versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.41 no.3 São Paulo maio/jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004553
A linfangioleiomiomatose (LAM) é uma doença rara de etiologia indeterminada; acomete principalmente mulheres em idade reprodutiva, e sua prevalência é de cerca de 1/1.000.000 habitantes. A LAM pode ocorrer isoladamente ou com o complexo de esclerose tuberosa (CET). ( 1 - 3 ) A doença é caracterizada por proliferação de células atípicas (células de LAM) que exibem características de neoplasia de baixo grau, com potencial metastático, levando a obstrução vascular e brônquica e formação de cistos.( 4 - 8 )
As principais manifestações clínicas da LAM são dispneia progressiva aos esforços, tosse seca, pneumotórax espontâneo recorrente, quilotórax e hemoptise.( 1 , 3 , 9 ) Podem surgir angiomiolipomas renais e linfangioleiomiomas. Na TC de tórax, o achado característico é a presença de cistos pulmonares difusos com paredes regulares e finas. Embora os testes de função pulmonar possam ser normais, pode ocorrer declínio progressivo e variável da função pulmonar ao longo do tempo. Redução da DLCO é a alteração mais frequente e, na espirometria, mais comumente se observa padrão de obstrução ao fluxo aéreo, além de aprisionamento aéreo, inclusive com possibilidade de resposta positiva ao teste de broncodilatação em até 25% dos casos.( 10 - 12 )
O diagnóstico definitivo de LAM baseia-se no seguinte( 3 , 6 ):
• achados característicos na TCAR de tórax, ou seja, cistos pulmonares difusos e com paredes regulares, associados a angiomiolipoma renal, derrame pleural/ascite quilosa, linfangioleiomioma/envolvimento ganglionar ou diagnóstico definitivo ou provável de CET
• presença de cistos pulmonares compatíveis com LAM na TCAR de tórax e achados patológicos de LAM em amostra de tecido pulmonar obtida preferencialmente por meio de biópsia cirúrgica
A dosagem sérica de VEGF-D, um marcador de linfangiogênese, tem ganhado espaço no auxílio ao diagnóstico, bem como na avaliação da progressão da doença. Atualmente, considera-se que achados de TC de tórax compatíveis com LAM associados à elevação do VEGF-D são suficientes para o diagnóstico da doença.( 13 , 14 )
A evolução da LAM é bastante variável, indo desde pacientes assintomáticas até pacientes com insuficiência respiratória progressiva com necessidade de transplante pulmonar. A sobrevida em estudos recentes tem se mostrado melhor que a descrita previamente; um estudo recente conduzido em nosso meio demonstrou que ela chega a 90% em cinco anos.( 15 )
Diversos medicamentos já foram utilizados na tentativa de controlar a LAM. Os inibidores de metaloproteinases de matriz, tais como a doxiciclina, e o bloqueio hormonal apresentaram resultados controversos e não são recomendados para o tratamento da LAM.( 16 - 19 ) Atualmente, os inibidores de mammalian target of rapamycin (mTOR, alvo da rapamicina em mamíferos), como o sirolimo e o everolimo, são promissores no tratamento da LAM, especialmente na melhora das manifestações extrapulmonares e na estabilização ou eventualmente na melhora da função pulmonar. ( 20 , 21 )
O objetivo do presente estudo foi descrever uma série de casos de pacientes com LAM no Brasil que utilizaram sirolimo, com efeitos positivos especialmente nas manifestações extrapulmonares.
De um total de 10 pacientes com LAM em uso de sirolimo em nosso centro durante o estudo, descrevemos quatro casos de pacientes nos quais o medicamento foi utilizado fundamentalmente em virtude do acometimento extrapulmonar.
Uma paciente de 48 anos, tabagista (com carga tabágica de 15 anos-maço) foi internada com história de dispneia havia dois anos, com piora havia uma semana. Negava outras doenças. A paciente relatou que fora submetida a ooforectomia havia nove anos em virtude de um tumor benigno e a nefrectomia direita havia 6 meses em virtude de angiomiolipoma renal. Não apresentava história de exposição relevante. O exame físico revelou que a paciente estava emagrecida, com murmúrio vesicular abolido em todo o hemitórax direito e SpO2 de 92% em ar ambiente. A radiografia de tórax revelou derrame pleural volumoso à direita (Figura 1). A paciente foi submetida a toracocentese, confirmando-se o diagnóstico de quilotórax. A prova de função pulmonar realizada após a drenagem revelou CVF de 3,12 l (100% do previsto), VEF1 de 1,95 l (75% do previsto), VEF1/CVF de 0,62, CPT de 5,27 l (92% do previsto) e DLCO de 15,41 ml/min/mmHg (65% do previsto; Tabela 1). A TC de tórax revelou cistos pulmonares difusos com paredes regulares. A paciente apresentou piora da dispneia e quilotórax de difícil manejo, mantendo-se um alto débito de drenagem a despeito do tratamento com nutrição parenteral total. Optou-se por iniciar tratamento com sirolimo (1 mg/dia). Observou-se resolução do quilotórax e estabilidade funcional após 12 meses de tratamento (Figura 1 e Tabela 1).
Figura 1. Radiografia de tórax antes do tratamento com sirolimo (em A) e após 12 meses de tratamento com o medicamento (em B), mostrando a resolução do quilotórax.
Tabela 1. Resultados da prova de função pulmonar antes e depois do tratamento com sirolimo.a
Caso | CVF | VEF1 | DLCO | |||
---|---|---|---|---|---|---|
pré-tratamento | pós-tratamento | pré-tratamento | pós-tratamento | pré-tratamento | pós-tratamento | |
1 | 3,12 (100) | 3,22 (103) | 1,95 (75) | 2,0 (77) | 15,41 (65)b | 17,54 (74)b |
3 | 2,36 (61) | 3,53 (91) | 1,49 (46) | 2,02 (62) | - | - |
4 | 3,96 (90) | 3,92 (89) | 3,37 (89) | 3,4 (90) | 20,12 (98)b | 20,4 (99)b |
aValores expressos em l (% do previsto), exceto onde indicado. bValores expressos em ml/min/mmHg (% do previsto).
Uma paciente de 25 anos, com diagnóstico de LAM associada a CET, apresentava história de pneumotórax de repetição e pleurodese havia dois anos. Negava tabagismo e não apresentava história de exposição relevante. Em virtude do acometimento neurológico associado ao CET, a paciente apresentava crises convulsivas frequentes e déficit cognitivo. Apresentava ainda angiomiolipoma renal bilateral de grande volume, além de ter sido anteriormente submetida a nefrectomia parcial direita em virtude de hemorragia. A paciente usava goserelina e doxiciclina desde 2010 e apresentou aumento progressivo do tumor renal nos últimos dois anos. Optou-se por iniciar tratamento com sirolimo, inicialmente na dose de 6 mg/dia, com posterior redução para 2 mg/dia em virtude de náuseas e vômitos. Após 12 meses, observou-se redução significativa do tamanho do angiomiolipoma (de cerca de 20 cm, com massas confluentes, para cerca de 3 cm; Figura 2). Em virtude do déficit cognitivo, a paciente não foi submetida a avaliação funcional pulmonar.
Uma paciente de 26 anos, não tabagista, com dispneia aos esforços havia três anos, apresentou piora aguda do quadro. Em 2011, foi identificado quilotórax volumoso, que não foi investigado na época. Após um ano, a paciente foi internada para investigação. As TCs de tórax e de abdome evidenciaram cistos difusos no parênquima pulmonar, além de volumosos linfangioleiomiomas retroperitoneais e linfonodomegalias abdominais. Confirmou-se o diagnóstico de LAM, e a prova de função pulmonar inicial apresentou os seguintes resultados: CVF de 2,36 l (61% do previsto), VEF1 de 1,49 l (46% do previsto) e VEF1/CVF de 0,63. Foi iniciado o tratamento com sirolimo (2 mg/dia) e, após 12 meses de tratamento, a paciente apresentou regressão significativa das massas retroperitoneais e abdominais (Figura 3), além de melhora da função pulmonar (Tabela 1).
Uma paciente de 37 anos, não tabagista, apresentava dor abdominal difusa. A paciente não apresentava sintomas respiratórios, história de exposição relevante ou doenças associadas. Durante a investigação, foi identificada uma massa retroperitoneal volumosa e heterogênea, de aproximadamente 18 cm de extensão. Realizou-se biópsia da massa abdominal, confirmando-se o diagnóstico de linfangioleiomioma. A TC de tórax evidenciou cistos esparsos no parênquima pulmonar, ao passo que os resultados da prova de função pulmonar, incluindo a DLCO, foram normais (Tabela 1). Foi iniciado o tratamento com sirolimo (2 mg/dia) devido à extensão da massa abdominal, com sintomas e risco de hemorragia. Após 6 meses de uso do medicamento, houve diminuição significativa do volume do linfangioleiomioma (Figura 4).
Nos quatro casos de pacientes com LAM descritos acima, o uso de sirolimo (1-6 mg/dia) teve efeitos positivos, especialmente nas manifestações extrapulmonares, incluindo redução do volume de angiomiolipomas renais, de massas abdominais e de massas retroperitoneais, além de resolução do quilotórax.
Vários medicamentos já foram utilizados na tentativa de controlar a LAM, baseando-se nos diversos mecanismos envolvidos em sua fisiopatologia. A doxiciclina, apesar de sua ação no bloqueio de metaloproteinases, não é recomendada no momento, pois um estudo randomizado recente demonstrou ausência de efeito na função pulmonar.( 16 , 17 ) O bloqueio hormonal, com a utilização de progesterona e análogos de hormônio liberador de gonadotrofina, apresentou resultados controversos e também não é indicado no momento.( 18 , 19 )
A mutação dos genes TSC1 e TSC2, observada na LAM, está associada a desregulação e hiperativação da via do mTOR, que atua no controle da síntese proteica e do crescimento celular. Os inibidores de mTOR inibem a ativação e a proliferação de linfócitos T, que ocorrem em resposta ao estímulo de antígenos e de citocinas, ligando-se à proteína FKBP-12 para formar um complexo imunossupressor. Esse complexo liga-se ao mTOR, uma quinase regulatória importante, inibindo sua atividade, o que, em última análise, bloqueia a proliferação celular.
Evidências recentes têm demonstrado que os inibidores de mTOR são opções promissoras para pacientes com LAM e podem ser utilizados em casos de angiomiolipomas renais e linfangioleiomiomas de grande volume, bem como no controle do quilotórax e da ascite quilosa, além de serem benéficos para a função pulmonar, principalmente em pacientes com rápido declínio da capacidade respiratória e com limitação do fluxo aéreo não grave,( 20 , 22 ) como observado em nossa série de casos.
Embora o uso de sirolimo em pacientes com LAM seja promissor, algumas questões ainda não estão plenamente definidas, tais como a necessidade de dosagem sérica da medicação (como ocorre em pacientes que receberam transplante renal ou pulmonar, por exemplo), o tempo de tratamento e sua segurança em longo prazo. Estudos recentes demonstraram que é possível usar a droga em doses mais baixas, a fim de reduzir os efeitos adversos, sem comprometer a resposta favorável.( 23 ) Habitualmente, utilizam-se doses de 1 a 2 mg/dia; porém, em casos de angiomiolipomas renais volumosos, podem ser utilizadas doses iniciais maiores. Um estudo realizado por Yao et al. demonstrou que os efeitos favoráveis do sirolimo na função pulmonar mantiveram-se após um período prolongado de tratamento (cerca de três anos e meio) e que, embora sejam comuns os efeitos adversos, tais como hipercolesterolemia, aumento de infecções do trato respiratório, diarreia, estomatite, acne e outras alterações cutâneas, eles geralmente são de leve intensidade e não determinam a interrupção do tratamento.( 24 ) Entretanto, ainda não está completamente estabelecido o risco de recidiva da doença após a suspensão da medicação.
Os inibidores de mTOR tornaram-se uma opção terapêutica importante em casos selecionados de LAM, especialmente em pacientes com manifestações extrapulmonares significativas, como angiomiolipomas renais, linfangioleiomiomas e derrames de origem quilosa. Entretanto, alguns pontos (tais como a dose ideal e a duração do tratamento) ainda precisam ser esclarecidos em estudos prospectivos futuros para que os inibidores de mTOR sejam definitivamente incorporados na abordagem da LAM.