Compartilhar

Uso do Escore SAMe-TT2R2 em Ambulatório de Anticoagulação para Predição de Tempo na Faixa Terapêutica e de Eventos Adversos

Uso do Escore SAMe-TT2R2 em Ambulatório de Anticoagulação para Predição de Tempo na Faixa Terapêutica e de Eventos Adversos

Autores:

Fernando Pivatto Júnior,
Rafael Selbach Scheffel,
Lucas Ries,
Ricardo Roitman Wolkind,
Roberta Marobin,
Sabrina Sigal Barkan,
Luís Carlos Amon,
Andréia Biolo

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.4 São Paulo abr. 2017

https://doi.org/10.5935/abc.20170052

Resumo

Fundamento:

O escore SAMe-TT2R2 foi desenvolvido visando predizer quais pacientes em anticoagulação oral com antagonistas da vitamina K (AVKs) atingirão um tempo na faixa terapêutica (TFT) adequado (> 65%-70%) no seguimento. Estudos também o relacionaram com a ocorrência de eventos adversos.

Objetivos:

Descrever o TFT de acordo com o escore, além de relacionar a pontuação obtida com a ocorrência de eventos adversos adversos em pacientes com fibrilação atrial (FA) não valvar em anticoagulação oral com AVKs.

Métodos:

Estudo de coorte retrospectivo incluindo pacientes com FA não valvar em acompanhamento em ambulatório de anticoagulação de um hospital terciário. Foi realizada uma avaliação retrospectiva de consultas ambulatoriais, visitas a emergência e internações hospitalares na instituição no período de janeiro-dezembro/2014. O TFT foi calculado aplicando-se o método de Rosendaal.

Resultados:

Foram analisados 263 pacientes com TFT mediano de 62,5%. O grupo de baixo risco (0-1 ponto) obteve um TFT mediano maior em comparação com o grupo de alto risco (≥ 2 pontos): 69,2% vs. 56,3%, p = 0,002. Da mesma forma, o percentual de pacientes com TFT ≥ 60%, 65% ou 70% foi superior nos pacientes de baixo risco (p < 0,001, p = 0,001 e p = 0,003, respectivamente). Os pacientes de alto risco tiveram um percentual maior de eventos adversos (11,2% vs. 7,2%), embora não significativo (p = 0,369).

Conclusões:

O escore SAMe-TT2R2 foi uma ferramenta eficaz na predição do TFT em pacientes com FA em uso de AVKs para anticoagulação, porém não se associou à ocorrência de eventos adversos.

Palavras-chave: Fibrilação Atrial; Anticoagulantes / efeitos adversos; Técnicas de Apoio para a Decisão; Varfarina; Femprocumona; Vitamina K

Abstract

Background:

The SAMe-TT2R2 score was developed to predict which patients on oral anticoagulation with vitamin K antagonists (VKAs) will reach an adequate time in therapeutic range (TTR) (> 65%-70%). Studies have reported a relationship between this score and the occurrence of adverse events.

Objective:

To describe the TTR according to the score, in addition to relating the score obtained with the occurrence of adverse events in patients with nonvalvular atrial fibrillation (AF) on oral anticoagulation with VKAs.

Methods:

Retrospective cohort study including patients with nonvalvular AF attending an outpatient anticoagulation clinic of a tertiary hospital. Visits to the outpatient clinic and emergency, as well as hospital admissions to the institution, during 2014 were evaluated. The TTR was calculated through the Rosendaal´s method.

Results:

We analyzed 263 patients (median TTR, 62.5%). The low-risk group (score 0-1) had a better median TTR as compared with the high-risk group (score ≥ 2): 69.2% vs. 56.3%, p = 0.002. Similarly, the percentage of patients with TTR ≥ 60%, 65% or 70% was higher in the low-risk group (p < 0.001, p = 0.001 and p = 0.003, respectively). The high-risk group had a higher percentage of adverse events (11.2% vs. 7.2%), although not significant (p = 0.369).

Conclusions:

The SAMe-TT2R2 score proved to be effective to predict patients with a better TTR, but was not associated with adverse events.

Keywords: Atrial Fibrillation; Anticoagulants / adverse effects; Decision Support Techniques; Warfarin; Phenprocoumon; Vitamin K

Introdução

Os antagonistas da vitamina K (AVKs) reduzem o risco de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico em pacientes com fibrilação atrial (FA) em aproximadamente 60%.1 A eficácia do tratamento com os AVKs está diretamente relacionada com o tempo na faixa terapêutica (TFT), ou seja, percentual do tempo com tempo de protrombina/razão normalizada internacional (TP/RNI) entre 2,0-3,0.2 Estudo prévio3 sugeriu que um TFT adequado seria entre 58-65%, abaixo do qual o benefício da anticoagulação oral com AVKs seria pequeno sobre a dupla terapia antiplaquetária. Evidências adicionais enfatizam que a prevenção do AVC com o uso de AVKs é eficaz quando o TFT médio individual é elevado, isto é, > 70%.4

A predição de quais pacientes serão bons candidatos à terapia com anticoagulantes seria de grande utilidade. Atualmente, utilizam-se escores que avaliam o risco de o paciente sofrer eventos tromboembólicos (CHADS2 e CHA2DS2-VASc),5,6 bem como de apresentar o principal efeito adverso dessa terapêutica, ou seja, sangramento (HAS-BLED).7 Com esses escores consegue-se avaliar a indicação e o risco da terapia, porém eles não trazem consigo a informação de como o paciente responderá ao tratamento, ou seja, se manterá um TFT adequado. A predição de maneira fácil de quais pacientes com FA são prováveis de atingir um TFT adequado com o uso dos AVKs poderia guiar a tomada de decisão da estratégia de anticoagulação com AVKs ou novos anticoagulantes (NOACs).8 Recentemente, Apostolakis et al.9 propuseram e validaram o escore SAMe-TT2R2, tendo observado ser possível identificar os pacientes com FA que atingirão TFT adequado em uso de AVKs (pontuação 0-1), bem como os que necessitarão de intervenções adicionais para conseguir um TFT adequado, atingindo um baixo TFT em vigência do uso de AVKs (pontuação ≥ 2), sendo esses possíveis candidatos para o uso dos NOACs. Estudos posteriores já validaram esse escore tanto para predição de TFT8,10-17 como de eventos adversos.8,10-12,16,17 Alguns, entretanto, mostraram incapacidade do escore para tal.18-20

Em estudo previamente publicado,21 descrevemos nossa experiência em um ambulatório de anticoagulação de um hospital terciário brasileiro, sendo o TFT médio de 64,8%. Neste estudo, temos como objetivo descrever o TFT de acordo com o escore SAMe-TT2R2, além de relacionar a pontuação obtida com a ocorrência de eventos adversos em pacientes com FA não valvar em anticoagulação com AVKs.

Métodos

Estudo de coorte retrospectivo incluindo pacientes em anticoagulação oral com AVKs em acompanhamento no Ambulatório de Anticoagulação do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), hospital universitário de atenção terciária localizado no sul do Brasil. As decisões relativas ao manejo da anticoagulação foram baseadas em protocolo publicado por Kim et al.22 Todos os pacientes que consultaram durante os meses de janeiro a março de 2014 foram triados para inclusão no estudo, sendo incluídos no estudo aqueles com FA não valvar. Considerou-se FA valvar a coexistência de estenose mitral moderada a grave ou válvula cardíaca protética.4

O risco para ocorrência de AVC isquêmico foi estimado com base nos escores CHADS2 e CHA2DS2-VASc, enquanto o risco de sangramento foi estimado a partir do escore HAS-BLED.5-7 Para análise do escore SAMe-TT2R2 (0-8 pontos), foram analisadas as variáveis sexo feminino (1 ponto), idade < 60 anos (1 ponto), presença de > 2 comorbidades (1 ponto), uso de amiodarona para controle do ritmo cardíaco (1 ponto), tabagismo nos últimos 2 anos (2 pontos) e raça não branca (2 pontos). Foram consideradas como comorbidades AVC prévio, diabetes, doença arterial periférica, coronariana, hepática, pulmonar, renal, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Os pacientes foram divididos a partir do escore SAMe-TT2R2 em dois grupos: baixo risco (0-1 ponto) e alto risco (≥ 2 pontos).9

Os dados demográficos, clínicos e de exames complementares foram obtidos por avaliação retrospectiva, através do prontuário eletrônico, consultas ambulatoriais, visitas à emergência e internações hospitalares na instituição durante o período compreendido entre janeiro e dezembro de 2014. Pacientes que perderam seguimento, morreram ou tiveram anticoagulação com AVKs suspensa foram incluídos igualmente na análise, sendo o TFT analisado até o último exame de TP/RNI disponível. Os pacientes foram avaliados quanto ao controle da anticoagulação (por meio dos exames de TP/RNI) e ocorrência de eventos adversos [sangramento maior, AVC, ataque isquêmico transitório (AIT), embolização sistêmica ou óbito]. O TFT foi estimado através do método de interpolação linear de Rosendaal.23

Os exames laboratoriais, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (preferencialmente avaliada por ecocardiograma) e número de medicações em uso foram registrados conforme as informações disponíveis mais próximas da data do início do seguimento. Anemia foi considerada como hemoglobina (Hb) < 13,0 g/dL em homens ou < 12 g/dL em mulheres.24 Hipertensão não controlada foi definida como pressão arterial sistólica > 160 mmHg na consulta ambulatorial mais próxima do início do seguimento.7 Sangramento maior foi caracterizado como evento com necessidade de hospitalização, transfusão de concentrado de hemácias ou queda da Hb ≥ 2 g/dL.7 Doença renal foi assinalada na presença de transplante renal, terapia dialítica crônica ou creatinina sérica ≥ 2,26 mg/dL.7 Doença hepática foi considerada na existência de doença hepática crônica (ex.: cirrose) ou evidências bioquímicas de dano hepático significativo (ex.: bilirrubina > 2x limite superior da normalidade, em associação com TGO, TGP ou fosfatase alcalina > 3x limite normal).7

Análise estatística

Os dados foram inseridos e analisados no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 21.0. A análise descritiva foi realizada a partir da distribuição de frequência absoluta e relativa, para as variáveis qualitativas, e através da média ± desvio-padrão e mediana, para as quantitativas com distribuição simétrica e assimétrica, respectivamente. Os percentis 25-75% das medianas foram apresentados quando se julgou adequado. A comparação dos grupos foi realizada pelo teste t de Student não pareado para as variáveis quantitativas simétricas, teste U de Mann-Whitney para as variáveis quantitativas assimétricas e teste do qui-quadrado para as variáveis categóricas. Em situações de baixa frequência, foi utilizado o teste exato de Fisher. A normalidade da distribuição de cada variável foi avaliada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Área sob a curva Receiver Operating Characteristic (ROC) foi calculada para avaliar a capacidade de o escore SAMe-TT2R2 predizer o desfecho TFT ≥ 65% e a ocorrência de eventos adversos, sendo considerado o melhor ponto de corte do escore a partir do valor com o maior produto sensibilidade x especificidade. A comparação da sobrevida livre de eventos adversos foi realizada através de curvas de Kaplan-Meier com o teste de Log-Rank. O nível de significância adotado em todos os testes foi de 5%. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA e aprovado.

Resultados

Foram estudados 263 pacientes em anticoagulação oral com AVKs por FA não valvar, correspondendo a 38,5% dos indivíduos em acompanhamento no Ambulatório de Anticoagulação do HCPA. Do total, 205 (77,9%) completaram o seguimento (Figura 1). As características demográficas da amostra estão descritas na Tabela 1.

Figura 1 Diagrama do estudo. TVP: trombose venosa profunda; TEP: tromboembolismo pulmonar; FA: fibrilação atrial; VE: ventrículo esquerdo; ACO: anticoagulação oral. 

Tabela 1 Características demográficas da amostra 

Variável n = 263
Sexo feminino 113 (43,0)
Idade (anos) 71,2 (64,1-78,5)
Uso de varfarina 256 (97,3)
TP/RNI lábil (TFT < 60%) 124 (47,1)
Hipertensão 231 (87,8)
Hipertensão não controlada 22 (8,4)
IC / FEVE < 40% 149 (56,7)
Diabetes 108 (41,1)
AVC / AIT prévios 96 (36,5)
Doença coronariana 76 (28,9)
Uso de antiplaquetários / AINE 64 (24,3)
Anemia 67 (25,5)
Doença pulmonar 36 (13,7)
Sangramento maior prévio 24 (9,1)
Doença arterial periférica 25 (9,5)
Doença renal 7 (2,7)
Doença hepática 2 (0,8)
Número de medicações 7 (6-9)
CHADS2 3 (2-4)
CHA2DS2-VASc 4 (3-5)
HAS-BLED 2 (1-3)

TP/RNI: tempo de protrombina/razão normalizada internacional; TFT: tempo na faixa terapêutica; IC: insuficiência cardíaca; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; AVC: acidente vascular cerebral; AIT: ataque isquêmico transitório; AINE: anti-inflamatórios não esteroides. As variáveis categóricas estão apresentadas como n (%) e as variáveis contínuas como mediana (25%-75%).

Durante o acompanhamento, foram realizados 2.754 exames de TP/RNI (mediana 10 exames/paciente), sendo 1.270 (46,1%) com valores entre 2,0 e 3,0. O TFT mediano foi de 62,5% (P25-75 44,2%-79,5%). A mediana do tempo de TP/RNI subterapêutico (< 2,0) foi de 18,9% e supraterapêutico (> 3,0) de 9,6%.

Em relação ao escore SAMe-TT2R2, 138 pacientes (52,5%) obtiveram pontuação 0-1 (baixo risco), enquanto que 125 (47,5%), pontuação ≥ 2 (alto risco), sendo a mediana 1 ponto (1-2). Quando avaliados os critérios do escore SAMe-TT2R2 de forma individual (Tabela 2), o critério "História Médica" (presença de > 2 comorbidades) foi o mais prevalente (57,0%). Os pacientes de baixo risco (escore 0-1) obtiveram um TFT mediano significativamente maior quando comparados com os de alto risco (pontuação ≥ 2): 69,2% vs. 56,3% (p = 0,002). Da mesma forma, o percentual de pacientes com TFT ≥ 60%, 65% ou 70% também se mostrou superior nos pacientes de baixo risco em todos os pontos de corte analisados (Figura 2).

Tabela 2 Prevalência dos componentes do escore SAMe-TT2R2 

Componente Escore n (%)
S Sexo Feminino 113 (43,0)
A Abaixo de 60 anos 41 (15,6)
Me História dica (> 2 comorbidades*) 150 (57,0)
T Tratamento com amiodarona 26 (9,9)
T2 Tabagismo 37 (14,1)
R2 Raça não-branca 22 (8,4)

*Acidente vascular cerebral prévio; diabetes; doença arterial periférica, coronariana, hepática, pulmonar, renal; hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Adaptado de Sex, Age, Medical history, Treatment, Tobacco use, Race.

Figura 2 Percentual de pacientes com TFT ≥ 60%, 65% e 70% de acordo com a pontuação no escore SAMe-TT2R2 (p < 0,001, 0,001 e 0,003, respectivamente). 

Na avaliação do escore SAMe-TT2R2 pela curva ROC para predição de TFT ≥ 65% (Figura 3), o ponto de corte de 2 pontos foi aquele que apresentou melhor combinação sensibilidade e especificidade (63,8% e 58,1%, respectivamente). A área sob a curva foi de 0,612 (IC95%: 0,544 - 0,681; p = 0,002).

Figura 3 Curva ROC para o desfecho TFT ≥ 65%. 

Durante o seguimento, ocorreram 24 (9,1%) eventos adversos, estando a descrição completa na Tabela 3. Não houve casos de AIT ou embolização sistêmica durante o período analisado. Os pacientes de alto risco (escore ≥ 2) tiveram um percentual maior, porém sem diferença estatisticamente significativa, de eventos (11,2% vs. 7,2%; p = 0,369). A área sob a curva ROC do escore para a ocorrência de eventos adversos foi de 0,566 (IC95%: 0,449 - 0,682; p = 0,289), sendo novamente 2 o melhor ponto de corte, com sensibilidade e especificidade de 58,3% e 53,6%, respectivamente. As curvas de sobrevida livre de eventos adversos estão demonstradas na Figura 4.

Tabela 3 Eventos adversos no seguimento total e de acordo com a pontuação no escore SAMe TT2R2 

Eventos Adversos n = 263 SAMe-TT2R2 p
0-1 ponto ≥ 2 pontos
Sangramento maior 15 (5,7) 6 (4,3) 9 (7,2) 0,465
AVC 4 (1,5) 1 (0,7) 3 (2,4) 0,349
Óbito 12 (4,6) 5 (3,6) 7 (5,6) 0,637
TOTAL 24 (9,1) 10 (7,2) 14 (11,2) 0,369

AVC: acidente vascular cerebral. Dados apresentados como n (%).

Figura 4 Curva de sobrevida livre de eventos adversos de acordo com a pontuação no escore SAMe-TT2R2 (p = 0,224). 

Discussão

O uso da anticoagulação em pacientes com FA para prevenção de eventos tromboembólicos é uma estratégia com eficácia conhecida e dependente do TFT. A predição daqueles pacientes que terão maior chance de atingir um TFT adequado com AVKs é um aspecto importante na avaliação desses pacientes, especialmente no cenário atual em que novos medicamentos estão disponíveis para o tratamento desses pacientes (sem necessitar da monitorização do TP/RNI). Neste estudo, observamos que o escore SAMe-TT2R2 foi um bom preditor do TFT em pacientes recebendo anticoagulação oral com AVKs por FA não valvar em uma amostra brasileira, podendo ser uma ferramenta importante na avaliação inicial dos pacientes com indicação de anticoagulação. A mediana do TFT, assim como o percentual de pacientes com TFT ≥ 60%, 65% e 70%, foram superiores nos pacientes com baixa pontuação no escore SAMe-TT2R2 (0-1 ponto) quando comparados com o grupo de pacientes com pontuação ≥ 2.

A utilidade da aplicação deste escore já foi observada em outras populações e cenários clínicos. Ruiz-Ortiz et al.,15 analisando prospectivamente pacientes de ambulatórios de cardiologia espanhóis, observaram um declínio progressivo da média do TFT de acordo com a pontuação obtida no escore. Nesse estudo, os pacientes com pontuação 0 tiveram um TFT médio de 67,5% ± 24,6%, enquanto que, nos pacientes com pontuação ≥ 4, a média do TFT foi de 52,7% ± 28,7% (p < 0,01), sendo a área sob a curva ROC para o desfecho TFT ≥ 65% de 0,57 (IC95%: 0,53-0,60; p < 0,0005). Roldán et al.,14 analisando 459 pacientes de um ambulatório de anticoagulação, observaram que pacientes com pontuação 0-1 tinham um TFT médio de 67% ± 18%, enquanto que, nos pacientes com pontuação ≥ 2 pontos, esse valor era de 61% ± 16% (p < 0,001). Nesse estudo, o odds ratio de atingir um TFT < 65% foi de 2,10 (IC95%: 1,44 - 3,06; p < 0,001) nos pacientes com escore ≥ 2. Em estudo retrospectivo incluindo 4.468 pacientes selecionados a partir de registro das unidades de atenção primária do Reino Unido, Martinez et al.17 descreveram que a proporção de pacientes com TFT ≥60% foi de 44,1% nos pacientes com escore 0-1, e de 37,1% nos com escore ≥ 2 (p < 0,01).

A associação da pontuação do escore com a ocorrência de eventos adversos da anticoagulação (sangramento maior, AVC, embolização sistêmica e/ou óbito) foi descrita em estudos posteriores8,10-12,16,17 ao estudo original,9 relacionando sempre a qualidade da anticoagulação, avaliada pelo TFT, com a ocorrência desses desfechos. Isoladamente, apenas o estudo de Poli et al.13 não observou essa relação. Em estudo retrospectivo incluindo 4.468 pacientes com FA em uso de AVKs durante seguimento de 3 anos, Martinez et al.17 observaram um risco de AVC superior nos pacientes com escore ≥ 2 em comparação à pontuação 0-1, ao longo do acompanhamento (log rank p < 0,01). Lip et al.,12 em estudo retrospectivo com 8.120 pacientes (seguimento médio, 1.016 ± 1.108 dias), descreveram que o escore SAMe-TT2R2 foi preditivo de AVC/tromboembolismo, sangramento grave e morte, refletindo o TFT subótimo nos pacientes com escore ≥ 2. No presente estudo, atribui-se a não associação do escore com a ocorrência do total de eventos adversos, especificamente AVC, à baixa incidência dessa complicação.

Diversos estudos têm proposto a inclusão do escore SAMe-TT2R2 no fluxograma de decisão sobre qual anticoagulante ser usado em pacientes com FA recém-diagnosticada.14,25-28 A partir da pontuação obtida, pacientes com ≥ 2 pontos iniciariam direto o uso de NOACs, ao passo que aqueles com pontuação 0-1 iniciariam o uso de AVKs, sendo esse trocado por NOACs se o TFT não fosse adequado no seguimento (> 70%). As diretrizes atuais para o manejo da FA, entretanto, ainda não incluíram essa estratégia.4,29,30

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Inicialmente o desenho retrospectivo carrega consigo limitações inerentes a ele, podendo influenciar a qualidade dos dados analisados. Apesar disso, acreditamos que os dados necessários para a realização desse estudo não tiveram grande perda, uma vez que o atendimento a esses pacientes na nossa instituição é feito de maneira sistematizada através de protocolo e consulta ambulatorial estruturada. Dessa forma, a grande maioria dos dados necessários para estudo foi coletada de forma sistemática durante a consulta assistencial. Uma segunda limitação é que a revisão de prontuários identificou apenas eventos adversos que ocorreram nas dependências do hospital ou que foram relatados pelos pacientes em consultas ambulatoriais, podendo haver alguns eventos que não tenham sido identificados (especialmente eventos adversos). Por fim, o fato de o estudo ser unicêntrico garante a uniformidade do acompanhamento dos pacientes descritos nesta coorte, porém pode diminuir a sua validade externa.

Conclusão

Com base nos nossos dados, podemos afirmar que o escore SAMe-TT2R2 é uma ferramenta eficaz na predição do TFT em pacientes com FA em uso de AVKs para anticoagulação. Dessa forma, a aplicação desse escore em conjunto com os escores para avaliação da indicação de anticoagulação (CHADS2 e/ou CHA2DS2-VASc) e do risco de sangramento (HAS-BLED) permitirá também a obtenção de uma avaliação da qualidade desse tratamento. Naqueles pacientes com escore SAMe-TT2R2 elevado (pontuação ≥ 2), existe uma maior probabilidade de baixa efetividade da anticoagulação com AVKs, podendo então ser considerado o uso de NOACs. Por outro lado, os pacientes de baixo risco (escore 0-1) perfazem um grupo com melhor resposta aos AVKs e podem ser tratados com os mesmos. Com esse tipo de seleção, realizando-se uma intervenção baseada no risco do paciente, será possível que novas tecnologias (no caso, os NOACs), normalmente mais caras e menos disponíveis, sejam direcionadas para um grupo de pacientes com indicação mais precisa.

REFERÊNCIAS

1 Hart RG, Pearce LA, Aguilar MI. Meta-analysis: antithrombotic therapy to prevent stroke in patients who have nonvalvular atrial fibrillation. Ann Intern Med. 2007;146(12):857-67.
2 White HD, Gruber M, Feyzi J, Kaatz S, Tse HF, Husted S, et al. Comparison of outcomes among patients randomized to warfarin therapy according to anticoagulant control: results from SPORTIF III and V. Arch Intern Med. 2007;167(3):239-45.
3 Connolly SJ, Pogue J, Eikelboom J, Flaker G, Commerford P, Franzosi MG, et al. Benefit of oral anticoagulant over antiplatelet therapy in atrial fibrillation depends on the quality of international normalized ratio control achieved by centers and countries as measured by time in therapeutic range. Circulation. 2008;118(20):2029-37.
4 Camm AJ, Lip GY, De Caterina R, Savelieva I, Atar D, Hohnloser SH, et al; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG). 2012 focused update of the ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation: an update of the 2010 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation. Eur Heart J. 2012;33(21):2719-47. Erratum in: Eur Heart J. 2013;34(10):790. Eur Heart J. 2013;34(36):2850-1.
5 Gage BF, Waterman AD, Shannon W, Boechler M, Rich MW, Radford MJ. Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: results from the National Registry of Atrial Fibrillation. JAMA. 2001;285(22):2864-70.
6 Lip GY, Nieuwlaat R, Pisters R, Lane DA, Crijns HJ. Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: the euro heart survey on atrial fibrillation. Chest. 2010;137(2):263-72.
7 Pisters R, Lane DA, Nieuwlaat R, de Vos CB, Crijns HJ, Lip GY. A novel user-friendly score (HAS-BLED) to assess 1-year risk of major bleeding in patients with atrial fibrillation: the Euro Heart Survey. Chest. 2010;138(5):1093-100.
8 Gallego P, Roldán V, Marin F, Gálvez J, Valdés M, Vicente V, et al. SAMe-TT2R2 score, time in therapeutic range, and outcomes in anticoagulated patients with atrial fibrillation. Am J Med. 2014;127(11):1083-8.
9 Apostolakis S, Sullivan RM, Olshansky B, Lip GY. Factors affecting quality of anticoagulation control among patients with atrial fibrillation on warfarin: The SAMe-TT2R2 score. Chest. 2013;144(5):1555-63.
10 Chan PH, Hai JJ, Chan EW, Li WH, Tse HF, Wong IC, et al. Use of the SAMe-TT2R2 score to predict good anticoagulation control with warfarin in Chinese patients with atrial fibrillation: relationship to ischemic stroke incidence. PLoS One. 2016;11(3):e0150674.
11 Abumuaileq RR, Abu-Assi E, Raposeiras-Roubin S, López-López A, Redondo-Diéguez A, Álvarez-Iglesias D, et al. Evaluation of SAMe-TT2R2 risk score for predicting the quality of anticoagulation control in a real-world cohort of patients with non-valvular atrial fibrillation on vitamin-K antagonists. Europace. 2015;17(5):711-7.
12 Lip GY, Haguenoer K, Saint-Etienne C, Fauchier L. Relationship of the SAMe-TT2R2 score to poor-quality anticoagulation, stroke, clinically relevant bleeding, and mortality in patients with atrial fibrillation. Chest. 2014;146(3):719-26.
13 Poli D, Antonucci E, Testa S, Lip GY. A prospective validation of the SAME-TT2R2 score: how to identify atrial fibrillation patients who will have good anticoagulation control on warfarin. Intern Emerg Med. 2014;9(4):443-7.
14 Roldán V, Cancio S, Gálvez J, Valdés M, Vicente V, Marín F, et al. The SAMe-TT2R2 score predicts poor anticoagulation control in AF patients: a prospective 'real-world' inception cohort study. Am J Med. 2015;128(11):1237-43.
15 Ruiz-Ortiz M, Bertomeu V, Cequier Á, Marín F, Anguita M. Validation of the SAMe-TT2R2 score in a nationwide population of nonvalvular atrial fibrillation patients on vitamin K antagonists. Thromb Haemost. 2015;114(4):695-701.
16 Proietti M, Lane DA, Lip GY. Relation of the SAMe-TT2R2 score to quality of anticoagulation control and thromboembolic events in atrial fibrillation patients: observations from the SPORTIF trials. Int J Cardiol. 2016;216:168-72.
17 Martinez C, Katholing A, Reitbrock S, Lip GY, Freedman B. SAMeTT2R2 scores predict stroke risk after initiation of vitamin K antagonist therapy for atrial fibrillation: a real-world practice study [Abstract]. Circulation. 2014;130:A19565.
18 Al Janubi H, Mohamad S, Mahfouz A, Muabby NE, Tawengi K, Alismaaial M, et al. PM 184 The Same-TT2R2 score does not predict the quality of anticoagulation or outcomes of atrial fibrillation in middle eastern patients [Abstract]. Global Heart. 2016;11(2):e101.
19 Andreu-Cayuelas JM, Puche CM, Caro-Martínez C, Flores-Blanco PJ, Valdés M, Manzano-Fernández S. SAMe-TT2R2 score does not predict time in therapeutic range in atrial fibrillation patients after hospitalization for acute decompensated heart failure [Letter]. Rev Esp Cardiol. 2016;69(4):453-4.
20 Skov J, Bladbjerg E, Bor MV, Gram J. SAMeTT2R2 does not predict time in therapeutic range of the international normalized ratio in patients attending a high-quality anticoagulation clinic. Chest. 2014;145(1):187-8.
21 Pivatto Jr F, da Silva AL, Simionato BM, Fuzinatto F, Oliveira JC, Pires LM, et al. Management of anticoagulation with vitamin K antagonists in a tertiary hospital outpatient clinic. Clin Biomed Res. 2014;34(2):139-44.
22 Kim YK, Nieuwlaat R, Connolly SJ, Schulman S, Meijer K, Raju N, et al. Effect of a simple two-step warfarin dosing algorithm on anticoagulant control as measured by time in therapeutic range: a pilot study. J Thromb Haemost. 2010;8(1):101-6.
23 Rosendaal FR, Cannegieter SC, van der Meer FJ, Briet E. A method to determine the optimal intensity of oral anticoagulant therapy. Thromb Haemost. 1993;69(3):236-9.
24 World Health Organization. (WHO). Department of Nutrition for Health and Development. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control: a guide for programme managers. Geneva; 2001.
25 Fauchier L, Angoulvant D, Lip GY. The SAMe-TT2R2 score and quality of anticoagulation in atrial fibrillation: a simple aid to decision-making on who is suitable (or not) for vitamin K antagonists. Europace. 2015;17(5):671-3.
26 Fauchier L, Poli D, Olshansky B. The SAMe-TT2R2 score and quality of anticoagulation in AF: Can we predict which patient benefits from anticoagulation? Thromb Haemost. 2015;114(4):657-9.
27 Voukalis C, Lip GY, Shantsila E. Emerging tools for stroke prevention in atrial fibrillation. EBioMedicine. 2016;4:26-39.
28 Esteve-Pastor MA, Roldán V, Valdés M, Lip GY, Marín F. The SAMe-TT2R2 score and decision-making between a vitamin K antagonist or a non-vitamin K antagonist oral anticoagulant in patients with atrial fibrillation. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2016;14(2):177-87.
29 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al. 2014 AHA/ACC/HRS guideline for the management of patients with atrial fibrillation: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. J Am Coll Cardiol. 2014;64(21):e1-76.
30 Magalhães LP, Figueiredo MJ, Cintra FD, Saad EB, Kuniyishi RR, Teixeira RA, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. II Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arq Bras Cardiol. 2016;106(4 Supl. 2):1-22.