versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.4 São Paulo out./dez. 2014 Epub 18-Nov-2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014RC2788
O envelhecimento da população tem como consequência um maior número de idosos candidatos à correção cirúrgica de aneurismas da aorta abdominal (AAA).(1) O avanço tecnológico permitiu o desenvolvimento de modernas endopróteses, com alta capacidade de adaptação a anatomias desfavoráveis, tornando o tratamento endovascular a opção de escolha nesses pacientes, que, frequentemente, apresentam-se em fase avançada da doença, com aneurisma grandes, angulados e tortuosos.(2)
Apesar da atual disponibilidade de endopróteses com alta conformabilidade, em alguns casos a anatomia é tão desfavorável que não permite a correção endovascular, fazendo com que o cirurgião busque alternativas não convencionais para sua resolução.
Apresentamos o caso de uma paciente de 89 anos, portadora de um AAA infrarrenal muito longo (extensão de 18,5cm entre as artérias renais e a bifurcação da aorta) e angulado, resolvido com sucesso pela técnica endovascular utilizando-se uma manobra não convencional.
Paciente de 89 anos, gênero feminino, sem comorbidades, foi submetida a exame ultrassonográfico abdominal de rotina, que evidenciou achado de AAA infrarrenal. Como a função renal encontrava-se preservada, optou-se por realizar angiotomografia da aorta para complementação diagnóstica. O exame revelou aneurisma com diâmetro máximo de 5,6cm e corpo extremamente alongado e tortuoso, apresentando duas angulações principais, sendo a proximal de 85° no nível das renais, e a distal de 120° com o eixo longitudinal da aorta, 6cm abaixo da renal esquerda. O comprimento total entre a renal esquerda (mais baixa) e a bifurcação aórtica era de 18,5cm, sendo divida em 6,4cm até a angulação distal e mais 12,1cm até a bifurcação da aorta, conforme visualizado na figura 1.
A paciente foi submetida à correção endovascular do aneurisma, sob anestesia geral, utilizando uma tática operatória não convencional. Optamos pela liberação inicial de uma endoprótese torácica GORE TAG® 26x10 visando ao tratamento do colo proximal, logo abaixo das artérias renais. A endoprótese torácica escolhida teve como finalidade acompanhar a curvatura da aorta, possibilitando a “criação” de um novo colo proximal mais retificado, facilitando a fixação da endoprótese abdominal em seu interior. Utilizamos uma prótese abdominal Gore Exculder®31x14x17, que foi liberada dentro da endoprótese torácica previamente implantada, com boa fixação e sobreposição de 3cm entre elas. Um ramo contralateral GORE® 16x12 foi utilizado para complementar a cobertura da artéria ilíaca comum esquerda.
A arteriografia intraoperatória final mostrou exclusão total do aneurisma e ausência de vazamentos.
A paciente evoluiu bem no pós-operatório, recebendo alta no 3o dia após o procedimento, sem intercorrências. A angiotomografia de controle realizada 1 ano após a cirurgia evidenciou redução do diâmetro máximo do saco aneurismático sem sinais de vazamentos ou demais complicações cirúrgicas (Figura 2).
Da mesma forma que na doença arterial obstrutiva periférica, a correção endovascular de AAA vem substituindo a cirurgia convencional, devido à sua menor morbimortalidade perioperatória, especialmente em indivíduos com idade superior a 80 anos.(2) O desenvolvimento de novas endopróteses, mais flexíveis e com melhor fixação à parede da aorta, vem ampliando a possibilidade de oferecer um tratamento menos invasivo à pacientes antes considerados inapropriados para correção endovascular.
A indicação cirúrgica para a paciente em questão baseou-se no tamanho do aneurisma e nas boas condições clínicas da paciente, que não justificariam a opção por uma conduta conservadora. Não havia dúvida de que essa paciente se beneficiaria do tratamento endovascular em virtude de sua idade avançada, entretanto as condições anatômicas desfavoráveis inviabilizariam o método com o material padronizado atualmente disponível no mercado.
Critérios anatômicos gerais que dificultam a abordagem endovascular incluem colo curto e dilatado; presença de trombo mural junto ao colo; angulações acentuadas envolvendo o colo, corpo e eixo aorto-ilíaco e doença aterosclerótica ilíaco-fermoral. A paciente do caso apresentava duas características anatômicas limitantes: extensão extremamente alongada do corpo/colo e angulações acentuadas no trajeto do aneurisma.
A liberação de uma endoprótese abdominal convencional nesse aneurisma resultaria no posicionamento da bifurcação do corpo principal, logo acima da angulação distal, tornando a cateterização contralateral muito difícil. Mesmo que essa cateterização fosse factível, haveria risco considerável de oclusão dos ramos em virtude da eventual dobra dos mesmos no local da angulação.
A utilização de endopróteses torácicas, para facilitar a fixação proximal em aneurismas abdominais, já foi previamente descrita na literatura.(3-5) Variações da técnica cirúrgica foram exploradas, com liberação da endoprótese torácica antes ou após o implante do corpo principal abdominal, ambas com bom resultados. Entretanto, a anatomia peculiar, observada nesse caso específico, não se equipara às características observadas nos relatos preexistentes e a utilização da endopróstese GORE® nunca foi descrita para essa finalidade.
A estratégia adotada permitiu a utilização de uma prótese torácica em região abdominal, respeitando as condições anatômicas locais e garantido o tratamento seguro, efetivo e minimamente invasivo de uma aneurisma com potencial para rotura.