versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.8 Rio de Janeiro ago. 2019 Epub 05-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018248.28962017
A queda é uma síndrome geriátrica e pode gerar consequências graves comprometendo a saúde e qualidade de vida da pessoa idosa. Além disso, representa um problema na prática em geral, devido à sua alta prevalência1. No Brasil, a prevalência de quedas é de 27,6% em idosos que vivem na comunidade2. Queda é definida como “um evento inesperado no qual a pessoa vai ao chão ou a um nível inferior”3.
Queda envolve fatores de risco que podem ser classificados em intrínsecos e extrínsecos4. De forma mais detalhada, os fatores intrínsecos e extrínsecos podem ser classificados em quatro dimensões: biológicos, socioeconômicos, comportamentais e ambientais5.
Os biológicos abarcam características dos indivíduos que são pertinentes ao corpo humano e algumas delas não são modificáveis, como por exemplo, sexo, idade e etnia. Também estão associados às alterações fisiológicas e às condições próprias das pessoas idosas, tais como fraqueza muscular, alteração da marcha, instabilidade postural, aletrações cognitivas, limitação funcional, défict visual, doenças crônicas e depressão4-7. Fatores de risco comportamentais incluem o uso de diversos medicamentos, uso de álcool, comportamento sedentário, medo de cair, uso de calçados inadequados e, uso de dispositivos auxiliares de marcha4,5. Os fatores de risco socioeconômicos integram fatores como baixa renda, baixo nível de escolaridade, condições inadequadas de moradia, interação social prejudicada e acesso limitado à saúde5. E, os fatores ambientais incluem perigos domésticos e do ambiente público como superfícies escorregadias, tapetes, iluminação deficiente, ausência de barras de apoio nos banheiros e corredores, via pública com irregularidades e mal conservada5,8.
A maioria das quedas apresentada pelas pessoas idosas resulta de uma interação complexa entre os fatores de risco, com comprometimento dos sistemas envolvidos na manutenção do equilíbrio4. O evento queda pode trazer várias consequências como lesões, fraturas, incapacidades funcionais, perda da independência, institucionalização e até, mesmo, a morte4. Embora caracterizem grave problema de saúde pública, quedas em pessoas idosas podem ser prevenidas, representando grandes possibilidades para os profissionais de saúde e também para pesquisadores no sentido de elaborar e implementar intervenções na prevenção das mesmas.
Contudo, empregar tais estratégias de prevenção, implica em ter um instrumento de rastreamento ou avaliação do risco de quedas em pessoas idosas. No cenário da atenção primária, profissionais de saúde requerem instrumentos que os possibilitem identificar o risco de quedas. Ou seja, necessitam de um instrumento simples, porém consistente, que identifique idosos com menor e maior risco para quedas e, assim, possam desenvolver estratégias para a prevenção de quedas nesta população, de forma que priorize as com maior risco.
Embora haja certo consenso na literatura científica específica a respeito dos fatores de risco para quedas na comunidade; uma avaliação assertiva desses fatores de riscos nas pessoas idosas torna-se relevante. Ter um instrumento disponível e válido poderá favorecer a identificação dos mesmos e, a tomada de decisão mais adequada com relação às propostas de intervenções de prevenção de quedas das pessoas idosas na comunidade; tendo em vista a preservação da sua qualidade de vida, a manutenção de sua segurança, a não institucionalização e, consequentemente redução de custos para a atenção secundária e terciária.
Face ao exposto, o objetivo deste estudo foi de avaliar a validade de critério concorrente da Ferramenta de Rastreio de Risco de quedas (FRRISque) em pessoas idosas que vivem na comunidade.
Trata-se de um estudo do tipo Screening Avaliativo9. A FRRISque foi desenvolvida em estudo anterior10,11 e avaliada com relação a validade de face, de conteúdo e semântica11. Antes denominada EARQUE (Escala de Avaliação de Risco de Quedas), tal instrumento passou a se chamar FRRISque considerando que o termo rastreamento é a identificação de pessoas com maior risco de quedas, enquanto avaliação corresponde à identificação de fatores que aumentam o risco de uma queda12. Ou seja, a referida escala discrimina pessoas da comunidade com menor e maior risco de quedas e, pode desencadear uma avaliação mais abrangente, mais detalhada. A FRRISque envolve fatores de risco para quedas, sendo eles biológicos, comportamentais, sociais e econômicos.
Esse estudo foi desenvolvido em Alfenas-MG, o qual possui uma população de 79.222 habitantes, sendo 9.113 pessoas idosas, o que representa 12,5% da população total13. Tendo em vista que o instrumento foi desenvolvido para ser aplicado por profissionais de saúde, optou-se por realizar a aplicação do mesmo no domicílio dos idosos cadastrados nas unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF).
A população do estudo foi definida com base no universo de idosos inscritos nas 14 unidades de ESF da zona urbana de Alfenas-MG. A partir de uma listagem de idosos cadastrados nas unidades de ESF, obteve-se acesso ao número total de sujeitos por unidade. Definiram-se como campo de estudo quatro unidades de ESF pelo fato de possuir o maior número de idosos, um total de 1826 sujeitos, e por ser campo de prática e de ensino de maior proximidade da pesquisadora principal.
A princípio, definiu-se que a amostra deste estudo seria composta por 1000 pessoas idosas selecionadas por meio de um processo de amostragem aleatória estratificada com partilha proporcional. Foi utilizado um adicional de 10% para perdas e recusas. Nunnaly14 refere não ser possível dizer, antecipadamente, quantos sujeitos são necessários para obter dados para validação dos itens de um instrumento de medida. No entanto, prescreve o mínimo de 300 casos, preferencialmente 1000 ou mais, e alerta que, se não houver pelo menos cinco casos por item, o resultado pode ser enganoso no processo de análise estatística.
O número de idosos retirado de cada estrato foi de 334 na ESF 1 (total de 555 idosos), 293 na ESF 2 (total de 486 idosos), 255 na ESF 3 (total de 423 idosos) e de 218 na ESF 4 (total de 362 idosos). Dos 1100 idosos sorteados, 28 não aceitaram participar da pesquisa, 33 faleceram, 46 mudaram de endereço e 139 apresentaram um dos critérios de exclusão como alterações cognitivas, fratura em membros inferiores, perda total da visão e realização de artroplastia de quadril e joelho nos últimos três meses. Tendo em vista a obtenção de uma amostra representativa, a dificuldade de recrutar pesquisadores de campo e ao término do prazo estimado para coleta de dados não foram realizados novos sorteios. Dessa forma, a amostra final foi composta por 854 participantes.
Os idosos selecionados para compor esta amostra se enquadraram nos seguintes critérios de elegibilidade: ter idade igual ou superior a 60 anos; ser consciente, orientado e capaz de interagir durante a entrevista e ser capaz de se locomover mesmo que utilize algum dispositivo de auxílio para marcha (andador, bengala). Foram excluídos da amostra idosos com alterações cognitivas detectáveis pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM)15, doença infecciosa em fase aguda, fraturas nos membros inferiores ou idosos com outra condição médica que impedisse a realização dos testes, a interação e comunicação durante a entrevista, como por exemplo, hipoacusia severa, perda total da visão e realização de artroplastia de quadril e joelho nos últimos três meses.
A entrevista com os sujeitos foi realizada por pesquisadores de campo por meio de visitas domiciliares no período de dezembro de 2015 a junho de 2016. Estes pesquisadores foram devidamente treinados quanto à abordagem com as pessoas idosas, quanto à forma de aplicação dos instrumentos e realização dos testes. Ao todo, participaram do estudo 10 pesquisadores de campo com formação na área da saúde e com experiência na abordagem ao idoso e prática em pesquisa de campo, sendo nove enfermeiros e um farmacêutico. Ao longo da coleta de dados, tais pesquisadores passavam por uma calibração, ou seja, um ajuste com relação à técnica de coleta dos dados e esclarecimentos de dúvidas no sentido de evitar possíveis erros que pudessem interferir na validação do instrumento.
Além de um instrumento de avaliação sociodemográfica e da versão piloto da FRRISque, foi aplicado o instrumento QuickScreen® - Clinical Falls Risk Assessment16 como referência padrão no intuito de realizar a avaliação da validade de critério concorrente, determinando os valores de sensibilidade e especificidade. O QuickScreen® envolve testes de desempenho, é confiável, com validade externa adequada e capaz de predizer acuradamente múltiplas quedas em idosos, isto é, a probabilidade de quedas futuras aumenta 7% com a identificação de nenhum ou um risco e, 49% com a identificação de seis ou mais riscos. Composto por oito itens: histórico de quedas, uso de medicamentos, uso de psicotrópicos, teste de acuidade visual, teste de sensibilidade cutânea protetora dos pés, teste de posição semitandem, step teste e teste de passar de sentado para de pé16.
Com a finalidade de caracterizar a amostra, foram realizadas análises descritivas, utilizando medidas de tendência central, de variabilidade e distribuição de frequência. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.
Para verificar diferenças de proporções entre os itens da FRRISque com os grupos obtidos a partir da aplicação do QuickScreen® foi utilizado o teste qui-quadrado (X2). Como medida de efeito foi empregada a razão de prevalência (RP) e seu respectivo Intervalo de Confiança a 95% (IC95%). Foram consideradas associações significativas àquelas que apresentavam valor de p≤0,05.
A terceira etapa consistiu na realização de análises multivariadas por regressão logística, com o objetivo de identificar a associação entre os vários itens da FRRISque e o maior risco de quedas em pessoas idosas. Assim, inicialmente todas as variáveis da FRRISque foram incluídas na análise multivariada e, à medida que as variáveis se associavam aos itens do QuickScreen® (p≤0,05), estas eram selecionadas para novas análises multivariadas, consequentemente, as que apresentaram valor de p<0,05 permaneceram no modelo final da escala.
Por fim, analisou-se as medidas de precisão: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo. Para representação dos valores de sensibilidade e especificidade e para identificação do melhor ponto de corte, utilizou-se a curva ROC (Receiver Operating Characteritic). Os dados foram analisados no software estatístico Med Calc versão 16.4.1. Para todas as análises realizadas considerou-se nível de significância de 5%.
O presente estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e aprovado. Após a aceitação em participar do estudo, o participante assinou ou carimbou com digital do polegar direito, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
No total, foram avaliados 854 idosos que atenderam aos critérios de inclusão estipulados e foram divididos em dois grupos conforme resultados do teste padrão-ouro, o QuickScreen®, distribuídos da seguinte forma: idosos que pontuaram de 0 a 3 fatores de risco foram alocados para o Grupo I (grupo controle ou grupo de menor risco) e aqueles que pontuaram 4 ou mais foram alocados para o Grupo II (grupo de casos ou grupo de maior risco). Esta divisão foi feita considerando que um escore de quatro ou mais na aplicação do QuickScreen® indica risco aumentado para quedas16.
Com relação às características sociodemográficas, observou-se que a maioria das pessoas idosas era do sexo feminino (492; 57,6%), com média de idade de 71,87 (DP = 7,62), brancas (642;75,1%) e casadas (523;61,2%). Ademais, 751 (87,9%) idosos moravam com seus familiares, 496 (58%) referiram ter frequentado até a quarta série do ensino fundamental, 734 (85,9%) eram aposentadas e 341 (39,9%) possuíam renda familiar de um salário mínimo (Tabela 1). A prevalência de quedas encontrada neste estudo foi de 30,8%.
Tabela 1 Distribuição das pessoas idosas segundo idade, sexo, etnia, estado civil, situação de moradia, escolaridade, situação no mercado de trabalho e renda familiar, considerando os dois grupos (Grupo I e Grupo II).
Variáveis | n (%) | Grupo I | Grupo II |
---|---|---|---|
Idade (anos) | |||
60 - 69 | 371 (43,4%) | 325 | 46 |
70- 79 | 339 (39,7%) | 245 | 94 |
80- 89 | 126 (14,8%) | 81 | 45 |
90 e mais | 18 (2,1%) | 7 | 11 |
Média | 71,87 (DP=7,62) | ||
Mediana | 71 | ||
Sexo | |||
Feminino | 492 (57,6%) | 357 | 135 |
Masculino | 362 (42,4%) | 301 | 61 |
Etnia | |||
Branca | 642 (75,1%) | 501 | 141 |
Preta | 67 (7,8%) | 47 | 20 |
Parda | 135 (15,8%) | 104 | 31 |
Amarela | 8 (0,9%) | 5 | 3 |
Indígena | 2 (0,2%) | 1 | 1 |
Estado civil | |||
Solteiro | 57 (6,7%) | 47 | 10 |
Casado | 523 (61,2%) | 429 | 94 |
Divorciado | 44 (5,2%) | 34 | 10 |
Viúvo | 230 (27,0%) | 148 | 82 |
Situação de moradia | |||
Sozinho | 98 (11,5%) | 6970,4% RT 10,5% CT 8,1% GT |
2929,6% RT 14,8% CT 3,4% GT |
Familiares | 751 (87,9%) | 58577,8% RT 88,6% CT 68,2% GT |
16622,2% RT 84,7% CT 19,5% GT |
Amigos | 1 (0,1%) | 1100,0% RT 0,2% CT 0,1% GT |
00,0% RT 0,0% CT 0,0% GT |
Outros | 4 (0,5%) | 375,0% RT 0,5% CT 0,4% GT |
125,0% RT 0,5% CT 0,1% GT |
Escolaridade | |||
Não frequentou | 140 (16,4%) | 10172,1% RT 15,4% CT 11,8% GT |
3927,9% RT 19,9% CT 4,6% GT |
Mobral | 28 (3,3%) | 1760,7% RT 2,6% CT 2,0% GT |
1139,3% RT 5,6% CT 1,3% GT |
Ens. Fundamental - 1ª a 4ª série | 496 (58%) | 37775,9% RT 57,1% CT 44,0% GT |
12024,1% RT 60,7% CT 14,0% GT |
Ens. Fundamental - 5ª a 8ª série | 88 (10,3%) | 7686,4% RT 11,6% CT 8,9% GT |
1213,6% RT 6,1% CT 1,4% GT |
Ens. Fundamental Completo | 12 (1,4%) | 1191,7% RT 1,7% CT 1,3% GT |
18,3% RT 0,5% CT 0,1% GT |
Ensino Médio | 48 (5,7%) | 3777,1% RT 5,6% CT 4,3% GT |
1122,9% RT 5,6% CT 1,3% GT |
Ensino Médio Supletivo EJA | 3 (0,4%) | 3100,0% RT 0,5% CT 0,4% GT |
00,0% RT 0,0% CT 0,0% GT |
Superior | 29 (3,4%) | 2793,1% RT 4,1% CT 3,2% GT |
26,9% RT 1,0% CT 0,2% GT |
Pós-graduação | 9 (1,1%) | 9100,0% RT 1,4% CT 1,1% GT |
00,0% RT 0,0% CT 0,0% GT |
Situação no mercado de trabalho | |||
Empregador | 8 (0,9%) | 8 | 0 |
Assalariado com carteira assinada | 12 (1,4%) | 11 | 1 |
Assalariado sem carteira assinada | 6 (0,7%) | 5 | 1 |
Autônomo com previdência social | 9 (1,1%) | 8 | 1 |
Autônomo sem previdência social | 12 (1,4%) | 12 | 0 |
Aposentado/Pensionista | 734 (85,9%) | 556 | 178 |
Desempregado | 5 (0,6%) | 4 | 1 |
Não trabalha | 66 (7,7%) | 52 | 14 |
Outros | 2 (0,2%) | 2 | 0 |
Renda Familiar | |||
Menor que 1 salário | 5 (0,6%) | 360,0% RT 0,5% CT 0,4% GT |
240,0% RT 1,0% CT 0,2% GT |
1 salário | 341 (39,9%) | 25875,4% RT 38,7% CT 29,8% GT |
8324,6% RT 42,3% CT 9,7% GT |
Entre 1 e 2 salários | 68 (7,9%) | 5276,5% RT 7,9% CT 6,1% GT |
1623,5% RT 8,2% CT 1,9% GT |
2 salários | 272 (31,9%) | 21177,6% RT 32,1% CT 24,7% GT |
6122,4% RT 31,1% CT 7,2% GT |
Entre 2 e 3 salários | 33 (3,9%) | 2781,8% RT 4,1% CT 3,2% GT |
618,2% RT 3,1% CT 0,7% GT |
3 salários | 74 (8,7%) | 5979,7% RT 9,0% CT 6,9% GT |
1520,3% RT 7,7% CT 1,8% GT |
Maior que 3 salários | 57 (6,7%) | 4782,5% RT 7,2% CT 5,5% GT |
1017,5% RT 5,1% CT 1,2% GT |
Não sabe/Não quis informar | 4 (0,4%) | 125,0% RT 0,2% CT 0,1% GT |
375,0% RT 1,5% CT 0,4% GT |
De acordo com as análises comparativas entre os grupos (Tabela 2), há evidências de que os itens 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 31, 36 e 43 estão relacionados com maior risco de quedas em idosos. Por outro lado, há evidências de que os itens 27, 28, 32 e 40 estão associados à proteção contra quedas.
Tabela 2 Análise da associação entre os itens da FRRISque, considerando-se ambos os grupos.
Itens da FRRISque | RP | IC 95% | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
1 | Sexo | 1,63 | 1,24 - 2,13 | 0,0003 |
2 | Você caiu nos últimos 12 meses? | 2,85 | 2,37 - 3,42 | < 0,0001 |
3 | Você caiu duas ou mais vezes nos últimos 12 meses? | 3,42 | 2,38 - 4,90 | < 0,0001 |
4 | Teve alguma fratura (osso quebrado) de quadril ou pernas nos últimos 12 meses? | 4,64 | 2,31 - 9,30 | < 0,0001 |
5 | Usa algum aparelho que te ajude a andar (bengala, muleta, andador)? | 6,69 | 3,82 - 11,71 | < 0,0001 |
6 | Mora sozinho? | - | 0,80 - 1,86 | 0,34 |
7 | Usa 4 ou mais medicamentos por dia? | 2,54 | 2,25 - 2,87 | < 0,0001 |
8 | Usa medicamentos psicotrópicos? | 3,55 | 2,84 - 4,42 | < 0,0001 |
9 | Tem sensação de perda de equilíbrio? | 2,08 | 1,78 - 2,44 | < 0,0001 |
10 | Tem sensação de fraqueza nas pernas? | 1,8 | 1,56 - 2,08 | < 0,0001 |
11 | Tem dificuldades para subir ou descer escadas? | 2,2 | 1,88 - 2,58 | < 0,0001 |
12 | Tem dificuldades para subir ou descer uma ladeira? | 2,17 | 1,88 - 2,51 | < 0,0001 |
13 | Precisa de ajuda para andar 100 metros? | 5,14 | 3,28 - 8,06 | < 0,0001 |
14 | Precisa de ajuda para tomar banho? | 4,49 | 1,92 - 10,50 | 0,0002 |
15 | Precisa de ajuda para deitar-se ou levantar-se da cama? | 3,35 | 1,19 - 9,44 | 0,0015 |
16 | Alguém disse que você está ficando esquecido? | 1,7 | 1,36 - 2,13 | < 0,0001 |
17 | Esse esquecimento está piorando nos últimos meses? | 2,21 | 1,67 - 2,92 | < 0,0001 |
18 | Esse esquecimento está impedindo a realização de alguma atividade no seu dia-a-dia? | - | 0,98 - 2,36 | 0,057 |
19 | Tem dificuldades para enxergar? | 1,39 | 1,12 - 1,59 | < 0,0001 |
20 | Tem dificuldades para ouvir o que as outras pessoas lhe falam? | 1,73 | 1,36 - 2,21 | < 0,0001 |
21 | Tem medode cair quando realiza seus cuidados pessoais ou as tarefas de casa? | 1,59 | 1,38 - 1,84 | < 0,0001 |
22 | Tem medo de cair quando realiza atividades fora de casa? | 1,68 | 1,48 - 1,92 | < 0,0001 |
23 | Quando você sente vontade de urinar, precisa andar depressa para chegar ao banheiro? | 2,01 | 1,58 - 2,56 | < 0,0001 |
24 | Você sente-se triste? | 1,41 | 1,11 - 1,80 | 0,005 |
25 | Você perdeu o interesse em atividades que antes eram prazerosas? | 2,81 | 1,87 - 4,22 | < 0,0001 |
26 | Tem alguma dificuldade para dormir? | 1,58 | 1,29 - 1,93 | < 0,0001 |
27 | Sobe em bancos ou cadeiras para alcançar objetos no alto de armários? | 0,48 | 0,38 - 0,59 | < 0,0001 |
28 | Desce escadas carregando objetos pesados? | 0,37 | 0,27 - 0,52 | < 0,0001 |
29 | Anda descalço pela casa? | - | 0,74 - 1,57 | 0,6705 |
30 | Anda somente com meias pela casa? | - | 0,56 - 1,98 | 0,8595 |
31 | Faz exercícios físicos durante a semana? | 1,26 | 1,16 - 1,37 | < 0,0001 |
32 | Faz uso de bebida alcoólica? | 0,52 | 0,36 - 0,75 | 0,0002 |
33 | Em caso de necessidade, você pode contar com a ajuda de familiares? | - | 0,49 - 2,34 | 0,8603 |
34 | Em caso de necessidade, você pode contar com a ajuda de vizinhos ou amigos? | - | 0,58 - 1,41 | 0,6773 |
35 | Presença de pisos irregulares como tacos soltos no chão ou pisos quebrados? | - | 0,86 - 1,45 | 0,3783 |
36 | Presença de pisos lisos? | 1,12 | 1,02 - 1,21 | 0,0167 |
37 | Presença de tapetes? | - | 0,85 - 1,18 | 0,9569 |
38 | Presença de fios soltos/ objetos no chão impedindo a passagem livre? | - | 0,78 - 1,83 | 0,4123 |
39 | Presença de móveis impedindo a passagem livre? | - | 0,94 - 1,56 | 0,1403 |
40 | Presença de barras de apoio no banheiro? | 0,9 | 0,84 - 0,97 | 0,0031 |
41 | Presença de barras de apoio nos corredores? | - | 0,94 - 1,01 | 0,2798 |
42 | Presença de animais domésticos pela casa? | - | 0,81 - 1,18 | 0,8567 |
43 | Ambiente mal iluminado (Quando deitado, tem que levantar para acender a luz - interruptor longe da cama ou de difícil de visualização; não há abajur, não deixa luz do corredor acesa durante a noite)? | 1,36 | 1,08 - 1,72 | 0,0098 |
44 | Presença de escada? | - | 0, 85 - 1,15 | 0,9585 |
Em seguida, realizou-se análise multivariada por regressão logística, incluindo os 27 itens que obtiveram associação estatística com o maior risco de quedas em idosos. Os quatro itens considerados como fatores de proteção contra queda foram excluídos do modelo, tendo em vista que o instrumento a ser validado trata-se de uma avaliação de risco de quedas e não de uma avaliação de fatores de proteção para quedas em idosos.
Foram realizadas duas análises multivariadas, sendo que na primeira procedeu-se à inserção dos primeiros 24 itens (Tabela 3), considerando que o software estatístico Med Calc permite a inserção de no máximo 24 variáveis para análise por modelo.
Tabela 3 Resultado da análise multivariada do primeiro modelo com 24 itens.
Itens da EARQUE | RP | IC 95% | Valor de p |
---|---|---|---|
1 Sexo | 0,90 | 0,53 -1,53 | 0,7155 |
2 Você caiu nos últimos 12 meses? | 7,93 | 4,43 - 14,20 | < 0,0001 |
3 Você caiu duas ou mais vezes nos últimos 12 meses? | 0,57 | 0,27 -1,22 | 0,1501 |
4 Teve alguma fratura (osso quebrado) de quadril ou pernas nos últimos 12 meses? | 1,54 | 0,57 - 4,18 | 0,3906 |
5 Usa algum aparelho que te ajude a andar (bengala, muleta, andador)? | 4,24 | 1,74 - 10,31 | 0,0014 |
7 Usa 4 ou mais medicamentos por dia? | 12,45 | 6,696 - 22,24 | < 0,0001 |
8 Usa medicamentos psicotrópicos? | 6,18 | 3,74 - 10,20 | < 0,0001 |
9 Tem sensação de perda de equilíbrio? | 1,30 | 0,74 - 2,28 | 0,3460 |
10 Tem sensação de fraqueza nas pernas? | 0,95 | 0,54 - 1,66 | 0,8615 |
11 Tem dificuldades para subir ou descer escadas? | 0,62 | 0,23 - 1,63 | 0,3373 |
12 Tem dificuldades para subir ou descer uma ladeira? | 2,93 | 1,10 - 7,82 | 0,0313 |
13 Precisa de ajuda para andar 100 metros? | 3,36 | 1,50 - 7,54 | 0,0031 |
14 Precisa de ajuda para tomar banho? | 1,55 | 0,12 - 19,36 | 0,7312 |
15 Precisa de ajuda para deitar-se ou levantar-se da cama? | 0,57 | 0,03 - 10,77 | 0,7089 |
16 Alguém disse que você está ficando esquecido? | 0,88 | 0,50 - 1,56 | 0,6845 |
17 Esse esquecimento está piorando nos últimos meses? | 1,08 | 0,59 - 1,98 | 0,7952 |
19 Tem dificuldades para enxergar? | 2,35 | 1,44 - 3,85 | 0,0006 |
20 Tem dificuldades para ouvir o que as outras pessoas lhe falam? | 1,87 | 1,10 - 3,19 | 0,0198 |
21 Tem medo de cair quando realiza seus cuidados pessoais ou as tarefas de casa? | 0,86 | 0,38 - 1,95 | 0,7338 |
22 Tem medo de cair quando realiza atividades fora de casa? | 1,56 | 0,67 - 3,61 | 0,2985 |
23 Quando você sente vontade de urinar, precisa andar depressa para chegar ao banheiro? | 1,35 | 0,79 - 2,28 | 0,2621 |
24 Você sente-se triste? | 0,50 | 0,26 - 0,93 | 0,0288 |
25 Você perdeu o interesse em atividades que antes eram prazerosas? | 2,22 | 0,97 - 5,10 | 0,0589 |
26 Tem alguma dificuldade para dormir? | 0,92 | 0,57 - 1,50 | 0,7635 |
No segundo modelo foram inseridos os itens que no primeiro modelo apresentaram valor de p ≤ 0,05 e os demais itens 31, 36 e 43 (Tabela 4). Por fim, evidenciou-se que apenas 10 itens da FRRISque contribuem para o aumento do risco de quedas em pessoas idosas.
Tabela 4 Resultado da análise multivariada do segundo modelo.
Itens da FRRISque | RP | IC 95% | Valor de p |
---|---|---|---|
2 Você caiu nos últimos 12 meses? | 7,09 | 4,23 - 11,86 | < 0,0001 |
5 Usa algum aparelho que te ajude a andar (bengala, muleta, andador)? | 3,65 | 1,54 - 8,66 | 0,0033 |
7 Usa 4 ou mais medicamentos por dia? | 13,59 | 7,61 - 24,26 | < 0,0001 |
8 Usa medicamentos psicotrópicos? | 6,17 | 3,74 -10,18 | < 0,0001 |
12 Tem dificuldades para subir ou descer uma ladeira? | 2,20 | 1,35 - 3,61 | 0,0016 |
13 Precisa de ajuda para andar 100 metros? | 4,09 | 1,93 - 8,68 | 0,0002 |
19 Tem dificuldades para enxergar? | 1,96 | 1,21- 3,18 | 0,0062 |
20 Tem dificuldades para ouvir o que as outras pessoas lhe falam? | 2,05 | 1,22 - 3,43 | 0,0064 |
24 Você sente-se triste? | 0,74 | 0,44 - 1,24 | 0,2624 |
31 Faz exercícios físicos durante a semana? | 2,54 | 1,43 - 4,50 | 0,0014 |
36 Presença de pisos lisos? | 1,69 | 0,93 - 3,06 | 0,0808 |
43 Ambiente mal iluminado? | 2,13 | 1,28 - 3,55 | 0,0034 |
A FRRISque foi analisada quanto à sensibilidade e especificidade por meio da curva ROC (Receiver Operator Characteristic), construída com os 10 itens que permaneceram no modelo final após a análise multivariada. Tal curva evidenciou que o melhor ponto de corte para diferenciar as pessoas idosas com menor e maior risco de quedas é o escore três, que assume valores de sensibilidade de 91,3% e especificidade de 73,4% (Figura 1).
A maior porcentagem de pessoas idosas do sexo feminino neste estudo, representando 57,6% do total de pessoas entrevistadas, destaca o processo de feminização da velhice. Em média, as mulheres na região do Pacífico Ocidental vivem mais do que os homens17. Isto significa que a população feminina cresce com maior rapidez que a masculina, possivelmente devido a um maior taxa de mortalidade no sexo masculino e uma superior expectativa de vida na população feminina18. De acordo com o último censo, no Brasil, o contingente feminino de mais de 60 anos de idade passou de 2,2%, em 1940, para 4,7% em 2000; e 6% em 201019.
O item 2 “Você caiu nos últimos 12 meses?” refere-se à variável queda anterior e é amplamente citada na literatura como preditora para futura queda4-20. Pessoas que caíram tem um risco aumentando em três vezes de cair novamente. Cair de forma recorrente pode estar relacionado com causas subjacentes, como distúrbio de marcha, hipotensão ortostática, ou pode ser indicação de progressão de uma doença, por exemplo doença de Parkinson ou demência. Ou então pode ser um novo problema agudo como desidratação ou infecção4.
O item 5 “Usa algum aparelho que te ajude a andar (bengala, muleta, andador)?” refere-se à variável uso de dispositivo de auxílio à marcha (DAM) e constitui importante fator de risco para quedas em pessoas idosas21,22. Pessoas idosas, em geral, são relutantes em usar DAM, como bengalas e andadores devido à negação da necessidade, medo de dependência e constrangimento22. Provavelmente, pessoas idosas que utilizam DAM tenham mais problemas de mobilidade do que aquelas que não usam21,22. Além disso, estudos apontam que idosos que utilizam DAM são mais frágeis e, dessa forma, estão em maior risco de cair e sofrer uma lesão22,23.
Outra hipótese, que pode explicar esta relação, se refere ao fato de pessoas idosas adquirirem estes equipamentos sem orientação adequada, ou ainda, são aconselhadas quanto à aquisição e utilização, porém não são treinadas tampouco recebem as devidas orientações com relação ao uso23. Tais dispositivos quando mal ajustados ou utilizados de forma inadequada ocasionam aumento no gasto energético e podem provocar alterações de marcha e de equilíbrio, propiciando a ocorrência de quedas23. Vale ressaltar que a recomendação de um DAM deve ser realizada por um profissional da saúde, preferencialmente por fisioterapeutas. Além da necessidade do treino de marcha, a indicação de um equipamento adequado se configura por ser adaptado e ajustado à altura e distância do corpo da pessoa idosa23.
O item 7 “Usa 4 ou mais medicamentos por dia?” diz respeito à polifarmácia. Embora não haja um consenso com relação à definição, polifarmácia pode ser conceituada como o uso de mais medicamentos do que é clinicamente necessário24. Ademais, na literatura encontram-se definições que envolvem uso de quatro ou mais medicamentos25 e, também, de cinco ou mais medicamentos26. No presente estudo, optou-se por utilizar a definição relativa ao uso de quatro ou mais medicamentos, considerando que o item referente à polifarmácia no teste padrão-ouro utilizado neste estudo, foi baseado na definição de quatro ou mais medicamentos.
A polifarmácia constitui uma preocupação, sobretudo quando se trata de pessoas idosas, pois são mais propensas às alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas relacionadas com a idade e doenças e, portanto, são mais sensíveis à terapia medicamentosa27. A polifarmácia em pessoas idosas está associada a vários indicadores negativos de saúde, os quais incluem comprometimento funcional, interações medicamentos danosas, reações adversas aos medicamentos, quedas além de custos relacionados com a saúde28.
Na presente investigação, a polifarmácia foi o item que obteve maior associação com o risco de quedas. Estudo conduzido no Canadá comparando pessoas idosas que não tiveram queda com as que tiveram duas ou mais quedas evidenciou que a quantidade de medicamentos foi associada a um risco aumentado de quedas29. Um inquérito domiciliar conduzido com 729 pessoas idosas de Uberaba-MG, Brasil, identificou também que a polifarmácia estava associada às quedas (RP: 1,17; IC95%:0,81- 1,68)30.
O item 8 “Usa medicamentos psicotrópicos?” refere-se ao uso de medicamentos que agem no sistema nervoso central, como as drogas antidepressivas, alucinógenas e as tranquilizantes (ansiolíticas e antipscóticas). Uma meta-análise realizada em 2009 demonstrou que o uso de sedativos e hipnóticos, antidepressivos e benzodiazepínicos está associado com quedas em pessoas idosas31. As estimativas de OR ajustadas foram de 1,39 (IC95%:0. 94-2,00) para neurolépticos e antipsicóticos, de 1,36 (IC95%: 1,13-1,76) para antidepressivos e 1,41 (IC95%:1,20-1,71) para benzodiazepínicos31. No presente estudo a razão de prevalência foi de 6,17 para os psicotrópicos em geral.
Cabe ressaltar que os hipnóticos e sedativos de meia vida longa podem provocar sedação residual importante, principalmente em pessoas idosas, em virtude de mudanças em sua composição corporal tecidual, considerando que há menor proporção de água corporal e maior de tecidos adiposos, podendo resultar em ocorrência de tonturas, confusão entre outros fatores que predispõe a ocorrência de quedas32.
O item 12 “Tem dificuldades para subir ou descer uma ladeira?” está relacionado com a capacidade funcional e a força muscular. Configura uma atividade importante para realização das atividades instrumentais e avançadas de vida diária e revela a capacidade da pessoa viver de forma independente ou não fora de seu domicílio4. A diminuição da força muscular está associada às quedas e aumenta o risco de cair em quatro vezes (OR: 4,4; IC95%: 1,5 -10,3)4. A fraqueza muscular pode surgir devido ao sedentarismo juntamente com outras condições crônicas de saúde debilitantes como insuficiência cardíaca e doença pulmonar4.
Da mesma forma que o item 12, o item 13 “Precisa de ajuda para andar 100 metros?” se relaciona com a habilidade percebida pela pessoa idosa de se locomover. Este item se relaciona à dependência em atividades de vida diária e pode retratar o início do declínio da capacidade funcional e da fragilidade em pessoas idosas33.
Os itens 19 “Tem dificuldades para enxergar?” e 20 “Tem dificuldades para ouvir o que as outras pessoas lhe falam?” estão relacionados com o sistema sensorial, um dos primeiros sistemas a sofrer as consequências do envelhecimento fisiológico.
Cerca de 18% das pessoas idosas que vivem na comunidade com mais de 70 anos tem alguma deficiência visual considerável, sendo a catarata a doença de maior prevalência, seguida de glaucoma e degeneração macular4,34. Uma ampla parcela do encadeamento de processos visuais relacionados ao movimento corporal e às relações espaciais envolve as vias magno celulares e parietais posteriores do cérebro, as quais são essências para o controle postural. Em consequência, pessoas idosas com déficits visuais podem apresentar alterações no controle postural e, portanto, estão mais propensas às quedas35. Além disso, déficits visuais quando associados aos ambientes com pouca iluminação no ambiente, favorecem escorregões e deslizamentos em superfícies irregulares34.
No presente estudo, pessoas idosas com que relataram dificuldade para enxergar tem 1,96 vezes mais chance de sofrer uma queda. Semelhante ao encontrado, o estudo de Perracini e Ramos36 mostra que o modelo preditivo de quedas recorrentes foi composto por seis variáveis, sendo a visão comprometida uma delas (OR = 1,53; IC95%:1,00-2,34).
Por sua vez, perda auditiva também está relacionada com quedas, sendo considerada uma das condições crônicas mais prevalentes nas pessoas idosas. Quando associada ao processo fisiológico de envelhecimento, denomina-se presbiacusia e, dentre as privações sensoriais, é a que causa maior impacto na comunicação da pessoa idosa, pois pode levá-la ao isolamento social, o que compromete sua qualidade de vida37. Vários mecanismos podem explicar a associação entre perda auditiva e quedas. Concomitante à disfunção do sistema coclear pode haver uma alteração do sistema vestibular tendo em vista a localização compartilhada dentro do labirinto ósseo do ouvido, acabando por afetar o controle postural. Além disso, a diminuição da sensibilidade auditiva pode restringir a percepção às pistas auditivas necessárias para a conscientização do risco ambiental38. Pesquisa realizada na Finlândia evidenciou que as pessoas com perda auditiva apresentaram risco três a quatro vezes maiores de quedas em comparação com pessoas com boa audição39.
O item 31 “Faz exercícios físicos durante a semana?” refere-se à variável exercício físico. Ao longo do processo de envelhecimento, ocorrem alterações significativas na estrutura e na função muscular, levando a uma diminuição da massa muscular e como consequência, a diminuição da força muscular. As causas dessas alterações musculares são inúmeras e incluem aspectos neurológicos, endócrinos, inflamatórios e também, fatores comportamentais, como baixa execução de exercícios físicos40. Nesse sentido, o exercício físico realizado de forma estruturada e orientado por profissional de saúde desempenha papel fundamental na prevenção de quedas e na gestão do declínio funcional41.
Dessa forma, o exercício físico é uma intervenção de prevenção de queda largamente discutida na literatura científica. Uma meta-análise realizada por Gillespie et al.42 mostrou que programas de exercícios físicos em grupo reduzem a taxa bem como o risco de queda (taxa de 0,71; IC95%:0,63 a 0,82 e índice de risco 0,85, IC95%: 0,76 a 0,96 versus taxa de queda de 0,68; IC95%: 0,58 a 0,80 e risco de 0,78; IC95%: 0,64 a 0,94).
Por fim, o único fator de risco ambiental que permaneceu no modelo final de risco para quedas refere-se ao fator de risco ambiente mal iluminado - 43“ Ambiente mal iluminado?”. Os fatores de risco ambientais domésticos são considerados significativos para quedas em pessoas idosas que vivem na comunidade, embora possam contribuir para aumentar o risco em pessoas que caem de forma recorrente43. O fator de risco ambiental “piso molhado” não permaneceu no modelo final e isto pode ser explicado pelo fato das pessoas idosas se adaptarem melhor a este risco, compensando o perigo de um deslizamento e provável queda. Já o ambiente mal iluminado constitui maior risco, sobretudo em pessoas idosas com déficit visual.
Em resumo, os resultados do presente estudo mostraram que é possível realizar a estratificação de risco de pessoas idosas que vivem na comunidade por meio da aplicação da FRRISque que contém dez itens na sua versão final. A maioria destes itens representam fatores de risco para quedas passíveis de intervenções para eliminá-los ou atenuá-los. Dessa forma, a identificação dos fatores de risco constitui um passo importante no desenvolvimento de programas eficazes de prevenção de queda em pessoas idosas que vivem na comunidade.
No sentido de auxiliar os profissionais de saúde no uso da FRRISque, realizou-se sugestão de ponto de corte do resultado de sua aplicação. Ao analisar a curva ROC realizada com os 10 itens da última versão da FRRISque, evidenciou-se o escore 3 como ponto de corte para diferenciar as pessoas idosas classificadas pela mesma. Assim, idosos com escore de até dois pontos podem ser classificados com menor risco para ocorrência de quedas, aqueles com 3 pontos, moderado risco de queda e, por fim, aqueles com 4 ou mais pontos, alto risco para quedas.
No âmbito internacional e também no Brasil, a avaliação do risco de quedas em idosos da comunidade, tanto no contexto da prática clínica como em pesquisas, é realizada utilizando-se testes funcionais monofatoriais, principalmente o Berg Balance Scale (EEB) e Timed Up and Go Test (TUGT)44 e multifatoriais, como o Fall Risk Score45 e, recentemente, o QuickScreen®16.
A EEB avalia o desempenho do equilíbrio funcional em 14 itens comuns da vida diária e para sua aplicação são necessários instrumentos como degrau de escada (ou step), cadeira com ou sem braços, fita métrica, cronômetro, caneta e mesa44. O TUGT avalia a mobilidade e equilíbrio e consiste no ato de levantar-se de uma cadeira, andar por três metros, virar-se, voltar em direção à cadeira e sentar-se, mensurando-se o tempo gasto para executar tal tarefa44. Embora sejam caracterizados como instrumentos simples e de baixo custo, exigem materiais e espaço físico adequados.
O instrumento Fall Risk Score45, validado para população brasileira, apresentou sensibilidade de 74,2% e especificidade de 58,8%. Utiliza cinco itens para medir o risco de quedas, sendo eles: presença ou não de quedas prévias; medicações utilizadas pelos idosos, presença ou não de déficit sensorial; estado mental avaliado por meio do MEEM; avaliação da marcha. O escore desta escala varia de zero a onze pontos, e pontuações maior ou igual a três sugerem que o idoso possui alto risco para quedas. Com o emprego do MEEM, obtém um acréscimo de tempo na sua aplicação, cerca de 10 minutos. Como citado anteriormente, o QuickScreen®16 envolve testes de desempenho, o que demanda maior tempo na sua aplicação e materiais adequados.
Diante do exposto, a FRRISQUE apresenta-se como um instrumento promissor tendo em vista suas propriedades psicométricas e sua fácil e rápida aplicabilidade na clínica. A escolha da FRRISque por profissionais de saúde como instrumento para rastrear o risco de quedas em idosos da comunidade em detrimento de outros já existentes se justifica por sua alta sensibilidade (91,3%) e boa especificidade (73,4%), pelo fato de conter fatores de risco de quedas relevantes, por configurar-se uma ferramenta simples, baixo custo, de fácil e rápida aplicação (dois minutos), ou seja, dispensa testes que demandam maior tempo na aplicação, podendo ser empregada por todos os profissionais de saúde da atenção básica, inclusive por agentes comunitários de saúde (ACS), o que caracteriza uma contribuição inédita. Neste cenário da atenção básica, os ACS se destacam como importantes aliados ao cumprirem seu papel na identificação das situações de risco mais comuns às quais o idoso está exposto46,47, bem como de repassar tais informações para equipe de saúde no sentindo de otimizar os recursos e elucidar intervenções na prevenção de agravos.
Recomenda-se que a FRRISque seja aplicada pelo profissional de saúde na unidade de saúde ou em domicílio do idoso na oportunidade de visita domiciliar. Trata-se de uma escala simples e de rápida aplicação, cerca de dois minutos.
Na aplicação da FRRISque, cada item respondido como positivo (sim) constitui um ponto, ou seja, um fator de risco, exceto no item “Faz exercícios físicos durante a semana?”, cuja pontuação é invertida, isto é, a resposta positiva não configura fator de risco e vale zero (0). Neste item, a resposta negativa (não) que pontua como fator de risco.
Este estudo teve o propósito de validar uma escala para avaliar o risco de quedas em pessoas idosas que vivem na comunidade, buscando preencher a lacuna na literatura de um instrumento simples, porém denso, de rápida aplicação e baixo custo.
A FRRISque se caracteriza como uma ferramenta válida. Contudo, uma limitação deste estudo esbarra nos critérios de exclusão estabelecidos pelo mesmo, ou seja, a amostra não envolveu populações de alto risco, como idosos com comprometimento da função cognitiva e com demência, o Alzheimer, por exemplo. Assim, os resultados deste estudo não podem ser generalizados para pessoas idosas com estas características.
Um outro limite do estudo refere-se ao fato de não ter avaliado a confiabilidade da FRRISque. Por outro lado, constitui proposta para estudos posteriores a necessidade de avaliar a confiabilidade da FRRISque (também chamada de precisão, reprodutibilidade), seja comparando aferições feitas pela mesma pessoa (reprodutibilidade intraobservador) ou por pessoas diferentes (reprodutibilidade interobservador).
Ademais, para confirmar a capacidade da FRRISque de predizer a ocorrência de futuras quedas, é necessário realizar a avaliação da validade de critério preditiva. Isto é, as pessoas idosas que foram avaliadas neste estudo precisam ser reavaliadas quanto aos resultados da aplicação da versão final da FRRISque por meio de um estudo de coorte de um a dois anos.
Por fim, a sua implementação e utilização na prática clinica poderá evitar gastos desnecessários, em termos de utilização do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo em vista as consequências graves das quedas, como fraturas e hospitalizações. A avaliação do risco de quedas com a implementação da FRRISque na rede de atenção básica, pode ser a peça-chave da assistência conforme sugestão de diretrizes da geriatria e gerontologia.