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Uso de everolimo de novo em receptores de transplante renal com doador vivo HLA idêntico

Uso de everolimo de novo em receptores de transplante renal com doador vivo HLA idêntico

Autores:

Marina Pontello Cristelli,
Alexandra Ferreira,
Pedro Hannun,
Claudia Felipe,
Wilson Aguiar,
Marcello Franco,
Hélio Tedesco-Silva,
José Medina-Pestana

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.38 no.2 São Paulo abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20160032

Introdução

Nas últimas duas décadas houve aprimoramentos significativos nos desfechos dos transplantes renais, especialmente após a introdução dos inibidores da calcineurina (ICN).1 Tal progresso também foi observado nos transplantes renais entre indivíduos HLA-idênticos, que intrinsecamente apresentam o mais baixo risco de rejeição aguda, perda do enxerto e óbito.2-4

Uma vez que há uma correlação bem estabelecida entre exposição a ICN e rejeição aguda nos primeiros três meses após o transplante,5 e que a maioria dos casos de rejeição aguda ocorrem no primeiro mês pós-transplante,5-7manter ICN pelos primeiros 30 dias é de suma importância para o sucesso do transplante.

Por outro lado, por conta do aumento na expectativa de vida, os receptores HLA-idênticos de transplantes renais normalmente são expostos a ICN por períodos mais longos, além de apresentarem risco mais elevado de morbidade e mortalidade associadas a eventos cardiovasculares e malignidade.1 Apesar do evidente papel da imunossupressão, ainda não há estratégias viáveis para evitar o desenvolvimento de eventos cardiovasculares neoplásicos. O lançamento de novos agentes imunossupressores, principalmente o everolimo (EVR), surge como possibilidade real de superação desse desafio.

Regimes imunossupressores baseados em EVR possibilitam a minimização ou a retirada de ICN,8reduzindo, assim, os riscos cardiovasculares e neoplásicos9associados ao uso crônico desses agentes e proporcionando incidências mais baixas de infecções virais.10 O objetivo do presente estudo foi, portanto, desenvolver um regime imunossupressor alternativo capaz de manter a eficácia e oferecer um melhor perfil de segurança de longo prazo para os receptores HLA-idênticos de transplantes renais.

Objetivos

O objetivo do presente estudo foi investigar os desfechos de transplantes renais entre indivíduos HLA-idênticos com regime imunossupressor baseado em EVR.

Objetivo primário

Avaliar a eficácia e a segurança de um novo regime imunossupressor baseado em EVR com a retirada planejada do inibidor da calcineurina.

Objetivo secundário

Avaliar a incidência de rejeição aguda, função renal, eventos de cicatrização de feridas, eventos adversos e mudanças laboratoriais durante um seguimento de 12 meses.

Métodos

Delineamento do estudo

Este foi um estudo unicêntrico prospectivo de tratamento aberto de braço único. O protocolo foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética da UNIFESP/EPM. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado após a aprovação do estudo pela Comissão de Ética e antes de sua inclusão no estudo. O estudo foi realizado em conformidade com as Boas Práticas Clínicas e com a Declaração de Helsinque.

Todos os participantes do estudo foram submetidos a transplante renal com doadores vivos HLA-idênticos, e receberam tratamento imunossupressor com tacrolimo (TAC)/prednisona (PRED)/EVR no primeiro dia após a cirurgia. Um mês após o transplante o TAC foi suspenso, e os pacientes continuaram a usar EVR/PRED. As doses dos medicamentos imunossupressores foram ajustadas segundo os níveis de vale no sangue e a ocorrência de eventos adversos. O protocolo foi alterado para que a interrupção de TAC fosse adiada de um para três meses após o transplante devido à ocorrência frequente de casos de rejeição aguda.

Critérios de inclusão e exclusão

O estudo incluiu receptores adultos de transplantes renais oriundos de doadores vivos HLA-idênticos. Foram excluídos pacientes que (1) estivessem fazendo uso de imunossupressores antes do transplante; (2) tivessem feito uso de medicamentos em pesquisa em algum período nos 12 meses que antecederam o transplante; e (3) tivessem histórico conhecido de hepatite B, hepatite C e infecção por HIV e/ou malignidade, com a exceção de câncer de pele do tipo não-melanoma. Mulheres em idade fértil foram aconselhadas e concordaram com o uso de métodos anticoncepcionais.

Tratamento

Todos os pacientes receberam 1g de metilprednisolona no durante a cirurgia, logo antes da revascularização do enxerto. No primeiro dia após o transplante, os pacientes receberam uma dose inicial de TAC 0.1 mg/kg b.i.d, EVR 1,5 mg 12/12 h e PRED 0,5 mg/kg/dia (máximo de 30 mg/dia). PRED foi gradualmente reduzida (5 mg/semana) para 5 mg/dia no trigésimo dia após o transplante. As primeiras concentrações de vale de TAC e EVR no sangue foram medidas no terceiro dia após o transplante. As doses de TAC e EVR foram ajustadas segundo as concentrações de vale no sangue de modo a manter níveis terapêuticos entre 3 ng/mL e 8 ng/mL e 4 ng/mL a 8 ng/mL, respectivamente.

A dose de TAC foi reduzida pela metade após o primeiro mês do transplante e o uso do medicamento foi permanentemente interrompido na semana seguinte. Após uma análise preliminar de eficácia, foi constatada uma elevada incidência de rejeição aguda (22%) em relação aos dados históricos de grupos HLA-idênticos tratados em nosso centro (cerca de 6%). Assim, o protocolo foi alterado de modo a adiar a redução e suspensão do TAC para o terceiro mês após o transplante. Os demais medicamentos foram mantidos sem alteração após a suspensão do TAC, e a dose de EVR foi ajustada para um novo intervalo terapêutico entre 6 ng/mL e 10 ng/mL. Ajustes devidos a reações adversas e intolerância ao tratamento foram realizados de forma individual.

Profilaxia

Todos os pacientes receberam profilaxia contra Pneumocystis jirovecii com sulfametoxazol-trimetoprima. Nenhuma outra profilaxia foi oferecida aos pacientes.

Consultas e procedimentos

As consultas no âmbito do estudo foram realizadas no pré-transplante imediato; no primeiro e terceiro dia após o transplante; na primeira, segunda e terceira semana após o transplante; e um, dois, três, seis, nove e doze meses após o transplante renal.

Desfechos primários

A eficácia foi avaliada pela incidência de falha de tratamento, definida como ocorrência do primeiro episódio de rejeição aguda comprovada por biópsia, perda do enxerto, óbito ou suspensão do tratamento. O número de suspensões do tratamento proposto definiu os desfechos de segurança.

Desfechos secundários

Rejeição aguda

Foram avaliados todos os episódios de rejeição aguda comprovados clinicamente e por biópsia; tempo de transplante, gravidade pela Classificação de Banff 2009 (para episódios maiores ou iguais a IA); tipo de tratamento e desfechos. Biópsias de aloenxerto foram realizadas com indicação clínica, exceto nos casos de análise histológica por microscopia óptica e imunofluorescência 12 meses após o transplante (apenas pacientes que consentiram com o exame).

Função Renal

Em todas as consultas foram colhidos dados sobre função renal: taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) - baseada na creatinina e segundo a fórmula do Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) - e relação proteína creatinina na urina.

Cicatrização de Feridas

As complicações com cicatrização de feridas relacionadas à cirurgia de transplante foram avaliadas por exame físico e ultrassom trinta dias após o transplante.

Eventos adversos

Em todas as consultas os eventos adversos foram registrados em formulário específico. Eventos adversos graves foram relatados à Comissão de Ética e ao patrocinador do estudo. Os eventos foram descritos e graduados segundo o Common Terminology Criteria for Adverse Events, CTCAE, versão 4.0.

Dados laboratoriais

A avaliação hematológica e bioquímica local (perfil lipídico, enzimas hepáticas e eletrólitos) e testes de concentração de vale no sangue (C0) de tacrolimo e everolimo foram realizados em todas as consultas. Avaliações virológicas (citomegalovírus [CMV], vírus Epstein Barr [EBV] e carga viral de poliomavírus no sangue) foram realizadas mensalmente.

Análise estatística

A análise dos desfechos primários e secundários foi realizada para as populações com intenção de tratar (ITT) e em tratamento (definida como todos os pacientes que permaneceram no tratamento designado).

As comparações estatísticas entre os dois grupos foram realizadas com o auxílio do teste exato de Fisher para variáveis categóricas e por testes de ANOVA para variáveis contínuas. Todos os p-valores foram bicaudais, e apenas p-valores < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Dados demográficos

Os pacientes foram incluídos no estudo entre 09/04/2012 e 14/04/2014, e foram acompanhados até 04/09/2015. Apesar de inicialmente termos proposto um número de cem pacientes, apenas 47 foram selecionados e 39 receberam pelo menos uma dose do medicamento do estudo (Figura 1).

Figura 1 Disposição dos pacientes. 

Os indivíduos incluídos tinham idade média de 43 anos; 53,8% eram do sexo masculino; 61,5% eram brancos; e 92,3% eram receptores de primeiro transplante renal (Tabela 1). A maioria dos pacientes tinha doença crônica renal de etiologia desconhecida (51,3%). Dentre as causas específicas, a mais comum era glomerulonefrite (15,3%). O período médio em diálise foi de 22 meses (22,6 ± 20,0 meses).

Tabela 1 Características demográficas da população incluída 

Características (N = 39)
Idade receptores, anos (média ± DP) 43,3 ± 12,5
Primeiro transplante, N (%) 36 (92,3)
Sexo masculino, N (%) 21 (53,8)
Etnia, N (%)
Brancos 24 (61,6)
Negros 7 (17,9)
Mista 7 (17,9)
Outros 1 (2,6)
Índice de massa corporal (kg/m2) 23,9 ± 3,2
Causa da doença renal terminal, N (%)
Glomerulonefrite 6 (15,4)
Hipertensão 1 (2,6)
Diabetes Mellitus 2 (5,1)
Desconhecida 20 (51,3)
Outra 10 (25,6)
Tempo em diálise (média ± DP) 22,6 ± 20,0
Tipo de terapia, N (%)
Hemodiálise 34 (87,2)
Diálise peritoneal 3 (7,7)
Anticorpos reativos contra painel, (%)
Classe I (média ± DP) 18,2 ± 34,1
Classe II (média ± DP) 7,4 ± 23,3
EBV positivo IgG, N (%) 37 (94,9)
HCV positivo IgG, N (%) 0 (0)
HBV positivo IgG, N (%) 0 (0)
CMV positivo IgG, N (%) 36 (92,3)
Idade dos doadores, anos (média ± DP) 41,8 ± 10,3
Doadores homens, N (%) 24 (61,5)
Etnia dos doadores, N (%)
Brancos 25 (64,1)
Negros 6 (15,4)
Mista 7 (17,9)
Outra 1 (2,6)

Imunossupressão

Nos dias 30, 60, 90, 180 e 365, a C0 média de EVR no grupo ITT foi de 5,3 ± 2,0 ng/mL, 6,4 ± 2,1 ng/mL, 7,2 ± 1,9 ng/mL e 7,5 ± 1,7 ng/mL, respectivamente. A C0 média de TAC nos dias 30, 60 e 90 foi de 6,9 ± 4,1 ng/mL, 5,1 ± 4,4 ng/mL e 4,7 ± 4,0 ng/mL, respectivamente. O TAC foi suspenso em 14 pacientes após o primeiro mês póstransplante, como indicado no protocolo inicial. Nesses pacientes, a C0 de EVR nos dias 60 e 90 foi de 6,2 ± 1,9 ng/mL e 7,15 ± 2,5 ng/mL, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2 Doses e concentrações de vale no sangue (c0) de medicamentos imunossupressores, segundo consultas de seguimento. Grupos com intenção de tratar e em tratamento 

Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 6 Mês 9 Mês 12
Grupo com intenção de tratar (N = 39)
Tacrolimo dose (mg, 12/12 h) 6,9 ± 4,1 5,1 ± 0,4 4,8 ± 4,3 - - -
Tacrolimo C0 (ng/mL) 7,3 ± 1,8 5,1 ± 4,4 5,0 ± 2,0 - - -
Everolimo dose (mg, 12/12 h) 4,1 ± 1,2 5,0 ± 1,6 4,5 ± 1,5 5,3 ± 1,7 5,3 ± 1,7 5,2 ± 1,8
Everolimo C0 (ng/mL) 5,3 ± 2,0 4,1 ± 1,3 6,4 ± 2,1 7,2 ± 1,9 8,0 ± 2,2 7,5 ±1,7
Prednisona dose (mg/dia) 10,4 ± 2,9 6,0 ± 1,7 5,7 ± 4,1 5 5,9 ± 5,7 5,5 ± 3,2
População em tratamento (N = 32)
Tacrolimo dose (mg, 12/12 h) 7,5 ± 4,7 4,8 ± 4,1 4,2 ± 3,1 - - -
Tacrolimo C0 (ng/mL) 7,4 ± 1,8 5,1 ± 1,6 4,9 ± 2,0 - - -
Everolimo dose (mg, 12/12 h) 4,2 ± 1,3 4,1 ± 1,4 4,5 ± 1,6 5,4 ± 1,6 5,4 ± 1,6 5,3 ± 1,7
Everolimo C0 (ng/mL) 5,5 ± 2,2 5,9 ± 2,1 6,3 ± 2,1 7,5 ± 1,8 8,2 ± 2,1 6,0 ± 1,7
Prednisona dose (mg/dia) 10,3 ± 3,1 5,1 ± 0,4 5,8 ± 4,5 5 5,1 ± 0,4 5

A C0 de EVR na população em tratamento, nas mesmas consultas citadas acima, foi de 5,5 ± 2,2 ng/mL, 6,3 ± 2,1 ng/mL, 7,5 ± 1,8 ng/mL e 7,6 ± 1,5 ng/mL, respectivamente. Para os 14 pacientes com suspensão de TAC ao final do primeiro mês, o nível médio de EVR no terceiro mês foi de 7,6 ng/mL (Tabela 2).

As doses médias de PRED situaram-se na direção da dose alvo recomendada de 5 mg/dia após o primeiro mês (M2: 6,1 ± 1,7 mg/dia; M3: 5,7 ± 4,1 mg/dia; M6: 5,0 mg/dia; e M9: 5,9 ± 5,7 mg/dia) (Tabela 2).

Eficácia

A incidência cumulativa de falha de tratamento foi 28,2%, em sua maioria após a ocorrência de rejeição aguda confirmada por biópsia (incidência de 15,4%, Tabela 3).

Tabela 3 Análise de eficácia aos 12 meses, grupo com intenção de tratar 

N = 39
Fracasso do tratamento, N (%) 11 (28,2)
Primeiro episódio de rejeição aguda comprovada por biópsia, N (%) 5 (12,8)
Óbito, N (%) -
Perda de enxerto, N (%) 1 (2,6)
Perda de seguimento, N (%) -
Interrupção do tratamento, N (%) 5 (12,8)
Primeiro episódio de rejeição aguda tratada, N (%) 7 (17,9)
Borderline 1 (2,6)
IA 4 (10,3)
IB 1 (2,6)
IIA 1 (2,6)
IIB -
Rejeição clínica (glomerulite aguda com deposição de C4d)* 1 (2,6)
Rejeição aguda tratada com anticorpo, N (%) 1 (2,6)
Tempo desde transplante, meses (média ± DP) 4,1 ± 3,7
Sobrevida dos pacientes, (%) 100
Sobrevida dos enxertos, (%) 97,4

*Anticorpos anti-HLA doador-específicos não identificados. DP, desvio padrão.

Os episódios de rejeição ocorreram em média quatro meses após a suspensão de TAC (4,1 ± 3,7 meses, de 1 a 10 meses após a suspensão do medicamento) e foram, em sua maioria, classificados como leves a moderados (Tabela 3). No entanto, um paciente manifestou um caso grave de rejeição. Este paciente havia parado de tomar TAC três meses após o transplante e mantinha uma C0 de EVR ligeiramente abaixo do intervalo proposto pelo protocolo (EVR em torno de 5 ng/mL), com função renal estável antes do episódio de rejeição aguda (creatinina 1,7 mg/dL, relação proteína/creatinina 0,3).

Nove meses após o transplante, o paciente apresentou piora da função renal acompanhada de elevação da proteinúria (creatinina subiu para 2,0 mg/dL e relação proteína/creatinina para 4,02). A análise histológica revelou rejeição aguda IIA, que exigiu tratamento com anticorpos policlonais por sete dias. Optou-se pela imediata substituição de EVR por TAC, e micofenolato sódico foi associado ao regime aproximadamente um mês mais tarde. No seguimento, a função renal do paciente retornou a níveis basais (creatinina 1,8 mg/dL nas consultas seguintes).

Além dos casos de rejeição aguda confirmados por biópsia, houve outros dois episódios de disfunção grave do enxerto em um paciente: o primeiro classificado como rejeição clínica aguda e o segundo como rejeição borderline. O primeiro episódio ocorreu quinze dias após o transplante, e foi caracterizado por elevação abrupta da creatinina (de 0,87 mg/dL para 6,09 mg/dL), novo curso de proteinúria (relação proteína/creatinina 4,25) e achados histológicos de glomerulite e deposição de C4d. Anticorpos anti-HLA doador-específicos (anti-A, anti-B e anti-DR) não foram identificados.

As concentrações dos medicamentos imunossupressores situaram-se dentro dos intervalos adequados (TAC 6 ng/mL e EVR 3,1 ng/mL). Houve rápida resposta clínica após pulsoterapia com metilprednisolona (creatinina caiu para 1,05 mg/dL). O segundo episódio ocorreu seis meses e meio após o primeiro, com disfunção menos grave (creatinina de 0,9 para 1,3 mg/dL, sem proteinúria). Naquele momento, o paciente fazia uso de EVR e PRED e a C0 de EVR encontravase dentro do intervalo recomendado (7,7 ng/mL). A análise histológica revelou rejeição borderline e IF/TA grau I-II. O paciente recebeu pulsoterapia com metilprednisolona por três dias, com resposta clínica completa (creatinina 1,16 mg/dL durante o seguimento).

Houver apenas uma perda de enxerto devido a trombose da artéria renal. Não houve óbitos durante o período do estudo. A sobrevida de pacientes e enxertos após 12 meses foi de 100% e 97,4%, respectivamente.

Apenas oito pacientes foram submetidos a biópsia 12 meses após o transplante. Destes, apenas dois apresentaram anomalias histológicas. Um dos pacientes apresentou IF/TA grau I-II. No outro foram observados depósitos mesangiais de IgA compatíveis com nefropatia por IgA. Todas as biópsias deram negativo para deposição de C4d.

Função renal

A TFGe da população ITT permaneceu acima de 60 mL/min/1,73m2durante o seguimento. Contudo, houve declínio significativo da TFGe com o passar do tempo. Mais especificamente, a TFGe após um mês de transplante foi de 73,4, em comparação a 62,6 mL/min/1,73m2 12 meses após o transplante (p = 0,001). Os pacientes que interromperam o tratamento com TAC no primeiro mês apresentaram decréscimo mais aparente da função renal em comparação aos que suspenderam o TAC mais tardiamente (Tabela 4). O declínio temporal da função renal foi mais acentuado na população em tratamento. Mais especificamente, a TFGe um mês após o transplante era 73,4, em comparação a 63,1 mL/min/1,73m2 12 meses após o transplante (p = 0,001).

Tabela 4 Função renal segundo consultas de seguimento. grupos com intenção de tratar e em tratamento 

Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 6 Mês 9 Mês 12
Grupo com intenção de tratar (N = 39)
Creatinina, mg/dL (média ± DP) 1,2 ± 0,3 1,3 ± 0,6 1,2 ± 0,3 1,3 ± 0,3 1,3 ± 0,3 1,3 ± 0,4
TFGe, mL/min/1,73m2 (média ± DP) 73,3 ± 21,3 68,6 ± 23,1 71,4 ± 24,2 66,4 ± 20,4 65,8 ± 18,6 62,6 ± 171
Relação proteína/creatinina na urina, (média ± DP) 0,4 ± 0,6 0,3 ± 0,3 0,2 ± 0,2 0,3 ± 0,4 0,3 ± 0,5 0,3 ± 0,5
Proteinúria > 0,5 mg/L, N (%) 9 (23,1) 4 (10,3) 1 (2,7) 4 (10,3) 5 (12,8) 7 (17,9)
População em tratamento (N = 32)
Creatinine, mg/dL (média ± DP) 1,2 ± 0,3 1,2 ± 0,4 1,2 ± 0,3 1,2 ± 0,3 1,2 ± 0,3 1,3 ± 0,3
TFGe, mL/min/1,73m2 (média ± DP) 73,4 ± 22,5 70,3 ± 22,3 72,4 ± 24,2 679 ± 21,2 65,8 ± 18,2 63,1 ± 170
Relação proteína/creatinina na urina, (média ± DP) 0,4 ± 0,7 0,3 ± 0,3 0,2 ± 0,2 0,2 ± 0,3 0,3 ± 0,4 0,3 ± 0,6
Proteinúria > 0,5 mg/L, N (%) 7 (21,9) 4 (12,5) 0 3 (9,4) 4 (12,5) 6 (19,8)

Os pacientes que interromperam o tratamento com TAC no primeiro mês apresentaram pior função renal em comparação aos que suspenderam o TAC três meses após o transplante (Tabela 4). Não foram observadas mudanças significativas na excreção de proteínas com o passar do tempo, avaliada na forma da relação proteína/creatinina, para os grupos ITT e em tratamento (Tabela 4).

Segurança

Todos os pacientes manifestaram pelo menos um evento adverso. No grupo ITT, a incidência de eventos adversos graves foi de 35,9%; já a incidência de eventos adversos que levaram à suspensão do medicamento foi de 5,1%. Os eventos mais comuns foram úlceras orais (17,9%), hiperlipidemia (46,2%) e edema periférico (48,7%). Proteinúria, diabetes mellitus pós-transplante, anemia e trombocitopenia relatadas como eventos adversos tiveram incidência de 8%, 5,2%, 5,2% e 2,6%, respectivamente. De todos os pacientes, 23,7% apresentaram pelo menos um evento clínico relacionado a complicações da cicatrização da ferida cirúrgica, das quais linfocele foi a mais prevalente (25,6% de todos os eventos relacionados à ferida). Apenas dois pacientes foram submetidos a cirurgia por conta de eventos relacionados à ferida. Um terço dos pacientes apresentou achados sub-clínicos no exame ultrassonográfico, a maioria dos quais pequenas coleções perienxerto de fluido (Tabela 5).

Tabela 5 Análise de segurança, grupo com intenção de tratar 

N = 39
Pacientes com eventos adversos, N (%) 39 (100)
Pacientes com pelo menos uma complicação infecciosa, N (%) 25 (64,1)
Pacientes com eventos adversos graves, N (%) 14 (35,9)
Pacientes com pelo menos uma complicação infecciosa grave, N (%) 7 (17,9)
Complicações na cicatrização da ferida cirúrgica
Pacientes com pelo menos um evento clínico, N (%) 9 (23,1)
Todos os eventos relatados, N (%) 13 (33,4)
Linfocele 5 (12,8)
Fístula urinária 1 (2,6)
Infecção do sítio cirúrgico 2 (5,1)
Hérnia incisional 1 (2,6)
Deiscência da ferida 1 (2,6)
Hematoma perienxerto 2 (5,1)
Hidronefrose do enxerto 1 (2,6)
Pacientes com evento detectado no ultrassom do protocolo, N (%) 13 (33,4)
Pacientes que necessitaram de intervenção cirúrgica, N (%) 2 (5,1)
Todos os eventos que exigiram intervenção cirúrgica, N (%) 3 (7,7)
Linfocele 1 (2,7)
Hérnia incisional 1 (2,7)
Hematoma perienxerto 1 (2,7)

Durante os 12 meses de seguimento, um paciente desenvolveu um carcinoma espinocelular de pele e outro apresentou infecção por CMV. Não foi identificado padrão de replicação de CMV, EBV ou poliomavírus. Entre um e três pacientes tiveram carga viral detectável de CMV e EBV em pelo menos uma consulta, sem qualquer manifestação clínica. Nenhum paciente desenvolveu viremia ou doença por poliomavírus.

O achado laboratorial mais notável foi a elevação progressiva do nível sérico de triglicérides (M1: 200 ± 117 mg/dL x M3: 218 ± 103 mg/dL x M6: 231 ± 122 mg/dL x M12: 257 ± 258 mg/dL, p = 0,001). Os perfis hematológicos e glicêmicos não apresentaram alterações significativas durante o seguimento.

Suspensão do tratamento

Cinco pacientes foram retirados do tratamento proposto pelo estudo por falta de eficácia (60% haviam parado de tomar TAC apenas um mês após o transplante). Todos esses pacientes retomaram o tratamento com TAC ou permaneceram no regime inicial com TAC/PRED/EVR. Um paciente passou de EVR para micofenolato, por conta da gravidade da rejeição aguda apresentada. Um paciente teve o tratamento interrompido por conta de complicações na cicatrização da ferida cirúrgica após uma valvuloplastia (secundária a endocardite infecciosa) e outro devido a nefropatia por IgA. Esses pacientes continuaram a ser tratados com TAC/PRED apenas.

Discussão

A maioria dos regimes imunossupressores descritos para transplantes entre indivíduos HLA-idênticos inclui corticosteroides e ICN,11-24 apesar de estudos anteriores já terem demonstrado que monoterapia com ácido micofenólico (MPA) ou azatioprina proporcionar resultados satisfatórios.1 Até a presente data, não há estudos que tenham relatado o uso de EVR nesta população.

As taxas de rejeição aguda entre receptores HLAidênticos de transplante renal variam amplamente dentre os estudos: 8,1% a 55% com azatioprinacorticosteroides;11-14,19,240% a 21% com ICN somado a azatioprina ou MMF mais corticosteroides;1,14,19-21 3,2% a 49% em regimes com ciclosporina-corticosteroides;11,18,24 e 16,7% em monoterapia com ciclosporina.24 Apesar da diversidade dos resultados, as taxas em questão são consideravelmente mais elevadas que as atuais, que são inferiores a 10% entre receptores de transplantes com doador vivo em terapia tríplice.25 Na presente análise, o novo regime proposto apresentou incidência de rejeição de 15,4%, com recidiva em todos os casos após a suspensão de ICN. A elevadíssima taxa observada exigiu a interrupção das inclusões.

É possível que esta elevada taxa de rejeição aguda em pacientes com risco imunológico baixo seja explicada pela resposta imune direcionada a antígenos de histocompatibilidade secundários (mHag) e/ou antígenos não-HLA do enxerto.26-28 Segundo Gerrits e colegas, as respostas dos linfócitos T dos receptores foram direcionadas para mHAg e/ou outros antígenos não-HLA dos doadores em 67% dos transplantes renais entre indivíduos HLA-idênticos, um achado detectável até um ano após o transplante.27

Portanto, a modificação de um regime imunossupressor estável pode ter perturbado o delicado equilíbrio imunológico e levado ao desenvolvimento de rejeição aguda.29,30) Em nosso grupo, oito pacientes (5,1%) apresentaram anticorpos reativos contra painel (PRA) em nível superior a 50% antes do transplante (quatro desses pacientes tinham PRA > 90%), indicando que houve resposta imunológica e rejeição aguda contra esses tipos de antígenos. Durante o período em que os pacientes receberam terapia tríplice, nosso estudo mostrou que a terapia de manutenção com ICN em baixa dose mais EVR foi um regime seguro e eficaz para receptores HLA-idênticos de transplante renal.

Com relação a segurança, a proporção de eventos adversos relacionados ao EVR foi mais elevada do que os valores relatados em estudos clínicos recentes. Em comparação ao ensaio A2309,8 no qual os regimes com imunossupressores com EVR eram semelhantes ao esquema inicial do presente estudo, houve incidência mais que duas vezes maior de hiperlipidemia (20,8% para EVR 0,75 mg 12/12/=h e 21,6% para EVR 1,5 mg 12/12/h) e úlceras orais (3,3% para EVR 0,75 mg 12/12 h e 5,0% para EVR 1,5 mg 12/12 h). Este achado provavelmente se deu por conta do aumento compulsório da C0 do EVR após a suspensão de ICN. Curiosamente, não foram observadas taxas mais elevadas de proteinúria ou eventos adversos relacionados a cicatrização da ferida cirúrgica, o que pode ser explicado pela baixa exposição inicial ao inibidor de mTOR.

O presente estudo tem algumas limitações. Em primeiro ligar, por ter sido organizado em um único centro, seus resultados não podem ser generalizados para outras populações. Em segundo, a ausência de um grupo de controle limita a interpretação dos resultados obtidos, embora tenhamos tentado mitigar este efeito através da análise de grupos históricos já publicados. Por fim, o curto período de seguimento não permitiu a captura dos desfechos em avaliação, principalmente o óbito dos receptores e casos de perda de enxerto.

Conclusão

No presente estudo, o novo regime imunossupressor baseado em EVR com a retirada planejada do inibidor de calcineurina não foi eficaz para receptores HLA-idênticos de transplante renal, especificamente por conta da alta incidência de rejeição aguda. O perfil de segurança mostrou que a exposição prolongada a concentrações plasmáticas elevadas de EVR resulta em eventos adversos frequentes relacionados ao medicamento em questão. No entanto, um regime com TAC em baixa dose combinado com EVR provou ser capaz de proporcionar a eficácia desejada.

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