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Uso de álcool, tabaco e maconha: repercussões na qualidade de vida de estudantes

Uso de álcool, tabaco e maconha: repercussões na qualidade de vida de estudantes

Autores:

Angelica Martins de Souza Gonçalves,
Mônika Wernet,
Carolina dos Santos Cardoso da Costa,
Fernando José Guedes da Silva Júnior,
Adaene Alves Machado de Moura,
Sandra Cristina Pillon

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.24 no.2 Rio de Janeiro 2020 Epub 23-Mar-2020

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0284

RESUMEN

Objetivo

analizar el consumo de alcohol, tabaco y marihuana y sus repercusiones en la calidad de vida de los adolescentes de Enseñanza Media.

Método

estudio analítico con muestra de 169 estudiantes de Enseñanza Media. Se aplicó un cuestionario que contenía una evaluación sociodemográfica, una prueba de selección de la participación en el alcohol, el cigarrillo y otras sustancias y la escala de evaluación de la calidad de vida. Los datos fueron analizados por medio de estadísticas descriptivas e inferenciales.

Resultados

Los principales resultados mostraron que en los últimos tres meses el uso de tabaco tuvo asociación con una calidad de vida considerada mala / muy mala y el no uso con calidad de vida muy buena / buena y satisfacción con la salud. Los estudiantes que no usaron alcohol consideran su calidad de vida muy satisfactoria o satisfactoria en relación al ambiente.

Conclusión e implicaciones para la práctica

Se confirmó la hipótesis de la relación entre uso de sustancias psicoactivas y aspectos de la calidad de vida.

Palabras clave:  Calidad de Vida; Drogas Ilícitas; Salud Mental; Salud Pública; Estudiantes

INTRODUÇÃO

Qualidade de Vida (QDV) remete à percepção em relação à vida e à satisfação com o viver. Articula-se com objetivos e expectativas projetadas nas particularidades de um contexto socioeconômico e cultural.1,2 Sua tematização na adolescência tem indicações de ampliação e aprofundamento,3 sobretudo, a partir de recortes, sendo um deles o de uso de substâncias psicoativas (SPA).

No Brasil, a precocidade da experimentação e do uso de SPA é fato muito presente na vida dos adolescentes, em que o tabaco e o álcool estão destacados.4,5 E, em termos de substâncias ilícitas, o consumo de maconha é prevalente entre os adolescentes. Na faixa etária de 15 anos, quando a maior parte desse grupo cursa o Ensino Médio, grande parte já fez, ao menos, experimentação, tanto de drogas lícitas, como de ilícitas.6

A discussão acerca da QDV e uso de SPA na adolescência é relevante, principalmente, diante da necessidade do adolescente lidar com desejos, curiosidades e prazeres típicos à fase, dentre esses o uso de SPA,7 sendo útil para educadores e profissionais de saúde implementarem ações específicas para esse público-alvo. Estudos brasileiros mais recentes sobre QDV a exploram no recorte dos hábitos alimentares, da saúde bucal, das práticas desportivas, assim como no contexto das deficiências e adoecimentos crônicos.1,3 Excluídos esses dois últimos, no bojo dos resultados é recorrente a questão do uso de substâncias psicoativas.

A relação entre os dois referidos construtos, entretanto, precisa ser melhor conhecida no âmbito científico. Nesse sentido, a hipótese levantada no presente estudo é a de que o uso de SPA interfere na QDV. O objetivo do estudo foi analisar o uso de álcool o uso de álcool, tabaco e maconha e suas repercussões na QDV de adolescentes que cursam o ensino médio.

MÉTODO

Estudo analítico, conduzido em escola estadual de ensino fundamental II e médio de município do interior do Estado de São Paulo, Brasil, cujo critério de escolha foi estar localizada em uma região de alta vulnerabilidade social, segundo o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social.8 Os dados foram coletados no mês de outubro de 2017. Uma amostra aleatória simples foi constituída por 169 (72,2%) estudantes. O critério de inclusão foi estar regularmente matriculado em quaisquer séries do ensino médio. Enquanto critério de exclusão adotou-se não estar presente em sala de aula após duas buscas consecutivas.

A coleta de dados ocorreu em sala de aula mediante autorização da direção da escola e consentimento do professor em exercício. O questionário de pesquisa autoaplicável foi constituído de três partes: (I) informações sociodemográficas (idade, sexo, religião, escolaridade, renda familiar e ocupação); (II) instrumento de rastreamento do uso substâncias psicoativas - Teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST); e (III) a Escala de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-bref).

O ASSIST trata-se de instrumento recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), validado e amplamente utilizado no Brasil para rastreamento do uso de álcool, tabaco e maconha, pautado em pontuações aferidas a oito perguntas que abordam a frequência de uso, problemas relacionados ao uso, preocupação a respeito do uso por parte de pessoas próximas, prejuízo na execução de tarefas esperadas, tentativas malsucedidas de cessar ou reduzir o uso, sentimento de compulsão e uso por via injetável. Os escores das respostas do ASSIST variam de 0 a 8, podendo a soma total variar de 0 a 39. O somatório dos escores das respostas classifica o uso de cada substância como de baixo risco (resultados menores do que três ou menores do que 10, no caso do álcool); uso abusivo (resultados entre 4 e 26 ou 11 e 26 para o álcool) e provável dependência (acima de 27 pontos).9

O WHOCOL-BREF é uma versão abreviada do instrumento WHOQCOL-100 desenvolvido pelo OMS e tem validação para o contexto brasileiro. O instrumento avalia a QDV e está composto por 26 itens divididos em quatro domínios: físico (7 itens), psicológico (6 itens), social (3 itens) e ambiental (8 itens). Dentre eles, um item se refere à avaliação da QDV e outro com a satisfação com a saúde. A escala de respostas assume valores entre 1 e 5, sendo que os menores indicam pior nível de qualidade de vida e os maiores, melhor (exceto para os itens 3,4 e 26).10 É considerado um instrumento de fácil aplicação para avaliar e acompanhar os problemas que envolvem à saúde dos mesmos.11

Os dados foram compilados no programa Microsoft Excel 2000 e transferidos para o SPSS - versão 22.0, licença número 10250887, após dupla checagem. Foram calculadas estatísticas descritivas para os dados sociodemográficos (frequências absolutas e percentuais e medidas de tendência central e dispersão). No momento da coleta de dados, a escola possuía 234 estudantes matriculados no ensino médio. Por meio do calculo amostral, realizado por amostragem aleatória simples (considerando um erro amostral de 3% e nível de confiança de 95%) estimou-se um total de 175 estudantes a serem entrevistados. Mediante perdas (duas recusas e quatro devolveram em branco), a amostra foi constituída por 169 estudantes. Para verificar normalidade foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk, Kolmogorov-Smirnov e Anderson-Darling. Foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson para variáveis categóricas. Os intervalos de confiança construídos ao longo da pesquisa foram construídos com 95% de confiabilidade estatística.12

Este estudo foi já aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, nº CAAE 29286614.3.0000.5504. As recomendações das Resoluções nº. 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram atendidas. Aos adolescentes com idade menor que 18 anos completos seus respectivos representantes legais efetivaram sua concordância de participação.

RESULTADOS

Quanto as características sociodemográficas, um pouco mais que a metade dos adolescentes era do sexo masculino, com idade entre 15 a 18 anos, professavam uma religião (76,3%), uma minoria estudava e trabalhava (24,7%), a renda familiar prevalente foi de até três salários mínimos (46,5%).

Quanto à associação entre as variáveis sociodemográficas e o uso de SPA nos últimos três meses, as adolescentes do sexo feminino se destacaram em relação ao uso de álcool e tabaco. Quanto ao trabalho e comportamento de consumo de SPA, foi observada uma relação significativa entre estudantes que trabalham e faziam uso de álcool (p = 0,019) (Tabela 1).

Tabela 1 Informações socioeconômicas e uso de substâncias nos últimos três meses (n=169), Brasil, 2017. 

Total Álcool [n (%)] Tabaco [n (%)] Maconha [n (%)]
Sim Não Sim Não Sim Não
Sexo Feminino 81 (47,9) 48 (59,3)a 33 (40,7) 21 (25,9) 60 (74,1) 18 (22,2) 63 (77,8)
Masculino 88 (52,1) 33 (37,5) 55 (62,5) 16 (18,4) 71 (81,6) 18 (20,7) 69 (79,3)
Faixa etária 15-16 97 (57,4) 45 (46,4) 52 (53,6) 21 (21,6) 76 (78,4) 20 (20,8) 76 (79,2)
17-18 72 (42,6) 36 (50,0) 36 (50,0) 16 (22,5) 55 (77,5) 16 (22,2) 56 (77,8)
Religião Católico 62 (36,7) 35 (56,5) 27 (43,5) 14 (22,6) 48 (77,4) 11 (18,0) 50 (82,0)
Evangélico 60 (35,5) 23 (38,3) 37 (61,7) 14 (23,3) 46 (76,7) 13 (21,7) 47 (78,3)
Espírita 7 (4,1) 3 (42,9) 4 (57,1) 1 (16,7) 5 (83,3) 2 (28,6) 5 (71,4)
Ateu 10 (5,9) 5 (50,0) 5 (50,0) 3 (30,0) 7 (70,0) 3 (30,0) 7 (70,0)
Agnóstico 21 (12,4) 11 (52,4) 10 (47,6) 3 (14,3) 18 (85,7) 5 (23,8) 16 (76,2)
Outro 9 (5,3) 4 (44,4) 5 (55,6) 2 (22,2) 7 (77,8) 2 (22,2) 7 (77,8)
Renda familiar
(Salários mínimos)*
≤ 1 SM 59 (37,1) 27 (45,8) 32 (54,2) 16 (27,1) 43 (72,9) 13 (22,0) 46 (78,0)
De 2 a 3 SM 74 (46,5) 38 (51,4) 36 (48,6) 16 (21,6) 58 (78,4) 17 (23,0) 57 (77,0)
≥ 3 SM 26 (16,4) 12 (46,2) 14 (53,8) 3 (12,0) 22 (88,0) 3 (12,0) 22 (88,0)
Trabalha e estuda Sim 41 (24,7) 26 (63,4)b 5 (36,6) 13 (32,5) 27 (67,5) 11 (26,8) 30 (73,2)
Não 125 (75,3) 53 (42,4) 72 (57,6) 23 (18,4) 101 (81,6) 24 (19,2) 101 (80,8)
Programa preventivo Sim 55 (32,5) 28 (50,9) 27 (49,1) 13 (23,6) 42 (76,4) 9 (16,4) 46 (83,6)
Não 90 (53,3) 41 (45,6) 49 (54,4) 19 (21,3) 70 (78,7) 22 (24,4) 68 (75,6)
Não lembro 24 (14,2) 12 (50,0) 12 (50,0) 5 (20,8) 19 (79,2) 5 (21,7) 18 (78,3)

Nota: Teste Qui-quadrado. a valor de p≤ 0,05;

bvalor de p = 0,019

*Salário Mínimo (SM) valor considerado: R$937,00.

Em relação ao uso de substâncias, as mais utilizadas foram, respectivamente, álcool, tabaco e maconha, tanto nos últimos três meses, como na vida. Os resultados se diferenciaram entre os adolescentes nos últimos três meses para o consumo concomitante de álcool e tabaco; álcool e maconha; e, tabaco e maconha. Embora não se tenha observado valores estatisticamente significativos, as prevalências são altas para o uso de substâncias concomitantemente, na vida (Figura 1).

* p < 0,05

Figura 1 Intersecção entre o uso de álcool, tabaco e maconha, Brasil, 2017. 

Ainda foi observado, nos últimos três meses, que o uso de tabaco teve associado com a qualidade de vida considerada ruim/muito ruim. E, ao contrário, estudantes que não usaram essa substância consideraram sua qualidade de vida muito boa/boa (p-valor=0,007). Além disso, foi notado que uso de bebidas alcoólicas (p-valor=0,044) e tabaco (p-valor=0,001) está associado com a satisfação da saúde daqueles que consideraram como sua qualidade de vida “indiferente”. No entanto, observou-se que o não uso de tabaco também foi relacionado com uma satisfação com a saúde considerada como “satisfeito/muito satisfeito” (p-valor= 0,001) (Tabela 2).

Tabela 2 Uso de álcool, tabaco e maconha nos últimos três meses, satisfação com a saúde e qualidade de vida (n=169), Brasil, 2017. 

Álcool [n (%)] Tabaco [n (%)] Maconha [n (%)]
Sim Não Sim Não Sim Não
Satisfação com a saúde MS 57 (43,5) 74 (56,5) 22 (16,8) 109 (83,2)b 25 (19,2) 105 (80,8)
I 14 (73,7)a 5 (26,3) 10 (55,6)b 8 (44,4) 8 (42,1) 11 (57,9)
MI 10 (52,6) 9 (47,4) 5 (26,3) 14 (73,7) 3 (15,8) 16 (84,2)
Qualidade de vida MB 52 (43,7) 67 (56,3) 21 (17,6) 98 (82,4)c 25 (21,2) 93 (78,8)
I 19 (57,6) 14 (42,4) 8 (24,2) 25 (75,8) 5 (15,2) 28 (84,8)
MR 10 (62,5) 6 (37,5) 8 (53,3)a 7 (46,7) 6 (37,5) 10 (62,5)

Nota: Teste Qui-quadrado. Valor de a p = 0,044/

bp ≤ 0,001/

cp = 0,007. MS =Muito Satisfeito. I = Indiferente, MI = Muito Insatisfeito. MB = Muito Boa. MR= Muito Ruim.

Pode ser observado também que uso de maconha, nos últimos três meses, foi indiferente para a vida social dos estudantes. Os estudantes que não usaram álcool nesse período, consideraram sua qualidade de vida muito satisfatória ou satisfatória em relação ao ambiente (Tabela 3).

Tabela 3 Uso de álcool, tabaco e maconha e aspectos da qualidade de vida, n=169, Brasil, 2017. 

Domínio Álcool [n (%)] Tabaco [n (%)] Maconha [n (%)]
Sim Não Sim Não Sim Não
Físico MB 21 (25,9) 32 (36,4) 8 (21,6) 45 (34,4) 6 (16,7) 46 (34,8)
I 24 (29,6) 24 (27,3) 12 (32,4) 36 (27,5) 11 (30,6) 37 (28,0)
MR 36 (44,4) 32(36,4) 17 (45,9) 50 (38,2) 19 (52,8) 49 (37,1)
Psicológico MB 17 (21,0) 26 (29,5) 12 (32,4) 31 (23,7) 10 (27,8) 33 (25,0)
I 25 (30,9) 34 (38,6) 9 (24,3) 49 (37,4) 15 (41,7) 43 (32,6)
MR 39 (48,1) 28 (31,8) 16 (43,2) 51 (38,9) 11 (30,6) 56 (42,4)
Social MB 14 (17,3) 17 (19,3) 5 (13,5) 26 (19,8) 2 (5,6) 29 (22,0)
I 38 (46,9) 42 (47,7) 19 (51,4) 60 (45,8) 23 (63,9)a 56 (42,4)
MR 29 (35,8) 29 (33,0) 13 (35,1) 45 (34,4) 11 (30,6) 47 (35,6)
Ambiental MB 15 (18,5) 32 (36,4)b 9 (24,3) 37 (28,2) 8 (22,2) 39 (29,5)
I 34 (42,0) 28 (31,8) 10 (27,0) 52 (39,7) 12 (33,3) 49 (37,1)
MR 32 (39,5) 28 (31,8) 18 (48,6) 42 (32,1) 16 (44,4) 44 (33,3)

Nota: MB = Muito boa/boa; MR = Muito ruim/ruim; I - Indiferente

aValor de p = 0,029

bValor de p = 0,035

DISCUSSÃO

O conhecimento sobre os padrões de risco é útil ao planejamento de intervenções para prevenir a iniciação no uso de substâncias psicoativas (SPA), com desdobramentos à QDV de adolescentes.13 Estudo realizado, em 2013, com 2185 alunos de 16 escolas públicas de três cidades brasileiras, apontou o álcool como a droga mais utilizada entre adolescentes,10 aspecto similar aos achados de outro estudo desenvolvido no Mato Grosso/Brasil com escolares sobre o consumo de drogas.14 Os resultados do nosso estudo corroboram a esses achados.

Consumir bebidas alcoólicas antes dos 15 anos de idade, tem sido associado com prejuízos à saúde física e mental, problemas sociais, familiares e na escola, além de aumentar as chances de desenvolver transtorno do uso de álcool.15 A precocidade na exposição ao álcool, aumenta as chances de consumo excessivo no decorrer da vida.16

Tal consumo de álcool e outras drogas de forma precoce entre adolescentes está frequentemente relacionado às questões de socialização e aceitação. A literatura atual evidencia que as relações sociais dos adolescentes são importantes para manutenção de uma qualidade de vida considerada positiva11.

É importante, neste contexto, destacar a tendência do aumento do consumo alcoólico por mulheres jovens17, aspecto reforçado pelos achados obtidos. Um estudo junto a adolescentes realizado na Inglaterra, com objetivo de analisar a prevalência do consumo de álcool e associá-la com a idade de início e às consequências sociais e de saúde, apresenta similaridade nos resultados em relação aos deste estudo: houve associação entre o consumo alcoólico nos últimos três meses com o sexo feminino e, aqueles que fizeram uso de bebidas alcoólicas no último trimestre foram mais prováveis a relatar uma menor qualidade de vida e citar prejuízos sociais.15

Estudo de âmbito nacional, desenvolvida em escolas, em 2009, apontou início mais precoce da experimentação de SPA entre meninas, prevalência entre 12 e 13 anos para o álcool e 13 e 14 anos para drogas ilícitas, em contrapartida com idade de 14 anos e 15 anos, entre meninos. As meninas consomem bebida alcoólica, sobretudo em festas ou na própria casa, enquanto que os meninos conseguem mais em ambientes fora da casa, como festas.6

A aceitação social do uso do álcool contribui para maior exposição entre os adolescentes. Os espaços de socialização da população de adolescente, tem sido com destaque à família, que fundamental na relação com este determinante.6

O tabaco apareceu, neste estudo, como a segunda SPA de maior consumo. Esse é produto de fácil acesso a muitos adolescentes e, quando a inicialização se dá nessa fase da vida, o uso tende a continuar na idade adulta.18

Estudo retrospectivo desenvolvido na Bahia/Brasil entre adolescentes e jovens de 12 a 24 anos atendidos em CAPSad entre 2003 e 2008, identificou que adolescentes que iniciaram o consumo de SPA até os 14 anos, houve um predomínio do consumo de tabaco e da maconha. Já aqueles que iniciaram o uso após 14 anos, o crack foi a SPA prevalecente de consumo.19

A maconha enquanto droga ilícita de primeira escolha dos adolescentes foi observada, enquanto que a curiosidade e o círculo de amigos foram destacados como fatores influenciadores.14 Estudo nacional que teve por objetivo analisar as representações sociais de adolescentes sobre QDV, enfatizou a necessidade do adolescente lidar com desejos, curiosidades e prazeres típicos à essa fase do ciclo vital, bem como o uso da maconha.7

A maconha é substância comumente tematizada no contexto de uso e abuso de SPA na adolescência e tem influenciado a QDV. Resultado de estudo descritivo com adolescentes de três escolas públicas da Bahia, identificou a relação de QDV à comportamentos saudáveis e práticas desportivas, mas também com a experimentação da maconha.7 Uma pior QDV em mulheres usuárias de substâncias psicoativas também foi relatada em um estudo realizado com usuários de drogas em Porto Alegre, Brasil.1 O mesmo estudo ainda mostrou que os usuários de SPA apresentaram resultados mais baixos em quase todos os domínios e escore geral do WHOQOL-Bref, comparando com uma amostra de não usuários1. Esta relação entre pior percepção de QDV e uso de SPA está alinhada aos achados do nosso estudo.

É importante ressaltar que a percepção da QDV por adolescentes é complexa e está relacionada há diversos fatores: sociais, familiares, emocionais e suas atitudes perante eventos adversos, onde os mesmos estão inseridos. Geralmente, os adolescentes associam a QDV apenas ao quesito da saúde física, destacando suas representações como atividades físicas e hábitos alimentares saudáveis.7

Dessa modo, é importante refletir sobre os fatores biopsicossociais, e os ambientes sociais em que esses indivíduos estão inseridos, repensando os direcionamentos para ações preventivas eficazes, assim como promoção de saúde em busca de uma QDV considerada melhor, dentro das particularidades de cada indivíduo, independentemente se usuários de SPA ou não.7 Ainda, tem sido um grande desafio à Saúde Pública prevenir o início precoce do uso dessas substâncias, com necessidade de políticas públicas e estratégias terapêuticas que tomem a particularidade dessa situação, em crescente no Brasil.19 Achados da presente pesquisa reforçam a importância de se valorizar os ambientes escolares, para efetivar diagnósticos, quanto propor o desenvolvimento de ações de preventivas e promoção da saúde a esses adolescentes.7 Novos estudos sobre a temática da QDV e uso de SPA na adolescência são necessários, com vistas a densificar determinantes e suas relações, favorecendo direcionamentos à elaboração de políticas públicas para essa faixa etária.20

Ainda, em termos de prevenção à experimentação e uso de SPA, o ambiente de vida do adolescente e a socialização nele estabelecida vem ganhando grande destaque. Revisão integrativa,19 enfatizou que possuir amigos e mãe fumante são fatores predisponentes ao fumo, assim como a curiosidade e convívio com familiares e amigos que fazem uso do de álcool elementos que podem influenciar a decisão de adolescentes de experimentação e sua iniciação no uso. Dessa forma, a prevenção à experimentação perpassa considerar amigos e a família do adolescente,19 sujeitos que podem vir a ser convidados a ocupar/integrar o espaço escolar e suas discussões.

Nas fases iniciais da adolescência, o adolescente possui baixa percepção dos riscos que o consumo de SPA traz, aspecto que o vulnerabiliza.19 Assim, tematizar comportamentos de risco para a saúde, ou seja, atividades que podem trazer prejuízos à saúde mental e/ou física, é premente, quando o uso de tabaco, álcool e drogas é tema prioritário21 e precisa ser ampliado nos espaços escolares enquanto um processo dialógico e não normativo.

Ainda, a literatura evidencia que níveis elevados de educação oferecem resultados positivos para a saúde, com desdobramentos à QDV.22 Por isso, campanhas de educação em saúde que aborda os riscos e prjuizos ocasionados pelo uso de SPA é importante e benéfica para jovens e adolescentes no ambiente escolar,23 apesar das escolas brasileiras disporem de poucos programas sistematizados nesta direção.24

Contudo, destacar o estudo realizado com 807 adolescentes no Brasil, que revelou que alunos de escolas privadas tinham melhores níveis de QDV, se comparado aos de escolas públicas. Além disso, adolescentes com menor posse de bens e os com maior idade também apresentaram níveis de QDV ruins. Evidenciando, que de modo geral, existe um gradiente social importante que particulariza e vulnerabiliza alguns grupos.25

Foi identificado no presente estudo que raros foram os participantes que haviam participado de palestras e/ou cursos na temática de SPA. Estes dados diferem dos resultados encontrados em estudo realizado em Mato Grosso, em que 85% dos adolescentes já haviam participado de palestras na escola sobre o tema de substâncias psicoativas.14 A realização de palestras preventivas sobre o uso de drogas na escola, individuais e em grupos, está indicada. Contudo, cabe reflexões de que para aqueles adolescentes que já estão em uso, afirma-se relação fragilizada com a escola e estudos, evidenciada por abandono e/ou baixo engajamento escolar.16,19 Para estes a intervenção precisa ser diferenciada, no sentido de fortalecer vínculos e confiança.

De qualquer modo, o apoio em relação à tomada de decisões sobre SPA na adolescência é fundamental com vistas a saúde e vida, um dever que pode ser tomado na parceria da saúde com a educação. A intersetorialidade está destacada na abordagem da situação da experimentação e uso de SPA, com contribuições ao acolhimento do adolescente. 16,19

CONCLUSÃO

As substâncias psicoativas as mais utilizadas pelos adolescentes foram o álcool e o tabaco. Quanto ao álcool, seu uso está significativamente maior as estudantes do sexo feminino e maior consumo entre aquelas que estudam e trabalham.

Em relação à QDV, o uso de tabaco foi maior entre aqueles que assinalaram ter uma qualidade de vida ruim. E, aqueles estudantes que usavam álcool e tabaco com indiferença em quanto a satisfação da saúde. O uso de maconha, por sua vez, revelou indiferença quando a vida social. Dessa forma, existe uma associação entre uso de substâncias psicoativas e QDV.

A robustez do presente estudo concentra-se nos resultados e discussão levantados, que apontam para vertentes específicas da qualidade de vida que podem ser influenciadas pelo uso de álcool, tabaco e maconha. Uma delas é que o uso recente de substâncias, frequentemente consideradas inócuas e relacionadas à diversão por parte dos adolescentes, como o tabaco e o álcool, pode interferir tanto com a qualidade de vida, quanto com a satisfação com a saúde. Outro dado interessante é que o não uso dessas substâncias está associado com melhores níveis de satisfação com a saúde e, no caso do álcool especificamente, maior satisfação com o ambiente.

Os referidos achados permitem uma reflexão acerca da melhor e mais eficiente estratégia para se trabalhar aspectos da qualidade de vida de adolescentes, especialmente, no âmbito da saúde. Tal estratégia parece ser o enfoque das ações profissionais em saúde para orientar os estudantes sobre a relevância da abstinência do uso de substâncias durante a adolescência. Essa diretriz caminha para redução de danos e riscos associados ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, em perspectiva mundial,26 o que pode ser objeto de interesse para novas produções científicas, não apenas para a área de saúde, mas também para a de educação.

Este estudo tem algumas limitações por ter sido desenvolvido em um contexto local, apesar de seus resultados serem condizentes com tendências da literatura científica. Além disso, destaca-se também a questão relacionada ao método, que não permitir inferir causalidade entre as variáveis investigadas e se limita a eventuais associações.

REFERÊNCIAS

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