versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.4 São Paulo abr. 2016 Epub 22-Mar-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160038
A estratégia de revascularização na doença do tronco comum é determinante para os resultados clínicos.
Procurou-se: 1) validar e comparar o desempenho do SYNTAX Score 1 e 2 na predição de eventos cardiovasculares aos 4 anos, em pacientes submetidos a angioplastia do tronco comum não protegido e 2) avaliar os resultados a longo prazo de acordo com a estratégia de revascularização recomendada pelo SYNTAX Score.
Estudo retrospectivo de centro único de 132 pacientes consecutivos submetidos a angioplastia do tronco comum não protegido entre março de 1999 e dezembro de 2010. A discriminação e calibração de ambos os modelos foram avaliadas por análise de curva ROC, curvas de calibração e teste de Hosmer-Lemeshow.
A taxa de eventos aos 4 anos foi de 26,5%. A AUC para o SYNTAX Score 1 e 2 foi de 0,61 (IC 95% 0,49-0,73) e 0,67 (IC 95% 0,57-0,78), respectivamente. Apesar de uma calibração global boa, o SYNTAX Score 2 tende a subestimar o risco. Nos 47 pacientes (36%) que deveriam ter sido submetidos a cirurgia de revascularização de acordo com o SYNTAX Score 2, a taxa de eventos foi numericamente superior (30% vs. 25%; p=0,54) e para os que tinham uma diferença superior entre as estimativas do SYNTAX Score 2 (>5,7%), a taxa de eventos foi quase o dobro (40% vs. 22%; p=0,2).
O SYNTAX Score 2 permite uma estratificação de risco individualizada e melhor em pacientes que requerem revascularização do tronco comum não protegido. São necessários estudos prospectivos para validação adicional.
Palavras-chave: Angioplastia Coronária com Balão / efeitos adversos; Ponte de Artéria Coronária / efeitos adversos; Revascularização Miocárdica; Doença da Artéria Coronariana / cirurgia; Redução de Risco, Fatores de Risco
The revascularization strategy of the left main disease is determinant for clinical outcomes.
We sought to 1) validate and compare the performance of the SYNTAX Score 1 and 2 for predicting major cardiovascular events at 4 years in patients who underwent unprotected left main angioplasty and 2) evaluate the long-term outcome according to the SYNTAX score 2-recommended revascularization strategy.
We retrospectively studied 132 patients from a single-centre registry who underwent unprotected left main angioplasty between March 1999 and December 2010. Discrimination and calibration of both models were assessed by ROC curve analysis, calibration curves and the Hosmer-Lemeshow test.
Total event rate was 26.5% at 4 years.The AUC for the SYNTAX Score 1 and SYNTAX Score 2 for percutaneous coronary intervention, was 0.61 (95% CI: 0.49-0.73) and 0.67 (95% CI: 0.57-0.78), respectively. Despite a good overall adjustment for both models, the SYNTAX Score 2 tended to underpredict risk. In the 47 patients (36%) who should have undergone surgery according to the SYNTAX Score 2, event rate was numerically higher (30% vs. 25%; p=0.54), and for those with a higher difference between the two SYNTAX Score 2 scores (Percutaneous coronary intervention vs. Coronary artery by-pass graft risk estimation greater than 5.7%), event rate was almost double (40% vs. 22%; p=0.2).
The SYNTAX Score 2 may allow a better and individualized risk stratification of patients who need revascularization of an unprotected left main coronary artery. Prospective studies are needed for further validation.
Keywords: Angioplasty Balloon Coronary / adverse effects; Coronary Artery Bypass / adverse effects; Myocardial Revascularization; Coronary Artery Disease / surgery; Risk Assessment; Risk Factors
A doença do tronco comum não protegido (DTCNP) acha-se associada com mau prognóstico quando tratada de modo conservador.1 Os ensaios de larga escala e meta-análises relatam uma sobrevida de até 5 anos pelo menos semelhante para pacientes tratados tanto com cirúrgica de revascularização miocárdica (CRM) quanto com intervenção coronariana percutânea (ICP).2-4 Essa consistente não inferioridade refletiu-se nas atuais diretrizes europeias de revascularização, onde a ICP de DTCNP foi elevada para classe I e IIa para pacientes com SYNTAX (Synergy Between ICP with Taxus and Cardiac Surgery) escore baixo e intermediário, respectivamente.5,6 Entretanto, a escolha da estratégia de revascularização ótima permanece um desafio. A despeito dos seus pontos fortes e suas limitações, as ferramentas de estratificação de risco são úteis como auxiliares na tomada de decisão, em particular em cardiologia.7-10
O SYNTAX Score 1 (SS1) foi criado como parte do estudo SYNTAX9,11 para caracterizar de maneira objetiva a gravidade da doença arterial coronariana (DAC), estratificando seus portadores nos seguintes tercis de risco: baixo (SS1 <22), intermediário (SS1 23-32) e alto (SS1 >33).12 Naquela população, o seguimento de 5 anos mostrou ser a ICP uma alternativa aceitável para os pacientes com DTCNP e um SS1 com risco baixo ou intermediário.13 Além disso, o valor prognóstico e a utilidade do SS1 foram exaustivamente estudados e confirmados em pacientes com DTCNP submetidos a ICP.14-18
Algumas limitações do SS1, no entanto, foram apontadas, em especial a ausência de variáveis clínicas, a falta de uma abordagem personalizada para tomada de decisão e a falta de capacidade preditiva para o subgrupo de pacientes submetidos a CRM.8,19-21
O SYNTAX Score 2 (SS2) surgiu, então, para superar essas limitações, incorporando variáveis clínicas importantes do ponto de vista de prognóstico e fazendo uma estimativa individualizada do risco de mortalidade associado com cada estratégia de revascularização.8 A aplicação do SS2 em toda a população do estudo SYNTAX demonstrou a existência de subgrupos de pacientes em todos os tercis do SS1, nos quais tanto CRM quanto ICP conferiam benefícios quanto a mortalidade.8
Procuramos validar e comparar os desempenhos do SS1 e do SS2 como preditores de eventos cardiovasculares maiores (ECVM) em 4 anos em pacientes com DTCNP submetidos a ICP. Além disso, procuramos avaliar o desfecho de longo prazo de acordo com a estratégia de revascularização recomendada pelo SS2 na população com DTCNP submetida a ICP.
Trata-se de estudo observacional retrospectivo de centro único, incluindo 132 pacientes com DTCNP submetidos a ICP entre março de 1999 e dezembro de 2010 com implantação de pelo menos um stent no tronco comum. A estratégia da intervenção ficou a cargo do médico intervencionista. A utilização de stent para o paciente com DTCNP necessitou de consenso do grupo da cardiologia nos casos eletivos. Todos os dados relacionados às características demográficas, clínicas, angiográficas e procedurais foram prospectivamente introduzidos na base de dados dedicada da hemodinâmica da nossa instituição. O seguimento clínico após a alta foi realizado em visitas ambulatoriais programadas ou entrevistas telefônicas. Todos os angiogramas foram retrospectivamente analisados por dois operadores cegos para os desfechos clínicos para obter as variáveis angiográficas necessárias ao cálculo do SS1, que foi realizado com o calculador online. O SS2 foi estimado manualmente em cada paciente para as duas estratégias de revascularização (SS2 para ICP e SS2 para CRM), fazendo-se a equivalência da soma dos pontos das variáveis clínicas (idade, sexo, doença pulmonar obstrutiva crônica, depuração de creatinina, fração de ejeção ventricular esquerda e doença arterial periférica) e das angiográficas (SS1 e doença do tronco comum) com a correspondente predição, usando o nomograma publicado.8
Definiu-se tronco comum não protegido como a ausência de enxerto patente para a artéria descendente anterior esquerda ou para a artéria circunflexa. Infarto agudo do miocárdio durante seguimento foi definido de acordo com a terceira definição universal de infarto do miocárdio de 2012,22 aplicada retrospectivamente. Revascularização do vaso-alvo e revascularização da lesão-alvo foram definidas como qualquer procedimento de revascularização do vaso-alvo ou lesão-alvo (de 5 mm distal ao stent até 5 mm proximal ao stent), respectivamente. Morte cardiovascular foi definida como aquela devida a causa cardiovascular demonstrável ou qualquer morte inexplicada. Acidente vascular encefálico foi definido como novo defeito neurológico designado pelo neurologista, com base em características clínicas e de imagem. Desfecho primário (ECVM) foi definido como aquele composto por morte, infarto do miocárdio não fatal, revascularização de vaso-alvo e acidente vascular encefálico.
As variáveis contínuas foram expressas como médias e desvio padrão, quando a distribuição era normal, e como medianas e intervalos interquartis, quando a distribuição era não normal. A normalidade foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov e/ou avaliação visual do gráfico Q-Q Plot. As variáveis discretas foram expressas como frequências e porcentagens. Computou-se a sobrevida livre de eventos usando-se as estimativas de Kaplan-Meyer.
Analisou-se o desempenho dos modelos SYNTAX com foco no poder discriminativo e na calibração. A discriminação indica o quanto o modelo distingue entre pacientes que terão ou não ECVM. Isso foi avaliado pela construção de curvas receiver operating characteristic (ROC) para cada modelo. Essas curvas foram comparadas com o método descrito por DeLong et al.23 Calibração refere-se à concordância entre os desfechos observados e os preditos, tendo sido avaliada usando-se curvas de calibração e o teste de Hosmer-Lemeshow para bondade de ajuste. As curvas de calibração foram construídas com gráficos tendo 'predição' no eixo X e 'desfecho observado' no eixo Y (por decil das predições derivadas do escore). Subsequentemente, aplicou-se regressão linear ao gráfico, sendo inferida uma linha de tendência. Os gráficos resultantes permitiram uma comparação visual entre a probabilidade de desfecho predita e a observada, sendo caracterizados por um intercepto, que indica até onde as predições são sistematicamente baixas ou altas, e uma inclinação de calibração, que deve ser zero em um cenário ideal. As predições perfeitamente calibradas ficam em uma linha com inclinação de 45 graus, enquanto uma curva abaixo ou acima da diagonal, respectivamente, reflete predição excessiva ou insuficiente, respectivamente. Além disso, aferiu-se a calibração com o teste de Hosmer-Lemeshow para bondade de ajuste.
As características basais e a ocorrência de ECVM foram comparadas entre pacientes nos quais o SS2 favoreceu CRM versus aqueles nos quais o SS2 favoreceu ICP com o teste do qui-quadrado ou exato de Fisher, quando apropriado, para variáveis categóricas, e com o teste t de Student ou de Satterthwaite, para as variáveis contínuas.
Além disso, o melhor valor discriminativo da diferença entre recomendação de ICP pelo SS2 e recomendação de CRM pelo SS2 para predição de ECVM em 4 anos em pacientes nos quais o SS2 favoreceu CRM foi determinado por estatística C.
Todos os testes foram bicaudais, sendo as diferenças consideradas estatisticamente significativas para um valor de p de 0,05. A análise estatística foi realizada com os programas SPSS 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e MedCalc versão 9.3.8.0 (MedCalc Software, Acacialaan Ostend, Bélgica).
A Tabela 1 apresenta as características basais clínicas, angiográficas e procedurais de toda a população.
Tabela 1 Características basais da população
Total (n=132) | SS2_ICP>SS2_CRM (n=47) | SS2_ICP<SS2_CRM (n=85) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Características basais | ||||
Características clinicas do SYNTAX Score 2 | ||||
Idade (média±DP) | 66±12 | 63±14 | 67±10 | 0,06 |
Sexo masculino | 105 (79,5%) | 25 (53%) | 80 (94%) | <0,001 |
Depuração de creatinina (ml/min) (média±DP) | 74±33 | 69±33 | 77±32 | 0,2 |
Doença pulmonar obstrutiva crônica | 6 (5%) | 0 | 6 (7%) | 0,08 |
Doença arterial periférica | 20 (15%) | 6 (13%) | 14 (16,5%) | 0,6 |
Fração de ejeção >50% | 93 (70%) | 25 (53%) | 68 (85%) | <0,001 |
IMC | 26 [24-28,6] | 26 [23-29] | 26 [24-28] | 0,87 |
Diabetes | 35 (27%) | 12 (25%) | 23 (27%) | 1 |
Dislipidemia ou tratamento com estatina | 92 (70%) | 36 (77%) | 56 (66%) | 0,2 |
Hipertensão em tratamento farmacológico | 95 (72%) | 34 (72%) | 61 (71%) | 1 |
História familiar de doença cardiovascular | 15 (11%) | 5 (11%) | 10 (12%) | 0,54 |
Tabagismo (atual) | 23 (17%) | 13 (28%) | 10 (12%) | 0,03 |
ICP prévia | 43 (33%) | 9 (19%) | 34 (40%) | 0,02 |
Quadro clínico | ||||
DAC estável | 70 (53%) | 18 (38%) | 52 (61%) | 0,02 |
Síndrome coronariana aguda | 61 (46%) | 29 (62%) | 32 (38%) | 0,01 |
Angina instável | 16 (12%) | 8 (17%) | 8 (9%) | 0,3 |
Infarto do miocárdio sem supra de ST | 28 (21%) | 13 (28%) | 15 (18%) | 0,2 |
Infarto do miocárdio com supra de ST | 17 (13%) | 8 (17%) | 9 (11%) | 0,3 |
Choque cardiogênico | 9 (7%) | 6 (7%) | 3 (4%) | 0,07 |
DAC multiarterial | 62 (47%) | 26 (55%) | 36 (42%) | 0,2 |
Doença triarterial | 19 (14%) | 13 (28%) | 6 (7%) | 0,003 |
SYNTAX Score | 22 [13,3-32] | 29 [18-38,5] | 18 [13-26] | <0,001 |
Características procedurais | ||||
Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa | 52 (44%) | 21 (48%) | 31 (42%) | 0,6 |
Implantação de stent farmacológico | 95 (72%) | 35 (74%) | 60 (70%) | 0,3 |
ICP de outro vaso | 71 (64%) | 26 (59%) | 45 (61%) | 1 |
Revascularização completa | 90 (76%) | 26 (66%) | 61 (82%) | 0,04 |
SS2: SYNTAX Score 2; ICP: intervenção coronariana percutânea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; IMC: índice de massa corporal; DAC: doença arterial coronariana.
As medianas [intervalo interquartil] de SS1, SS2 para ICP e SS2 para CRM foram 22 [13,3−31,8], 7,2 [3,5−17,7] e 8,5 [4,6−18,8], respectivamente. Em 47 pacientes (36%), o SS2 para ICP foi maior do que o SS2 para CRM e, portanto, em teoria, eles deveriam ser preferencialmente submetidos a CRM e não a ICP, de acordo com a recomendação do SS2 (Tabela 2).
Tabela 2 Resultados do SYNTAX Score
Score | Mediana (IIQ) |
---|---|
SYNTAX 1 | 22 [13,3 - 31,8] |
SYNTAX 2_ICP | 7,2 [3,5 - 17,7] |
SYNTAX 22_CRM | 8,5 [4,6 - 18,8] |
SYNTAX 2_ICP – SYNTAX 2_CRM | -1,1 [-4,3 - 1,4] |
SYNTAX 2_ICP > SYNTAX 2_CRM [n (%)] | 47 (36%) |
IIQ: intervalo interquartil; ICP: intervenção coronariana percutânea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica.
Pacientes em que o SS2 para ICP foi maior do que o SS2 para CRM (favorecendo, portanto, CRM) tinham maior probabilidade de: serem do sexo feminino e fumantes; terem reduzida fração de ejeção ventricular esquerda, história de ICP prévia e doença triarterial; e se apresentarem com síndrome coronariana aguda (Tabela 1).
Nos 4 anos que se seguiram ao procedimento, houve 35 ECVM: 13 mortes; 14 procedimentos de revascularização repetidos (7 ICP e 7 CRM); 4 infartos do miocárdio não fatais; e 4 acidentes vasculares encefálicos.
A mediana [intervalo interquartil] do tempo para a ocorrência do primeiro evento foi de 117 [25-200] dias, tendo a maioria dos eventos (n=28; 80%) ocorrido durante o primeiro ano após o procedimento-índice. A taxa de ECVM cumulativa anualizada foi de 21%, 26%, 27% e 28% para o primeiro, segundo, terceiro e quarto anos após a intervenção, respectivamente (Figura 1).
Como esta é uma coorte de pacientes submetidos a ICP, comparamos apenas o SS1 com o SS2 para ICP.
Com relação à ocorrência dos ECVM em 4 anos, a área sob a curva ROC (AUC) para o SS1 foi de 0,61 (IC95%: 0,49-0,73) e de 0,67 (IC95%: 0,57-0,78) para o SS2 para ICP (Figura 2). Ainda que numericamente superior para o SS2, a diferença não foi estatisticamente significativa (teste de DeLong p=0,08), mas houve uma tendência relevante para um melhor desempenho. Com relação a mortalidade em 4 anos, a AUC para o SS1 foi de 0,62 (IC95%: 0,46-0,78) e de 0,69 (IC95%: 0,59-0,79) para o SS2 para ICP (teste de DeLong p=0,1).
O padrão de calibração diferiu entre os dois escores (Figura 3): o SS1 tendeu a uma insuficiência na predição de risco em pacientes com risco mais baixo e a um excesso na predição de risco naqueles com risco alto. Por outro lado, o SS2 para ICP pareceu predizer a menos o risco em praticamente todo o espectro, embora gradualmente se aproximasse da curva de calibração ótima à medida que o risco aumentasse.
A Tabela 3 apresenta a inclinação e o intercepto da curva de calibração para SS1 e SS2 para ICP. Os dois escores apresentaram valores de p não significativos (p=0,31 para SS1; e p=0,27 para SS2) para um teste de Hosmer-Lemeshow indicando que eles forneceriam probabilidades acuradas.
Tabela 3 Parâmetros de calibração
SYNTAX 1 | SYNTAX 2_ICP | |
---|---|---|
Curva de calibração | ||
Inclinação | 0,59 | 0,75 |
Intercepto | 12,3 | 15,7 |
Teste de Hosmer-Lemeshow | ||
Valor de p | 0,31 | 0,27 |
Qui-quadrado | 9,4 | 9,9 |
R2 de Nagelkerke | 0,059 | 0,079 |
ICP: intervenção coronariana percutânea.
A taxa total de ECVM foi numérica, mas não significativamente, maior nos pacientes em que o SS2 teria favorecido CRM (30% vs. 25%; p=0,54) (Tabela 4).
Tabela 4 Desfechos de acordo com a estratégia de revascularização recomendada pelo SYNTAX Score 2
Total (n=132) | SS2_ICP>SS2_CRM (n=47) | SS2_ICP<SS2_CRM (n=85) | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Total de ECVM | 35 (28%) | 14 (30%) | 21 (25%) | 0,5 |
Morte | 13 (10%) | 6 (13%) | 7 (8%) | 0,5 |
Repetição de revascularização | ||||
CRM | 7 (5%) | 2 (4%) | 5 (6%) | 1 |
ICP | 7 (5%) | 3 (6%) | 4 (5%) | 0,7 |
Infarto do mlocárdlo | 4 (3%) | 2 (4%) | 2 (2%) | 0,6 |
Acidente vascular encefálico | 4 (3%) | 1 (2%) | 3 (4%) | 1 |
SS2: SYNTAX Score 2; ICP: intervenção coronariana percutânea; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; ECVM: eventos cardiovasculares maiores.
Para melhor explorar a diferença nos escores (recomendação de ICP pelo SS2 vs. recomendação de CRM pelo SS2) que seria clinicamente relevante, usamos o melhor valor discriminativo para ECVM em 4 anos da diferença entre SS2 para ICP e SS2 para CRM no subgrupo de 47 pacientes, nos quais o SS2 teria favorecido CRM (Figura 4). Quando a diferença foi maior do que 5,7% (o ponto de corte encontrado na análise da curva ROC), a taxa de ECVM quase dobrou (22% vs. 40%); tal diferença, no entanto, não alcançou significado estatístico (p=0,2) (Figura 4).
Figura 4 A) Relação da diferença absoluta entre o SS2 para intervenção coronariana percutânea (ICP) e o SS2 para cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) com a mortalidade observada por decil da diferença, em pacientes nos quais SS2 favoreceu CRM (n=47); B) Eventos cardiovasculares maiores (ECVM) em 4 anos em pacientes nos quais SS2 favoreceu CRM (n=47), estratificado de acordo com o melhor ponto de corte definido pela curva ROC da diferença entre ICP recomendada pelo SS2 e CRM recomendada pelo SS2. * valor de p para a comparação entre os valores de cada coluna.
Os principais achados do nosso estudo foram: 1) os dois sistemas de escore apresentaram um desempenho modesto; 2) o SS2 melhorou apenas discretamente o desempenho do SS1, que é puramente anatômico; 3) a ocorrência de ECVM foi maior, mas não significativamente, nos pacientes cujo SS2 teria recomendado uma diferente estratégia de revascularização; e 4) uma diferença entre as estimativas de SS2 para ICP e para CRM maior do que 5,7% pode ser clinicamente relevante.
Em linhas gerais, tais achados estão de acordo com estudos anteriores que avaliaram a associação entre o SS1 e desfechos clínicos em diferentes momentos,14-17,21,24-26 indicando que apenas a complexidade anatômica pode ser insuficiente para garantir uma estratificação de risco confiável. Embora na maioria das análises a taxa global de eventos isquêmicos tenha sido sistematicamente maior em pacientes nos tercis mais altos de risco,15,17,24,26 o poder discriminativo para mortalidade e ECVM, tanto em pacientes tratados por ICP e especialmente por CRM, foi inconsistente. Em uma população de 949 casos de DTCNP (400 ICP e 549 CRM), a AUC do SS1 para mortalidade em 2 anos foi de 0,73 e 0,56 para pacientes tratados com ICP e CRM, respectivamente.19 Em outra coorte de DTCNP (n=1580), o SS1 mostrou apenas uma modesta predição de ECVM em 3 anos em pacientes tratados com stents farmacológicos (AUC 0,60), tendo sido ainda pior para aqueles tratados com stents convencionais e CRM (0,48 e 0,51, respectivamente).21 No nosso estudo, a AUC do SS1 para ECVM em 4 anos foi 0,61, comparável ao demonstrado em outras coortes de ICP para DTCNP com seguimento mais curto (AUC para SS1 entre 0,53 e 0,64).14,15,21,27 Como no nosso conjunto de dados, outros mostraram menor discriminação do SS1 para os ECVM compostos do que para apenas mortalidade cardíaca em pacientes submetidos a ICP.8,14,15,19
Os dados sobre o valor adicional do SS2 são escassos. Esse escore foi externamente validado para mortalidade de longo prazo no registro Drug Eluting stent of left main coronary artery disease (DELTA)8 e no grande registro de centro único de Xu et al.,28 incluindo 1.528 pacientes com DTCNP submetidos a ICP. Nessas coortes, o SS2 mostrou uma AUC para mortalidade em 4 anos de 0,72 e 0,69, respectivamente, similares ao demonstrado no estudo populacional original SYNTAX (AUC de 0,73), com um desempenho claramente superior ao do SS1 (AUC de 0.57, 0,61 e 0,59, nas populações dos estudos SYNTAX, DELTA e de Xu et al., respectivamente).8,28 Os nossos resultados referentes a mortalidade mostraram-se melhores do que os obtidos em coortes maiores: a AUC do SS1 para mortalidade em 4 anos foi 0,62 (similar à do registro DELTA) e a estatística C do SS2 para ICP foi 0,69 (igual à relatada no registro de Xu et al.,28 sendo apenas levemente mais baixa do que as observações nos conjuntos de validação do registro DELTA). Essas pequenas diferenças podem dever-se ao menor tamanho da amostra, às diferenças na taxa do desfecho primário e ao excesso de ajuste do escore preditivo à sua coorte de derivação. Recentemente, o SS2 foi aplicado de modo prospectivo a pacientes incluídos no ensaio Evaluation of the Xience Everolimus Eluting Stent vs. Coronary Artery Bypas Surgery for Effectiveness of Left Main Revascularization (EXCEL). Indicou equilíbrio entre CRM e ICP para a mortalidade de longo prazo em indivíduos com DTCNP e complexidade anatômica intermediária, reforçando a noção de que características clínicas e anatômicas influenciam as predições de mortalidade.29
O valor de p do teste de Hosmer-Lemeshow indicou uma calibração global aceitável para os dois sistemas de escore. Além disso, o SS1 demonstrou um valor de p comparável ao de outros registros.15,27 O SS1 comportou-se de maneira diferente para pacientes de baixo e alto risco, com predição insuficiente nos primeiros e excessiva nos segundos (Figura 3). Esse tipo de desempenho pode, em teoria, levar a um otimismo irreal nos pacientes com menor risco e a uma preocupação exagerada naqueles com altíssimo risco. Por outro lado, o SS2 tende a subestimar o risco progressivamente menos ao longo do espectro, com pior desempenho para pacientes de baixo risco e melhor para os de alto risco. Para propósitos práticos e clínicos, o SS2 parece ter um comportamento mais previsível e, consequentemente, deveria ser mais adequado para auxiliar na tomada de decisão quanto à estratégia ótima de revascularização. Como já comentado, o SS2 apresentou melhor desempenho (embora não significativo) do que o SS1 para predizer ECVM em 4 anos (p=0,08 para a comparação entre as curvas ROC).
Era de se esperar que pacientes para os quais as estimativas do SS2 favorecessem CRM em lugar de ICP tivessem maior taxa de ECVM quando submetidos a ICP. Entretanto, ainda que numericamente maior (30% vs. 25%), a diferença não foi estatisticamente significativa. No registro de Xu et al.,28 que incluiu quase dez vezes mais pacientes do que o nosso, a taxa de ECVM não diferiu significativamente entre pacientes que teriam recebido outra indicação de estratégia de revascularização segundo o SS2 (21,6% vs. 24,8%; p=NS).28 Além disso, não se sabe se pacientes nas duas coortes teriam tido menos ECVM se submetidos a CRM na primeira vez. Por outro lado, em uma análise agrupada de um perfil heterogêneo de baixo risco para uma coorte de ICP com 5.433 pacientes arrolados em estudos contemporâneos de stents coronarianos, aqueles que deveriam ter sido submetidos a CRM (menos de 1% de toda a população) segundo o SS2 tiveram uma maior mortalidade em 3 anos.30 Entretanto, naquela população, a diferença na complexidade da DAC (avaliada por SS1) entre os grupos de tratamento recomendado foi maior do que na nossa coorte. Esse fato pode explicar em parte a diferença encontrada quanto ao desfecho.
Conceitualmente, o SS2 orientaria a decisão entre CRM ou ICP com base no risco estimado para cada estratégia de revascularização. Em teoria, a escolha recairia na estratégia associada ao mais baixo risco. Embora essa pareça uma política intuitiva e racional, não há um limite estabelecido clinicamente relevante para a diferença entre ICP recomendada por SS2 e CRM recomendada por SS2 que exija uma mudança de estratégia. Diferenças pequenas e intermediárias permanecerão controversas, sendo que apenas grandes diferenças serão categóricas quanto à decisão pela estratégia ótima de revascularização.
Na nossa coorte de pacientes submetidos a ICP que teriam sido reclassificados para CRM segundo o SS2, o limite para a diferença entre a recomendação de ICP segundo o SS2 e a recomendação de CRM segundo o SS2 para predição de ECVM foi 5,7%. A taxa de ECVM quase dobrou nos pacientes com uma diferença maior do que 5,7% (40% vs. 22%). Ainda que não estatisticamente significativo (análise de apenas 47 pacientes), tal achado pode ter relevância clínica, certamente determina a geração de hipóteses, deve ser explorado em coortes maiores incluindo pacientes submetidos a tanto CRM quanto ICP, e, caso confirmado, deve ser validado prospectivamente em um ensaio clínico.
Algumas importantes limitações devem ser apontadas no nosso estudo. Em primeiro lugar, as limitações inerentes a um estudo retrospectivo de centro único. Segundo, o número limitado de pacientes pode ter reduzido o poder da análise estatística e a capacidade de descobrir significado estatístico para muitas das comparações. Terceiro, o longo intervalo de tempo do registro (~10 anos) resulta em um grupo altamente heterogêneo, em especial quando se considera que um número significativo de pacientes tratados com stents convencionais foi incluído. Isso vai de encontro à prática contemporânea da ICP na DTCNP, contrastando com a coorte original do estudo SYNTAX, em que stents TAXUS foram usados, e do qual os escores originais foram derivados. Quarto, nossa análise não considerou a localização das lesões no tronco comum e nem as diferentes técnicas de implantação de stent para lesões distais e de bifurcação. Isso não significa apenas variação nas estratégias de implantação de stent ao longo do período do estudo, mas essas estratégias também desempenham um papel na definição da complexidade e do sucesso do procedimento e ajudariam na interpretação dos nossos resultados. Entretanto, na nossa coorte de pacientes com DTCNP, a localização da lesão no tronco comum não foi preditor independente de ECVM em 5 anos.31 Além disso, Capodano et al.18 não encontraram impacto prognóstico na técnica de implantação de stent, independentemente do SS1 de base. Quinto, não foi possível determinar até que ponto os confundidores inerentes aos critérios de seleção específicos para implantação de stent no tronco comum influenciaram as taxas de ECVM e, consequentemente, a capacidade preditiva dos escores, em especial se considerarmos que uma grande parte dessa população foi incluída em um período em que a CRM era a escolha mais comum. Por fim, a verdadeira validação do SS2 exigiria designação aleatória para CRM ou ICP em um estudo prospectivo.
O SS2, ao combinar e atribuir pesos a características clínicas e anatômicas, pode permitir uma estratificação de risco melhor e individualizada dos pacientes que necessitam de revascularização do tronco comum não protegido. Uma diferença maior do que 5,7% entre as estimativas do SS2 para ICP versus CRM pode ter relevância clínica para a seleção da estratégia de revascularização ótima. Estudos prospectivos são necessários para validação adicional.