versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2919
As deformidades congênitas da parede torácica envolvem vários defeitos musculoesqueléticos que alteram o contorno simétrico do tórax. Pectus excavatum é a denominação utilizada quando está presente uma depressão com a aproximação do esterno e das cartilagens costais da coluna vertebral. A alteração mais frequente ocorre na região medial do tórax anterior e envolve a metade ou dois terços da porção inferior do esterno, com o recesso máximo presente na junção do tórax com o abdome. Essa anomalia é mais comum no gênero masculino.(1)
O tratamento pode ser não invasivo com o uso de órteses ou cirúrgico.(1) As opções cirúrgicas incluem as que mobilizam os tecidos ósteo-cartilaginosos com a finalidade de situá-las na posição desejada ou as que envolvem o preenchimento da falha existente, sendo o silicone o material mais utilizado.(2-4)
A técnica cirúrgica mais empregada atualmente é a que usa barra metálica, descrita por Nuss.(3) O silicone é utilizado em casos selecionados, como quando há defeitos considerados leves e quando as cirurgias de mobilização óssea não promoveram a correção completa dos contornos.(1)
As diversas técnicas de uso de implante de silicone baseiam-se na confecção de um molde prévio do defeito de tórax, que serve de guia para a confecção do implante definitivo, o qual pode ser sólido ou preenchido por silicone gelatinoso.(5)
Entretanto, após utilizarmos o elastômero de silicone sólido inicialmente e depois os implantes gelatinosos, notamos que os resultados não eram satisfatórios. O implante pré-moldado, baseado na falha existente, nem sempre coincidia com as dimensões da falha real e isso só era percebido no período intraoperatório, após a dissecção do espaço necessário e a introdução da prótese. Nesses implantes, não era possível qualquer adequação final.
Desde 1994, passamos a utilizar bloco de silicone sólido de baixa dureza que, após esterilização, poderia ser recortado durante o ato cirúrgico, podendo ser moldado de acordo com o espaço real encontrado. Neste relato, apresentamos a nossa experiência cirúrgica no tratamento de pectus excavatumem pacientes do gênero masculino.
Descrever a técnica cirúrgica para a correção de pectus excavatum em pacientes do gênero masculino com o uso de bloco de silicone de baixo índice de dureza moldado no período intraoperatório.
De 2 de maio de 1994 a 1º de fevereiro de 2013, foram estudados retrospectivamente os pacientes do gênero masculino com o diagnóstico depectrus excavatum e sem outras anomalias musculares concomitantes no tórax, submetidos à cirurgia com uso silicone sólido após a exclusão de indicação de reparação óssea ou de tratamento com compressão externa. Foram incluídos os pacientes com seguimento pós-operatório mínimo de 120 dias.
Foram anotadas as complicações e os resultados. O resultado estético foi dividido em satisfatório ou insatisfatório, de acordo com a avaliação do paciente. O projeto submetido foi considerado uma série de casos pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Israelita de Ensino em Pesquisa, que considerou ser o uso desta técnica uma individualização e aprimoramento de um tratamento já padronizado, sem causar riscos ou implicações quanto ao prognóstico ou tempo de internação, motivo pelo qual, optou pela não necessidade prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
No período pré-operatório, as dimensões da falha óssea foram anotadas, sendo solicitada a confecção de um bloco de silicone sólido de baixa dureza, entre 10 e, no máximo, 30 Shore A, em forma de paralelepípedo. As medidas da base são equivalentes às medidas máximas do defeito e a medida da altura do bloco é coincidente com a altura máxima do defeito.
Foi utilizada a anestesia geral com infiltração local, com solução com 400mg de lidocaína em solução a 0,5%, adicionando adrenalina a 1 para 200.000. Todos os pacientes permaneceram internados por um período máximo de 12 horas de pós-operatório.
A etapa cirúrgica inicial consistiu na demarcação das bordas do defeito de relevo do tórax, em posição ortostática e em decúbito dorsal. A seguir, a posição da incisão foi demarcada. A via de acesso pôde ser situada na cicatriz preexistente de cirurgias secundárias ou em direção horizontal nas cirurgias primárias, que era coincidente com uma dobra de flexão na região abdominal e a 2cm em situação inferior à localização do apêndice xifoide.
Foi realizada a dissecção do espaço necessário em plano supraperiostal, na região do esterno e rente aos arcos costais, coincidentemente com a demarcação dos limites na pele. Após ser completada a dissecção, foram avaliados o relevo e as dimensões do espaço interno. Esses dados serviram para a moldagem da parede posterior do bloco com tesoura e bisturi, criando-se uma imagem especular do relevo das estruturas ósteo-cartilaginosas. A seguir, a face anterior do bloco foi esculpida, copiando o relevo do esterno e dos arcos costais.
A última etapa consistiu no recorte das bordas do implante, com o objetivo de suavizar e adequar os limites laterais ao espaço criado. A avaliação do sucesso na adaptação do bloco foi realizada com a inserção do bloco esculpido e a análise visual do aspecto externo. Uma vez conseguido o resultado desejado, um dreno tubular de 4,8mm foi posicionado e exteriorizado na linha mediana do abdome, logo abaixo da incisão. Após a inserção definitiva da prótese, dois fios de sutura monofilamentar de nylon 2-0 foram transfixados na borda inferior do bloco e fixados ao esterno. O tecido subcutâneo foi aproximado com pontos separados de fio absorvível 4-0, e a pele com sutura contínua intradérmica de fio absorvível 4-0.
Os resultados foram classificados em satisfatórios ou insatisfatórios, de acordo com a avaliação anotada no prontuário após 120 dias de pós-operatório. Nos casos em que foi necessária a revisão cirúrgica, os resultados foram novamente reclassificados após 120 dias da cirurgia secundária.
Foram tratados com essa técnica 42 pacientes; 8 casos foram excluídos desta abordagem por insuficiência de dados. Os 34 restantes incluídos neste estudo apresentaram idades entre 15 a 54 anos, com média de 22 anos e 3 meses. Em 26 pacientes, era a primeira cirurgia para a correção do pectus excavatum enquanto que 8 deles já tinham sido submetidos a outro tipo de procedimento, sendo: 2 casos em que foi empregada a técnica descrita por Ravitch,(2) 2 com prótese de silicone gelatinoso, 2 tinham sido submetidos a preenchimento com metacrilato, com volumes injetados de 100cc e 250cc segundo relato do paciente, e 2 eram portadores de uma prótese sólida de silicone de alta dureza pré-moldada e multiperfurada. Em 28 pacientes, a via de acesso foi horizontal, medindo de 6 a 9cm de comprimento. Em dois casos, a incisão foi por sobre cicatriz mediana antiga: uma via de acesso foi na margem lateral do tórax por sobre cicatriz torácica oblíqua e, noutro paciente, em região torácica superior, na fúrcula esternal, em forma de V, aproveitando-se a presença de cicatrizes de vias de acesso de cirurgias antigas. As dimensões dos blocos utilizados variaram desde a menor, com 7,5cm por 12cm de base por 1,5cm de altura, até o maior, que foi de 21cm por 19cm de base e 3cm de altura. O índice de dureza, Shore A, variou de 10 a 30, sendo 27 com índice 10 Shore A, 3 com índice 20 Shore A e 2 com 30 Shore A.
O hematoma ocorreu no segundo dia de pós-operatório em dois pacientes, que foram tratados com métodos que utilizaram o tubo de drenagem presente, não sendo necessária uma reintervenção cirúrgica. Nove pacientes (26,4%) apresentaram aumento de volume da área operada de 10 a 15 dias de pós-operatório, nos quais foi necessária a punção percutânea para a retirada de líquido − todos com aspecto seroso de cor amarela. Os volumes variaram de 150 a 530mL; foram necessárias de três a seis punções com o prazo máximo de 10 dias. Não foi anotado nenhum caso de infecção.
Quatro pacientes foram submetidos a uma nova reintervenção cirúrgica. Dois foram submetidos à enxertia de gordura autógena para a correção de imperfeições de contorno. Um caso apresentou defeito de relevo na porção inferior da prótese e foi submetido à cirurgia com anestesia local para adequação das dimensões do implante e consistiu na retirada de um fragmento de 5mm x 10mm na margem anterior e inferior da prótese. Em um caso foi necessária a retirada definitiva e a perda do resultado por queixa de dor crônica em rebordo costal, que não apresentou sinais inflamatórios e não foi possível estabelecer um diagnóstico; a queixa de dor desapareceu após a retirada do silicone. Os resultados foram considerados satisfatórios em 30 pacientes e insatisfatórios em 4. Destes quatro casos, três foram reclassificados como satisfatórios após 120 dias da realização da cirurgia de correção secundária. As figuras 1 e 2 ilustram dois casos de resultados considerados satisfatórios.
Figura 1 Paciente de 24 anos de idade portador de pectus excavatum com depressão na região torácica anterior medial submetido à cirurgia em 27 de novembro de 2000. (A) Aspecto em posição oblíqua esquerda. (B) Bloco de silicone de baixa dureza em forma de paralelepípedo antes de ser moldado. (C) Bloco de silicone já moldado antes de ser introduzido definitivamente. (D) Aspecto em posição oblíqua esquerda após 12 anos de pós-operatório
Os primeiros relatos de correção de pectus excavatum com uso de silicone (1970 e 1972) descrevem o emprego de um elastômero que era vulcanizado a temperatura ambiente, 24 horas antes da cirurgia, e preparado com base em molde do defeito ósseo existente.(4-6) Esse tipo de silicone foi banido no fim da década de 1980, pois a polimerização poderia provocar reações imprevisíveis no subcutâneo após sua implantação. Ele foi, então, substituído pelo uso de próteses de silicone sólido ou em forma de bolsas de conteúdo gelatinoso pré-moldadas confeccionadas com base nas medidas do relevo do defeito.(7,8)
Esses implantes apresentam duas características que dificultam o resultado estético final: sua reduzida maleabilidade requerendo vias de acesso extensas para possibilitar sua introdução e a impossibilidade de recortar o implante para realizar ajustes finais. Ao inserir a prótese, era frequente notar a não conformidade das medidas avaliadas com as dimensões reais necessárias.
Nos casos de uso de implantes de conteúdo gelatinoso, a discrepância de medidas resulta em bordas visíveis e palpáveis ao exame e que são mais evidentes durante os movimentos dos membros superiores.(9) O aspecto final externo mostra uma pele retificada e sem relevo consequente ao tipo de superfície dos implantes.
Por essa razão, passamos a utilizar blocos em forma de paralelepípedos que poderiam ser recortados até atingirem as dimensões e o contorno semelhante ao espaço interno dissecado durante o ato operatório. Dessa maneira, é possível imitar os contornos externos e ajustar a superfície posterior do implante às irregularidades de contorno ósteo-cartilaginoso, tornando a prótese menos sujeita a movimentação.
Em 1994, passou a ser fabricado o silicone sólido de dureza 10 Shore A, material com maleabilidade muito maior que a dos outros implantes utilizados, possibilitando vias de acesso menores e facilidade na introdução (Figura 3). Isso permite a repetida inserção do bloco no espaço dissecado para avaliar o resultado intraoperatório. Esse tipo de material também permite a passagem de agulha e fio de sutura sem risco de laceração, o que possibilita a fixação da prótese. Os relatos de uso de silicone sólido pré-moldado sugerem a confecção de orifícios na prótese para ajudar na fixação ao permitirem a penetração de tecido de reparação e fibrose,(10) mas isso dificulta a execução de uma possível cirurgia secundária, como pode ser notado nos dois casos de cirurgias secundárias por nós efetuadas.
Figura 3 Ilustração da inserção de um implante já escavado facilitada pela maleabilidade do bloco de silicone de baixa dureza, o que permite a introdução por vias de acesso relativamente pequenas
O baixo índice de dureza do implante favorece o resultado estético, pois dificulta a identificação visual ou por meio da palpação na pele. O fato de poder ser recortado torna possível a adequação da altura e do relevo das margens laterais, imitando os arcos costais, o que promove um resultado mais natural.
A presença de líquido seroso no pós-operatório tardio tem sido descrito quando do uso de silicone em pacientes que apresentam pectus excavatum em porcentagens entre 31 e 65%.(9-11) Representou 26,7% dos casos por nós revistos e não comprometeram o resultado.
Os pacientes submetidos à enxertia de gordura foram os que apresentaram pequenas irregularidades nas bordas do sítio da prótese. No único caso de perda completa do resultado devido à retirada do implante por dor crônica não foi possível estabelecer o diagnóstico nem mesmo exame por visualização direta no intraoperatório da retirada.
A utilização de bloco de silicone sólido de índice baixo de dureza, de 10 a 30 Shore A, na correção cirúrgica de pectus excavatum nos pacientes do gênero masculino pode favorecer um melhor resultado estético, já que é possível modelar o bloco de silicone na fase intraoperatória até atingir as dimensões e o relevo desejados antes do término do ato cirúrgico. A maleabilidade desse material permite a utilização de uma via de acesso cirúrgica pequena, que vai ser menos traumatizada nas múltiplas passagens do implante durante o ato operatório, necessárias para adequar o formato final.