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Utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal na atenção primária à saúde: dados do PMAQ-AB

Utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal na atenção primária à saúde: dados do PMAQ-AB

Autores:

Katiéli Fagundes Gonçalves,
Jessye Melgarejo do Amaral Giordani,
Augusto Bacelo Bidinotto,
Alcindo Antônio Ferla,
Aline Blaya Martins,
Juliana Balbinot Hilgert

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.2 Rio de Janeiro fev. 2020 Epub 03-Fev-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020252.05342018

Abstract

The aim was to evaluate the prevalence of utilization of prenatal oral health services and its associated factors, through data from Cycle I (2011-12) and II (2013-14) of PMAQ-AB. This was cross-sectional study with 4,340 women (Cycle I) and 6,209 women (Cycle II), with outcome of utilization oral health service in prenatal care. Multilevel Poisson regression was used for obtain prevalence ratios (PR). In Cycle I, the prevalence of prenatal oral health service utilization was 45.9% and 51.9% in cycle II. In cycle I, large municipalities (PR = 1.35; 95%CI 1.05-1.81), income ranging from 1 to 2 minimum wages (PR = 1.13; 95%CI 1.03-1.25), age ranging from 31 to 40 years old (PR = 1.33, 95%CI 1.15-1.54) and registry of dental appointments (PR = 1.17; 95%CI 1.06-1.29) they were associated with the outcome. In cycle II, southeast region (PR = 1.18; 95%CI 1.03-1.36), high oral healthcare coverage (PR = 1.11; 95%CI 1.01-1.22), age ranging from 31 to 40 years old (PR = 1.22; 95%CI 1.09-1.36), the health workers enrollment in permanent education actions (PR = 1.14; 95%CI 1.01-1.30) and opening times that match the user’s needs (PR = 1.40; 95%CI 1.25-1.57) they were associated with the outcome. The individual factors and factors related to the organization of the healthcare service are associated with oral healthcare utilization during prenatal care.

Key words Oral health; Prenatal care

Introdução

A questão da utilização de serviços odontológicos ainda é um entrave com o qual nos deparamos, tanto no nível dos estudos epidemiológicos1 como no dia-a-dia da população brasileira de um modo mais amplo, sendo que esse fato também é identificado quando se avalia a questão do pré-natal2. Diversos estudos apontam que a forma como ocorre o acesso a Unidade Básica de Saúde interfere no modo de utilização do serviço e na potencialização da execução do pré-natal na rede pública3. Vários esforços vêm ocorrendo no intuito de melhorar a atenção à gestante, como por exemplo, de acordo com a Política Nacional de Saúde Bucal, no momento em que a mulher inicia o pré-natal, ela deverá passar por consulta odontológica e receber orientações sobre higiene bucal e alimentação, assim como receber uma avaliação da condição dos tecidos moles, de doença periodontal e cárie dentária. Somando-se a essa iniciativa em 2012 ocorreu o lançamento do Manual de Pré-Natal de Baixo Risco, no qual consta a assistência odontológica como parte integrante da atenção pré-natal2.

Ressalta-se que o período gestacional é caracterizado como uma etapa especial no diagnóstico das alterações que podem envolver as estruturas de suporte e sustentação dentárias, pois deve-se levar em consideração que nesse período são desencadeadas alterações de imunocompetência que podem culminar com uma resposta inflamatória exacerbada prejudicando as estruturas periodontais. Fato que pode ser agravado se considerarmos que 66% das mulheres grávidas relataram não ter recebido orientação/cuidado de saúde bucal durante o pré-natal, segundo estudos recentes4,5.

Além disso, a detecção precoce, prevenção e tratamento de complicações, a estratificação de risco e ações multissetoriais contribuem para a redução da mortalidade materna, aliadas ao fortalecimento dos sistemas de saúde para que possam ofertar serviços integrados, contínuos, de qualidade para as mulheres durante e após a gestação. Alguns agravantes fazem com que três quartos das mortes estejam associadas a causas evitáveis (complicações hipertensivas e hemorrágicas), sífilis congênita, e demora no diagnóstico6, associados principalmente à dificuldades de acesso e déficits de qualidade nos serviços. Destaca-se assim a importância da atuação do cirurgião-dentista no auxílio à redução desses casos por meio de diagnóstico precoce e trabalho compartilhado com os outros profissionais como médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e de saúde bucal, ou seja, integralidade entre os profissionais que são responsáveis pelo cuidado da gestante2.

Contudo, são raras as estratégias cientificamente efetivas, factíveis e viáveis que buscam a avaliação da integralidade na assistência ao pré-natal, e estas, quando existentes são pouco utilizadas nos serviços de saúde pública7. Por isso, mais um passo importante foi dado na área da saúde, ao ser instituído o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), por intermédio da Portaria nº 1.654 GM/MS, de 19 de julho de 2011, com o foco na indução da ampliação do acesso e na melhoria da qualidade da atenção básica8.

Considerando que a realização de inquéritos de saúde é essencial para prover informações que são essenciais para o monitoramento das condições de saúde da população, para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas e além disso, permitem avaliar o impacto das medidas implementadas ao longo do tempo3, o presente artigo teve por objetivo avaliar a prevalência de utilização de serviço odontológico no pré-natal e seus fatores associados, a partir dos dados dos ciclos I (2011-12) e II (2013-14) do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) nas diferentes macrorregiões brasileiras.

Metodologia

Foi realizado um estudo transversal, multinível, baseado em dados secundários dos ciclos I e II do PMAQ-AB, o qual teve abrangência nacional e foi executado de forma multicêntrica e integrada, por diversas instituições de Ensino e Pesquisa e com o acompanhamento direto do Ministério da Saúde do Brasil. Respectivamente nos dois ciclos as equipes de Atenção Básica puderam aderir ao PMAQ-AB voluntariamente, implicando em um processo inicial de pactuação entre equipes e gestores municipais. Tal processo caracteriza-se como cíclico e permanente, pois, se gestores e equipes estiverem de acordo, ele transcorre por meio da adesão/contratualização, do desenvolvimento, da avaliação externa e da re-contratualização. Para a fase da avaliação externa, as instituições que realizaram a pesquisa selecionaram avaliadores, que participaram de um processo de formação, o qual teve duração de uma semana, mantendo o foco nas atividades que seriam posteriormente desenvolvidas em campo. O treinamento ocorreu por meio da utilização do manual de campo confeccionado pelo Departamento da Atenção Básica (DAB) com o auxílio das Instituições de Ensino e Pesquisa parceiras do PMAQ-AB, possuindo a finalidade de transmitir todos os passos necessários para realizar uma adequada coleta e de modo uniforme em todo o país. Para a realização da coleta foram disponibilizados computadores portáteis do tipo tablet, contendo um aplicativo com o instrumento padronizado, que foi previamente testado. Ao término da avaliação externa, deu-se o envio dos dados coletados por intermédio da internet a um servidor do Ministério da Saúde com a intenção de serem validados e integrados numa única base8. Desse modo, a extração dos dados para a pesquisa se deu a partir do banco de dados nacional do PMAQ-AB.

O instrumento de avaliação externa do ciclo I teve sua organização baseada em três módulos, dos quais os módulos dois e três fizeram parte do estudo, relacionados com processo de trabalho e usuários dos serviços de saúde respectivamente8. Já o ciclo II foi organizado em nove módulos, sendo selecionados os módulos um, dois e três, relacionados à estrutura, processo de trabalho e usuários dos serviços de saúde9.

Foram incluídas neste estudo todas as unidades de saúde com equipe de saúde bucal e que ofereceram atendimento de pré-natal no território de sua abrangência. Assim como, incluídas todas as mulheres que realizaram o pré-natal nas unidades de atenção básica, do tipo Estratégia de Saúde da Família e que possuíam vínculo com a unidade de saúde avaliada. De acordo com o Ministério da Saúde, em caso de existência de uma taxa de dados faltantes maior que 20% em relação ao questionário aplicado durante a avaliação externa, os dados da equipe foram excluídos da pesquisa.

O ciclo I da avaliação externa ocorreu no período de 2011 a 2012, com o programa tendo incluído 3.967 municípios brasileiros (71,3%), 17.482 equipes de Atenção Básica, 12.436 equipes de Saúde Bucal e 65.700 usuários entrevistados em todas as regiões do Brasil. O período de 2013 a 2014, caracterizado como ciclo II da avaliação externa, incluiu 5.070 municípios brasileiros (91%), 30.424 equipes de Atenção Básica (90%), 19.898 equipes de Saúde Bucal (89%) e 114.615 usuários em todas as regiões do Brasil. Partindo desses subsídios para se chegar a amostra estudada, foram utilizados os dados referentes a todas as equipes de saúde da família do território brasileiro que possuíam equipe de saúde bucal e que realizavam pré-natal, culminando em uma amostra final de 4.340 mulheres no ciclo I e de 6.209 no ciclo II (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma de participação baseado nos Ciclos I e II do PMAQ-AB. 

Desse modo, o presente estudo foi baseado na realização de uma análise multinível, caracterizada em dois níveis, sendo esses, contextual e individual. No nível contextual, o qual diz respeito aos municípios, foram elencadas questões referentes às características socioeconômicas e demográficas, pois se compreende que as políticas e programas de saúde pública são executadas pelos gestores municipais e profissionais de saúde locais, ou seja, o município é um espaço sanitário de gestão e atenção importante. Foram utilizadas como variáveis para o modelo do ciclo I a macrorregião (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste)10; Porte Populacional10, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)11 e Cobertura de Saúde Bucal12. No modelo do ciclo II foram utilizadas as variáveis macrorregião (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste)10, Coeficiente de Gini (categorizado em tercil)11 e Cobertura de Saúde Bucal (categorizada em tercil)12. Em um primeiro momento ambos os ciclos possuíam as mesmas variáveis, porém por não convergirem ao modelo, foram realizados ajustes, chegando a conformação que foi descrita. Dessa forma, a variável cobertura de saúde bucal apresentou duas categorias para as análises do ciclo I e três categorias para as análises do ciclo II. As variáveis do nível individual, dizem respeito ao usuário8,9, assim, foram elencadas questões a respeito de serviços de saúde, características socioeconômicas e demográficas, relacionadas ao pré-natal, à saúde bucal, ao acesso, ao acolhimento, à educação permanente, à renda, aos anos de estudo, à idade e ao fato de possuir ou não companheiro (Figura 2).

Figura 2 Modelo teórico conceitual referente aos Ciclos I e II do PMAQ-AB. 

No ciclo I, para avaliar os serviços de saúde, foram selecionadas as seguintes questões norteadoras: "Para quais grupos e situações a equipe programa oferta? (Pré-natal? não/sim)" e "Há registro sobre Consulta odontológica da gestante? (não/sim)". Referente ao nível socioeconômico, foram utilizadas as questões: "Possui renda?", "Qual valor? (até 1 salário mínimo, entre 1 e 2 salários mínimos e mais de 2 salários mínimos)". Com relação ao nível demográfico, foram utilizadas as questões "Qual sua idade? (recategorizada em: até 20 anos, de 21 a 30 anos, de 31 a 40 anos e mais de 40 anos)" e "A senhora vive com algum companheiro? (não/sim)"8.

No ciclo II, para avaliação dos serviços de saúde, foi selecionada a questão "O horário de funcionamento desta unidade atende às suas necessidades? (não/sim)", para avaliar o acesso. Já para avaliar acolhimento foi criada uma variável que analisasse turno e frequência da unidade, categorizado em não e sim; para ser considerado como acolhimento o mesmo deveria ser realizado nos turnos manhã e tarde e com uma frequência de cinco dias por semana. Por fim, para avaliar a educação permanente foi utilizada a seguinte pergunta: "A equipe participa de ações de educação permanente organizadas pela gestão municipal? (não/sim)". No nível socioeconômico, foi utilizada a pergunta "Até quando a senhora estudou? (recategorizada em: ensino fundamental incompleto, ensino médio completo e ensino superior ou mais)" e no demográfico "Qual a idade da senhora? (recategorizada em: até 20 anos, de 21 a 30 anos, de 31 a 40 anos e mais de 40 anos)". Como desfecho para ambos os ciclos foi utilizada a questão "Examinaram sua boca? (não/sim)", que foi considerada como utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal9, esse exame caracterizou-se como sendo realizado durante o período de gestação da usuária. A usuária que foi entrevistada pelo avaliador externo nos períodos de 2011-2012 e 2013-2014 precisava ter ficado grávida alguma vez na vida.

Tanto no ciclo I quanto no II, foram excluídas as variáveis com um número pequeno de indivíduos (< 3) ou zero, que foi o caso em determinadas categorias, assim como, excluídas as variáveis não convergentes ao modelo estatístico. Além disso, o modelo também difere de um ciclo para o outro, pois algumas variáveis não estavam presentes no instrumento de coleta em um dos ciclos. Nos Ciclos I e II, os dados foram analisados no software Stata 11. Foram realizadas análises das frequências absolutas e relativas das variáveis estudadas. Regressão de Poisson13-15 Multinível16 foi utilizada para obtenção das razões de prevalências brutas e ajustadas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% e nível de significância de 5%. Para o ciclo I, foram utilizados três modelos de ajuste de acordo com as dimensões das variáveis: Modelo 1: variáveis contextuais ajustadas entre si; Modelo 2: variáveis contextuais ajustadas pelas variáveis individuais sociodemográficas; e Modelo 3: variáveis contextuais ajustadas pelas variáveis individuais sociodemográficas e de serviço. No ciclo II a análise foi realizada em dois estágios: Modelo 1: apenas as variáveis contextuais no ajuste dentro do próprio bloco e Modelo 2: as variáveis contextuais com p < 20% do modelo 1, mais as variáveis individuais. Em ambos os ciclos foram utilizadas modelagens hierárquicas17. Para análise de ajuste dos modelos dos dois ciclos foi utilizado o deviance, AIC e BIC.

A presente pesquisa possui como base o projeto de pesquisa guarda-chuva intitulado "Avaliação da atenção básica no Brasil: estudos multicêntricos integrados sobre acesso, qualidade e satisfação dos usuários", tendo sido aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Resultados

Resultados referentes ao Ciclo I

A prevalência de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal foi de 45,9% (IC95%: 44,5-47,4). Com relação às variáveis contextuais, a Macrorregião Nordeste apresentou o maior número de mulheres (38,1%). A maioria delas vivia em municípios entre 10 mil e 50 mil habitantes (43,8%), com IDH alto (45,3%) e com mais de 50% de cobertura de saúde bucal (66,4%). Na análise univariada, pertencer à macrorregião Nordeste (RP = 1,26 (IC95%: 1,02-1,55)), morar em município entre 10 mil e 50 mil habitantes (RP = 1,22 (IC95%: 1-02-1,47)) e de grande porte (RP = 1,36 (IC95%: 1,10-1,67)) estiveram associadas ao desfecho (Tabela 1).

Tabela 1 Descrição da amostra, prevalência de acesso à saúde bucal no pré-natal e Razão de Prevalência bruta para as variáveis contextuais e individuais, ciclo I, PMAQ-AB, Brasil, 2011-2012 (n = 4.340). 

Variável n (%) Prevalência de acesso
à saúde bucal no pré-
natal (IC95%)
RP bruta
(IC95%)
Valor P
Contextuais
Macrorregião
Norte 251 (5,7) 39,4 (33,3-45,5) 1
Nordeste 1652 (38,1) 49,7 (47,2-52,1) 1,26 (1,02-1,55) 0,030
Centro-oeste 466 (10,7) 33,2 (28,9-37,5) 0,84 (0,65-1,08) 0,185
Sul 364 (8,4) 39,8 (34,8-44,8) 1,01 (0,78-1,31) 0,939
Sudeste 1607 (37,1) 48,2 (45,7-50,7) 1,22 (0,99-1,51) 0,060
Porte populacional
Até 5 mil hab 355 (19,2) 38,6 (33,5-43,6) 1
Entre 5 mil e 10 mil hab 448 (10,3) 44,8 (40,2-49,5) 1,16 (0,93-1,44) 0,174
Entre 10 mil e 50 mil hab 1899 (43,8) 47,4 (45,1-49,7) 1,22 (1,02-1,47) 0,024
Entre 50 mil e 100 mil hab 480 (11,1) 45,1 (40,5-49,4) 1,16 (0,94-1,44) 0,160
Entre 100 mil e 500 mil hab 667 (14,3) 42,2 (39,5-46,1) 1,09 (0,89-1,34) 0,381
Acima de 500 mil hab 491 (11,3) 52,5 (48,1-56,9) 1,36 (1,10-1,67) 0,004
IDH
Baixo: 0 - 0,599 832 (19,2) 49,3 (45,8-52,7) 1
Médio: 0,6 - 0,699 1541 (35,5) 45,4 (42,9-47,9) 0,92 (0,81-1,04) 0,190
Alto: 0,7 - 1,0 1967 (45,3) 44,9 (42,7-47,1) 0,91 (0,81-1,02) 0,128
Cobertura de saúde bucal
Até 50% 1456 (33,6) 45,9 (43,3-48,5) 1
Mais de 50% 2880 (66,4) 46,1 (44,1-47,8) 0,99 (0,92-1,06) 0,875
Individuais
Sóciodemográficas
Renda
Até 1 salário mínimo 1995 (45,9) 43,6 (41,4-45,7) 1
Entre 1 e 2 salários mínimos 1941 (44,8) 48,8 (46,6-51,1) 1,11 (1,02-1,22) 0,016
Mais de 2 salários mínimos 404 (9,3) 43,8 (38,9-48,6) 1,01 (0,85-1,18) 0,955
Idade
Até 20 anos 853 (19,6) 39,7 (36,4-43,1) 1
De 21 a 30 anos 2377 (54,8) 44,5 (42,6-46,6) 1,11 (1,01-1,23) 0,029
De 31 a 40 anos 963 (22,2) 54,3 (51,1-57,4) 1,33 (1,21-1,48) <0,001
Mais de 40 anos 147 (3,4) 49,6 (41,5-57,7) 1,25 (1,03-1,51) 0,019
Vive com companheiro
Não 714 (16,5) 47,3 (43,6-51,1) 1
Sim 3625 (83,5) 45,7 (44,1-47,3) 0,95 (0,87-1,04) 0,315
Serviço de Saúde
Registro de consulta odontológica da gestante
Não 1672 (38,6) 41,9 (39,5-44,2) 1
Sim 2668 (61,4) 48,5 (46,6-50,3) 1,16 (1,08-1,25) <0,001
Equipe tem oferta programada de pré-natal
Não 208 (5,3) 49,5 (42,7-56,3) 1
Sim 3724 (94,7) 45,8 (44,2-47,4) 0,92 (0,81-1,06) 0,258

No que diz respeito às variáveis individuais, possuir renda de até 1 salário mínimo e entre 1 e 2 salários mínimos contempla 90,7% das participantes do estudo. A maioria apresentou de 21 a 30 anos (54,8%), assim como, a maioria vivia com companheiro (83,5%). Possuir registro de consulta odontológica da gestante representou 61,4% e a maioria relatou que a equipe possuía oferta programada de pré-natal (94,7%). Já na análise univariada, ter renda entre 1 e 2 salários mínimos apresentou RP = 1,11 (IC95%: 1,02-1,22). Mulheres com 21 anos ou mais possuem maior prevalência de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal quando comparadas às com 20 anos ou menos. O fato de realizar registro de consulta odontológica da gestante reporta uma RP = 1,16 (IC95%: 1,08-1,25) com maior utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal quando comparada a não ter registro de consulta (Tabela 1).

Já na Tabela 2, após a realização dos ajustes dos modelos do ciclo I às variáveis referentes à macrorregião, ao IDH, à cobertura de saúde bucal, viver com companheiro e com relação à equipe ter oferta programada de pré-natal, não apresentaram resultados estatisticamente significativos. Porém, porte populacional, renda, idade e registro de consulta odontológica da gestante apresentaram significância estatística. Portanto, pertencer a municípios com porte populacional acima de 500 mil habitantes (RP = 1,38 (IC95%: 1,05-1,81)), possuir renda entre 1 e 2 salários mínimos (RP = 1,13 (IC95%: 1,03-1,25)), ter de 31 a 40 anos (RP = 1,33 (IC95%; 1,15-1,54)) e possuir registro de consulta odontológica da gestante (RP = 1,17 (IC95%: 1,06-1,29) estiveram associadas ao desfecho.

Tabela 2 Razões de Prevalência ajustadas das variáveis contextuais e individuais, para acesso à saúde bucal no pré-natal, ciclo I, PMAQ-AB, Brasil, 2011-2012 (n = 4.340). 

Variável RP ajustada
(IC95%)
Modelo 1
Valor
P
RP ajustada
(IC95%)
Modelo 2
Valor
P
RP ajustada
(IC95%)
Modelo 3
Valor
P
Contextuais
Macrorregião
Norte 1 1 1
Nordeste 1,22 (0,98-1,51) 0,065 1,21 (0,98-1,49) 0,076 1,25 (0,99-1,58) 0,052
Centro-oeste 0,82 (0,63-1,07) 0,157 0,81 (0,62-1,06) 0,125 0,84 (0,63-1,12) 0,242
Sul 1,01 (0,77-1,32) 0,925 1,01 (0,76-1,31) 0,996 1,03 (0,77-1,38) 0,826
Sudeste 1,21 (0,97-1,51) 0,086 1,19 (0,95-1,48) 0,121 1,21 (0,95-1,55) 0,110
Porte populacional
Até 5 mil hab 1 1 1
Entre 5 mil e 10 mil hab 1,13 (0,91-1,41) 0,253 1,15 (0,96-1,43) 0,202 1,17 (0,92-1,47) 0,189
Entre 10 mil e 50 mil hab 1,21 (1,01-1,45) 0,044 1,20 (1,01-1,45) 0,046 1,19 (0,97-1,46) 0,081
Entre 50 mil e 100 mil hab 1,15 (0,91-1,45) 0,223 1,16 (0,92-1,46) 0,203 1,14 (0,89-1,45) 0,285
Entre 100 mil e 500 mil hab 1,09 (0,86-1,38) 0,444 1,10 (0,87-1,39) 0,411 1,07 (0,83-1,37) 0,601
Acima de 500 mil hab 1,39 (1,08-1,81) 0,010 1,40 (1,09-1,82) 0,009 1,38 (1,05-1,81) 0,020
IDH
Baixo: 0 - 0,599 1 1 1
Médio: 0,6 - 0,699 0,98 (0,85-1,11) 0,738 0,97 (0,84-1,11) 0,664 0,98 (0,85-1,13) 0,871
Alto: 0,7 - 1,0 0,97 (0,81-1,16) 0,750 0,96 (0,80-1,15) 0,696 0,97 (0,80-1,18) 0,784
Cobertura de saúde bucal
Até 50% 1 1 1
Mais de 50% 1,04 (0,92-1,18) 0,481 1,06 (0,93-1,20) 0,366 1,05 (0,92-1,21) 0,412
Individuais
Sóciodemográficas
Renda
Até 1 salário mínimo - - 1 1
Entre 1 e 2 salários mínimos - - 1,14 (1,04-1,25) 0,005 1,13 (1,03-1,25) 0,011
Mais de 2 salários mínimos - - 1,03 (0,87-1,21) 0,726 1,02 (0,85-1,21) 0,839
Idade
Até 20 anos - - 1 1
De 21 a 30 anos - - 1,13 (0,99-1,27) 1,12 (0,98-1,27) 0,076
De 31 a 40 anos - - 1,36 (1,18-1,56) <0,001 1,33 (1,15-1,54) <0,001
Mais de 40 anos - - 1,29 (1,01-1,66) 0,048 1,30 (0,99-1,69) 0,051
Vive com companheiro
Não - - 1 1
Sim - - 0,94 (0,84-1,06) 0,394 0,94 (0,83-1,06) 0,372
Serviço de Saúde
Registro de consulta
odontológica da gestante
Não - - - - 1
Sim - - - - 1,17 (1,06-1,29) 0,002
Equipe tem oferta programada
de pré-natal
Não - - - - 1
Sim - - - - 0,91 (0,74-1,11) 0,381

Modelo vazio: apenas o desfecho. Deviance - 3545.574, GL 1, AIC 7095.14, BIC 7107.91. Modelo 1: variáveis contextuais ajustadas entre si. Deviance - 3521.754, GL 14, AIC 7071.29, BIC 7160.53. Modelo 2: variáveis contextuais ajustadas pelas variáveis individuais sociodemográficas. Deviance - 3505.941, GL 20, AIC 7051.88, BIC 7179.37. Modelo 3: variáveis contextuais ajustadas pelas variáveis individuais sócio demográficas e de serviço. Deviance - 3174.144, GL 22, AIC 6392.28, BIC 6530.35.

Resultados referentes ao Ciclo II

Foram inicialmente contatados 70.840 usuários das equipes de Saúde da Família, dessas 2.395 não possuíam presença de cirurgião-dentista. Das 68.445 eSF com presença de cirurgião-dentista foram excluídos os dados referentes a 13.701 homens, ficando 54.744 mulheres. Dessas foram excluídas 5.045 usuárias que nunca ficaram grávidas. Das 49.699 mulheres que já ficaram grávidas alguma vez, foram excluídas as 43.490, pois estas não estavam vinculadas a unidade de referência ou não sabiam se tinham feito pré-natal na gestação. Assim, 6.209 mulheres responderam à questão utilizada para medir o desfecho desse estudo (Figura 2).

A prevalência de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal foi de 51,9% (IC95%: 50,7-53,2). Os dados reportam que a macrorregião Nordeste apresentou o número mais elevado de mulheres que realizaram pré-natal odontológico (41,5%). Com relação ao Coeficiente de Gini, a maioria se encaixou na classificação de baixa desigualdade (37,3%) e locais com cobertura de saúde bucal entre 49,9% e 92,9% e acima de 92,9% englobaram (66,5%) dos dados. Na análise ajustada somente para o nível contextual, as macrorregiões que reportaram significância estatística com relação à utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal foram Nordeste (RP = 1,17 (IC95%: 1,02-1,34)) e Sudeste (RP = 1,18 (IC95%: 1,03-1,36)), no tocante a cobertura de saúde bucal, locais acima de 92,9% (RP = 1,11 (IC95%: 1,01-1,22)), estão associados ao desfecho (Tabela 3).

Tabela 3 Descrição da amostra, prevalência de acesso à saúde bucal no pré-natal, Razão de Prevalência bruta e Razão de Prevalência ajustada para as variáveis contextuais e individuais, ciclo II, PMAQ-AB, Brasil, 2013-2014 (n = 6.209).  

Variável n (%) Prevalência de acesso à
saúde bucal no pré-natal
(IC95%)
Razão de
Prevalência
bruta (IC95%)
Valor
P
Razão de Prevalência
ajustada (IC95%)
Modelo 1#
Valor
P
Razão de
Prevalência ajustada
(IC95%) Modelo 2#
Valor p
Contextuais
Macrorregião
Norte 559 (9,1) 45,1 (40,1-49,2) 1 1 - -
Nordeste 2574 (41,5) 54,6 (52,7-56,4) 1,21 (1,06-1,38) 0,005 1,17 (1,02-1,34) 0,025 - -
Centro-oeste 597 (9,6) 38,7 (34,8-42,6) 0,85 (0,71-1,02) 0,093 0,83 (0,69-1,01) 0,057 - -
Sul 531 (8,5) 51,6 (47,3-55,8) 1,14 (0,96-1,35) 0,122 1,12 (0,94-1,34) 0,203 - -
Sudeste 1948 (31,3) 54,7 (52,4-56,8) 1,21 (1,05-1,39) 0,006 1,18 (1,03-1,36) 0,018 - -
GINI *
Alta desigualdade 1987 (32,1) 49,8 (47,6-52,1) 1 1 - -
Média desigualdade 1902 (30,6) 53,7 (51,3-55,8) 1,07 (1,01-1,14) 0,021 1,03 (0,94-1,13) 0,434 - -
Baixa desigualdade 2320 (37,3) 52,5 (50,4-54,5) 1,05 (0,99-1,11) 0,086 1,01 (0,92-1,12) 0,733 - -
Cobertura de saúde bucal
Até 49,8% 2074 (33,5) 49,4 (47,3-51,6) 1 1 - -
Entre 49,9% e 92,9% 2068 (33,3) 50,3 (48,1-52,4) 1,01 (0,93-1,10) 0,709 1,01 (0,92-1,11) 0,784 - -
Acima de 92,9% 2064 (33,2) 56,2 (54,1-58,3) 1,13 (1,04-1,23) 0,003 1,11 (1,01-1,22) 0,020 - -
Individuais
Sóciodemográficas
Idade
Até 20 anos 1115 (17,9) 45,7 (42,8-48,6) 1 - - 1
De 21 a 30 anos 3452 (55,6) 51,3 (49,6-52,9) 1,12 (1,04-1,20) 0,002 - - 1,10 (0,99-1,21) 0,057
De 31 a 40 anos 1497 (24,1) 57,3 (54,8-59,8) 1,25 (1,16-1,35) <0,001 - - 1,22 (1,09-1,36) <0,001
Mais de 40 anos 145 (2,4) 61,4 (53,4-69,3) 1,34 (1,16-1,55) <0,001 - - 1,31 (1,04-1,64) 0,019
Anos de estudo
Ensino fundamental Incompleto 1788 (28,8) 51,8 (49,4-54,1) 1 - - 1
Ensino médio completo 1932 (31,1) 49,2 (47,1-51,5) 0,95 (0,89-1,01) 0,125 - - 0,98 (0,90-1,08) 0,795
Ensino superior ou mais 2489 (40,1) 54,2 (52,1-56,2) 1,05 (0,98-1,11) 0,115 - - 1,04 (0,96-1,13) 0,295
Serviço de Saúde
Equipe participa de ações de educação permanente
Não 592 (9,5) 45,1 (41,1-49,2) 1 - - 1
Sim 5617 (90,5) 52,7 (51,4-54,1) 1,16 (1,03-1,32) 0,015 - - 1,14 (1,01-1,30) 0,032
Equipe tem acolhimento
Não 1587 (25,6) 49,1 (46,5-51,4) 1 - - 1
Sim 4622 (74,4) 53,1 (51,6-54,4) 1,08 (1,02-1,14) 0,007 - - 1,07 (0,98-1,15) 0,120
Horário de funcionamento atende as necessidades da usuária
Não 876 (14,1) 38,2 (35,1-41,4) 1 - - 1
Sim 5333 (85,9) 54,2 (52,9-55,5) 1,42 (1,29-1,54) <0,001 - - 1,40 (1,25-1,57) <0,001

*Alta desigualdade: 0,5501 - 1,0; Média desigualdade: 0,4901 - 0,55; Baixa desigualdade: 0 - 0,49. Modelo vazio: apenas o desfecho, sem as variáveis independentes. Deviance - 5339555, GL 1, AIC 10681.11, BIC 10687.84. # Modelo 1: variáveis contextuais ajustadas entre si. Deviance - 5315.253, GL10, AIC 10650.51, BIC 10717.84. #Modelo 2: variáveis individuais ajustadas pelas contextuais que apresentaram p < 0,20 (Macrorregião e Cobertura de Saúde Bucal) no Modelo 1. Deviance - 5281.947, GL 16, AIC 10595.89, BIC 10703.63.

No que diz respeito às variáveis individuais, possuir idade de 21 a 30 anos contemplou 55,6% das participantes do estudo, possuir ensino superior ou mais englobou 40,1% da amostra. A participação da equipe em ações de educação permanente se traduziu em 90,5%. Ter acolhimento (74,4%) e possuir horário de funcionamento que atenda às necessidades da usuária representou 85,9%, com relação à utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal. Na análise final, totalmente ajustada (incluindo para as do nível contextual), as variáveis que apresentaram significância estatística associadas ao desfecho foram, idade [31 a 40 anos (RP = 1,22 (IC95%: 1,09-1,36)); mais de 40 anos (RP = 1,31 (IC95%: 1,04-1,64))], equipe participar de ações de educação permanente (RP = 1,14 (IC95%: 1,01-1,30)) e possuir horário de funcionamento que atenda às necessidades da usuária (RP = 1,40 (IC95%: 1,25-1,57)) (Tabela 3).

Discussão

A presente pesquisa englobou todo o território brasileiro e apontou para dados relacionados à utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal, demonstrando uma associação positiva entre as variáveis macrorregião, porte populacional do município, cobertura de saúde bucal, idade da gestante, presença do registro de consulta odontológica, participação da equipe em programas de educação permanente e horário de funcionamento que atendam às necessidades das usuárias, estando estes intrinsicamente relacionados com a utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal, além de agregar valor aos parcos registros encontrados na literatura com relação a essa temática.

Evidencia-se a singularidade e o ineditismo dessa pesquisa que parte de um cenário onde observou-se uma realidade que vem paulatinamente legitimando o acesso e a utilização do serviço relacionado à saúde bucal não mais como um luxo disponível para uns poucos brasileiros, mas, sim, como uma iniciativa de inclusão, busca pela integralidade do cuidado e enfrentamento às iniquidades em saúde no país, uma vez que observamos um incremento de praticamente 50% dentre eSF que passaram a ter a inclusão da eSB de um ciclo para o outro do PMAQ, em um intervalo de dois anos.

A prevalência de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal no período de 2011 a 2012 foi de 45,9%, elevando-se para 51,9% no período de 2013 a 2014, porém, embora tenhamos nítidos avanços, esse resultado ainda é baixo se pensarmos que, já em 2010, o número de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal era de 60% e que em 2014 elevou-se para 64%. Além disso, deve-se evidenciar as diferenças regionais que ocorreram no Brasil em 2010, apontando que a macrorregião Sul possuía 75,3% enquanto a macrorregião Nordeste apresentava 45,3%, dos nascidos vivos cujas mães tiveram 7 ou mais consultas de pré-natal18. Essas desigualdades regionais representam um grave nó no quesito da assistência ao pré-natal oferecida no Brasil, pois ainda é necessário que sejam produzidos muitos avanços para realmente se alcançar a integralidade do cuidado para com a gestante como direito em todo o território nacional.

Outro estudo revela que o Brasil é classificado como o país que possui o maior número de cirurgiões-dentistas (CD) por habitantes do mundo, apontando que no período de 1997 a 2007 o crescimento do número de CD foi mais elevado (114%) que o crescimento populacional (18,6%). Em 2010 o Brasil possuía 20% dos cirurgiões-dentistas do mundo, porém, apresentando uma distribuição desigual em seu território, concentrando 57% dos profissionais nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro19, pertencentes à macrorregião Sudeste. Fato este, que não corresponde à realidade encontrada neste estudo, visto que, embora exista um contingente grande de eSB na macrorregião sudeste, observa-se que há uma franca desaceleração no crescimento de eSB neste território, enquanto na região nordeste onde já havia o maior número absoluto de eSB no primeiro ciclo, observou-se um crescimento de mais de 50%. Tal incremento, parece sugerir que a opção pela inserção de eSB no SUS e pelo fortalecimento e qualificação da assistência pré-natal e odontológica tenham sido prioridade nas políticas implementadas nesta região no período estudado.

Um estudo, realizado em um estado da região Nordeste do Brasil, avaliou o processo de trabalho das equipes de saúde bucal segundo porte populacional, e indicou que municípios com grande porte populacional, teriam maior poder econômico, implicando em uma melhor estrutura de serviços disponíveis voltadas ao desenvolvimento das ações em saúde, ao serem comparados com municípios de pequeno e médio porte. Este resultado, apesar de regional, corrobora com os dados deste estudo, que apresenta que municípios com porte populacional acima de 500 mil habitantes reportaram uma prevalência 36% maior de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal20, o que aponta para uma questão preocupante que é a dificuldade dos municípios pequenos, que são maioria no território nacional, de oferecerem melhores práticas na assistência pré-natal, com vistas a busca pela integralidade no cuidado à saúde.

No presente estudo, houve uma prevalência maior de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal entre gestantes com mais de 30 anos. Este dado é importante, pois observa-se uma qualificação à assistência pré-natal destas mulheres que precisam realmente de uma atenção diferenciada, uma vez que, no Brasil, observa-se que a gestação tardia é um fenômeno que tende a crescer, visto que houve um aumento de 7,2% em um período de 2006 a 2010. As gestantes tardias, muitas vezes não são primigestas e acumulam riscos tanto pela idade, quanto pelo somatório de riscos que possuem um impacto grande no processo de morbimortalidade. A prevalência de complicações relacionadas à gestação tardia também acompanha este aumento, tais como hipertensão arterial, diabetes gestacional, placenta prévia, trabalho de parto prematuro e maior número de cesarianas. Deste modo, é importante que haja a avaliação do pré-natal nestas faixas etárias, com vistas a minimizar essas e outras complicações obstétricas que poderiam culminar com morbimortalidade materna e fetal21. Porém, também, cabe um alerta no que se refere à idade, uma vez que gestantes tardias tendem a ter mais acesso a informação, através de experiências anteriores de gestação e puerpério e pela própria experiência de vida, no entanto, muitas gestantes mais jovens, com igual necessidade, podem evitar utilizar serviços de saúde bucal devido a medos gerados por mitos e por desconhecimento quanto aos benefícios e não malefícios do cuidado odontológico durante o período gestacional22.

Outro estudo realizado em Aracaju, avaliou a adequação do cuidado do pré-natal segundo renda familiar, apontando que mulheres com maior renda tem mais acesso ao pré-natal e que mulheres com renda de até 1 salário mínimo apresentaram desigualdades mais elevadas no que tange ao acesso e a consultas nesta etapa23. Estes dados, corroboram com os achados do presente estudo, em que os dados demonstraram haver uma diferença significativa, sendo esta, uma maior prevalência de utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal para quem ganha entre 1 e 2 salários mínimos. Isso nos faz refletir sobre os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde do Brasil e nos leva a um questionamento: Será que o acesso aos serviços realmente chega a quem mais precisa? Afinal, pelos dados do presente estudo pode-se perceber que as iniquidades também afetam a atenção odontológica, pois as mulheres que mais utilizaram serviços de saúde bucal no pré-natal foram as com maior renda e em municípios maiores.

Ressalta-se também que as informações advindas de registros nos sistemas de informação constituem-se em ferramentas importantes e fundamentais para o planejamento dos sistemas e serviços de saúde. Como exemplo, registra-se a contribuição da análise do perfil da atenção à saúde bucal nos municípios utilizada na pesquisa. Entretanto, para que sua utilização seja mais efetiva, se faz necessário obter melhorias da qualidade dos dados dos sistemas utilizados no cotidiano dos serviços e das bases de dados24. Deste modo, ao que se refere ao registro de consulta odontológica da gestante, de acordo com os dados do estudo realizado, podemos constatar uma melhora no registro dos dados nos dois ciclos do PMAQ-AB, evidenciando como são importantes os esforços com relação ao monitoramento e avaliação.

Além disso, a educação permanente, que traz consigo as características de aprender, ensinar e transmitir conhecimento no cotidiano do trabalho das equipes de saúde a partir de seus problemas e dificuldades, mostra-se importante para a efetivação da qualidade e da excelência nos serviços, por meio da ressignificação dos processos de saúde, que irão refletir na prática diária dos profissionais. Assim, acarretando melhorias no acolhimento, nas questões clínicas e nas atividades de promoção da saúde, evidenciando que as ações de educação permanente precisam ocorrer efetivamente nas equipes, com o objetivo de qualificar cada vez mais os profissionais para que desempenhem suas funções com mais propriedade25,26. Desse modo, o presente estudo vem ratificar a importância da realização da educação permanente, como sendo uma prática que traz diferencial para as equipes de saúde, através da qualificação do profissional que deve traduzir-se no dia a dia do trabalho que é desenvolvido nos serviços.

Atualmente as políticas de saúde no âmbito mais amplo e também mais singulares como nas linhas de cuidado, buscam a integralidade das práticas da atenção se propondo a uma reorganização da Atenção Básica. Buscam romper com o modelo prioritariamente clínico/prescritivo e constituir práticas mais centradas nas ações voltadas à família, principalmente após a inserção do Programa/Estratégia de Saúde da Família nos municípios brasileiros. Contribuindo dessa maneira com a reorientação e reorganização do modelo de saúde proposto pelo SUS, na busca por melhorar o acesso a grupos populacionais mais vulneráveis, na redução das iniquidades em saúde27 e por mudanças nos indicadores de saúde em todo o território brasileiro, meta que ainda está distante. Sendo assim, o profissional deve voltar seu olhar para concretização de práticas que assegurem o acesso das mulheres a ações baseadas nas especificidades do ciclo vital feminino, garantindo a execução de ações resolutivas e que sejam fundamentadas no contexto que cada necessidade surge28. Focado na reorganização dos serviços e na intenção de facilitar o acesso, entende-se que a definição de um horário de funcionamento para atender as necessidades das usuárias é fator que interfere na utilização de serviço de saúde bucal no pré-natal. Assim, os profissionais e os serviços precisam estar organizados para atender essa demanda e pensar em serviços voltados às características da população a ser atendida, com ações ofertadas segundo as necessidades das gestantes, mesmo fora dos dias, horários e atividades de grupos fixos por conveniência dos profissionais ou dos serviços.

O presente estudo apresenta algumas limitações. Como o delineamento é transversal não é possível estabelecer relações causais entre as variáveis, logo, pode haver temporalidade reversa, uma vez que as variáveis de desfecho e exposições são coletadas ao mesmo tempo. Outro fator importante é que a possibilidade de viés de seleção, pois as entrevistas foram realizadas com as gestantes que estavam presentes na Unidade de Saúde no momento da avaliação e não foram realizadas de forma probabilística. Além disso, o uso de dados secundários pode ser um limitador, pois algumas fontes de dados podem sofrer alterações dependendo do período em que são acessadas nos sítios de internet. Porém os microdados do PMAQ-AB são assegurados pelo Ministério da Saúde e pelas Instituições de Ensino Superior que realizaram a coleta, minimizando a possibilidade de alteração das informações. Outro fator importante que deve ser considerado no presente estudo é que não foi possível utilizar as mesmas variáveis nas análises dos dois ciclos, produzindo uma similaridade parcial entre as análises, o que pode ocasionar diminuição da capacidade de comparação, por outro lado explora de forma maior as características da dimensão dos serviços de saúde apresentando mais informações. Por fim, não se pode excluir a possibilidade de viés residual, ou seja, alguma informação que não tenha sido considerada pelos pesquisadores. Apesar desses aspectos, é essencial considerar o volume de informações sólidas e relevantes que o estudo tem gerado, a fim de compreender melhor as questões relacionadas à utilização de serviços de saúde bucal pré-natal na atenção básica e suas implicações para com o sistema de saúde.

Conclusão

A nível individual, mulheres com menor renda e menor idade tiveram menor utilização de serviços de saúde bucal no pré-natal. Contextualmente, serviços com registro de consultas de gestantes e com horários de atendimento que satisfaçam as necessidades das gestantes tem associação com uma maior utilização de serviços de saúde bucal no pré-natal. Não houve diferenças significativas entre as regiões brasileiras.

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