versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.3 Rio de Janeiro maio/jun. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20180022
Nos Estados Unidos, diagnosticam-se anualmente cerca de 550 mil casos novos de insuficiência cardíaca (IC), totalizando 5 milhões de americanos com a doença. A IC descompensada é, assim, responsável por mais de 1 milhão de internações ao ano.1 Os custos direto e indireto estimados para a IC, em 2011, nos Estados Unidos, foram de US$215 bilhões, com previsão de atingir US$804 bilhões em 2020.2 O Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca (BREATHE) demonstrou que 60% dos casos admitidos nos hospitais com IC são decorrentes de redução da função sistólica ventricular esquerda.3
A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) constitui-se na utilização de um dispositivo implantável capaz de estimular de modo sincrônico as paredes do ventrículo esquerdo (VE), melhorando o desempenho cardíaco e a fração de ejeção (FE). Ele tem sido efetivo em restaurar a contração sincrônica do septo interventricular com a parede posterolateral do VE, contribuindo para a redução da ativação neuro-humoral e o consequente remodelamento reverso.4 A TRC é um tratamento consagrado para redução de morbimortalidade na IC.5
Os critérios atuais para implante de TRC, recomendados pela European Society of Cardiology6 com Classe I e Nível de Evidência A para implante de TRC são: IC classe funcional New York Heart Association (NYHA) II e III com ritmo sinusal, FEVE < 35%, largura do QRS > 150 ms ou 120 a 150 ms com dissincronismo elétrico (DE) ventricular por bloqueio de ramo esquerdo (BRE).
Apesar do benefício observado com o uso da TRC, ainda existe elevada taxa de não respondedores (entre 20 a 40%).7-11 Pacientes com doença coronariana e passado de infarto agudo do miocárdio (IAM) têm menor chance de apresentar boa resposta ao implante do ressincronizador e menor chance de sofrer remodelamento reverso.12 Desta forma, torna-se necessário o aprimoramento na seleção dos pacientes para a TRC, considerando não somente os critérios de DE, que seriam alargamento do QRS (> 150 ms) e BRE, mas também a presença de dissincronismo mecânico (DM), de acordo com os critérios cintilográficos.
O objetivo do nosso trabalho foi avaliar as respostas clínica e cintilográfica de pacientes com IC submetidos à TRC pelo uso da análise de fase a partir da Tomografia de Emissão de Fóton Único Sincronizada ao Eletrocardiograma (GSPECT, do inglês gated-Single Photon Emission Computerized Tomography).
Realizamos um estudo de intervenção, prospectivo, que incluiu pacientes consecutivos (> 18 anos) com os seguintes critérios de inclusão: IC classe funcional NYHA II a IV, apesar de receber tratamento médico considerado ideal de acordo com as diretrizes,6 em ritmo sinusal, FEVE < 35%, largura do QRS > 150 ms ou 120 a 150 ms com dissincronismo ventricular (presença de BRE). Os pacientes com indicação à TRC, que firmaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram convidados a participar do estudo.
Pacientes eram provenientes do Ambulatório de Cardiologia do Hospital Universitário Antônio Pedro e do Ambulatório de Eletrofisiologia do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro. Todos foram estudados pelo GSPECT dentro de até 4 semanas antes da implantação do TRC e 6 ± 1 mês depois do implante para comparação. Estes pacientes também responderam ao questionário da Universidade de Minnesota "Vivendo com Insuficiência Cardíaca" (QM), e realizaram ecocardiograma com speckle tracking antes e 6 meses após o implante, para obtenção das variáveis FE e volume sistólico final (VSF), sendo todas estas avaliações realizadas em 1 só dia, no Hospital Universitário Antônio Pedro.
Este estudo compõe parte de um projeto de pesquisa multinacional, financiado pela Agência Internacional de Energia Atômica, que avalia o uso do GSPECT na orientação do melhor segmento ventricular esquerdo para implante do eletrodo do ressincronizador. Este estudo é conduzido em diversos países com o objetivo de acompanhar pacientes com indicação à TRC.12
Foram critérios de exclusão: óbito antes de completar o período de seguimento; doença grave com risco de morte nos próximos 6 meses; síndromes coronarianas agudas; cirurgia de revascularização do miocárdio ou intervenção coronária percutânea nos 3 meses antes da inscrição e no prazo de 6 meses após a implantação da TRC.
Os pacientes realizaram as imagens de GSPECT em repouso, na posição supina, após administração intravenosa do radiotraçador 99mTc-sestamibi (RPH, Brasil). A atividade administrada foi de 10 a 20 mCi (ajustado por peso 0,2 mCi/kg). O tempo de espera entre a injeção e a aquisição das imagens foi de 40 a 60 minutos. Os pacientes receberam alimentos gordurosos após a injeção para minimizar a captação pelo fígado.
A gama-câmara utilizada foi a Millenium MPR (GE, Milwaukee, EUA) e as imagens foram processadas por meio da workstation Xeleris 3.0. A análise da função ventricular foi realizada a partir do software Emory Cardial Toolbox, versão 3.0 2012 (Syntermed, USA), que gerou os valores de FEVE, volumes ventriculares e massa do VE. As análises quantitativas e o processamento das imagens foram realizadas usando o software SyncTool, que foi desenvolvido para a avaliação do DM do VE pelo GSPECT.13 A técnica de análise de fase tem a capacidade de transformar a imagem em quatro dimensões (três planos espaciais e tempo) para imagens pareadas bidimensionais. O programa computacional gera uma análise da sequência de contração cardíaca (fase). Cada pixel das imagens cardíacas tem seu próprio ciclo de contração e relaxamento, tendo relação temporal característica (fase) em relação à onda R. A partir do histograma de fase, o software calcula cinco índices quantitativos: PP (Pico de Fase, do inglês Peak Phase), SD (Desvio Padrão, Standard Deviation), HBW (Largura de Banda, Histogram Bandwidth), S (Inclinação, Skewness) e K (Curtose, Kurtosis). Potenciais benefícios para a técnica de análise de fase são sua ampla disponibilidade, automação e reprodutibilidade.14
Foram considerados portadores de DE todos os pacientes do estudo, de acordo com o critério de inclusão (largura do QRS > 150 ms ou 120 a 150 ms com dissincronismo ventricular). O DM foi definido pela análise de fase do GSPECT usando o valor de corte SD > 43º e o HBW > 135º.
Os pacientes respondedores à terapia foram definidos como tendo três critérios dentre os quatro seguintes: melhora de uma classe funcional; aumento de ao menos 5% da FEVE; redução de pelo menos 15% do VSF; e aumento de 5 pontos do QM.
Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro, por meio da plataforma Brasil, sendo aprovado sob o número 884.844, em 25 de novembro de 2014.
Foi realizada a análise estatística nos softwares Excel (2010, Microsoft Corporation) e Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0 (2012, IBM Corporation), com a demonstração dos dados em medias e desvios padrão. Foi realizado o teste de One Sample Kolmogorov-Smirnov, para a confirmação da normalidade dos dados. A comparação das variáveis categóricas foi realizada com teste exato de Fisher e qui quadrado e, em variáveis numéricas, o teste t de Student. A correlação linear entre as variáveis contínuas empreendeu o cálculo do coeficiente de relação linear de Pearson. O histograma de análise de fase foi gerado pelo software ECT Synctool e correlacionado com a duração do QRS, usando-se o cálculo do coeficiente de relação linear de Pearson. O nível de significância estatística adotado foi de 5%.
Foram recrutados 15 pacientes no período de julho 2014 a outubro 2016. Destes, nove foram incluídos no estudo por conseguirem completar os exames após os 6 meses do implante do ressincronizador. Os motivos de não inclusão foram: óbito (dois pacientes faleceram no quinto mês pós-implante, um por descompensação da cardiopatia e outro por pneumonia grave); problemas técnicos (um paciente não conseguiu realizar a TRC por apresentar trombo intraventricular e outro não teve aderência ao tratamento); perda de acompanhamento (um paciente perdeu contato com a equipe); e desistência do protocolo (um paciente se recusou a repetir a cintilografia após os 6 meses do implante).
Os pacientes foram acompanhados durante um tempo médio de 193 ± 16 dias. Todos os pacientes realizaram anamnese, QM, Teste de Caminhada de 6 Minutos, ecocardiograma com speckle tracking e cintilografia de perfusão do miocárdio pré e pós-implante, conforme o protocolo.
As características gerais basais dos pacientes incluídos no estudo estão na tabela 1.
Características | n = 9 |
---|---|
Idade, anos | 62,4 ± 8 |
Índice de massa corporal, kg/m2 | 27,3 ± 5,5 |
Sexo feminino | 6 |
Diabetes melito | 5 |
Hipertensão | 7 |
Dislipidemia | 6 |
Tabagismo | 0 |
Doença coronariana prévia | 6 |
Infarto prévio | 5 |
Cirurgia de revascularização do miocárdio | 2 |
Intervenção coronária percutânea | 1 |
Classe funcional NYHA | |
II | 2 |
III | 5 |
IV | 2 |
Betabloqueador | 9 |
Inibidor da enzima conversora da angiotensina | 3 |
Bloqueador do receptor de angiotensina | 5 |
Ácido acetilsalicílico | 2 |
Diurético | 9 |
Estatina | 3 |
Antagonista de receptor de mineralocorticoide | 6 |
Digoxina | 4 |
Resultados expressos por número ou média ± desvio padrão. NYHA: New York Heart Association.
Os pacientes apresentavam eletrocardiogramas pré-implante com frequência cardíaca controlada (betabloqueados) e QRS alargados, sendo a média de 214 ± 17 ms − todos com morfologia de BRE. No Teste de Caminhada, a distância média percorrida foi de 341 ± 77 m. Notam-se valores altos do escore de Minnesota (63 ± 16), configurando maior frequência de sintomas nos pacientes.
A tabela 2 demonstra os parâmetros cintilográficos de função sistólica e massa ventricular esquerda basais dos pacientes incluídos no estudo.
Pacientes | FEVE (%) |
VDF (mL) |
VSF (mL) |
Massa (g) |
---|---|---|---|---|
1 | 38 | 287 | 178 | 233,5 |
2 | 23,5 | 161 | 123 | 175 |
3 | 28 | 143,5 | 102,5 | 169 |
4 | 35 | 225,5 | 146,5 | 213,5 |
5 | 26 | 210 | 154 | 200 |
6 | 26,5 | 325 | 238 | 274,5 |
7 | 31,5 | 483,5 | 333,5 | 378,5 |
8 | 30,5 | 375,5 | 260 | 294 |
9 | 26 | 432 | 320,5 | 302,5 |
Médias ± DP | 29,4 ± 4,5 | 293 ± 112,9 | 206 ± 80,2 | 248,9 ± 65 |
FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; VDF: volume diastólico final; VSF: volume sistólico final; DP: desvio padrão.
A tabela 3 demonstra os parâmetros cintilográficos basais da análise de fase referentes ao sincronismo ventricular. Dois pacientes não apresentavam DM, de acordo com o critério cintilográfico (SD > 43º), tendo apenas DE.
Paciente | PP | DP | HBW | S | K |
---|---|---|---|---|---|
1 | 110 | 61,08 | 171 | 2,96 | 9,34 |
2 | 118 | 74,04 | 160 | 4,09 | 5,15 |
3 | 105,5 | 22,41 | 58,5 | 3,15 | 10,37 |
4 | 153 | 46,77 | 146 | 2,36 | 5,54 |
5 | 191,5 | 57,74 | 203 | 2,31 | 6,00 |
6 | 109 | 49,26 | 129 | 2,99 | 11,83 |
7 | 44,5 | 15,91 | 35,5 | 3,32 | 10,27 |
8 | 131,5 | 85,71 | 257 | 2,09 | 5,13 |
9 | 81 | 69,93 | 134,5 | 1,72 | 2,82 |
Média ± DP | 116 ± 39 | 53 ± 21 | 144 ± 64 | 2,7 ± 0,7 | 7,4 ± 3 |
PP: pico de fase; HBW: largura de banda; S: inclinação; K: curtose; DP: desvio padrão.
Na tabela 4, é possível observar a resposta clínica dos pacientes após o implante do ressincronizador cardíaco. Observa-se queda da classe funcional NYHA para todos os pacientes com CF > III, sendo que os dois pacientes em NYHA IV apresentaram queda para a NYHA III, e somente um paciente CF III não apresentou melhora da CF, com significância estatística pelo teste exato de Fisher. Houve redução estatisticamente significativa dos escores do QM, que, apesar de subjetivo, demonstrou acentuada melhora dos sintomas dos pacientes, com melhora da qualidade de vida. Em relação ao Teste de Caminhada de 6 minutos, houve aumento da distância percorrida, queda do índice de Borg (quantificação subjetiva da dispneia) e da dispneia avaliada pelo examinador, apesar de não estatisticamente significativo.
Variáveis | Pré-ressincronização | Pós-ressincronização | Valor de p |
---|---|---|---|
Classe funcional NYHA | |||
II | 2 | 7 | |
III-IV | 7 | 2 | 0,015* |
QM | 63,6 ± 17,5 | 34,1 ± 20,5 | 0,006† |
Teste caminhada de 6 minutos | |||
Distância percorrida, m | 342,7 ± 82,2 | 376,6 ± 84,0 | 0,314** |
Índice de Borg | 3,1 ± 1,8 | 1,2 ± 1,3 | 0,023† |
Dispneia | 2,4 ± 2,0 | 0,89 ± 0,93 | 0,049† |
Teste exato de Fisher;
† teste t pareado. QM: questionário da Universidade de Minnesota "Vivendo com Insuficiência Cardíaca".
Na tabela 5, foram comparados os achados de métodos de imagem em relação ao dissincronismo. Analisaram-se os valores cintilográficos de função ventricular (FEVE, VDF, VSF e massa do VE) e os valores que avaliam o dissincronismo (PP, HBW, SD, S e K). Observou-se redução estatisticamente significativa do volume sistólico médio e da massa de VE após a TRC, por provável remodelamento reverso pós-ressincronização.
Cintilografia | Pré-implante | Pós-implante | Valor de p |
---|---|---|---|
Fração de ejeção, % | 29,4 | 33,89 | 0,32 |
Volume diastólico final, mL | 293,7 | 231,1 | 0,08 |
Volume sistólico final, mL | 206,2 | 158 | 0,05 |
Massa, g | 249 | 193,9 | 0,02 |
PP | 116 | 114 | 0,94 |
DP | 53,66 | 45,8 | 0,53 |
HBW | 143,8 | 130,3 | 0,68 |
S | 2,78 | 3,28 | 0,27 |
K | 7,38 | 15, 35 | 0,17 |
PP: pico de fase; DP: desvio padrão; HBW: largura de banda.
Foram realizadas diversas correlações dos parâmetros cintilográficos de dissincronismo com achados eletrocardiográficos, para tentar demonstrar a relação da duração do QRS com a presença de dissincronismo. Na figura 1, analisamos a duração do QRS com os valores de SD do histograma de fase. Sabia-se que quanto maior fosse o SD (SD > 43º), tinha-se um maior dissincronismo intraventricular. Da mesma forma, QRS > 130 ms esteve associado a maior probabilidade de dissincronismo. A relação de ambos os parâmetros foi diretamente proporcional. Quando analisado com a HBW, observou-se também que quanto maior a duração do QRS, maior o valor dela. Isso demonstra que a HBW e o SD também tinham relação direta, pois ambos aumentaram com o alargamento do QRS e com a presença de dissincronismo.
Os valores de SD e HBW foram mais elevados para os respondedores do que para os não respondedores, e a diferença entre o HBW nos dois grupos apresentou significância estatística (Figura 2).
O presente estudo avaliou o dissincronismo pré e pós-implante da TRC por meio do GSPECT. A TRC impactou de modo positivo a capacidade funcional, o DM e o DE de pacientes com IC avançada e BRE, além de demonstrar o uso do GSPECT para identificar pacientes com maior probabilidade de resposta à TRC.
O GSPECT é uma ferramenta útil para avaliação da função sistólica em pacientes que fazem estudos de perfusão, adicionando informações diagnósticas e prognósticas, sem exposição adicional à radiação.15 A evolução tecnológica permitiu que a análise de fase possa ser empregada nos estudos de GSPECT, trazendo dados significativos com relação ao sincronismo ventricular.13 Trimble et al. utilizaram a técnica da análise de fase em cintilografias de perfusão miocárdica, comparando pacientes com disfunção ventricular esquerda, com pacientes com BRE ou bloqueio de ramo direito, pacientes com marca-passo e controles para avaliação de DM. Os parâmetros da análise de fase puderam identificar os subgrupos, de acordo com o grau de DE.16 Nossos achados confirmam, como os Trimble et al.,16 a exequibilidade do emprego da cintilografia de perfusão miocárdica com análise de fase, bem como o fato de que esta pode ser empregada em pacientes com IC e indicação para TRC.
A base fisiopatológica para o implante do ressincronizador é a correção de um distúrbio mecânico secundário a uma ativação alterada do VE, decorrente do BRE. A presença de BRE é um sinal de anormalidade elétrica e tem sido o critério principal para seleção de pacientes para TRC.17 No entanto, os atuais critérios empregados para indicação do TRC são ainda imperfeitos, pois um grupo de 20 a 40% dos pacientes não responde ao tratamento.18,19 Bleeker et al.,20 compararam o ecocardiograma com a duração do QRS para avaliação do DM, encontrando que 30 a 40% dos pacientes com duração do QRS > 120 ms não apresentaram dissincronismo mecânico, e sugerindo que há relação entre os achados de não resposta à TRC e ausência de DM.20 O DM não esteve associado necessariamente ao DE, o foi evidenciado pela ausência de DM em pacientes com duração do QRS > 120 ms.20 Este achado também foi evidenciado no presente estudo, no qual 22% dos pacientes com indicação clínica à TRC (e duração do QRS > 150 ms) não apresentaram critérios eletrocardiográficos para DM. Estes pacientes não apresentaram melhora clínica após o implante da TRC.
A utilização de métodos de imagem para identificação do dissincronismo tem sido validada,16 porém sua adoção rotineira como ferramenta de suporte para seleção de pacientes para TRC ainda é motivo de estudos, como o de Henneman et al.,21 que avaliaram pacientes com indicação de TRC pelo GSPECT e observaram taxa de 29% de não respondedores após 6 meses da terapia − comparável aos 22% observados no presente estudo. No estudo de Henneman et al.,21 os respondedores apresentaram os parâmetros de dissincronismo significativamente superiores em comparação com os não respondedores (HBW de 175º vs. 117º; e SD de 56º vs. 37º, respectivamente). Estes valores são próximos aos encontrados nos nossos resultados (HBW de 177º vs. 76º; e SD de 62º vs. 36º, respectivamente), o que confirma que a presença de DM pelo GSPECT é um forte preditor para resposta à TRC.21 Henneman et al.21 derivaram, a partir da casuística de 42 pacientes, valores de corte dos parâmetros cintilográficos para indicar presença de DM e predizer uma boa resposta à TRC nos pacientes com IC: HBW > 135º e SD > 43º.21
A tomada de decisão de terapias médicas deve sempre privilegiar tratamentos que levem à mudança de desfechos clínicos, ao invés de apenas mudanças em exames de imagem ou laboratoriais. Assim, mais do que a melhora da função ventricular, objetiva-se a seleção de um paciente ideal, que tenha redução da morbimortalidade após a TRC. Estudos recentes têm apontado que os parâmetros de análise de fase são marcadores de prognóstico adverso, como observado por Al Jaroudi et al.,22 que avaliaram 144 pacientes com insuficiência renal crônica e apresentaram mortalidade em 2 anos maior naqueles com HBW ≥ 62º − valor bem inferior ao do estudo realizado por Henneman et al.,21 porém já demonstrando algum grau de dissincronismo. O subgrupo de pacientes com doença renal terminal também foi extensamente estudado por Aggarwal et al.,23 que acompanharam 828 pacientes com FE normal durante 5 anos. Foi observado que valores de SD ≥ 21º ou HBW ≥ 56º estavam associados a pior sobrevida em 5 anos. Assim, eles também demonstraram que o dissincronismo do VE pela análise de fase (GSPECT) fornece valor prognóstico na insuficiência renal terminal.23
Estudo relativamente recente de Zafrir et al.,24 teve bastante impacto na avaliação do dissincronismo e sua relação com a mortalidade cardíaca, ao acompanhar 787 pacientes que realizaram o GSPECT em um único centro, por diversos motivos clínicos.24 Estes pacientes foram acompanhados ao longo de 18,3 ± 6,2 meses para eventos cardíacos, tendo sido verificado que o SD tinha a capacidade de predizer a mortalidade cardíaca, e a cada 10º de incremento, ele se tornava um preditor independente de mortalidade (p = 0,04). Nosso estudo não contou com dados de desfechos clínicos adversos em longo prazo, porém a melhora da função ventricular tem sido utilizada em diversas situações, como um desfecho substituto de valor.
Estudando desfechos clínicos especificamente em pacientes com IC, Al Jaroudi et al.,22 avaliaram o dissincronismo em pacientes com cardiodesfibrilador implantável (CDI) e evidenciaram que quanto maior o SD e a HBW maior a incidência de parada cardiorrespiratória ou de choque apropriado do CDI.23 O valor de SD > 50º foi preditor de óbito ou choque apropriado pelo CDI. Mais recentemente, Zafrir et al.,24 avaliando 143 pacientes com IC e indicação de CDI, apresentaram maior taxa de eventos quando também tinham DM evidenciado por SD > 60º.25 Estes autores sugerem que os pacientes que encaminhados para implante de desfibrilador devem receber TRC associada quando apresentarem SD > 60º.25
Novos estudos têm abordado a combinação de parâmetros do GSPECT como forma de se criar uma gradação do DM, utilizando, além da HBW e do SD, os parâmetros K e S. Aguadé-Bruix et al.,26 empregaram escala combinando estes quatro parâmetros e observaram que 12% dos pacientes com indicação de TRC não têm nenhum parâmetro de fase anormal.26 Possivelmente o estudo destes parâmetros de modo combinado eleve a sensibilidade e a especificidade da técnica para indicação da TRC.
Em suma, os achados do presente estudo, somados à literatura crescente na área, sustentam que a análise de fase pelo GSPECT seja considerada instrumento de utilidade clínica, a ser empregado tanto na avaliação de pacientes de subgrupos específicos de alto risco cardiovascular (renais crônicos terminais, hipertensos, portadores de CDI) quanto na seleção de pacientes com indicação de TRC.
A principal restrição do estudo foi o pequeno número de pacientes, que limitou a análise estatística. Apesar da amostra reduzida, foi observada significância estatística em parâmetros que corroboram estudos anteriores na área de dissincronismo. Uma outra limitação do estudo foi a ausência de grupo controle com disfunção ventricular e sem TRC. Do ponto de vista ético, não é possível manter pacientes com indicação de implante de TRC como controles, tendo em vista o impacto deste tratamento na mortalidade e a sua ampla indicação referendada em diversas diretrizes.6 O estudo apresentou seguimento curto (6 meses) utilizando desfechos secundários como a função ventricular esquerda, ao invés de desfechos clínicos, como morte, progressão da IC ou hospitalização.
O estudo da análise de fase pelo GSPECT foi capaz de diferenciar os pacientes com dissincronismo elétrico puro daqueles com dissincronismo mecânico associado, por meio dos parâmetros de dissincronismo intraventricular. A terapia de ressincronização cardíaca está associada à melhora tanto do dissincronismo mecânico (melhora dos parâmetros de dissincronismo pela análise de fase) quanto do dissincronismo elétrico (redução do intervalo QRS ao eletrocardiograma). Desta forma, graças ao GSPECT pré-implante, foi possível identificar que os pacientes com dissincronismos elétrico e mecânico associados apresentaram melhor resposta à terapia de ressincronização cardíaca do que aqueles com dissincronismo elétrico puro.