versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.25 no.5 São Paulo set./out. 2013
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000500013
A autoavaliação sobre o quanto um problema de voz compromete a qualidade de vida oferece dados importantes para o diagnóstico vocal, o direcionamento da conduta a ser adotada no processo de intervenção e o resultado de um tratamento de pacientes com disfonia( 1 ).
Inicialmente, questionários genéricos de saúde foram utilizados com esta proposta, mas devido à falta de especificidade, não conseguiam mensurar características específicas( 2 , 3 ). Em virtude de tal situação, pesquisadores desenvolveram instrumentos-doença específicos para dar conta da problemática envolvida na avaliação do impacto da disfonia na vida do indivíduo( 2 , 3 ), o que ganhou rápida popularidade clínica e científica( 4 ). Pela necessidade de padronização, o Scientic Advisory Committee of Medical Outcomes Trust recomendou critérios a serem seguidos no processo de elaboração destas ferramentas e em sua utilização em outras línguas( 5 ).
Os instrumentos de autoavaliação devem, portanto, ser submetidos a um processo de tradução e adaptação linguística e cultural e, ainda, ter suas propriedades psicométricas comprovadas para serem utilizados em outros idiomas que não o original( 5 ). No Brasil, alguns instrumentos de avaliação do impacto de um problema vocal já passaram por este processo estruturado( 6 - 8 ). Um destes é o Voice Handicap Index (VHI)( 9 ), composto por 30 questões, amplamente utilizado no mundo, mas considerado longo para o uso clínico e, de certa forma, redundante( 7 ). Uma versão reduzida deste protocolo, o VHI-10( 10 ), foi desenvolvida mantendo as dez questões de maior relevância clínica. Apesar do Índice de Desvantagem Vocal (IDV) ter sido validado para o português brasileiro( 8 ), sua versão resumida ainda não o foi.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo é realizar a validação da versão reduzida do IDV, o IDV-10 (Anexo 1), apresentando suas propriedades de medida como instrumento para avaliar pacientes brasileiros com queixa de voz.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional sob o número 2816/08, e a demonstração das propriedades psicométricas, realizada de acordo com as normas propostas por um comitê internacional (Scientific Advisory Commite of the Medical Ouctomes Trust ( 5 )).
O IDV-10 não precisou passar pelo processo de tradução e adaptação linguística e cultural, assim como não teve a sua equivalência cultural avaliada, pois representa uma versão reduzida do IDV( 8 ), que, por sua vez, foi validado nas referidas etapas.
A ferramenta produz um escore total único, calculado por somatória simples das respostas de seus itens, podendo variar de 0 a 40 pontos, sendo 0 o indicativo de nenhuma desvantagem e 40, de desvantagem máxima. Cada item deve ser respondido em uma escala de 5 pontos, sendo 0 nunca e 4 sempre.
O instrumento foi aplicado em 110 sujeitos, 60 com queixa vocal, atendidos no Ambulatório de Cabeça e Pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro, sendo 6 do gênero masculino e 54 do feminino, com média de idade de 46,9; e 50 indivíduos sem queixa vocal, mas com queixa oftalmológica, atendidos no Ambulatório de Oftalmologia da mesma instituição, sendo 6 do gênero masculino e 44 do feminino, com média de idade de 43,4. Os respondentes também realizaram uma autoavaliação vocal, com uma escala de respostas de 5 pontos: voz excelente, muito boa, boa, razoável ou ruim.
A validade do instrumento foi determinada pela correlação do escore total do IDV-10 com a autoavaliação, nos dois grupos, por meio da Análise de Correlação de Spearman. Para confiabilidade e reprodutibilidade teste-reteste, o protocolo foi aplicado 2 vezes em 30 dos 60 pacientes com queixa vocal, em um intervalo de 2 a 14 dias, sendo utilizado o Teste dos Postos sinalizados de Wilcoxon para a verificação da reprodutibilidade. Já para a análise da confiabilidade, foi aplicado o Teste da Estatística Alfa de Cronbach. A avaliação da sensibilidade foi também realizada, utilizando-se o Teste dos Postos sinalizados de Wilcoxon, aplicando-se o protocolo pré e pós-terapia em 21 dos 60 pacientes com queixa vocal, submetidos a oito sessões de atendimento fonoaudiológico administrado pelo mesmo profissional. O nível de significância adotado foi de 5% (0,050).
A validade foi determinada pela comparação do escore total com a autoavaliação vocal (Tabela 1), com diferença estatística nas cinco categorias de autoavaliação. Os indivíduos que classificaram sua voz como ruim tiveram o maior escore total, enquanto aqueles que a classificaram como excelente apresentaram os menores valores.
Tabela 1 Escore total do grupo com queixa vocal (n=60) e do grupo sem queixa vocal (n=50) de acordo com a auto-avaliação vocal para o cálculo da validade do protocolo
Auto-Avaliação Vocal | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupos e Escores | Voz Excelente | Voz Muito Boa | Voz Boa | Voz Razoável | Voz Ruim | Total | Valor de p |
Média± DP | Média± DP | Média± DP | Média± DP | Média± DP | Média± DP | ||
Com queixa vocal | |||||||
Total | 0± 0 | 0± 0 | 9,2± 3 | 18,4± 6 | 28,2± 8 | 20,6± 8.6 | |
< 0,001 | |||||||
Sem queixa vocal Total | 2,8± 3 | 2± 1 | 1,1± 1 | 2± 0 | 0± 0 | 1,6± 2 |
Legenda: DP = desvio-padrão.
A confiabilidade do protocolo foi determinada pela consistência interna elevada e por sua reprodutibilidade, que mostrou nível aceitável no teste-reteste (Tabela 2).
Tabela 2 Escores de teste e reteste, pré e pós-terapia fonoaudiológica e valor do coeficiente de alfa para os cálculos da confiabilidade e sensibilidade do protocolo IDV-10
Escore total | Média± Desvio-padrão | Valor de p |
---|---|---|
Reprodutibilidade | ||
Teste | 21,9± 11,2 | |
Reteste | 19,9± 8,3 | |
Sensibilidade | <0,114 <0,001 | |
Pré-terapia | 19,5± 7,6 | |
Pós-terapia | 6,0± 5,2 |
Coeficiente Alfa de Cronbach: 0,872 (p<0,001).
A sensibilidade do protocolo foi demonstrada com valores de escore total pós-terapia estatisticamente inferiores aos da avaliação inicial (Tabela 2).
O desenvolvimento e validação de protocolos de qualidade de vida se tornaram uma tendência na área de saúde, pois inserem a percepção do paciente na bateria de testes de avaliação, trazendo dados que testes objetivos não são capazes de oferecer. O IDV-10 é um protocolo que teve suas propriedades de medida comprovadas em outras línguas( 11 - 13 ) e vem se mostrando uma ferramenta essencial para melhor compreensão do impacto de uma disfonia em diversas áreas da vida de um indivíduo.
A validade da versão brasileira do instrumento foi demonstrada pela relação robusta entre autoavaliação vocal e o escore total do IDV-10, bem como a diferença significativa entre os grupos com e sem queixa vocal (Tabela 1), o que já havia sido observado no estudo original( 10 ) e nas validações em chinês(11) e espanhol( 13 ).
Os resultados da versão brasileira apontam para uma consistência interna elevada (Tabela 2), também observada no estudo original( 11 ) e nas versões em chinês( 11 ), hebraico( 12 ) e espanhol( 13 ). Tal fato, associado aos resultados do teste-reteste, comprovam a confiabilidade deste instrumento, de modo semelhante a outras validações para o português brasileiro( 6 - 8 ).
O IDV-10 apresentou valores reduzidos e ocasionais na população sem queixa-vocal( 2 , 14 ), confirmando se tratar de um instrumento doença-específico, mais sensível a certas alterações e populações que os questionários genéricos são capazes de mensurar, como é o caso dos protocolos desenvolvidos para avaliar o impacto de um problema de voz no canto( 15 ). O instrumento também sinalizou melhorias com o tratamento empregado, revelando as mudanças proporcionadas pelo programa de terapia (Tabela 2).
A validação de um protocolo desenvolvido em outra língua é fundamental para economizar recursos financeiros para pesquisa e, ao mesmo tempo, chancelar a prática clínica. Os protocolos de impacto de uma disfonia melhoram a assistência oferecida ao paciente disfônico. Desta forma, a validação do IDV-10 para o português brasileiro permitirá ao clínico usar um instrumento rápido e confiável.
O IDV-10 é um protocolo validado para o português brasileiro, com propriedades psicométricas de validade, confiabilidade e sensibilidade comprovadas para o emprego em indivíduos com problemas de voz.
*TC foi responsável pela coleta, tabulação dos dados e escrita do manuscrito; GO foi responsável pelo projeto, delineamento do estudo, orientação geral das etapas de execução, supervisão da coleta de dados, colaboração com a análise dos dados e elaboração do manuscrito; MB foi responsável pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e colaboração com a análise dos dados e elaboração do manuscrito.