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Uso de Dispositivo Reabsorvível Vascular em um Caso de Reestenose Intra-stent

Uso de Dispositivo Reabsorvível Vascular em um Caso de Reestenose Intra-stent

Autores:

Julia Cadrin-Tourigny,
Liang Dong,
Akiko Maehara,
Erick Schampaert,
Philippe Genereux

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782X

Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.1 São Paulo jul. 2014

https://doi.org/10.5935/abc.20140098

Lista de abreviaturas

SMC - Stent metálico convencional

DVR - Dispositivo vascular reabsorvível

SLF - Stent liberador de fármaco

RIS - Restenose intra-stent

DAE - Descendente anterior esquerda

TCO - Tomografia de coerência óptica

ICP - Intervenção coronária percutânea

Introdução

Os dispositivos vasculares biorreabsorvíveis (DVR) demonstram resultados favoráveis em pacientes com doença coronariana estável com lesões de novo coronarianas simples (1, 2) e são considerados a "quarta revolução" na tecnologia de intervenção coronária percutânea (ICP). Os DVR representam uma alternativa promissora aos stents farmacológicos (SLF), oferecendo as mesmas vantagens. Apresentamos o primeiro caso de reestenose intra-stent (RIS) tratado com sucesso com um DVR liberador de everolimus (ABSORB; Abbott Vascular, Santa Clara, CA) e discutimos as suas vantagens potenciais nessa lesão.

Relato de Caso

Um homem de 72 anos apresentou-se com uma história de 3 semanas de recaída de angina classe 3/4 da Canadian Cardiovascular Society. Tinha sido submetido à ICP da descendente anterior esquerda proximal (DAE) 4 anos antes usando um stent liberador de sirolimus de 2,75 x 18 mm (Cypher Cordis, Miami, FL). Seu regime médico incluía aspirina e estatina. O ECG de repouso e os biomarcadores cardíacos eram normais. Dada a gravidade dos seus sintomas e sua história médica passada, decidiu-se proceder diretamente à angiografia coronariana. A coronariografia mostrou uma severa RIS de 95% da DAE proximal com trombo e múltiplas áreas de coloração de contraste fora do contorno do stent, compatível com micro-aneurismas coronários (Figura 1A). A tromboaspiração revelou trombo branco. A tomografia de coerência óptica (TCO) era compatível com uma reação de hipersensibilidade localizada a SLF de primeira geração (Figura 1B). Depois de consenso com seu médico de referência, foi implantado um DVR ABSORB de 3,0 x 18 mm liberador de everolimus (Figura 2A). TCOs repetidas mostraram boa aposição do dispositivo e cobertura dos micro-aneurismas (Figura 2B). O paciente recebeu alta no dia seguinte com terapia antiplaquetária dupla com aspirina e ticagrelor. O paciente encontrava-se assintomático após 6 meses de acompanhamento clínico.

Figura 1 Angiografia Basal e Tomografia de Coerência ÓpticaAngiografia basal mostrando lesão de reestenose grave da artéria descendente anterior esquerda proximal, com dois micro-aneurismas (asterisco), com coloração de contraste fora do stent farmacológico previamente implantado sugerindo má aposição tardia adquirida secundária a vasculite de hipersensibilidade. (B) Tomografia de coerência óptica realizada após trombectomia inicial e angioplastia e dilatação com balão de angioplastia, mostrando características típicas de má aposição tardia adquirida com aparência de "girassol" (painel superior direito) e 2 bolsos pequenos que representam micro-aneurismas (asterisco; painel inferior). 

Figura 2 Angiografia Pós-ICP e Tomografia de Coerência Óptica(A) Angiografia coronária final mostrando a exclusão dos dois micro-aneurismas presentes no início do estudo. (B) Tomografia de coerência óptica final mostrando boa aposição do DVR com cobertura dos dois micro-aneurismas e a captura de trombos. 

Discussão

Até onde sabemos, este é o primeiro relatório que descreve o uso de um DVR em um caso de RIS e má aposição tardia adquirida secundária a SLF de primeira geração. O DVR ABSORB está composto por polímeros reabsorvíveis que contém a droga antiproliferativa everolimus. Estudos prospectivos de DVR mostraram resultados favoráveis em lesões de novo coronarianas simples1,2, com remodelação positiva de longo prazo do vaso, alargamento tardio do lúmen, reabsorção completa do dispositivo vascular, e enchimento progressivo do espaço previamente ocupado com proteoglicanos no seguimento3. No entanto, esses estudos excluíram especificamente lesões de RIS.

No presente relatório, se suspeitou que uma vasculite local de hipersensibilidade retardada causada por um stent liberador de sirolimus era o mecanismo causal que conduziu a má aposição tardia do stent e reestenose, com trombose tardia sobreposta4. Achados angiográficos típicos estes, presentes em nosso paciente, incluindo a remodelação positiva e micro-aneurismas do segmento médio do stent. Esta reação de hipersensibilidade tem sido atribuída ao revestimento de polímero de stents liberadores de sirolimus, que, significativamente, é diferente do utilizado no DVR ABSORB4.

Neste caso em particular, o uso do DVR teve várias vantagens: evitar a acumulação de múltiplas camadas de stent metálico, evitar a re-exposição ao mesmo "antígeno alergênico" e, mais importante, hipoteticamente, o processo de cicatrização do DVR caracterizado por alargamento tardio do lúmen e substituição da plataforma de proteoglicanos, resultando em enchimento dos micro-aneurismas e exclusão do foco envolvido na gênese dos neo-trombos. O seguimento angiográfico com TCO de imagem em 2 anos ou mais, potencialmente validará esta última hipótese.

Conclusão

O DVR é uma incorporação promissora para o arsenal de ICP na gestão de lesões coronárias complexas. Este caso demonstra um uso inovador desta tecnologia para o tratamento de uma lesão de RIS de SLF que se caracteriza pela má aposição tardia adquirida.

REFERÊNCIAS

1. Ormiston JA, Serruys PW, Regar E, Dudek D, Thuesen L, Webster MW, et al. A bioabsorbable everolimus-eluting coronary stent system for patients with single de-novo coronary artery lesions (ABSORB): a prospective open-label trial. Lancet. 2008;371(9616):899-907.
2. Serruys PW, Onuma Y, Ormiston JA, de Bruyne B, Regar E, Dudek D, et al. Evaluation of the second generation of a bioresorbable everolimus drug-eluting vascular scaffold for treatment of de novo coronary artery stenosis: six-month clinical and imaging outcomes. Circulation. 2010;122(22):2301-12.
3. Serruys PW, Ormiston JA, Onuma Y, Regar E, Gonzalo N, Garcia-Garcia HM, et al. A bioabsorbable everolimus-eluting coronary stent system (ABSORB): 2-year outcomes and results from multiple imaging methods. Lancet. 2009;373(9667):897-910.
4. Virmani R, Guagliumi G, Farb A, Musumeci G, Grieco N, Motta T, et al. Localized hypersensitivity and late coronary thrombosis secondary to a sirolimus-eluting stent: should we be cautious? Circulation. 2004;109(6):701-5.