Compartilhar

Validação do Oral Impacts on Daily Performances para a população portuguesa

Validação do Oral Impacts on Daily Performances para a população portuguesa

Autores:

Gonçalo Ferreira Godinho,
Alexandre Cavalheiro,
Henrique Soares Luís,
Rosário Mexia

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.12 Rio de Janeiro dez. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182312.33792016

Abstract

The Oral Impacts on Daily Performance (OIDP) questionnaire is an oral health-related quality of life indicator. It was developed in order to assess the influence of oral conditions on the self-ability to execute daily activities. The main goal of this research was to validate the OIDP for the Portuguese population aged 18 years and above. The first step was to obtain a provisional Portuguese version of the OIDP: the original was translated from English and then back-translated. Some linguistic changes were made, and the final Portuguese version was obtained, which was duly approved by a review committee, whose members included researchers and translators. Subsequently, a pilot study was conducted with 36 subjects (26 on paper and 10 online). Lastly, the final study was performed collecting data online from 513 subjects. Chronbach’s alpha (0.67) and the alpha for standardized items (0.69) were established for reliability. Validity was studied in its various aspects: face, content, construct and concurrent validity. The OIDP-PT revealed good psychometric properties and is a reliable and valid instrument that can be applied to the Portuguese population.

Key words: Quality of life; Indicators; Validation studies

Introdução

Na década de 1940, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definia saúde como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”1. O paradigma de saúde viria a evoluir2, tornando-se mais abrangente, para incluir o conceito de qualidade de vida1-3. Atualmente, a saúde oral é considerada parte integrante da saúde geral e requisito essencial para o bem-estar do indivíduo4, verificando-se um interesse crescente pelo estudo e melhoria da qualidade de vida das populações5.

Os indicadores clínicos, que avaliam a presença ou ausência de doença, são importantes, mas têm em comum uma limitação: apenas refletem o resultado dos processos patológicos, sem darem nenhuma indicação do impacto dos problemas de saúde sobre o bem-estar funcional, psicológico e social dos indivíduos6.

O estudo da qualidade de vida relacionada com a saúde oral implica a utilização de indicadores que avaliem não só a perceção de saúde e doença oral dos indivíduos, mas também as suas repercussões na qualidade de vida6 – indicadores de qualidade de vida relacionados com a saúde oral. A vantagem destes últimos sobre os indicadores clínicos é o facto de conseguirem quantificar a medida em que os problemas da cavidade oral interferem com o dia-a-dia da pessoa, não só a nível funcional, mas também psicológico e social7. Um projeto da União Europeia considerou especialmente relevantes alguns indicadores de qualidade de vida relacionados com a saúde oral, nomeadamente o “Oral Impacts on Daily Performances”8.

O “Oral Impacts on Daily Performances” (OIDP)9 consiste num indicador de qualidade de vida relacionada com a saúde oral, focado na medição dos impactos significativos que as condições orais podem ter na capacidade do indivíduo realizar determinadas atividades diárias.

O OIDP foi desenvolvido para complementar a avaliação clínica de necessidades de tratamento de indivíduos adultos, dado fundamental na elaboração de políticas de saúde pública9. Originalmente, o questionário foi construído em língua inglesa9 e foi testado e validado em diversos países, em populações adultas de diversos intervalos etários10-22. A base teórica do OIDP é uma versão modificada do modelo conceptual de Locker23, o qual se fundamenta na International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps, da OMS. Nesta versão modificada as consequências das condições orais do modelo de Locker estão divididas em três níveis. O primeiro nível contempla as condições orais propriamente ditas e possíveis lesões, que habitualmente são medidas por indicadores clínicos. No segundo nível, encontram-se impactos intermédios como desconforto, dor, limitação funcional, ou insatisfação com a aparência. Como resultado das interações no nível dois, o terceiro nível contém as incapacidades e desvantagens, ou seja, os impactos na capacidade para desempenhar atividades diárias de nível físico, psicológico e social. O OIDP mede as consequências do nível três, sem deixar de ter em conta os possíveis impactos dos níveis anteriores9.

A validação transcultural é cada vez mais utilizada, em alternativa à criação de novos instrumentos, de modo a que os dados existentes possam ser comparados entre culturas e países16. De acordo com guidelines internacionais propostas por Guillemin et al.24 em 1993 e Castro et al.25 em 2007, a introdução de um novo questionário sobre qualidade de vida num país de língua e/ou cultura diferente do país de origem requer a validação do mesmo. Apesar de o OIDP estar validado no Brasil, é pertinente validar o instrumento em Portugal, uma vez que as diferenças culturais e linguísticas são substanciais24. Uma vez que o OIDP não se encontrava validado em Portugal, o principal objetivo deste trabalho foi validar o OIDP para a população portuguesa, com idade igual ou superior a 18 anos.

Materiais e métodos

Este estudo transversal de validação de um questionário quantitativo, com componente qualitativa, incluiu várias etapas até chegar à versão final: i) tradução do questionário original, ii) apreciação pela comissão de revisão, iii) retroversão da versão portuguesa de consenso, iv) apreciação final, v) estudo piloto e vi) adaptações finais.

O questionário foi traduzido do original inglês por dois tradutores profissionais independentes, ambos de língua materna portuguesa e fluentes em língua inglesa. De acordo com as recomendações da literatura24, apenas um dos tradutores recebeu alguma informação sobre o propósito da tradução. A versão portuguesa de consenso foi obtida após a apreciação de um grupo de investigadores, que constituiu um comité de revisão.

Foi feita a retroversão da versão portuguesa de consenso para inglês, por uma tradutora profissional, bilingue em português e inglês, sem qualquer relação com os dois primeiros tradutores. Esta tradutora não sabia o propósito da retroversão, de acordo com as guidelines de Guillemin et al.24. A retroversão foi comparada com o original em inglês pela comissão de revisão, formada por vários investigadores e um tradutor, sem qualquer relação com os outros tradutores. Segundo o parecer do tradutor profissional independente que integrou a comissão de revisão, não existiram disparidades no processo de tradução e retroversão que deturpassem o sentido da versão original do questionário. Os restantes membros da comissão de revisão reiteraram este juízo, pelo que apenas foram feitas pequenas adaptações linguísticas, para facilitar a compreensão do questionário. Após este processo, obteve-se a versão portuguesa final do OIDP (OIDP-PT).

Foi realizado um estudo piloto, com 36 participantes, provenientes de duas amostras de conveniência diferentes. A primeira amostra (26 inquiridos) respondeu a questionários em papel, sem interação com os investigadores. A segunda amostra (10 inquiridos) respondeu a questionários online. Perguntou-se aos inquiridos de ambas as amostras quanto tempo demoraram a responder e se sentiram dificuldade em compreender o questionário. Caso afirmassem ter tido dificuldade na compreensão, pediu-se aos inquiridos para quantificarem de um a cinco o grau de dificuldade sentida (em que 1 = pouca dificuldade e 5 = imensa dificuldade). A análise das respostas a estas questões permitiu concluir que o formato online revelou melhor aceitação e facilidade de compreensão por parte dos inquiridos.

O estudo final foi realizado exclusivamente online, entre fevereiro e março de 2015. Os inquiridos foram contactados por correio eletrônico, com uma solicitação de resposta ao inquérito. A população de base para a amostra de conveniência foi constituída por alunos, docentes e funcionários da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, que o reencaminharam aos seus contactos.

Tanto nas duas etapas do estudo piloto, como no estudo final, os participantes foram informados do propósito do estudo e do caráter anônimo e facultativo da sua resposta. Foi garantida a confidencialidade dos dados e a sua utilização exclusiva para fins acadêmicos/científicos, de acordo com as regras estipuladas pela Convenção de Helsínque26. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa.

A versão portuguesa do OIDP (OIDP-PT) inclui oito atividades quotidianas: i) comer e saborear a comida; ii) falar e pronunciar com clareza; iii) lavar os dentes; iv) dormir e descansar; v) sorrir, rir e mostrar os dentes sem ficar constrangido; vi) manter o estado emocional habitual sem estar irritável; vii) desempenhar a sua atividade profissional ou social e viii) desfrutar do contacto com as pessoas.

O questionário está estruturado numa sequência de quatro perguntas, que se repetem para cada uma das atividades, com opções de respostas fechadas. A primeira pergunta têm como respostas possíveis “sim” ou “não” e determina se o inquirido responde a mais perguntas sobre essa atividade. Quando a resposta é “sim”, coloca-se a segunda pergunta e seguintes. Quando a resposta é “não”, avança-se para a atividade subsequente. A terceira pergunta tem duas alternativas, mas o inquirido apenas responde a uma delas, dependendo da resposta à pergunta 2. Assim, cada inquirido responde entre oito e trinta e duas perguntas.

As respostas têm uma pontuação, que no final permite obter um score do questionário para cada pessoa, que pode variar entre 0 e 200. Quanto maior o score, maior é o impacto nas atividades quotidianas. O OIDP-PT tem em conta a frequência e severidade dos impactos percepcionados no cálculo do score, à semelhança do que acontece com a versão original9.

As variáveis do estudo foram o gênero, a idade, a formação acadêmica, o score do questionário, a perceção de saúde geral, a perceção de saúde oral (ambas numa escala tipo Likert, com cinco opções de resposta, em que “ótima”=0 e “péssima”=4) e a razão para visitar o médico dentista (com duas alternativas de resposta – “controle regular”=1 ou “sintomas/situação aguda”=2).

A análise estatística do presente estudo foi feita utilizando o software The Statistical Package for Social Sciences, versão 22 (SPSS Inc., Chicago, IL), com o nível de significância de 5% (α = 0.05).

As propriedades psicométricas testadas num estudo de validação foram: a confiabilidade e a validade27. A confiabilidade é uma medida da consistência do indicador28. A validade subdivide-se em diferentes componentes: validade de conteúdo, de face, de construto e validade concorrente.

A confiabilidade do questionário foi estudada através da análise de consistência interna (determinando o alfa de Cronbach, o alfa de Cronbach com base em itens padronizados e o alfa de Cronbach, se item excluído) e das correlações inter-item e item-total. Considerou-se o nível de significância de 5%.

Para o alfa de Cronbach e alfa de Cronbach com base em itens padronizados consideram-se satisfatórios valores acima de 0,7029. Se o valor do alfa de Cronbach se item excluído é inferior ou igual ao valor original, sugere-se a manutenção do item no questionário29.

Ao nível das correlações inter-item, considera-se aceitável que os valores sejam positivos, mas inferiores a um10,11,19. As correlações item-total corrigidas devem ser maiores que 0,20, o mínimo recomendado para se considerar a inclusão de um item numa escala10,11,19.

A validade de conteúdo concerne à adequação das questões ao propósito do estudo27,29. Neste estudo, a validade de conteúdo foi assegurada pela comissão de revisão. A validade de face respeita à clareza do modo como o instrumento foi construído ou adaptado e à facilidade de perceção por parte dos inquiridos27,29. Nesta investigação, a validade de face foi testada pelo estudo piloto. O estudo da validade de construto consiste em testar conceitos propostos, à partida27,29. Ao empreender a investigação, partiu-se do pressuposto que uma pessoa com mais impactos de problemas orais nas atividades quotidianas tem uma pior apreciação da sua saúde geral10,19 e da sua saúde oral11,21; na mesma linha de raciocínio, assumiu-se que um indivíduo que apenas consulte o médico dentista em situações de urgência tenha mais impactos nas atividades quotidianas11,30. Neste estudo a validade de construto foi testada pelas correlações entre o score do questionário e as variáveis perceção de saúde geral, perceção de saúde oral e razão para visitar o médico dentista.

A validade concorrente compara o desempenho do instrumento a ser testado com o desempenho de outro instrumento existente, cuja validade é conhecida27,29. Como não há gold standard na medição da qualidade de vida relacionada com a saúde oral10,11,21,27, é necessário escolher um instrumento válido, de construção semelhante, para testar a validade concorrente do questionário. A perceção de saúde geral, avaliada numa escala tipo Likert está descrita na literatura como uma medida adequada e válida da perceção de saúde do indivíduo31,32. Neste estudo, a validade concorrente foi testada pela correlação entre o score do questionário e a perceção de saúde geral.

A aplicação do teste de Kolmogorov-Smirnov permitiu concluir que a amostra não seguia uma distribuição normal. Assim, a validade de construto e a validade concorrente foram estudadas através de testes não paramétricos (Ró de Spearman e do teste de Kruskal-Wallis), considerando o nível de significância de 5%. Para o Ró de Spearman, idealmente as correlações devem estar acima de 0,729.

Resultados

Caracterização da amostra

A amostra do estudo final, de conveniência, teve um total de 513 pessoas portuguesas, com idade igual ou superior a 18 anos. A taxa de resposta foi de 96,49%. Excluíram-se 18 indivíduos dos resultados, por não terem completado o preenchimento do questionário na íntegra. Dos 495 respondentes considerados, 67,5% eram do género feminino, e 32,5%, do género masculino. A idade dos respondentes foi dividida em cinco grupos etários: 31,9% tinham idades compreendidas entre os 18 e 24 anos; 36,8%, entre os 25 e 40 anos; 11,7%, entre os 41 e 50 anos; 14,3%, entre os 51 e 64 anos; 5,3%, com 65 ou mais anos de idade. Foi pedido aos inquiridos que indicassem a sua formação acadêmica: 0,8% dos inquiridos completaram 4 anos de escolaridade; 1,0%, 9 anos de escolaridade; 24,2%, 12 anos de escolaridade; 48,1% fizeram uma Licenciatura; 22,4%, um Mestrado e 3,4% completaram um Doutoramento.

Impactos nas atividades quotidianas

Os impactos nas atividades quotidianas referidos pelos inquiridos podem ser analisados por atividade. “Comer e saborear a comida” foi a atividade mais afetada (24,0%); “falar e pronunciar com clareza” e “desempenhar a sua atividade profissional ou social” foram as atividades menos afetadas (4,4%). De um modo geral, cerca de um terço dos inquiridos referiu pelo menos um impacto nas atividades quotidianas (33,9%), isto é, cerca de um terço das pessoas teve um score maior que zero. A Tabela 1 resume os impactos referidos em cada atividade quotidiana por frequência e percentagem, bem como a frequência e percentagem de adultos com pelo menos um impacto.

Tabela 1 Impactos nas atividades quotidianas, por frequência (n) e percentagem (%). 

Impactos nas atividades quotidianas n %
Comer e saborear 119 24,0
Falar e pronunciar 22 4,4
Lavar os dentes 71 14,3
Dormir e descansar 40 8,1
Sorrir, rir e mostrar os dentes 72 14,5
Manter o estado emocional 40 8,1
Atividade profissional/social 22 4,4
Contacto com as pessoas 23 4,6
Pelo menos um impacto 168 33,9

N=495

Aplicou-se o Ró de Spearman para testar as correlações existentes entre o score do OIDP-PT e as variáveis sociodemográficas. Não foi encontrado um coeficiente de correlação de Spearman significativo entre o score total e o género, nem entre o score total e a idade. Foi encontrado um coeficiente de correlação de Spearman negativo, com significância, entre o score total do questionário e a formação acadêmica (r = -0,12**; p = 0,01).

Propriedades psicométricas do questionário

Estudo da confiabilidade

Ao nível da consistência interna, o alfa de Cronbach da escala foi de 0,67 e o alfa de Cronbach com base em itens padronizados foi de 0,69. O alfa de Cronbach se algum item fosse excluído foi menor ou igual ao seu valor original (Tabela 2). As correlações de item-total corrigidas variaram entre 0,24 e 0,53 (Tabela 2). Os coeficientes de correlação inter-item entre os scores dos 8 itens variaram entre 0,02 e 0,53 (Tabela 3).

Tabela 2 Correlação de item total corrigida e alfa de Cronbach se o item for excluído. 

Itens abreviados α Cronbach se o item for excluído Correlação de item total corrigida
Comer e saborear 0,63 0,42
Falar e pronunciar 0,67 0,24
Lavar os dentes 0,64 0,35
Dormir e descansar 0,64 0,41
Sorrir, rir e mostrar os dentes 0,63 0,46
Manter o estado emocional 0,60 0,53
Atividade profissional/social 0,66 0,28
Contacto com as pessoas 0,64 0,35

Tabela 3 Coeficientes de correlação inter-item. 

Itens abreviados 1 2 3 4 5 6 7 8
Comer e saborear (1) 1,00
Falar e pronunciar (2) 0,11 1,00
Lavar os dentes (3) 0,33 0,13 1,00
Dormir e descansar (4) 0,39 0,11 0,23 1,00
Sorrir, rir e mostrar os dentes (5) 0,23 0,10 0,30 0,16 1,00
Manter o estado emocional (6) 0,38 0,26 0,20 0,53 0,30 1,00
Atividade profissional/social (7) 0,12 0,14 0,02 0,19 0,24 0,25 1,00
Contacto com as pessoas (8) 0,09 0,23 0,05 0,03 0,48 0,24 0,27 1,00

Estudo da validade

Foi encontrado um coeficiente de correlação de Spearman positivo com elevada significância entre o score total do questionário e a perceção de saúde geral (r = 0,23**; p < 0,001); entre o score total do questionário e a perceção de saúde oral (r = 0,31**; p < 0,001); e entre o score total do questionário e a razão para habitualmente visitar o dentista (r = 0,24**; p < 0,001). O teste de Kruskal-Wallis permitiu confirmar os resultados obtidos pela aplicação do Ró de Spearman (Tabela 4).

Tabela 4 Teste de Kruskall-Wallis, para estudo da validade de construto e da validade concorrente. 

Variável Opções de resposta n Postos de média p-valor
Como classifica a sua saúde geral?1 Ótima 88 206,66 < 0,001
Boa 293 242,58
Regular 110 295,80
4 239,88
Péssima 0 -
Como classifica a sua saúde oral?2 Ótima 73 199,83 < 0,001
Boa 252 229,21
Regular 153 288,16
16 364,34
Péssima 1 495,00
Habitualmente, por que razão visita o dentista?2 Controlo regular 319 226,59 < 0,001
Sintomas/ Situação aguda 176 286,80

1 Validade de construto e validade concorrente; 2 Validade de construto; n – número de respostas.

** – Correlação significativa

Discussão

De acordo com o conhecimento dos autores, este trabalho foi o primeiro estudo em que se aplicou o OIDP9 em Portugal. Seguiram-se as recomendações existentes para concretizar a versão final do OIDP-PT24,25. A tradução para português não ofereceu dificuldades e a comparação da retroversão com a versão original inglesa9 não revelou diferenças semânticas, nem de conteúdo.

A aplicação do questionário durante o estudo piloto revelou que o seu preenchimento em versão papel é difícil, a menos que seja feita uma entrevista. Tal pode dever-se ao facto de os inquiridos não estarem familiarizados com o preenchimento de questionários e com a apresentação gráfica do questionário. O estudo final foi realizado unicamente recorrendo a questionários online, por serem de mais fácil entendimento, numa abordagem semelhante à que havia sido utilizada na validação do OIDP na Noruega11.

Não foram realizadas observações clínicas, à semelhança da metodologia seguida em diversos estudos10,11,21. Tsakos et al., num trabalho publicado em 20010, afirmaram não incluir deliberadamente variáveis clínicas no estudo das propriedades psicométricas do OIDP, devido à distinção conceptual entre doença e saúde. Os indicadores clínicos medem doença – conceito biológico, enquanto os indicadores subjetivos como o OIDP medem saúde – conceito mais abrangente, de âmbito psicológico e sociológico.

A amostra do estudo final foi constituída por 495 respostas válidas. De acordo com Tinsley & Tinsley33, é recomendado ter 5 a 10 pessoas por cada variável até ao limite de 300, pois a partir desse número “os erros aleatórios de medição tendem a anular-se mutuamente, os parâmetros dos itens e dos testes tendem a estabilizar e torna-se menos importante aumentar a dimensão da amostra”. Para outros autores, uma amostra com 100 a 200 pessoas seria suficiente16.

Comparativamente com os resultados de outros estudos11,16,21, na validação do OIDP-PT a prevalência de impactos nas atividades quotidianas foi baixa. A percentagem de adultos com pelo menos um impacto (33,9%) é superior à registada na validação norueguesa11 (18,3%), mas é inferior à encontrada nas validações espanhola16 e brasileira21 (em ambas, superior a 50%). Esta disparidade pode ser explicada por diferenças no estado de saúde oral das populações, pelos diversos contextos culturais e socioeconômicos estudados e pelas diferentes características demográficas das amostras.

A atividade mais afetada foi “comer e saborear a comida” à semelhança dos resultados de vários estudos de validação11,16,21.

Não foi encontrada correlação do score do OIDP-PT nem com o gênero nem com a idade. Alguns estudos16,34 mostram uma associação do gênero feminino com pior qualidade de vida relacionada com a saúde oral. Noutros estudos10,11,19,21 não foi encontrada tal associação, ou esta não é clara. A inexistência de correlação com a idade corrobora os resultados de Locker e Miller35: os impactos negativos que afetam a qualidade de vida relacionada com a saúde oral podem estar presentes em todas as idades.

Foi encontrada uma correlação negativa, com significância estatística, entre o score do OIDP-PT e a formação acadêmica. Este resultado sugere que indivíduos com um nível educacional mais elevado provavelmente terão um melhor estado de saúde oral e por isso tendem a experienciar menos impactos nas atividades quotidianas36,37. A relação entre estas variáveis poderá ser matéria de investigações futuras.

Relativamente à confiabilidade, todos os coeficientes de correlação inter-item entre os scores dos 8 itens foram positivos, mostrando a homogeneidade dos itens. Nenhum coeficiente foi suficientemente alto para se considerar um item redundante10,11,19. Todas as correlações item-total corrigidas estavam acima de 0,20, o mínimo recomendado para se considerar a inclusão de um item numa escala10,11,19. O alfa de Cronbach se algum item fosse excluído foi sempre inferior ou igual ao seu valor original, sugerindo a não eliminação de nenhum item do questionário29. A confiabilidade do OIDP-PT não foi testada através de uma análise de teste-reteste, à semelhança da metodologia seguida noutros estudos10,16, podendo-se considerar esta uma limitação deste estudo. A não realização desta análise teste-reteste ocorreu pelo facto de se pretender evitar um viés de memória por parte dos participantes, dada a curta duração do estudo28.

De acordo com alguns autores28,29, o valor do alfa de Cronbach deve ser superior a 0.70. Outros autores10 consideram valores acima de 0,50 satisfatórios. Segundo Pallant, o alfa de Cronbach tende a ser menor quando o número de itens é inferior a dez, como é o caso da versão portuguesa do OIDP38. O alfa de Cronbach e o alfa de Cronbach com base em itens padronizados foram ligeiramente menores que 0,70, à semelhança dos resultados de outros estudos9,10,21,39.

Segundo Montero et al.16, há uma tendência para os instrumentos de diagnóstico mostrarem menor consistência e confiabilidade quando aplicados a populações com baixa prevalência e severidade de impactos. Assim, o valor do alfa de Cronbach obtido pode dever-se ao tamanho relativamente grande da amostra e à prevalência baixa de impactos. Astrom et al.11, prevendo a priori a baixa prevalência de impactos na população norueguesa, validaram uma versão simplificada do OIDP, em que perguntaram somente a frequência de impactos nos últimos seis meses e não utilizaram a fórmula original de cálculo do score final. Deste modo, obtiveram valores de consistência interna mais elevados. Esta é uma abordagem sugerida por Adulyanon e Sheiham9, embora considerem que o score do OIDP tem melhores capacidades preditivas, quando obtido pela fórmula de cálculo original.

No que diz respeito à validade, a apreciação do comitê de revisão procurou assegurar a validade de conteúdo do questionário; o estudo piloto permitiu testar a validade de face do questionário.

É expectável que uma pessoa com mais impactos de problemas orais nas atividades quotidianas tenha uma pior apreciação da sua saúde geral10,19 e da sua saúde oral11,21. É conjecturável que um indivíduo que apenas consulte o médico dentista em situações de urgência tenha mais impactos nas atividades quotidianas11,30. A validade de construto foi demonstrada por, de acordo com o previsto, o score do OIDP-PT estar positiva e significativamente correlacionado com a percepção de saúde geral, com a percepção de saúde oral e com o motivo para visitar o médico dentista. Note-se que, apesar de as correlações serem inferiores a 0,7 (valor ideal)29, estas são estatisticamente significativas.

Neste estudo, indivíduos com maior score, isto é, com pior qualidade de vida relacionada com a saúde oral, percepcionam um pior estado de saúde geral, como aconteceu em outros estudos10,19. Indivíduos com maior score avaliam mais negativamente o seu estado de saúde oral, em concordância com os resultados de outros autores11,21. De acordo com um estudo realizado em Espanha30 e em concordância com os resultados de Astrom et al. na validação norueguesa do OIDP11, um maior score está correlacionado com o recurso a serviços de medicina dentária por motivos de urgência.

A validade concorrente foi assegurada pela correlação positiva e significativa do score do OIDP-PT com a percepção de saúde geral.

A amostra do estudo final teve uma dimensão considerada suficiente para um estudo de validação e recolheram-se respostas provenientes de todo o território nacional. Contudo, o processo de amostragem foi feito por conveniência, pelo que a extrapolação dos resultados para a população portuguesa deve ser feita com cuidado, uma vez que os mesmos podem não ser representativos da referida população. As percentagens elevadas de inquiridos com idades abaixo dos 40 anos e com elevado nível educacional poderão ser uma consequência da aplicação dos inquéritos exclusivamente online.

Nesse sentido, em estudos futuros em que se pretenda quantificar o impacto da saúde oral na qualidade de vida dos portugueses, utilizando indicadores como o OIDP-PT, poderão escolher-se outros processos de amostragem, designadamente amostragem aleatória, com um número de participantes de características sociodemográficas (gênero, idade, nível educacional e local de residência) representativas da população portuguesa.

O caráter transversal deste estudo de validação faz com que os resultados sejam relativos a um determinado momento. Seria interessante a aplicação do OIDP-PT em Portugal em estudos futuros, de caráter longitudinal, para avaliar a estabilidade dos resultados no tempo, bem como a utilidade deste indicador na medição de resultados de intervenções clínicas. Seria igualmente interessante a aplicação do OIDP-PT, eventualmente adaptado a condições específicas, para estudar o efeito de determinadas patologias na qualidade de vida relacionada com a saúde oral de pacientes portugueses. Por fim, a associação do OIDP-PT a indicadores clínicos num estudo de larga escala, poderia ajudar a definir necessidades de tratamento da população portuguesa e, por conseguinte, a constituir novas políticas de saúde pública no âmbito da saúde oral, ou a melhorar as existentes.

Conclusão

A versão portuguesa do Oral Impacts on Daily Performances (OIDP-PT) mostrou ter boas propriedades psicométricas, constituindo um instrumento confiável e válido para os objetivos a que se propõe, adequado para ser aplicado à população portuguesa. Adicionalmente, com este trabalho foi possível verificar a facilidade de resposta a este tipo de questionário, utilizando tecnologias de informação, já disponíveis para a maioria da população estudada.

REFERÊNCIAS

1. . World Health Organization (WHO). Preamble to the Constitution of the World Health Organization as adopted by the International Health Conference. New York: WHO; 1946.
2. Locker D. Concepts of Oral Health, Disease and The Quality of Life. In: Slade GD, editor. Measuring Oral Health and Quality of Life. Chapel Hill: University of North Carolina; 1997. p. 11-23.
3. Barbotte E, Guillemin F, Chau N. Prevalence of impairments, disabilities, handicaps and quality of life in the general population: a review of recent literature. Bull World Health Organ 2001; 79(11):1047-1055.
4. . World Health Organization (WHO). The Liverpool Declaration: Promoting Oral Health in the 21st Century. A call for action. 2005. [acessado 2014 Out 5]. Disponível em: www.who.int/oral_health/events/orh_liverpool_declaration_05.pdf
5. Godinho GF. Oral Impacts on Daily Performances (OIDP) - Estudo transversal de validação para a população portuguesa [tese]. Lisboa: Universidade de Lisboa; 2015.
6. Allen PF. Assessment of oral health related quality of life. Health Qual Life Outcomes 2003; 1:40.
7. Gomes AS, Abegg C. O impacto odontológico no desempenho diário dos trabalhadores do departamento municipal de limpeza urbana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(7):1707-1714.
8. Skaret E, Åstrøm AN, Haugejorden O. Oral Health-Related Quality of Life. Review of existing instruments and suggestions for use in oral health outcome research in Europe. Paris: Quintessence International; 2004.
9. Adulyanon S, Sheiham A. Oral Impacts on Daily Performances. In: Slade GD, editor. Measuring Oral Health and Quality of Life. Chapel Hill: University of North Carolina; 1997. p. 151-160.
10. Tsakos G, Marcenes W, Sheiham A. Evaluation of a modified version of the index of Oral Impacts On Daily Performances (OIDP) in elderly populations in two European countries. Gerodontology 2001; 18(2):121-130.
11. Astrom AN, Haugejorden O, Skaret E, Trovik TA, Klock KS. Oral Impacts on Daily Performances in Norwegian adults: validity, reliability and prevalence estimates. Eur J Oral Sci 2005; 113(4):289-296.
12. Kida IA, Astrom AN, Strand GV, Masalu JR, Tsakos G. Psychometric properties and the prevalence, intensity and causes of oral impacts on daily performances (OIDP) in a population of older Tanzanians. Health Qual Life Outcomes 2006; 4:56.
13. Dorri M, Sheiham A, Tsakos G. Validation of a Persian version of the OIDP index. BMC Oral Health 2007; 7(1):2.
14. Naito M, Suzukamo Y, Ito HO, Nakayama T. Development of a Japanese version of the Oral Impacts on Daily Performance (OIDP) scale: a pilot study. J Oral Sci 2007; 49(4):259-264.
15. Jung SH, Ryu JI, Tsakos G, Sheiham A. A Korean version of the Oral Impacts on Daily Performances (OIDP) scale in elderly populations: validity, reliability and prevalence. Health Qual Life Outcomes 2008; 6:17.
16. Montero J, Bravo M, Albaladejo A. Validation of two complementary oral-health related quality of life indicators (OIDP and OSS 0-10) in two qualitatively distinct samples of the Spanish population. Health Qual Life Outcomes 2008; 6:101.
17. Ostberg AL, Andersson P, Hakeberg M. Cross-cultural adaptation and validation of the oral Iimpacts on daily performances (OIDP) in Swedish. Swed Dental J 2008; 32(4):187-195.
18. Hobdell M, Tsakos G, Sprod A, Ladrillo TE, Ross MW, Gordon N, Myburgh N, Lalloo R. Using an oral health-related quality of life measure in three cultural settings. Int Dental J 2009; 59(6):381-388.
19. Eric J, Stancic I, Sojic LT, Jelenkovic Popovac A, Tsakos G. Validity and reliability of the Oral Impacts on Daily Performance (OIDP) scale in the elderly population of Bosnia and Herzegovina. Gerodontology 2012; 29(2):e902-908.
20. Purohit BM, Singh A, Acharya S, Bhat M, Priya H. Assessment and validation of the oral impact on daily performance (OIDP) instrument among adults in Karnataka, South India. Community Dent Health 2012; 29(3):203-208.
21. Abegg C, Fontanive VN, Tsakos G, Davoglio RS, Oliveira MM. Adapting and testing the oral impacts on daily performances among adults and elderly in Brazil. Gerodontology 2013; 32(1):46-52.
22. Lawal FB, Taiwo JO, Arowojolu MO. Validation of the oral impact on daily performance frequency scale in Ibadan, Nigeria. Afr J Med Med Sci 2013; 42(3):215-22.
23. Locker D. Measuring oral health: a conceptual framework. Community Dent Health 1988; 5(1):3-18.
24. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol 1993; 46(12):1417-1432.
25. Castro RA, Portela MC, Leao AT. Cross-cultural adaptation of quality of life indices for oral health. Cad Saude Publica 2007; 23(10):2275-2284.
26. World Medical Association (WMA). WMA Declaration of Helsinki - Ethical Principles for Medical Research Involving Human Subjects 1964. [acessado 2014 Out 21]. Disponível em:
27. McDowell I. Measuring Health - A Guide to Rating Scales and Questionnaires. 3rd ed. New York: Oxford University Press; 2006.
28. Hill MM, Hill A. Investigação por questionário. Lisboa: Edições Sílabo; 2012.
29. Luís HS, Assunção VA, Luís LS. Tradução e validação para português de um questionário de hábitos, conhecimentos e atitudes de saúde oral dos adolescentes. Adolesc Saude 2012; 9(1):7-11.
30. Montero J, Albaladejo A, Zalba JI. Influence of the usual motivation for dental attendance on dental status and oral health-related quality of life. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2014; 19(3):e225-231.
31. Pais-Ribeiro JL. Validação transcultural da Escala de Felicidade Subjectiva de Lyubomirsky e Lepper. Psicologia, Saúde & Doenças. 2012; 13(2):157-168.
32. Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38(1):21-37.
33. Moreira JM. Questionários: Teoria e Prática. Coimbra: Edições Almedina; 2009.
34. Gabardo MCL, Moysés SJ, Moysés ST, Olandoski M, Olinto MTA, Pattussi MP. Social, economic, and behavioral variables associated with oral health-related quality of life among Brazilian adults. Cien Saude Colet 2015; 20(5):1531-1540.
35. Locker D, Miller Y. Evaluation of subjective oral health status indicators. J Public Health Dent 1994; 54(3):167-176.
36. Leao A, Sheiham A. Relation between clinical dental status and subjective impacts on daily living. J Dent Res 1995; 74(7):1408-1413.
37. Slade GD, editor. The oral health impact profile Measuring oral health and quality of life. Chapel Hill: University of North Carolina; 1997.
38. Pallant J. SPPS survival manual. Buckingham: Open University Press; 2001.
39. Adulyanon S. An integrated socio-dental approach to dental treatment need estimation. London: University of London; 1996.