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Utilização do paradigma da complexidade no campo da saúde: revisão de escopo

Utilização do paradigma da complexidade no campo da saúde: revisão de escopo

Autores:

Maria de Fátima Cordeiro Trajano Cabral,
Angelina Lettiere Viana,
Daniela Tavares Gontijo

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2020 Epub 27-Fev-2020

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0235

RESUMEN

Objetivo

Analizar el conocimiento sobre el uso del paradigma de la complejidad en la investigación en salud.

Métodos

Revisión de alcances con artículos publicados en los últimos 10 años en inglés, español o portugués, utilizando el paradigma de complejidad de Edgar Morin.

Resultados

De un total de 302 publicaciones, se tomaron 54, transcurridas las etapas de selección. La mayor parte de los estudios se realizaron en Brasil; con publicaciones de 2017; con producciones inherentes a una actividad profesional; artículos empíricos y cualitativos. En el 47.05% de los artículos, no se realizó la triangulación de las técnicas de recolección de datos; se hizo referencia a 20 obras del autor y el 83.33% utilizó el paradigma de la complejidad como marco teórico.

Conclusión

Se advierte un uso tímido del paradigma de la complejidad en la investigación en salud y se destaca la necesidad de una mayor apropiación conceptual en su uso como marco teórico en la investigación.

Palabras clave:  Salud; Investigación; Conocimiento; Posmodernismo; Filosofía

INTRODUÇÃO

Ao longo da existência humana, diferentes formas de pensar acompanharam o ser humano na busca para desvendar os mistérios que assolam o mundo e o universo, assim como sempre houve a intenção de alcançar o conhecimento mais próximo da realidade, impulsionando, dessa forma, o desenvolvimento da ciência. Neste processo, no campo da saúde, durante muito tempo, a ciência desenvolveu-se sob uma ótica cartesiana1 e sem considerar, na maioria das vezes, a multicausalidade que se afixa nessa área.

Na atualidade, compreende-se que a saúde é determinada por aspectos sociais, econômicos, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos; assim, há que se considerar não apenas a ausência de doenças, mas um estado cujos condicionantes e determinantes sociais podem interferir positivamente ou negativamente na saúde das populações.2 Dessa forma, entende-se a saúde como um fenômeno complexo, que necessita de diversas perspectivas para sua compreensão, com novas formas de refletir os processos em saúde, a fim de promover a mudança de uma perspectiva hegemônica e centralizadora para o diálogo entre as inúmeras conexões que envolvem a saúde das coletividades e todos os atores sociais participantes.3 Essas novas formas de pensar conduziram práticas e modelos e levaram ao surgimento de novos paradigmas.

Diferente da teoria que trata de um conjunto de regras específicas à determinada área, a palavra “paradigma” significa “mostrar”, “apresentar” ou até mesmo “confrontar” e é conceito das ciências e da epistemologia que define um exemplo típico ou modelo de algo.4 É nessa perspectiva, ampliada de contemplar fenômenos multidimensionais, que nasceu o paradigma da complexidade (PC), discutido por diferentes autores, entre eles, Edgar Morin, e foco de atenção no presente estudo. O autor faz uma divisão entre dois paradigmas, o simplificador e o complexo. O paradigma simplificador (PS), sem dúvida, permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e marcou o desenvolvimento da ciência, contribuindo para avanços importantes, inclusive no campo da saúde. No entanto, o PS também produziu uma visão simplificada e isolada do universo e começou a mostrar algumas deficiências no final do século XX.5

O PS controlou - e ainda controla - a ciência, segundo alguns princípios, como a disjunção, a redução e a fragmentação, tornando-se limitado, pois separou as distintas áreas de conhecimento, excluiu a aleatoriedade e concebeu um universo estrito e determinista ao eliminar o observador do conjunto.6 O PC, por sua vez, rompe a separação entre ciência e senso comum, pois entende que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo, e que o todo depende das partes para reconhecer os fenômenos multidimensionais que permeiam a teia de relações entre indivíduo/sociedade/ambiente.5

A palavra “complexidade” deriva-se de complexus, que significa ligação ou tecidura, denotando as inúmeras interações e retroações sobre a vida de um modo geral.7 O PC desenvolve e permite um diálogo entre as dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológicas, e históricas daquilo que é humano.8 Morin estabeleceu sete princípios norteadores do PC, sendo eles: o princípio sistêmico, hologramático, retroativo, recursivo, auto-eco-organizativo, dialógico e a reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.9 Vale salientar que o autor discute e articula a importância do trabalho de diversas áreas de conhecimento e atuação por meio da transdisciplinaridade, bem como o cuidado ecológico e planetário com o mundo, além da importância dada aos processos de ordem/desordem/organização, fazendo intersecções na complexidade.8

No meio científico, a utilização de referenciais teóricos se torna cada vez mais indispensável para embasar pesquisas na área da saúde, pois auxilia no desenvolvimento de conhecimento generalizável e robusto.3 Neste sentido, compreende-se a importância de discutir a saúde situando o sujeito e objeto no universo,6 valorizando suas interrelações e entendendo que a saúde é um processo multidimensional, que necessita de um olhar complexo para sua compreensão. Por isso, o PC pode ser um referencial importante para compreensão do conceito ampliado de saúde e dos princípios do Sistema Único de Saúde. Desta forma, o objetivo desta revisão é analisar o estado atual do conhecimento sobre a utilização do paradigma da complexidade, segundo Edgar Morin, em pesquisas no campo da saúde publicadas no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018.

MÉTODO

O estudo de revisão de escopo (scoping study ou scoping review), que é uma forma de síntese de conhecimento, aborda uma questão de pesquisa exploratória e objetiva mapear conceitos-chave, tipos de evidências e lacunas na pesquisa relacionada a um campo emergente, bem como esclarecer as definições de trabalho e/ou os limites conceituais de um tópico.10-12 Adotou-se a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute,13 descrita em cinco fases: Identificação da questão de pesquisa; Identificação de estudos relevantes; Seleção dos estudos; Mapeamento dos dados; e Agrupamento, síntese e relato dos resultados. Identificaram-se, como questões norteadoras: Quais as características das publicações científicas que utilizaram o PC no campo da saúde? De que forma os pesquisadores abordaram o PC nas pesquisas?

Foram elegíveis para inclusão estudos publicados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, estudos empíricos e teóricos publicados em Inglês, Espanhol ou Português e que utilizaram o PC na perspectiva do autor Edgar Morin. Excluíram-se: estudos que não abordassem conteúdo relevante para o alcance do objetivo; estudos repetidos; cartas ao editor, editoriais, estudos em fase de projeto, resumos publicados em anais e textos que não estavam disponíveis na íntegra para acesso durante a realização da pesquisa. A revisão de escopo não prevê a exclusão de estudos segundo critérios de qualidade metodológica.13

A busca da produção científica foi realizada em periódicos indexados nas bases de dados BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), MEDLINE/PubMed (US National Library of Medicine), Web of Science, SCOPUS/Elsevier e CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature). A busca eletrônica realizou-se em março de 2019, de acordo com as palavras-chave: Health; Paradigm of complexity; Complex thought; Complex thinking; Theory of complexity e Edgar Morin. Optou-se pelo uso dessas palavras-chave, pois os termos referentes ao paradigma da complexidade ainda não são descritores controlados do DeCS/ MeSH. Utilizou-se o operador booleano (AND) e, de acordo com cada base de dados, também foram utilizados os sinais de parênteses (), asterisco * ou aspas “” para auxiliar na busca. Utilizaram-se os seguintes cruzamentos: (1) paradigm of complexity AND health, (2) complex thougth AND health, (3) complex thinking AND health, (4) theory of complexity AND health e (5) Edgar Morin AND health.

A seleção dos artigos científicos foi realizada em quatro etapas: a) busca formada pela combinação das palavras-chave contidas no título, resumo e descritores ou palavras-chave dos artigos recuperados; b) lista de referências dos artigos selecionados e considerados relevantes no contexto estudado que foram pesquisados como estudos adicionais, acessados pelo Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); c) excluíram-se os artigos duplicados e que não fossem pertinentes ao objetivo do estudo; d) os artigos pré-selecionados foram lidos na íntegra, identificando-se, com mais precisão, a sua relevância para a pesquisa, o que resultou no número final de textos incluídos na revisão.

Realizou-se a extração de dados com preenchimento do instrumento de coleta de dados e posterior digitação em um banco de dados, no software Excel, versão 2016, do pacote Office da Microsoft. Foram identificados e extraídos os dados referentes à profissão dos autores, ano de publicação, país de origem, país do periódico, tipo de produção (uni ou multiprofissional), tipo de estudo, amostra/população, temas principais do estudo (área da saúde), resultado, discussão e considerações do estudo. Os achados quantitativos foram agrupados por meio de estatística descritiva, e os dados narrativos foram organizados com auxílio do software Atlas.ti versão 7.0 e codificados com base no PC. A redação do artigo foi guiada pelo checklist PRISMA-ScR para revisões de escopo.12

RESULTADOS

A busca nas bases de dados resultou em 280 ocorrências e foram incluídos, a partir da análise das referências, mais 22 textos, totalizando 302 estudos. Entre estes, encontraram-se 112 duplicações. Após a leitura dos títulos, resumos e descritores dos 190 estudos, 119 foram excluídos, resultando em 71 textos submetidos à leitura integral, cuja análise resultou em 54 estudos, que compõem a revisão de escopo. A exclusão dos estudos foi guiada pelos critérios de exclusão. A Figura 1 especifica os resultados de cada etapa da análise, seguindo o modelo PRISMA.14

Fonte: PRISMA 2009 Flow Diagram.

Figura 1 - Diagrama do processo de inclusão e exclusão dos estudos - Recife, PE, Brasil, 2019. 

Dos 54 estudos incluídos na revisão de escopo, 92,59% (50) foram realizados no Brasil, 3,70% (02) na Venezuela, 1,85% (01) na Argentina e 1,85% (01) na Colômbia. Segundo o país de origem do periódico, 87,03% (47) são periódicos brasileiros, 3,70% (02) venezuelanos, 3,70% (02) colombianos, 1,85% (01) americano, 1,85% (01) cubano e 1,85% (01) mexicano. Em relação ao idioma dos estudos, 85,18% (46) estão publicados em português, 7,40% (4) em espanhol e 7,40% (4) em inglês. Quanto ao ano de publicação, a distribuição em um intervalo de 10 anos apresentou a seguinte frequência: 2009 - 03, 2010 - 06, 2011 - 03, 2012 - 06, 2013 - nenhuma, 2014 - 02, 2015 - 05, 2016 - 10, 2017 - 12 e 2018 – 07 estudos.

O autor valoriza a atuação conjunta de diferentes áreas profissionais para compreender problemas complexos, assim, analisou-se a profissão dos autores dos estudos para identificar autores de uma única profissão (produção uniprofissional) ou de duas ou mais profissões (produção multiprofissional). A forma de produção uniprofissional foi a mais frequente, com 70,62% (43), e a multiprofissional, com 20,37% (11). Em relação ao primeiro autor citado nos estudos, a categoria profissional que mais publicou foi a de enfermagem, com 77,77% (42) do total de artigos, seguida pela categoria de psicologia, com 7,40% (04), a de medicina, com 5,55% (03) e de nutrição, com 3,70% (02); as categorias de biomedicina, farmácia e odontologia tiveram, cada uma, um artigo como primeiro autor. A Tabela 1 descreve a distribuição das publicações quanto ao tipo de estudo, método, técnica de coleta e técnica de análise.

Tabela 1 - Distribuição das publicações quanto ao tipo de estudo, método, técnica de coleta e técnica de análise - Recife, PE, Brasil, 2019. 

Tipos de estudo e métodos N %
1. Empírico 34 62,96
1.1. Delineamento qualitativo 34 62,96
1.1.1 Técnica de coleta de dados
Entrevista 34 62,96
Observação 13 24,07
Documental 07 12,96
Grupo focal 04 7,40
Diário de campo 02 3,70
Roda de conversa 01 1,85
Oficinas 01 1,85
1.1.2 Técnica de análise de dados
Análise de conteúdo temática (Bardin) 12 22,22
Axial, aberta e seletiva (Teoria Fundamentada nos dados) 07 12,96
Hermenêutica dialética (Minayo) 03 5,55
Mapas mínimos (Sluzki) 02 3,70
Análise qualitativa (Creswell) 01 1,85
Proposições e contra-proposições (Yin) 01 1,85
Outras análises interpretativas 08 14,81
2. Teórico 20 37,03
2.1 Reflexivo 11 20,37
2.2 Ensaio 07 12,96
2.3 Revisão 02 3,70

O autor salienta a importância de visualizar o objeto sob olhares e formas diferentes. Assim sendo, é pertinente um levantamento quanto à triangulação de técnicas de coleta de dados utilizadas nos 34 estudos empíricos e qualitativos, dos quais 47,05% (16) não realizaram a triangulação - uma única técnica de coleta, já 32,35% (11), utilizaram duas técnicas de coleta e 20,58% (07) três técnicas de coleta de dados. Os tamanhos das amostras/populações dos estudos empíricos variaram de 05 a 66, com média de 24,41 participantes. A investigação dos temas mais frequentes dos artigos foi realizada com base nos descritores citados nos artigos, o que resultou na divisão em 19 áreas temáticas. A Tabela 2 apresenta a relação de aparição de cada área temática.

Tabela 2 - Frequência e percentual da aparição das áreas temáticas principais dos estudos de acordo com os descritores citados - Recife, PE, Brasil, 2019. 

Áreas temáticas N %
Enfermagem 09 16,66
Saúde da criança e do adolescente 08 14,81
Formação profissional em saúde 06 11,11
Saúde mental 04 7,40
Saúde pública 04 7,40
Atenção Primária em Saúde 03 5,55
Saúde da mulher 03 5,55
Ética em saúde 02 3,70
Nutrição 02 3,70
Qualidade e estilo de vida 02 3,70
Saúde ambiental 02 3,70
Saúde do idoso 02 3,70
Gestão em saúde 01 1,85
Interdisciplinaridade 01 1,85
Método científico 01 1,85
Saúde coletiva 01 1,85
Saúde indígena 01 1,85
Serviços médicos de emergência 01 1,85
Tecnologia da informação em saúde 01 1,85

Realizou-se a avaliação das obras do autor sobre o PC, referenciadas nos estudos, o que totalizou 20 obras, das quais 14 foram de autoria individual e seis em parceria com outros autores, evidenciadas na Tabela 3.

Tabela 3 - Frequência e percentual das obras de Edgar Morin sobre a complexidade referenciadas nos estudos - Recife, PE, Brasil, 2019. 

Obras N %
Introdução ao pensamento complexo 23 42,59
Ciência com consciência 15 27,77
A cabeça bem-feita: repensar a reforma, repensar o pensamento 14 25,92
Os setes saberes necessários à educação do futuro 14 25,92
O método 1: a natureza da natureza 06 11,11
A religação dos saberes: o desafio do Século XXI (parceria) 04 7,40
O método 5: a humanidade da humanidade 04 7,40
Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana (parceria) 02 3,70
O método 3: o conhecimento do conhecimento 02 3,70
O método 4: as ideias, habitat, vida, costumes, organização 02 3,70
O método 6: ética 02 3,70
A inteligência da complexidade (parceria) 01 1,85
A via para o futuro da humanidade 01 1,85
Amor, poesia, sabedoria 01 1,85
Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação 01 1,85
O método 2: a vida da vida 01 1,85
Para sair do século XX 01 1,85
Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar (parceria) 01 1,85
Terra-pátria (parceria) 01 1,85
Uma política de civilização (parceria) 01 1,85

Quanto à utilização do PC nos estudos, 83,33% (45) o utilizaram como referencial teórico, reportando seus conceitos, características e princípios; 9,25% (05) citaram o PC em apenas um ou dois parágrafos nas discussões dos estudos; 3,70% (02) abordaram exclusivamente o PS, sem citar o PC; 1,85% (01) citou somente o conceito de transdisciplinaridade; e 1,85% (01) citou somente o conceito de cuidado ecológico. No processo da pesquisa, extraíram-se dos textos os conceitos, características e princípios do paradigma PS e do PC, por meio de uma análise com base no referencial da complexidade, apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 - Distribuição dos conceitos, características, princípios e articulações do paradigma simplificador e paradigma da complexidade codificados nos estudos - Recife, PE, Brasil, 2019. 

Conceitos, características, princípios e articulações N % Estudos
1. Paradigma simplificador
Conceito 15 27,77 1, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 19, 23, 30, 37, 49 e 50
Características 34 62,96 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 30, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 40, 41, 47, 48, 49, 50, 51 e 52
2. Paradigma da complexidade
Conceito 32 59,25 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 24, 26, 27, 28, 30, 31, 35, 36, 39, 41, 42, 47, 48, 49, 51, 52 e 53.
Características 33 61,11 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 17, 18, 19, 10, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 31, 36, 37, 40, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 51, 52 e 54
3. Princípios da Complexidade
Sistêmico 06 11,11 1, 3, 10, 16, 18 e 24
Hologramático 18 33,33 4, 6, 10, 15, 17, 18, 19, 22, 24, 25, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 49 e 54
Retroativo 03 5,55 10, 18 e 37
Recursivo 16 29,62 4, 10, 15, 17, 18, 22, 24, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 48, 49 e 54
Auto-eco-organização 07 12,96 5, 7, 9, 10, 17, 18 e 30
Dialógico 26 48,14 4, 10, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 22, 24, 25, 28, 29, 30, 36, 37, 38, 41, 43, 45, 49, 50, 51, 52, 53 e 54
Reintrodução do conhecimento em todo conhecimento 02 3,70 10 e 18
4. Articulações
Transdisciplinaridade 11 20,37 1, 7, 11, 13, 22, 23, 35, 42, 47, 52 e 54
Ordem/desordem/organização 10 18,51 1, 4, 7, 20, 22, 30, 37, 40, 51 e 54
Cuidado ecológico/planetário 02 3,70 5 e 16

DISCUSSÃO

Os resultados apontam diferentes aspectos cuja análise contribui para a compreensão de como o referencial proposto por Edgar Morin é utilizado no campo da saúde. O Brasil se constitui como o país com maior frequência de publicação do referencial. Acredita-se que o PC encontrou, na América Latina, um solo fértil, por se tratar de uma abordagem que faz um convite a criticar e reconectar o pensamento e a ação. A complexidade contempla a possibilidade de construção conjunta de elementos previamente distintos ou diferentes, para uma compreensão global dos fenômenos,5 aplicando-se ao entendimento da saúde como um fenômeno complexo em sua esfera individual, social e estrutural,15,16 fator esse que pode facilitar sua utilização em pesquisas realizadas em vários países. As pesquisas envolvendo o PC tornaram-se uma categoria com grande presença em diversas disciplinas na América Latina.17

Na formação dos autores dos estudos, a produção uniprofissional prevaleceu e, neste sentido, é importante refletir que esta conformação caminha na contramão do PC, que valoriza a atuação entre diferentes categorias, quebrando a lógica da hiperespecialização e da centralização do conhecimento em disciplinas, com vistas a possibilitar a transdisciplinaridade.9 Frente à categoria profissional mais frequente como primeiro autor, destaca-se a Enfermagem e infere-se que isso ocorra devido ao fato de a Enfermagem, em suas Diretrizes Curriculares Nacionais, evidenciar a importância de o profissional ter um perfil apto para trabalhar em equipe multiprofissional, voltada ao Sistema Único de Saúde e que compreenda a determinação social do processo saúde-doença e, principalmente, o conceito ampliado de saúde.18

Quanto ao método dos estudos, destacam-se os teóricos que dialogam com o referencial da complexidade, ao reconectar os saberes teóricos e empíricos, sem detrimento das partes.5 Os estudos teóricos na saúde podem subsidiar futuras reflexões, realização de estudos empíricos e em diferentes práticas em saúde. Os estudos empíricos utilizaram o método qualitativo e observou-se que, embora se tenha a utilização de diferentes técnicas, em 47% dos estudos, não foi adotada a triangulação das técnicas de coleta de dados. A importância desse dado reflete-se no fato de que, no PC, teoria e método são dois componentes indispensáveis. O método caracteriza-se pela atividade pensante e consciente do sujeito (pesquisador), implicado na necessidade de olhar para o objeto de forma articulada, evitando a simplificação dos dados.8 Assim, o método em pesquisas com o referencial teórico do PC necessita estar em perfeita consonância com esse referencial, de forma a contemplar a diversidade do objeto de estudo. Essa contextualização se reflete no uso da triangulação de várias técnicas, com a finalidade de dar mais confiabilidade aos resultados, com vistas a contemplar a multidimensionalidade dos dados.19-21

A utilização do referencial teórico do PC deu-se em várias áreas da saúde, dado este que corrobora com a concepção da multidimensionalidade dos temas. O PC se propõe a reunir, contextualizar, globalizar e, ao mesmo tempo, reconhecer o singular, o individual e o concreto. Não se reduz a uma única área, mas permite a comunicação, com sua utilidade para além da compreensão dos problemas organizacionais, sociais e políticos, e também o esclarecimento da multidimensionalidade do ser humano e do mundo.22 Em relação às obras do autor, evidenciou-se que a maioria dos estudos citou, de forma expressiva, quatro obras, sendo elas: “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, repensar o pensamento”, “Ciência com consciência”, “Introdução ao pensamento complexo” e “Os setes saberes necessários à educação do futuro”. O autor possui uma vasta bibliografia sobre a complexidade, e tal dado exprime a importância de aprofundamento em suas obras para compreender o PC, visto que isso corrobora a qualidade da produção.3,23

A maioria dos estudos utilizou o PC como referencial teórico, reportando seus conceitos, características e princípios. No entanto, é imprescindível enfatizar a necessidade da utilização apropriada e aprofundada do PC pelos pesquisadores, conectando a teoria à metodologia, à epistemologia e até mesmo à ontologia.5 Assim, o referencial teórico permite o conhecimento, mas não pode ser considerado a solução absoluta.8

Os estudos 1, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 19, 23, 30, 37, 49 e 50 que trouxeram os conceitos sobre o PS trataram-no de forma negativa, sem mostrar os avanços científicos no campo da saúde ao longo do desenvolvimento da ciência, evidenciando-o como um paradigma limitado quanto aos problemas que envolvem a saúde. É importante lembrar que não se podem negar os avanços, em diversas áreas, promovidos sob o PS. No entanto, à medida que surgiram brechas no interior de cada paradigma isolado, possibilitaram-se aberturas para outros domínios, até então interditos, e através do quais se operaram as primeiras conexões para novas emergências teóricas.6 Assim, deve-se considerar que todas as formas de pensar têm seu valor, e que o PS também é necessário, mas deve ser relativizado, ou seja, pode-se aceitar a redução consciente que ele produz dos fenômenos sem, no entanto, acreditar que esta redução é a verdade simples e absoluta.5 O que o autor alerta quanto ao PS refere-se à validade absoluta que ele mesmo defende no que diz respeito à simplificação dos processos, os quais, na realidade, são complexos e inseridos em um contexto amplo de ligações e religações, que não é controlado.7

Ainda sobre o PS, grande parte dos estudos citou algum tipo de característica do PS (1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 30, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 40, 41, 47, 48, 49, 50, 51 e 52), como biologicista, centralizador, desarticulado dos saberes, hiperespecializado, fragmentador, mecanicista, mutilador, reducionista e tecnicista. Segundo o autor, em foco comandado pela disjunção, redução e fragmentação, o PS não escapa à alternativa mutilante de tentar explicar os fenômenos de forma simplista, desconsiderando toda a aleatoriedade que interfere no objeto, bem como distanciando-o do observador/sujeito.8 O equívoco do PS é optar por conceber os objetos simples, que obedecem às leis gerais, considerando qualquer objeto como uma máquina determinista, assim, escolhe o que é passível de controle e rejeita o incontrolável, ou seja, a própria humanidade e a existência. Dessa forma, considera como erro ou não científico tudo aquilo que não se encaixa no seu sistema simplificador.22

Os estudos que trouxeram os conceitos sobre o PC (estudos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 24, 26, 27, 28, 30, 31, 35, 36, 39, 41, 42, 47, 48, 49, 51, 52 e 53), descreveram-no como um modo associativo de compreender o mundo e as relações em saúde, as quais se estabelecem nele e através dele, contemplando a união de diferentes áreas de atuação profissional, saberes e dimensões e sua interdependência. Estes conceitos refletem o pensamento do autor sobre o PC, que considera que toda rede é formada de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados. Logo, possibilita respeitar as diferenças, distinguir e unir, bem como reconhecer os fenômenos de forma multidimensional.5 A complexidade parte do princípio de que não existem fenômenos simples, pois o fenômeno é um tecido de relações.22

Ainda foi abordado pelos estudos que, para contemplar a complexidade, há necessidade de uma mudança de pensamento, para que, dessa forma, se possa alcançar a mudança real de paradigma e de condutas. No entanto, a problemática da complexidade ainda é marginal no pensamento científico, epistemológico e filosófico.8 Assim, destaca-se a exigência da reforma do pensamento para que haja uma abordagem do contexto e do complexo, que liga e enfrenta as incertezas, substituindo a causalidade linear e unidirecional por uma causalidade em círculo e multirreferencial, a rigidez da lógica clássica pelo diálogo, capaz de conceber noções ao mesmo tempo complementares e antagonistas.9 No campo da saúde, principalmente, há uma necessidade urgente de mudança na forma de pensar e produzir saúde para conceber todos os fatores humanos, sociais e ambientais envolvidos no processo de saúde-doença.

Foram identificadas algumas características, tais como: a articulação de saberes e áreas, integralidade, intersetorialidade, multidimensionalidade e contexto (estudos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 17, 18, 19, 10, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 31, 36, 37, 40, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49, 51, 52 e 54). Diferente do que se pensa, o PC não é o contrário do PS. Ele opera a união da simplicidade e da complexidade das diferentes áreas de saber, não elimina a incerteza, mas liga as partes à totalidade ao prescrever, reunir tudo e distinguir ao mesmo tempo, sobretudo prioriza as emergências e as interferências como fenômenos multidimensionais construtivos do objeto por meio do exercício mental da criatividade.5,22

Quanto ao primeiro princípio do PC, o sistêmico, os estudos 1, 3, 10, 16, 18 e 24 o abordaram interligando a sociedade e o homem, considerando-os sistemas que interagem a todo o momento, recebendo influências e influenciando outros sistemas, em um contínuo. Assim, a ideia sistêmica, que se opõe à ideia reducionista, é que o todo do fenômeno é mais do que a soma das partes. Logo, se um sistema for dividido em partes, essas partes não possibilitarão conhecer o todo, uma vez que cada uma delas interage em si.9 Este princípio mostra que a saúde não deve ser visualizada de forma fragmentada, pois existem diferentes conexões que se relacionam a ela (indivíduo – sociedade - meio ambiente), portanto, é impossível compreendê-la considerando cada uma delas isoladamente, assim, é necessário considerá-las uma rede indissociável.

O segundo princípio, hologramático, foi evidenciado de forma que os sujeitos, implicados em qualquer processo complexo, faziam parte e continham o todo do conjunto (estudos 4, 6, 10, 15, 17, 18, 19, 22, 24, 25, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 49 e 54). Esse princípio está presente no mundo biológico e sociobiológico e associa que a menor unidade de um sistema guarda quase a totalidade da informação do todo representado. Um exemplo é a sociedade, que está presente em cada indivíduo - enquanto todo - através de sua linguagem, sua cultura e suas normas.8,9 Na saúde, isso possibilita entender a importância de valorizar cada ser humano envolvido dentro de um sistema, em relação intrínseca com outros subsistemas, e que as necessidades de saúde, enquanto únicas, ao mesmo tempo, expressam o reflexo da sociedade e do contexto em que está inserido.

O terceiro princípio, da retroação ou do círculo retroativo, foi citado como o rompimento da causalidade linear (estudos 10, 18 e 37). Este princípio permite o conhecimento dos processos autorreguladores, em que a causa age sobre o efeito, e o efeito age sobre a causa. Dessa forma, os processos reguladores são permitidos por inúmeras retroações.9 Pode-se refletir a saúde de uma pessoa como um conjunto de processos reguladores baseados em múltiplas retroações internas (organismo do indivíduo) e externas (contexto), saindo da ótica da causa e do efeito. Por isso, o estado de saúde/doença de uma pessoa tem influência do balanço negativo ou positivo da autorregulação.

Sobre o quarto princípio, da recursividade ou do círculo recursivo, os estudos 4, 10, 15, 17, 18, 22, 24, 30, 36, 37, 41, 43, 45, 48, 49 e 54 expressaram que os efeitos de um evento são, ao mesmo tempo, causadores e produtores do próprio processo em um ciclo. Este princípio ultrapassa a noção de regulação com as de autoprodução e autorregulação, cujos efeitos e produtos são necessários à sua própria causação e à sua própria produção.8,9 Analogicamente, em um sistema social, os indivíduos produzem a sociedade, que produz os indivíduos.5 Na saúde, essa ideia exige ultrapassar o olhar sobre causa e efeito para compreender que a saúde/doença é consequência de um movimento de vai e vem, em que tudo o que é produzido volta-se sobre o que se produz, em um ciclo, no qual ele mesmo é autoconstrutivo, auto-organizador e autoprodutor.

O quinto princípio, da autoeco-organização ou da autonomia/dependência, presentes nos estudos (5, 7, 9, 10, 17, 18 e 30), evidencia a capacidade que as organizações/estruturas/sociedades têm de se organizar e que a autonomia necessária para tal organização depende de suas necessidades em relação ao meio em que está inserido. Esse princípio vale especificamente para os seres humanos, que desenvolvem sua autonomia na dependência de sua cultura, e para as sociedades, que se desenvolvem na dependência de seu meio geológico. Logo, os seres vivos são seres auto-organizadores, que não param de se auto-produzir e, por isso mesmo, despendem energia para manter sua autonomia, que, ao mesmo tempo, é inseparável da dependência do meio ambiente.9 Este princípio permite enxergar o ser humano como um sistema aberto, que estabelece relação de autonomia-dependência com outro sistema aberto, o sistema de saúde. Portanto, a saúde do indivíduo vai depender também de todas as políticas de saúde, processos de empoderamento, capacidade de prover cuidado e busca de informação que o sistema de saúde permite, influenciando na tomada de decisão da pessoa sobre sua saúde.

O sexto princípio, dialógico, foi contextualizado nos estudos (4, 10, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 22, 24, 25, 28, 29, 30, 26, 37, 38, 41, 43, 45, 49, 50, 51, 52, 53 e 54) em nível de ideias, situações, ambientes ou características que, mesmo sendo antagônicas, possuíam interdependência e que, mesmo reciprocamente excludentes, são complementares. Diferente da palavra dialética, que implica contradição de princípios ou fenômenos, os quais, por meio do método dialético, fazem com que as dificuldades desapareçam, o princípio dialógico, ao contrário, é a eliminação da dificuldade de combate entre os antagônicos, uma vez que os antagônicos são necessários.8 Este princípio permite manter a dualidade na unidade, associa dois termos, ao mesmo tempo complementares e antagônicos, assumindo racionalmente a inseparabilidade de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno.5,9 Esse princípio permite observar como o sistema lida com os conflitos, as incertezas e as instabilidades microestruturais (indivíduo, profissionais de saúde) e macroestruturais (estrutura organizacional, políticas públicas, condições socioeconômicas). No entanto, essa relação dialógica de instabilidade/estabilidade do sistema é necessária para alcançar sua organização e, consequentemente, um atendimento integral à saúde.

O sétimo princípio, da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento, foi conceituado como o conhecimento que pode ser compreendido por meio de distintas formas, situações ou pessoas que nele estão envolvidas por meio de interações e, a partir destas, o conhecimento será construído e reconstruído (estudos 10 e 18). Assim, o observador deve se integrar na sua observação e na sua concepção, ou seja, é a restauração do sujeito na reconstrução do conhecimento.8,9 O Brasil é um país com diferentes características socioeconômicas e culturais, assim, é de suma importância a utilização desse princípio para considerar que, em cada região, o sistema de saúde se organizará de formas diferentes. Assume-se que o conhecimento da situação de saúde pode ser compreendido de modos distintos, dependendo das situações e pessoas envolvidas e na interação entre elas, assim, o conhecimento pode ser construído e reconstruído.

Edgar Morin também estabeleceu articulações dentro da complexidade quanto a alguns temas: cuidado ecológico/planetário, a ordem/desordem/organização e a atuação transdisciplinar. Os dados sobre a transdisciplinaridade explicitaram este conceito a partir do atravessamento das fronteiras disciplinares, aproximando-se de um ponto de fusão e unificação que conduz a uma perspectiva holista, tratando-se de um salto em relação à multi, inter e pluridisciplinaridade (estudos 1, 7, 11, 13, 22, 23, 35, 42, 47, 52 e 54). Dessa forma, deve-se levar em conta tudo o que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ver em que meios elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se. Ao mesmo tempo, não se pode demolir o que as disciplinas criaram. É preciso que ela seja ao mesmo tempo aberta e fechada.9 Assim, a transdisciplinaridade nasce para possibilitar esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas, às vezes, com tal virulência que as deixam em transe.9 Na perspectiva transdisciplinar, a atuação dos profissionais das diferentes áreas que atuam na saúde deve ser permeada pelo trabalho em equipe baseado no reconhecimento das competências de seus componentes. Além disso, é necessário que haja uma cooperação mútua para resolução dos problemas de saúde da população, com uma articulação entre as áreas de conhecimento para executar o cuidado em saúde. Nessa abordagem, discute-se a importância das práticas colaborativas e interprofissionais na formação e atuação em saúde, com vistas a atender as necessidades de saúde local.24,25

Quanto ao tema ordem/desordem/organização, os estudos 1, 4, 7, 20, 22, 30, 37, 40, 51 e 54 evidenciaram este conceito ao mencionar que o universo é resultado dos fenômenos de ordem e desordem em busca de uma auto-organização sistêmica. Vale destacar que a complexidade da relação dessa tríade surge, pois, quando se constata que fenômenos desordenados são necessários, em certos casos, para a produção de fenômenos organizados, os quais contribuem para o crescimento da ordem; assim, as organizações têm necessidade de ordem e de desordem.5 Desta forma, com a necessidade de pensar conjuntamente, em sua complementaridade, sua concorrência e seu antagonismo, as noções de ordem e desordem levantaram exatamente a questão de pensar a complexidade da realidade física, biológica e humana.8 No campo da saúde, este princípio materializa-se em diferentes níveis: no campo individual, enquanto organismo vivo, nas suas relações para com o meio ambiente, ou ainda nas suas relações com o sistema de saúde, incontáveis fenômenos de ordem e desordem interagem de forma a alcançar um determinado equilíbrio, com vistas a uma organização do estado de saúde.

Por fim, no que se refere ao cuidado ecológico/planetário, os estudos 5 e 16 focaram na importância de o ser humano compreender a complexidade ecossistêmica do universo, proteger e cuidar, pois, dessa forma, também asseguraria o futuro da humanidade. Para o autor, a noção de ecossistema significa o conjunto das interações entre as populações vivas no seio de uma determinada unidade geofísica, constituindo uma unidade complexa de caráter organizador,9 logo, natureza e humanidade coexistem em interações complexas, e a forma como estas se dão repercutirá no futuro do planeta e, consequentemente, na sobrevivência da humanidade. Compreende-se que a humanidade e o meio ambiente coexistem em interações complexas, uma vez que a forma como estas ocorrem, repercute nas questões de saúde da população por meio dos desequilíbrios nesse binômio, bem como pelos fatores condicionantes e determinantes em saúde, que têm relação intrínseca com o ambiente. Esse olhar sobre o cuidado ecológico e planetário corrobora o tema da saúde global, ressaltando a importância de a abordagem em saúde ser mais abrangente e centrada nas pessoas e nos ambientes.26,27

CONCLUSÃO

Esta revisão possibilitou conhecer o estado da arte atual sobre o tema, sendo os artigos analisados majoritariamente brasileiros, em que os pesquisadores, em sua maioria, utilizaram, pelo menos, algum conceito do paradigma da complexidade em estudos empíricos, conduzidos pelo método qualitativo, com destaque para os pesquisadores da categoria profissional da enfermagem.

No panorama geral, apesar de geralmente mencionado, observou-se ainda uma tímida utilização do paradigma da complexidade nas pesquisas no campo da saúde, de forma que as pesquisas que utilizam este referencial necessitam de maior aprofundamento, uma vez que o referencial teórico da complexidade incita a reflexões substanciais no que diz respeito a entender a saúde como um fenômeno complexo, percebendo-a como uma rede formada por diversos atores sociais, que interagem entre si e com o meio ambiente.

Como limitações do estudo, cita-se a não inclusão de artigos no idioma francês, língua nativa do autor estudado, por uma barreira de tradução das autoras, bem como de artigos em outros idiomas; além disso, o recorte dado ao objetivo do estudo, em consonância com o desenho metodológico, acabou não contemplando outras análises específicas, que se tornam uma sugestão para futuros estudos, com outros recortes metodológicos, como quais os fenômenos estão sendo estudados na saúde à luz da complexidade e como o referencial tem ajudado em sua compreensão.

Portanto, percebe-se o paradigma da complexidade como um referencial teórico bastante promissor para subsidiar pesquisas na área da saúde, uma vez que entender como esse referencial é utilizado nas pesquisas permite refletir que há uma necessidade de aprimoramento teórico para sua utilização, bem como que seus princípios podem ser contextualizados na formação dos profissionais de saúde para produção de práticas multidimensionais que contemplem as reais necessidades dos indivíduos, famílias e coletividades.

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