versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2019 Epub 09-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190008
A hibridização in situ cromogênica (CISH) é capaz de localizar sequências específicas de ácidos nucleicos em seções histológicas por ligar-se a uma sequência de ácidos desoxirribonucleicos (DNA) ou ácidos ribonucleicos (RNA) acoplada a uma molécula repórter.
Essa ferramenta metodológica permite obter informações espaciais e temporais sobre a expressão gênica e os loci genéticos, com base em fases nas quais uma sonda é sintetizada, marcada, purificada e hibridizada para a sequência-alvo específica. A grande vantagem em relação aos resultados obtidos é a quantidade de informações adquiridas pela visualização dos resultados diretamente no tecido. A CISH em biópsia de tecidos tornou-se procedimento de rotina em laboratórios de anatomia patológica: a técnica é aplicada ao estudo de estrutura, expressão e caracterização genética(1-6). Nesse contexto, o Núcleo de Patologia Quantitativa do Centro de Patologia do Instituto Adolfo Lutz (IAL) é responsável pela condução de testes moleculares para diagnosticar doenças de interesse da saúde pública (Decreto Estadual número 55.601, de 22 de março de 2010) e atualmente usa a CISH no estudo de doenças infecciosas como as causadas pelos vírus Epstein-Barr, citomegalovírus e papilomavírus humano.
Tecidos fixados em formalina e incluídos em parafina passam por várias modificações durante o processamento histológico, e tanto a má fixação quanto a fixação em excesso podem prejudicar a qualidade da amostra e os resultados gerais dos estudos moleculares(7). Na CISH é comum o uso de amostras positivas como indicadores de qualidade das reações; entretanto, elas não são capazes de determinar a qualidade das amostras, revelada pela preservação do material genético, a fim de evitar resultados falso-negativos.
Por isso, o objetivo deste estudo foi validar a técnica da CISH para as sondas de DNA (+), DNA (-), RNA (+) e RNA (-) para serem usadas como controle de qualidade, com o intuito de analisar a preservação do material genético das amostras.
Para este estudo, foram usados 12 cortes histológicos (em quadruplicata, n total = 48) em lâminas histológicas silanizadas de 3 pm, obtidos de umpool de tecidos (cérebro, baço, pulmão e fígado) sem alterações microscópicas relacionadas a processos infecciosos e/ou inflamatórios, fixados em formalina tamponada 10%. Essas eram amostras de reposição, que foram processadas para rotina anatomopatológica e incluídas neste estudo após o fim do período de guarda do material de acordo com os critérios de temporalidade estabelecidos pelo Instituto. Estas amostras são provenientes de diferentes pacientes falecidos e por isso justificou a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido [(CTC) IAL 11J-2017; CEP 2.439.900)].
Foram usadas sondas positivas conjugadas com digoxigenina para detecção de DNA (Zytovision, Bremerhaven, Alemanha - Ref. T-1022-100), que miram as sequências repetitivas Alu humanas, e para detecção de RNA (Zytovision, Bremerhaven, Alemanha - Ref. T-1020-100), cujo alvo é o RNA ribossômico 28S. Além disso, sondas negativas de DNA (Zytovision, Bremerhaven, Alemanha - Ref. T-1023-100) e RNA (Zytovision, Bremerhaven, Alemanha - Ref. T-1119-400), que contêm uma sequência de nucleotídeos com 40%-70% de guanina-citosina (GC), sem consenso para alguma sequência natural, foram usadas a fim de verificar a presença de ligações não específicas, que causariam coloração de fundo.
Para essa padronização, o kit de implementação Zytofast Plus CISH HRP-DAB (Zytovision, Bremerhaven, Alemanha - Ref. T-1063-40) foi utilizado.
Os cortes histológicos foram desparafinados em xilol e hidratados em etanol. Procedeu-se ao bloqueio de peroxidase endógena com solução de peróxido de hidrogênio a 6% (Quimesp Química, Guarulhos, Brasil) em metanol (Merck, Darmstadt, Alemanha) (v/v) por 10 min, seguido de digestão enzimática por pepsina em câmara úmida a 37º por 10 min e pré-tratamento por imersão em solução pré-tratamento a 95º por 15 min, em banho-maria.
Sondas RNA e DNA positivas (+) e negativas (-) de 10 pm foram aplicadas aos cortes, que foram recobertos com lamínulas seladas. A desnaturação ocorreu a 75º por 5 min; a hibridização, a 37º por 21 h no hibridizador automático (Dako, Glostrup, Dinamarca).
Após o período de hibridização, as lamínulas foram cuidadosamente removidas e as lâminas foram lavadas em solução salina Tris tamponada (TBS). Após a lavagem, foram aplicados 20 pm de anticorpo murino antidigoxigenina a cada lâmina, que então foi incubada a 37º por 60 min em câmara úmida. Três lavagens foram feitas em TBS, que precederam a aplicação de 20 pl do anticorpo antimurino, ligado a um polímero com peroxidase de rábano (HRP), e as lâminas foram incubadas a 37º por 90 min em câmara úmida. Em seguida foram feitas três lavagens em TBS e revelação com 50 pl de solução de diaminobenzidina (DAB). As lâminas foram incubadas a 37º por 10 min, lavadas em água destilada e contracoradas com hematoxilina.
Depois de terminada a reação, as lâminas foram analisadas por três patologistas e um analista. O critério de positividade foi a visualização de um precipitado marrom no núcleo para marcação de DNA, e no núcleo e no citoplasma das células teciduais para marcação de RNA. As amostras sem descrição de precipitado marrom nos componentes celulares por algum dos profissionais foram consideradas negativas.
Para efeito de análise, as reações foram divididas em dois grupos, de acordo com o alvo (DNA ou RNA), que foram analisados separadamente. Esses grupos, por sua vez, foram subdivididos em amostras positivas e negativas, de acordo com a sonda utilizada.
As reações foram conduzidas em dias diferentes, e para calcular a acurácia intermediária (repetibilidade) foi usada somente a análise descritiva dos resultados observados.
Com o objetivo de avaliar a habilidade da reação em detectar a sequência específica de ácidos nucleicos, quando usando uma sonda positiva, a seguinte fórmula foi usada: Se = VP/(VP + FN), onde VP (verdadeiro positivo) é o número de resultados positivos nas amostras onde sondas positivas foram usadas, e FN (falso negativo) é o número de resultados negativos onde sondas positivas foram usadas.
Com o objetivo de avaliar a habilidade de a reação não detectar a sequência específica de ácidos nucleicos, quando usando uma
sonda negativa, a seguinte fórmula foi usada: E = VN/(VN + FP), onde VN (verdadeiro negativo) é o número de resultados negativos em amostras onde sondas negativas foram usadas, e FP (falso-positivo) é o número de resultados positivos em amostras onde sondas negativas foram usadas.
A fim de estudar a probabilidade de uma amostra com CISH positiva para certo ácido nucleico realmente ter a presença do ácido nucleico, a seguinte fórmula foi usada: valor preditivo positivo (VPP) = VP/(VP + FP), onde VP é o número de resultados positivos em amostras onde sondas positivas foram usadas, e FP é o número de resultados positivos em amostras onde sondas negativas foram usadas. Para o cálculo de proporção de resultados falso-positivos, a seguinte fórmula foi usada: (pFP) = 1 - especificidade.
A fim de estudar a probabilidade que uma amostra com CISH negativa para certo ácido nucleico realmente tem de apresentar o ácido nucleico, a seguinte fórmula foi usada: valor preditivo negativo (VPN) = VN/(VN + FN), onde VN é o número de resultados negativos em amostras onde sondas negativas foram usadas, e FN é o número de resultados negativos em amostras onde sondas positivas foram usadas. Para o cálculo da proporção de resultados falso-negativos, a seguinte fórmula foi usada: (pFN) = 1 - sensibilidade.
Para avaliar o grau de correspondência entre os resultados obtidos pela CISH em relação aos resultados esperados, por exemplo, positivos em presença de sondas positivas e negativas em presença de sonda negativa para ácidos nucleicos, a seguinte fórmula foi usada: A = (VP + TN)/N.
Em todas as lâminas onde sondas positivas para detecção de DNA (Figura 1) ou RNA (Figura 2) foram aplicadas, foi possível observar um precipitado marrom em diferentes cortes histológicos. Por outro lado, nas lâminas onde as sondas negativas para detecção de DNA ou RNA foram aplicadas, não foi observado precipitado nem contracoloração, indicando a ausência de reações cruzadas.
FIGURA 1 Reações CISH para detecção de DNA. Fotomicrografia de reação CISH para DNA A) fígado; B) baço; C) pulmão; D) cérebro; ampliação 40×. É possível observar o precipitado marrom no núcleo celular resultante da reação enzimática do DAB com a peroxidase do complexo anticorpo ligado ao híbrido formado entre a sequência-alvo e a sonda nas reações com a sonda positiva (direita) em comparação com as reações com a sonda negativa (esquerda)CISH: hibridização in situ cromogênica; DNA: ácido desoxirribonucleico; DAB: diaminobenzidina.
FIGURA 2 Reações de ISH para detecção de RNA. Fotomicrografia de reação de CISH para RNA ribossômico 28S A) fígado; B) baço; C) pulmão; D) cérebro; ampliação 40×. É possível observar o precipitado marrom em núcleo e citoplasma celulares resultante da reação enzimática do DAB com a peroxidase do complexo de anticorpos ligado ao híbrido formado entre a sequência-alvo e a sonda nas reações com a sonda positiva (direita) em comparação com as reações com a sonda negativa (esquerda).ISH: hibridização in situ; CISH: hibridização in situ cromogênica; RNA: ácido ribonucleico; DAB: diaminobenzidina.
Os resultados obtidos para cada sonda estão descritos na Tabela. Tanto para sondas de DNA quanto de RNA, positivas e negativas, é possível observar 100% de concordância (n = 24) nos resultados entre os diferentes dias das reações, o que demonstra a repetibilidade apropriada do método.
Os resultados das reações de CISH para ambos os ácidos nucleicos demonstraram 100% de sensibilidade, especificidade analítica e acurácia. Do mesmo modo, os valores preditivos para ensaios positivos e negativos foram 100%, enquanto a proporção de ensaios falso-negativos e falso-positivos foi zero.
Tabela Reações de hibridização in situ cromogênica para detecção de DNA e RNA com sondas complementares
Resultados | |||||
---|---|---|---|---|---|
DNA (+) | DNA (-) | RNA (+) | RNA (-) | ||
Sondas | DNA (+) | 12 | 0 | - | - |
DNA (-) | 0 | 12 | - | - | |
RNA (+) | - | - | 12 | 0 | |
RNA (-) | - | - | 0 | 12 | |
Total | 12 | 12 | 12 | 12 |
Por meio desses resultados, calculamos sensibilidade e especificidade analíticas, valor preditivo para resultados de teste positivos e negativos, proporção de resultados falso-negativos e falso-positivos, além de acurácia.DNA: ácido desoxirribonucleico; RNA: ácido ribonucleico; +: resultados positivos; -: resultados negativos.
A CISH permite o uso de tecidos fixados em formalina incluídos em parafina para o monitoramento individual de genes em células dentro do tecido observado usando sondas de DNA ou RNA complementares à sequência de interesse(8-10). As técnicas biomoleculares, como CISH, são usadas como alternativas aos métodos imuno-histoquímicos tradicionais e como ferramenta complementar para diagnosticar doenças infecciosas, uma vez que apresentam maiores sensibilidade e especificidade(9,10). Entretanto, para o sucesso da técnica, é necessário que o tecido tenha sido apropriadamente fixado, o que permite tanto a preservação do material genético quanto de sua citoarquitetura. A fixação em formalina induz a ligação cruzada de ácido nucleico com proteínas e outros constituintes celulares, tornando difícil a ligação às sondas complementares(11,12). Portanto, a etapa de recuperação, que precede a ligação com a sonda, torna-se muito importante, pois permite a quebra de algumas dessas ligações.
Vários outros fatores podem afetar a qualidade dos ácidos nucleicos em tecidos parafinizados, como pH do fixador, tempo de fixação do tecido, período de tempo anterior à fixação da amostra(13), já que a autólise começa assim que a amostra é removida(14). Além disso, as condições de acondicionamento de tecidos fixados em formalina embebidos em parafina e o método usado na extração também devem ser levados em conta(13).
No contexto dos exames de CISH, em laboratórios de rotina, nem sempre é possível ter controle sobre a fixação do tecido a ser analisado. Portanto, é impossível saber se um resultado negativo para uma sonda em particular se deve à ausência da sequência--alvo nas células ou à degradação do tecido, o que torna impossível hibridizar a sonda. No segundo caso, material genético mal conservado pode significar resultados falso-negativos, com grande impacto no diagnóstico e na conduta clínica. Essa é a razão pela qual é importante usar sondas de controle para detecção de DNA ou RNA, a depender do alvo primário a ser atingido. Portanto, nossos resultados demonstraram que sondas positivas e negativas para DNA e RNA podem ser empregadas na rotina como controles de qualidade das amostras, validando os resultados negativos em todas as condições que têm CISH como ferramenta diagnóstica.
Nosso estudo demonstrou que este protocolo para CISH - DNA e RNA - obteve resultados muito satisfatórios, com alta reprodutibilidade, acurácia, sensibilidade e especificidade analíticas, valores preditivos altos para ensaios positivos e negativos, com proporção nula de resultados falso-positivos e falso-negativos, possibilitando a padronização da reação para uso na rotina.