 2) políticas públicas - sensibilizando os dirigentes para a necessidade de criar programas específicos para o tratamento da dor e recomendações científicas nacionais para o emprego de opioides, facilitando o acesso e a prescrição desses fármacos da maneira correta; 3) criação de receita eletrônica - permitindo o registro da prescrição de opioides, da doença do paciente, da dose, da duração da receita, da farmácia que disponibilizou o medicamento e do monitoramento de riscos; 4) estatística - promovendo registros do uso hospitalar e ambulatorial do consumo e distribuição de opioides; 5) atendimento multidisciplinar - incentivando a criação de clínicas que envolvam outros profissionais de saúde que assegure a avaliação, o diagnóstico, tratamento e o seguimento adequado de pacientes oncológicos e não oncológicos; 6) trabalho conjunto de organizações - envolvendo as instituições nacionais e internacionais para a promoção de ações conjuntas que incluem educação continuada, publicação de recomendações e incentivo a pesquisas clínicas e experimentais em torno do tema opioides; 7) Conflito de interesses - evitando a influência indevida de entidades que tenham fins de lucro na contratação e licitação de opioides, mantendo uma relação o mais ética possível com os prescritores.
Dessa forma, podemos concluir que devemos contribuir de maneira incondicional para a legitimação do tratamento adequado da dor no Brasil e da prescrição correta de opioides, monitorando e tratando efeitos adversos, estratificando riscos e combatendo a opiofobia, oferecendo o alívio da dor ao sujeito que sofre com compaixão.