versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.86 no.2 São Paulo mar./abr. 2020 Epub 11-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.10.012
A pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) é o tratamento mais comum e eficaz para pacientes com apneia obstrutiva do sono.1 A titulação manual em um laboratório do sono durante a polissonografia (PSG) de noite inteira é o padrão-ouro para determinar a pressão ideal.2 No entanto, o alto custo da PSG e o acesso deficiente a laboratórios do sono podem limitar a disponibilidade desse procedimento. Portanto, outras opções têm sido sugeridas, tais como estudos do tipo split-night,3 titulação automática de CPAP,4 estudos diagnósticos do sono de base domiciliar5,6 e equações preditivas, para determinar a pressão ideal de CPAP.7-9
As equações preditivas para estabelecer a pressão de CPAP incluem fatores como o índice de massa corporal (IMC), circunferência do pescoço, índice de apneia-hipopneia (IAH), saturação da oxi-hemoglobina, idade e sexo.8,10-15 Que seja de nosso conhecimento, apenas dois estudos usaram características cefalométricas para estabelecer a pressão ideal de CPAP.16,17
Assim, o objetivo do presente estudo é verificar se as avaliações clínicas antropométricas, polissonográficas, cefalométricas e das vias aéreas superiores podem predizer a configuração ideal da pressão de CPAP para pacientes com apneia obstrutiva do sono (AOS).
A amostra foi selecionada no ambulatório da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa, São Paulo (Brasil). Homens entre 25 e 65 anos, com um IMC menor ou igual a 35 kg/m2 e um IAH maior do que cinco eventos por hora foram selecionados. Postulamos que diferenças hormonais e anatômicas e diferenças nos mecanismos de controle ventilatório poderiam influenciar o processo de colapso faríngeo e, consequentemente, os requisitos para a titulação da pressão de CPAP. Dessa forma justificariam a seleção exclusiva de pacientes do sexo masculino neste estudo. Os pacientes assinaram voluntariamente um termo de consentimento livre e esclarecido e o protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Unifesp (REC 0352/09). Todos os procedimentos estavam de acordo com a declaração de Helsinque de 1964.
Os pacientes foram submetidos à polissonografia basal de noite inteira (Embla Systems, Inc., Broomfield, CO, EUA), cefalografia lateral e avaliação clínica otorrinolaringológica. Foram submetidos também a uma segunda polissonografia de noite inteira para a titulação manual da pressão de CPAP, de acordo com as diretrizes de Kushida,2 usaramo máscaras nasais convencionais.
A captura da imagem foi feita com os pacientes com os dentes em oclusão normal, sem deglutição e com a postura natural da cabeça.18 Diferentes parâmetros foram avaliados por cefalometria lateral e as variáveis cefalométricas usadas e suas definições estão descritas na tabela 1.
Tabela 1 Resumo das variáveis usadas para análise cefalométrica - descreve os pontos cefalométricos usados, assim como a média e desvio-padrão dos valores encontrados
Variáveis | Definição | Média ± DP |
---|---|---|
H-MP (mm) | Hioide - Plano Mandibular | 21,9 ± 4,7 |
C3-H (mm) | Terceira Vértebra - Hioide | 77,2 ± 8,7 |
H-RGN (mm) | Hioide - Retrognatia | 39,4 ± 4,5 |
PNS-P (mm) | Comprimento do Palato Mole | 38,3 ± 3,2 |
SPW-SPW (mm) | Largura do Palato Mole | 9,9 ± 1,8 |
Espaço localizado entre o ponto mais proeminente da parede externa do palato mole e a parede posterior nasofaríngea (mm) | Espaço Palatal Médio Posterior | 12,0 ± 3,5 |
Vasa-Vasp (mm) | Espaço faríngeo Superior | 15,1 ± 3,7 |
Espaço localizado entre a intersecção do plano oclusal com a parede nasofaríngea anterior e posterior (mm) | Espaço Faríngeo Médio | 9,7 ± 3,3 |
BGo - Goc (mm) | PAS (Espaço aéreo posterior) | 13,3 ± 3,8 |
C3'-H (mm) | LAS (Espaço aéreo inferior) | 12,1 ± 4,8 |
Atlas - PNS (mm) | Distância Atlas - Mandíbula | 50,0 ± 3,3 |
SNA (º) | Posição da mandíbula em relação à base craniana | 82,5 ± 3,9 |
SNB(º) | Posição da maxila em relação à base craniana | 78,6 ± 4,1 |
ANB(º) | Discrepância anteroposterior maxilar / mandibular | 3,6 ± 2,6 |
Go-Me (º) | Comprimento mandibular | 73,5 ± 3,7 |
FMA (º) | Mostra a relação entre os planos mandibular e de Frankfurt | 23,8 ± 7,0 |
A avaliação clínica das vias aéreas superiores foi feita de acordo com o método de Zonato et al. (2003)19 por um otorrinolaringologista treinado. Dois otorrinolaringologistas com certificação em medicina do sono foram responsáveis por essa avaliação.
Considerou-se como nariz desfavorável a presença de um destes parâmetros: desvio do septo Grau II ou III; hipertrofia de conchas nasais associada a rinite ou queixa de obstrução nasal; desvio do septo Grau I associado a rinite ou queixa de obstrução nasal. Considerou-se orofaringe desfavorável, a presença de três dos seguintes parâmetros: palato web; palato mais posterior ou espesso; úvula longa ou grossa; pilares mediais; tonsilas Grau III ou IV.
Finalmente, classes III ou IV da classificação modificada de Mallampati foram consideradas desfavoráveis.
A polissonografia de noite inteira foi feita para avaliação basal e a polissonografia de noite inteira para titulação manual de CPAP foi feita de acordo com as diretrizes descritas por Kushida et al. (2008).2 O dispositivo de CPAP usado foi o REMstar Plus com o uso de uma máscara nasal e o polígrafo usado foi o Alice 6.
Para a elaboração da equação, adotou-se a seguinte metodologia estatística: o coeficiente de correlação foi calculado pela correlação de Pearson entre todas as variáveis independentes e a pressão de CPAP ideal. As variáveis que apresentaram correlação estatisticamente significante ou relação teórica com pressão de CPAP foram consideradas preditores potenciais. Fez-se uma análise de regressão linear multivariada, com a variável dummies, que incluiu a variável categórica como preditor, após a fórmula preditiva ter sido obtida. Os procedimentos de regressão múltipla resultaram em uma equação linear estimada. Para confirmar esses achados, foi feito o teste t para comparar a pressão medida pela fórmula proposta e pela titulação manual na polissonografia.
O programa SPSS versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL) foi usado e a significância estatística foi estabelecida em p ≤ 0,05.
Os dados demográficos e polissonográficos são apresentados na tabela 1. Na avaliação otorrinolaringológica, 28% dos pacientes preencheram os critérios para estruturas craniofaciais e faríngeas desfavoráveis, 44% preencheram os critérios de estrutura nasal desfavorável e 70% apresentaram classificação de Mallampati Tipo III ou Tipo IV. As descrições e valores médios dos parâmetros cefalométricos são mostrados na tabela 2.
Tabela 2 Características antropométricas e polissonográficas de 50 pacientes com AOS avaliados neste estudo
Parâmetros avaliados | Média ± Desvio-padrão |
---|---|
Idade (anos) | 43 ± 12 |
IMC (kg/m2) | 27,1 ± 3,4 |
Circunferência do pescoço (cm) | 40,7 ± 3,1 |
IAH (eventos/hora) | 17,8 ± 10,5 |
SpO2 basal (%) | 95,5 ± 1,2 |
SpO2 médio (%) | 94,6 ± 1,6 |
SpO2 mínimo (%) | 86,1 ± 4,4 |
OCPAP (cm H20) | 8,6 ± 2,1 |
IAH, Índice de Apneia e Hipopneia; IMC, Índice de Massa Corporal; OCPAP, pressão ideal de CPAP medida pela titulação na PSG; SpO2, Saturação de Oxihemoglobina.
Nas análises de regressão, menor comprimento mandibular, menor distância atlas-mandíbula e Mallampati modificado III e IV foram considerados preditores de pressão de CPAP mais alta (fig. 1), após ajustes para a circunferência cervical, IMC, IAH, idade e saturações de oxihemoglobina (tabela 3).
Tabela 3 Análise Estatística - Regressão Linear para prever a pressão de CPAP em 50 pacientes com AOS
Modelo | B | Sig |
---|---|---|
Comprimento Mandibular (mm) | -0,54 | 0,03a |
Distância Atlas-Mandíbula (mm) | -0,87 | 0,03a |
Mallampati Modificado II ou IV | 0,75 | 0,02a |
Circunferência do pescoço (cm) | -0,14 | 0,60 |
IMC (kg/m2) | 0,03 | 0,88 |
Z-escore do IAH | 0,18 | 0,60 |
SpO2 Basal (%) | 0,78 | 0,15 |
SpO2 Médio (%) | -0,51 | 0,23 |
Z-escore do SpO2 inferior (%) | -0,15 | 0,70 |
Z-escore da Idade | -0,23 | 0,33 |
ap ≤ 0,05 foi considerado significativo.
Comprimento Mandibular, distância entre o ponto Go-Me; Distância Atlas-Mandíbula, distância entre o ponto At-Enp; IAH, índice de apneia e hipopneia; IMC, Índice de Massa Corporal; Mallampati modificado, Mallampati III ou IV; SpO2, saturação de oxi-hemoglobina.R square explica 75% do modelo (R square = 0,756).
A seguinte equação preditiva explica melhor o modelo:
A média da pressão de CPAP estabelecida pela titulação foi de 8,6 cm H2O e a média da pressão de CPAP com a equação proposta foi de 8,9 cm H2O. Esses valores foram muito próximos, a equação produziu uma menor variância (fig. 2).
Este é o primeiro estudo a descrever o papel das variáveis cefalométricas na predição da pressão de CPAP em uma amostra brasileira. Determinamos que o comprimento mandibular (p = 0,03), a distância atlas-mandíbula (p = 0,03) e a classificação modificada de Mallampati III e IV (p = 0,02) foram preditores da pressão de CPAP.
O padrão-ouro para determinar o valor ideal de CPAP é a polissonografia de noite inteira com mtitulação manual, na qual a configuração de pressão é progressivamente ajustada até que todos os eventos obstrutivos tenham sido resolvidos durante cada estágio do sono e para todas as posições corporais.2
Entretanto, o período de teste pode não ser longo o suficiente, seja devido a uma duração insuficiente do sono ou à dificuldade de obter a pressão apropriada. Além disso, esse método é dispendioso e demanda tempo significativo e trabalho intensivo por técnicos treinados, contribui para a demora na prescrição dessa terapia.20 Assim, novas opções têm sido sugeridas, tais como estudos do tipo split-night,4 titulação automática de CPAP,21 estudos diagnósticos do sono de base domiciliar5,6 podem ser alternativamente domiciliados com CPAP automático, respeitam-se as indicações e contraindicações dos dispositivos automáticos 22 e, mais recentemente, equações preditivas para CPAP que são derivadas de parâmetros demográficos, antropométricos e polissonográficos.7-9 Várias equações preditivas para pressão de CPAP foram desenvolvidas em diferentes países e para várias populações.8,11,16,23-25
Hoffestein e Miljeteig (1993) foram um dos primeiros grupos a se concentrar na importância de desenvolver uma equação preditiva para CPAP, correlacionaram o IMC, o IAH e a circunferência do pescoço para uma população branca.7 Sua fórmula foi posteriormente validada por outros autores.24,26-28 Oliver et al. (2000) sugeriram usar a pressão prevista por essa equação exclusivamente para iniciar a titulação manual em laboratório.29 Masa et al. (2004) fizeram um estudo multicêntrico na Espanha com 360 pacientes que necessitavam de terapia com CPAP.23 Os pacientes foram randomizados em 3 grupos: titulação manual durante a polissonografia de noite inteira, titulação automática de CPAP e titulação com a equação de Hoffestein. Os autores concluíram que a titulação com essa fórmula é tão eficaz quanto a titulação manual em pacientes com AOS grave, leva a custos mais baixos e a uma diminuição significativa nas listas de espera.23 É importante enfatizar que todos os estudos anteriores incluíram pacientes com AOS grave, o que difere da nossa amostra, que incluiu apenas AOS leve a moderada.
De acordo com Basoglu et al. (2011),21 etnia é fator importante para determinar as características físicas dos pacientes, a gravidade da AOS e o nível de pressão de CPAP necessário para resolver a apneia e a hipopneia. Esses autores fizeram um estudo retrospectivo no qual 250 pacientes foram submetidos a polissonografia com titulação manual. Várias combinações de variáveis antropométricas e polissonográficas foram testadas e com os dados obtidos foi desenvolvida uma equação preditiva para a população turca que incluiu apenas a circunferência do pescoço e o índice de dessaturação da oxihemoglobina.21 Em contraste, nosso estudo não incluiu pacientes com apneia do sono grave. Da mesma forma que a população turca no estudo de Masa, a população brasileira é altamente miscigenada e pode exigir a validação de uma equação específica.
Schiza et al. (2011)24 descreveram uma equação preditiva para a população grega que incluía IMC, IAH, sexo e histórico de tabagismo. Esse estudo prospectivo comparou a titulação manual com a equação de Hoffestein e a equação que foi desenvolvida pelo grupo.24 Embora ambas as equações previssem a pressão ideal de CPAP, a equação de Hoffestein foi menos eficaz, conforme determinado em outras populações.15,26-28 Lin et al. (2003) formularam uma equação preditora baseada no IMC e no IAH de indivíduos taiwaneses e determinaram que a circunferência do pescoço não era relevante para a população asiática,8 um fato que também foi observado em nosso estudo. Da mesma forma, em um estudo retrospectivo, Choi incluiu 202 coreanos, 182 dos quais eram homens com SAOS leve, moderada ou grave; foi gerada uma equação preditiva que incluiu apenas as duas variáveis IMC e IAH.11
Muitos estudos têm demonstrado que pacientes com AOS apresentam importantes alterações craniofaciais, o que poderia explicar a presença de AOS mesmo em pacientes não obesos, especialmente na população japonesa, na qual estudos anteriores sobre variáveis cefalométricas, como flexão inferior da base do crânio17 e a posição do osso hioide em relação ao queixo,16 foram correlacionados com a pressão de CPAP.
Sforza et al. (1995) relataram que o comprimento do palato mole afetou a eficácia do CPAP em 22 pacientes franceses com AOS.30 Entretanto, porque o palato mole é um componente dos tecidos moles, ele é possivelmente influenciado pela obesidade. Esse achado contrasta com nossos dados, nos quais a equação não foi influenciada pelo IMC, mas foi influenciada pelo escore de Mallampati. Em nosso estudo, a pressão de CPAP necessária teve uma correlação positiva com a classificação de Mallampati III e IV, sugeriu que o menor volume das vias aéreas superiores exigia pressão mais alta de CPAP.
Já foi sugerido que o retrognatismo e a obesidade estão associados à posição inferior do osso hioide. 31 Esse fato pode explicar a relação negativa entre a pressão ideal de CPAP e o comprimento mandibular.
No presente estudo, observamos que a distância atlas-mandíbula e o comprimento mandibular apresentaram correlação negativa com a pressão ideal do CPAP. Mesmo a partir do parâmetro linear, podemos inferir que há uma correlação negativa entre o tamanho das vias aéreas superiores e a pressão do CPAP.
Akahoshi et al. (2009)16 analisaram características antropométricas, polissonográficas e cefalométricas como preditores de pressão terapêutica de CPAP. No estudo, todos os pacientes tinham AOS grave e eram moderadamente obesos. Quando as variáveis cefalométricas foram combinadas com os parâmetros polissonográficos e o IMC, a pressão terapêutica de CPAP foi prevista com maior precisão, sugeriu que as características craniofaciais são críticas para a patogênese da AOS em populações asiáticas.16
Deve-se notar que as equações preditivas não podem ser um substituto para a titulação manual, mas podem ser usadas como um procedimento auxiliar, ajudam a simplificar o processo de titulação e a diminuir o número de alterações nas configurações de pressão. No entanto, as equações preditivas podem ser usadas como opção à titulação manual em situações em que a titulação laboratorial não é possível (devido à imobilidade, preocupações com a segurança ou condições críticas de saúde) ou quando os altos custos, tempos prolongados de titulação ou longas listas de espera impedem ou atrasam a titulação em laboratórios do sono.
O estudo tem algumas limitações: a fórmula precisa ser validada em um conjunto separado de pacientes; estudamos apenas pacientes do sexo masculino e esse protocolo necessita de um exame radiográfico adicional.
Em uma amostra de homens não obesos com SAOS leve a moderada, a pressão ideal de CPAP foi prevista pelo comprimento mandibular, distância atlas-mandíbula e pela classificação modificada de Mallampati.