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Uso do viminol no controle da dor aguda pós-extração de terceiros molares. Relato de caso

Uso do viminol no controle da dor aguda pós-extração de terceiros molares. Relato de caso

Autores:

Wagner Hummig,
Eduardo Grossmann

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.1 no.2 São Paulo abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180037

INTRODUÇÃO

A dor é um dos sintomas mais temidos pelo ser humano, e que tantas vezes é subtratada de maneira corriqueira, não pelo fato do profissional querer ver um indivíduo sofrer, o que seria um deplorável ato de tortura, mas sim pelo fato de desconhecer fármacos que forneçam uma correta analgesia de acordo com os critérios propostos pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS)1.

A odontologia é uma das profissões que está intimamente ligada com a dor, a qual pode ser percebida frente a diferentes procedimentos como um bloqueio anestésico, extrações dentárias, cirurgias periodontais, cirurgias ortognáticas, implantodontia dentre outras, onde necessariamente a dor aguda irá surgir após o procedimento cirúrgico2-4.

Dentro do universo da dor, sob uma visão temporal, destacam-se as dores agudas que normalmente ocorrem após procedimentos cirúrgicos. Contudo, um manuseio farmacológico ineficaz dessa condição torna-se fator de risco para sua cronificação5. A dor aguda caracteriza-se por uma resposta orgânica e biológica frente a um estímulo agressor, decorrente de uma lesão tecidual secundária a um trauma. Cite-se como exemplo a extração de terceiro molar, causando a liberação de potentes mediadores químicos, tais como bradicinina, prostaglandinas, substância P, interleucinas dentre outros, que resultam em sensibilização periférica nos aferentes primários e, consequentemente, sendo geradores de quadros álgicos, os quais também cursam com sofrimento físico e desgaste psicológico por parte do paciente2,6,7. Sua remissão normalmente é espontânea, e coincide com a reparação da lesão tecidual2,6,7.

É importante salientar que a remoção cirúrgica dos terceiros molares é considerada um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados em todo mundo, e o controle adequado da dor é de inteira responsabilidade do profissional que assiste o paciente7.

Em sua grande maioria, o controle da dor pós-cirúrgica de terceiros molares é obtido pelo uso de opioides, porém sua prescrição requer receituário de controle especial, além de apresentar diversos efeitos colaterais que podem inviabilizar o pronto atendimento ao paciente com dor. Visando um fármaco com facilidade prescritiva, efeitos adversos reduzidos em relação aos opioides e pronta analgesia, ressalta-se o hidroxibenzoato de viminol (HV), um fármaco ainda pouco conhecido na odontologia. Esse é um potente analgésico sintético de ação central e equipotente a codeína, onde uma simples dose de 70mg de HV corresponde aproximadamente 6mg de morfina8, conferindo-lhe uma analgesia muito superior a dos salicilatos e dos derivados pirazolônicos9, sendo indicado prontamente em cirurgias orais8. Dessa feita, o objetivo deste estudo, foi apresentar ao cirurgião-dentista a molécula HV como opção farmacológica frente à codeína, observando suas características farmacocinéticas.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 22 anos, estudante, natural de Curitiba, Paraná, residente nessa capital, com queixa de dor aguda, moderada intensidade, após cirurgia de terceiros molares. Mencionava que apresentava um quadro de rinite, previamente existente ao procedimento cirúrgico, onde já estava sendo medicado com dexametasona (4mg) de 8/8 horas, via oral, durante 10 dias pelo Otorrinolaringologista. Importante frisar que a cirurgia foi realizada em período posológico da ingesta de anti-inflamatório esteroide (AIE). Nenhum fármaco pré-operatório foi prescrito, visto que o paciente já estava fazendo uso desse fármaco.

O paciente foi submetido a um procedimento cirúrgico ambulatorial para remoção dos 4 sisos (Figura 1), sob anestesia local, onde se utilizou um bloqueio regional dos nervos alveolares inferiores, lingual e bucal para os dentes inferiores, e técnica anestésica do tipo terminal infiltrativa, tanto por via vestibular quanto por via palatina para os dentes superiores. Foi empregado como solução anestésica mepivacaína a 2% com adrenalina 1:100.000, com 2,5 tubetes no quadrante inferior, e 1,5 tubetes por quadrante superior. Após um adequado bloqueio anestésico, iniciou-se a incisão sob o rebordo alveolar superior esquerdo, descolamento mucoperiostal, seguido de osteotomia com broca esférica montada em peça reta, sob irrigação com solução fisiológica (SF) e aspiração da região maxilar esquerda, junto ao dente 28. A seguir, após a sua extração, partiu-se para remoção do dente 38 que se encontrava em posição mésioangulada e impactado. Nesse dente também foi realizada a incisão sobre o rebordo alveolar, osteotomia com o mesmo tipo de broca e odontosecção com brocas cilíndricas, com emprego de baixa rotação, também, e com irrigação com SF e aspiração. Igual procedimento foi repetido no lado contralateral iniciando pela maxila, seguida da mandíbula. Na remoção de todos os dentes foram empregadas alavancas retas. Finalizada as exodontias (Figura 2), foi realizada síntese com fio de seda, 4.0, agulhado, com pontos isolados, nos referidos locais das extrações, sem haver nenhuma intercorrência no perioperatório.

Figura 1 Na radiografia panorâmica inicial observa-se a presença dos terceiros molares tanto na maxila, quanto na mandíbula 

Figura 2 Na radiografia panorâmica final observa-se ausência dos terceiros molares 

O profissional que realizou o procedimento cirúrgico, teve por conduta, a prescrição da associação de codeína (30mg) e paracetamol (325mg) de 6 em 6 horas, via oral, por 5 dias, além de recomendar compressa fria por 24 horas e dieta líquida/pastosa por 3 dias.

Ademais, foi orientado retornar em 7 dias para a remoção da sutura. Contudo, no pós-operatório de 48 horas, o paciente parou, por conta própria, a medicação prescrita devido a efeitos adversos como náuseas, mal-estar e constipação, precipitando dessa maneira as dores orofaciais pela ausência de adequado controle analgésico.

O paciente foi referenciado ao nosso serviço devido a impossibilidade de atendimento do prestador inicial. Durante o exame clínico foi constatada a limitação da abertura bucal de 12mm, hematoma e edema na região do ângulo da mandíbula, bilateralmente, decorrentes do ato cirúrgico, além do sofrimento físico e emocional ocasionado pela dor. A fim de mensurar a intensidade da dor, utilizou-se a escala visual numérica (EVN)4 no momento da avaliação clínica, onde foi evidenciado dor de grau 6, considerada de moderada intensidade. Em face desse quadro clínico e dos efeitos adversos decorrentes da codeína, a molécula do HV foi selecionada como alternativa analgésica por apresentar melhor perfil farmacológico, sendo prescrito na apresentação de cápsulas 70mg de 6/6 horas por período de 7 dias.

Na consulta de retorno, após uma semana, verificou-se que o paciente respondeu positivamente ao tratamento proposto, com leve sintoma doloroso no local das extrações (EVN=1) com uma abertura bucal normal de 45mm. Diante desse quadro favorável, removeram-se os pontos e foi dada alta clínica.

DISCUSSÃO

A mensuração da intensidade da dor por meio da EVN é simples de ser aplicada, eficiente e rápida, e consiste numa linha horizontal demarcada de zero até 10, onde nos extremos grafam-se, respectivamente, “ausência de dor” e “pior dor possível” ou descritores equivalentes4, sendo que durante a avaliação clínica, o paciente indicará o número que corresponde a sua dor sentida naquele exato momento, a qual poderá ser leve, moderada ou intensa4. Essa abordagem é válida no intuito de direcionar o profissional na conduta prescritiva a ser tomada.

A codeína (3-metoximorfina) é um opioide fraco com baixa afinidade pelos receptores opioidérgicos e um dos principais alcaloides derivados do ópio, cuja potência analgésica varia de 5 a 10% quando em comparação à morfina10,11. Isso significa dizer que uma dose de 30mg de fosfato de codeína é equivalente a aproximadamente 3mg de morfina. Esse opioide natural é considerado uma pró-droga, ou seja, precisa ser metabolizado no fígado primeiramente para tornar-se ativo em morfina e morfina-6-glicorunídeo através da enzima CYP2D6, membro do citocromo P45010,11. Entretanto, a capacidade de metabolizar a codeína em seus metabólitos ativos varia na população em geral10,11. Estima-se que essa variabilidade genética (polimorfismo) esteja presente em 10% da população caucasiana, 2% dos asiáticos e 1% dos árabes, os quais não possuem a enzima que converte a codeína em morfina8,9. Esses pacientes são chamados de metabolizadores lentos, ou seja, possuem pouco ou nenhum poder de metabolização, portanto, o fármaco não produzirá o efeito analgésico desejado. Por outro lado, existem os chamados metabolizadores rápidos (ultrametabolizadores), em torno de 40% na população geral, onde os mesmos possuem elevada quantidade da enzima CYP2D610,11, os quais são capazes de converter de maneira muito rápida a codeína em morfina, aumentando dessa maneira o risco de toxicidade e efeitos adversos10,11, como os apresentados no presente caso clínico. Vários fármacos interferem no metabolismo da enzima CYP2D6, diminuindo ou aumentando a conversão codeína-morfina e consequentemente seu efeito analgésico. Exemplos são os inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS), como a fluoxetina e a paroxetina que reduzem o efeito analgésico do fármaco. A rifampicina e a dexametasona aumentam a metabolização da codeína, amplificando dessa maneira a sua toxicidade7,11,12, o que pode ter ocorrido neste caso.

No presente relato, evidenciou-se um paciente que interrompeu a terapia farmacológica devido aos seus efeitos adversos. Nesse sentido, buscou-se um fármaco equipotente e com farmacocinética favorável, optando-se pelo HV. Esse é considerado um potente analgésico sintético, não narcótico, derivado da pirriletanolamina, que apresenta uma estrutura química original diferenciada, sem qualquer correlação estrutural e/ou química com analgésicos naturais ou sintéticos conhecidos até o momento8,9,13-15. Seu mecanismo de ação ainda não foi totalmente elucidado, mas sabe-se que não apresenta ação anti-inflamatória e/ou antitérmica. Age em regiões subcorticais do sistema nervoso central (SNC) inibindo a percepção de estímulos dolorosos e seu processamento nos centros superiores nervosos (efeito discriminativo morfina-like) onde se liga de maneira fraca aos receptores opioidérgicos8,9,13-15. Apesar de não ser um opioide clássico, apresenta um perfil de efeitos adversos similares a tais, exceto por produzir leve dependência física. Até a presente data, contudo, só houve um único relato de caso sobre tal alteração física descrito por esse fármaco13.

Estudos evidenciaram que o HV pode causar leves alterações no estado de vigília e coordenação motora, porém não deprime o centro respiratório, reflexos simpáticos e funções cardiorrespiratórias8,9,13-15 condições essas tantas vezes observadas em pacientes usuários de opioides10-12,16-20.

Possui grande vantagem em não desencadear efeitos lesivos na mucosa gastrointestinal (mesmo acima da dose terapêutica) e não promover alterações nas funções hepáticas e renais, sendo seu maior benefício a promoção de analgesia8,9,15.

Sua excelente tolerabilidade, resposta clínica favorável e baixo custo financeiro, fazem desse fármaco uma opção extremamente válida no controle antálgico proveniente de procedimentos cirúrgicos orofaciais, além de possuir comodidade prescritiva, pelo fato de não necessitar de receituário especial8.

Avaliando esse caso clínico sob a óptica farmacológica, não há como se identificar previamente se um indivíduo apresentará ou não polimorfismo genético em relação ao pró-fármaco codeína. Nesse sentido, a escolha por uma molécula sintética de poder analgésico similar ao da codeína foi fator determinante para o sucesso terapêutico.

Diversos autores15,21,22 relatam que a administração pré-operatória de analgésicos reduz o quadro álgico no pós-operatório imediato e sugerem que a analgesia preventiva é uma alternativa no controle da dor aguda pós-operatória em casos de remoção de terceiros molares23.

Essa abordagem preventiva é uma forma de analgesia que se inicia antes mesmo do estímulo doloroso ser gerado. Dessa maneira, previne-se ou mesmo diminui-se a dor subsequente e o estabelecimento de alterações no SNC durante o ato operatório21-24. Seguindo esse raciocínio, sob uma visão preventiva, o tratamento poderia ser iniciado com a associação HV (70mg) e paracetamol (750mg) 1 hora antes do procedimento cirúrgico, objetivando maior biodisponibilidade do fármaco e consequentemente melhor analgesia pós-operatória, visto que ambos os fármacos atuam de maneira sinérgica, promovendo conforto ao paciente, além de não correr risco sobre o polimorfismo genético inerente ao ser humano.

CONCLUSÃO

A prescrição do analgésico HV resultou em completa, rápida e eficaz analgesia pós-operatória, com excelente tolerabilidade na posologia prescrita. Caso se perceba efeitos adversos exacerbados de maneira abrupta, a substituição da codeína deve ser levada em consideração. Ademais, se sugere uma abordagem multimodal no controle da dor aguda pós-cirúrgica de terceiros molares, através de fármacos que atuem em diferentes mecanismos de ação e de maneira sinérgica, objetivando melhor controle da dor.

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