Compartilhar

Validação do protocolo de avaliação miofuncional orofacial MBGR para adultos com disfunção temporomandibular com deslocamento de disco com redução

Validação do protocolo de avaliação miofuncional orofacial MBGR para adultos com disfunção temporomandibular com deslocamento de disco com redução

Autores:

Mariana da Rocha Salles Bueno,
Raquel Rodrigues Rosa,
Katia Flores Genaro,
Giédre Berretin-Felix

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.32 no.4 São Paulo 2020 Epub 17-Abr-2020

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019132

INTRODUÇÃO

A disfunção temporomandibular (DTM) é considerada uma disfunção musculoesquelética complexa de etiologia multifatorial(1), sendo a principal causa de dor orofacial de origem não dental. Os sinais e sintomas são diversos e podem incluir dificuldades relacionadas à mastigação e outras funções orofaciais(2), além de dores na face, articulação temporomandibular (ATM) e região cervical, bem como ruídos articulares e limitação na abertura da boca, sendo mais frequente em mulheres(3).

Para o diagnóstico da DTM existem diferentes instrumentos clínicos organizados em forma de questionários, índices anamnésicos e critérios de diagnóstico(4). Ainda, a avaliação funcional tem sido elencada como importante etapa no processo diagnóstico, tendo em vista o planejamento e estabelecimento do tratamento adequado para estes indivíduos(5).

Para a avaliação clínica das funções orofaciais, foram publicados protocolos que contemplam a atribuição de pontuações ou escores, proporcionando uma análise quantitativa do exame clínico e facilitando o acompanhamento da evolução do caso ao longo do processo de tratamento(6-8). Os protocolos de avaliação padronizados permitem a uniformização dos exames por diferentes profissionais, contribuindo para a qualificação acadêmica e favorecendo a comparação dos resultados de diferentes centros de estudos(9).

Neste sentido, o Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial – MBGR foi elaborado para que Fonoaudiólogos possam avaliar e diagnosticar os distúrbios miofuncionais orofaciais e estabelecer um prognóstico em Motricidade Orofacial(9,10), sendo validado recentemente para indivíduos com fissura labiopalatina(11).

Considerando que indivíduos com DTM apresentam distúrbio miofuncional orofacial, este estudo visou validar o Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial – MBGR para aplicação em adultos com DTM, quanto à validade de conteúdo, de critério e de construto, bem como analisar os níveis de concordância inter e intra-avaliadores e os valores de sensibilidade e especificidade do protocolo MBGR.

MÉTODO

Casuística

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição, processo nº 088560/2013.

Foram analisados os arquivos de trinta adultos (19 a 28 anos, média de idade de 24 anos), sendo 15 com disfunção temporomandibular (grupo DTM, 3 homens e 12 mulheres) e 15 indivíduos saudáveis (grupo Controle, 6 homens e 9 mulheres). Todos os indivíduos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No grupo DTM, foram incluídos sujeitos com boa saúde geral e oral e diagnóstico de deslocamento de disco com redução, concluído por meio do instrumento Critérios de Diagnóstico para Pesquisa em Disfunções Temporomandibulares (RDC/DTM) Eixo-I(4), adaptado para o português(12), sem estar em tratamento para o problema. No grupo Controle, foram incluídos sujeitos com boa saúde geral e oral, mínimo de 28 dentes permanentes, equilíbrio dento-oclusal e ausência de DTM, segundo o RDC/DTM, que não apresentavam hábito de mascar chiclete com frequência, bruxismo ou apertamento dentário.

Foram considerados critérios de exclusão, para ambos os grupos, histórico de distúrbios neurológicos, cirurgia, tumor ou trauma de cabeça e pescoço, doença periodontal, histórico de tratamento ortodôntico ou fonoaudiológico em andamento ou há menos de um ano, uso crônico de medicamento analgésico, anti-inflamatório ou psicotrópico.

O grupo DTM, em específico, foi constituído predominantemente por indivíduos da comunidade que perceberam algum sintoma de DTM e voluntariaram-se para participar do estudo. Apenas dois indivíduos procuravam por tratamento e aguardavam o início da intervenção, com DTM de longa duração (18 e 86 meses). A severidade dos sinais e sintomas de DTM foi verificada por meio da aplicação do Protocol for Multi-Professional Centers for the Determination of Signs and Symptoms of Temporomandibular Disorders (ProTMDMulti - Part II)(13). A mediana obtida indicou sintomatologia leve (grau 1) para ruído na articulação temporomandibular e dor na musculatura da face e sem manifestação (grau 0) para os demais sinais e sintomas.

Validação de conteúdo do protocolo MBGR

Foi realizada consulta à literatura dos últimos 10 anos a partir de busca nas bases de dados PubMed, LILACS e ferramenta de busca Google Acadêmico, utilizando o cruzamento das seguintes palavras-chave/descritores, em português e inglês: Articulação Temporomandibular, Transtornos Craniomandibulares, Sistema Estomatognático, Sistema Mastigatório, Respiração, Mastigação, Deglutição e Fala.

Foram incluídos estudos disponíveis na íntegra que aplicaram avaliação miofuncional orofacial na metodologia e identificaram alterações das funções de respiração, mastigação, deglutição e/ou fala em indivíduos com DTM. Os trabalhos que continham em sua casuística crianças, indivíduos com tumor, anomalias e deformidades craniofaciais e fazendo uso de prótese dentária foram excluídos.

Validação de critério do protocolo MBGR

O Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial com Escores – AMIOFE(6) foi tomado como padrão para a validade concorrente, tendo em vista que este protocolo foi previamente validado para jovens e adultos com DTM e apresentou sensibilidade e especificidade de 80%(8).

Foi realizado o registro das imagens dinâmicas e estáticas utilizando uma câmera digital (Sony Cyber-Shot DSC-H9), seguido da avaliação presencial dos aspectos que não poderiam ser analisados por imagens. Para a aplicação de cada protocolo, foram seguidas as orientações dos autores.

As avaliações presenciais foram realizadas por três fonoaudiólogas treinadas e calibradas para aplicação dos diferentes protocolos, sendo considerado o resultado quando havia concordância entre no mínimo duas avaliadoras. Posteriormente, duas avaliadoras com experiência em clínica e pesquisa na área de Motricidade Orofacial analisaram as imagens.

Para a validação de critério, foi utilizada a análise cega do avaliador 1 (A1), utilizando o protocolo MBGR, e o outro, o protocolo AMIOFE. Para fins de análise, foram considerados apenas os itens correspondentes em cada protocolo.

Validação de construto do protocolo MBGR

Os dados do exame clínico do MBGR do grupo DTM foram comparados aos do grupo controle, verificando a capacidade do MBGR em diferenciar indivíduos sintomáticos de assintomáticos, baseado no grau de DMO. Também, foram comparados os dados da avaliação clínica de dor à palpação e modo respiratório obtidos pelo MBGR aos dos exames instrumentais de limiar de dor à pressão e pico do fluxo nasal inspiratório, respectivamente.

O limiar de dor à pressão (kgf) foi mensurado com o algômetro modelo DDK 20 (Kratos Ltd, Cotia, São Paulo, Brasil), com ponta ativa de 12 mm de diâmetro posicionada perpendicularmente e bilateralmente ao polo lateral do côndilo da ATM, no terço médio do músculo masseter superficial e no feixe anterior do músculo temporal, sem apertamento dentário. A pressão foi aplicada gradualmente até que o indivíduo informasse, acionando um dispositivo, o início da sensação de dor no local. O teste foi realizado duas vezes para cálculo da média.

A respiração foi avaliada considerando o pico do fluxo nasal (l/min) durante a inspiração forçada exclusivamente nasal utilizando o In-Check Nasal®, Clement Clarke International. Foram solicitados três ciclos respiratórios de modo habitual e, em seguida, manter a boca fechada e realizar a máxima inspiração nasal. O teste foi realizado três vezes para cálculo da média.

Análise da concordância Inter e intra-avaliador para a aplicação dos protocolos MBGR E AMIOFE

Para testar a concordância do instrumento MBGR, foi utilizada a análise de A1 e A2. Para a concordância interavaliadores, foram considerados 100% da amostra (30 casos), sendo que os avaliadores A1 e A2 realizaram a análise individualmente, tanto pelo protocolo MBGR como pelo AMIOFE.

Para testar a concordância intra-avaliador, 20% da amostra (6 casos selecionados aleatoriamente) foi reavaliada (reteste) pela avaliadora A1. As reavaliações foram realizadas após um intervalo entre 15 e 30 dias da avaliação inicial, evitando o efeito de memória.

A concordância foi analisada por meio do índice Kappa ponderado e os valores foram interpretados.

Análise dos valores da sensibilidade e especificidade

Nesta análise, foi considerada a soma total dos escores de cada protocolo, MBGR e AMIOFE. Os protocolos possuem escala inversamente proporcional e os pontos de corte para o diagnostico foram estabelecidos da seguinte forma: (A) o valor da mediana em cada protocolo e (B) o percentil de 75% para o MBGR e o percentil 25% para o AMIOFE.

A sensibilidade (S) foi calculada pelo número de verdadeiros positivos, ou seja, o número de participantes que foram diagnosticados com DMO por ambos os protocolos dividido pelo total de participantes diagnosticados pelo AMIOFE.

A especificidade (E) foi calculada pelo número de verdadeiros negativos, ou seja, o número de participantes que não apresentaram DMO por ambos os protocolos dividido pelo número de participantes que não apresentaram DMO pelo AMIOFE.

Análise estatística

O teste de Correlação de Spearman (rs) foi utilizado para as correlações e os valores foram interpretados. Os testes de Mann-Whitney e t de Student foram usados para duas amostras pareadas em relação à comparação entre os grupos DTM e Controle. Para a análise da concordância inter e intra-avaliadores, foi aplicado o coeficiente Kappa ponderado linear (Weight Kappa – Kw’).

Para a realização das análises, foram utilizados os programas Excel (pacote Microsoft® Office), OriginPro-8 (OriginLab©), MATLAB (MATrix LABoratory), MedCalc (Microsoft® partner) e Minitab (Quality. Analysis. Results.®), considerando o valor de significância de p<0,05 em todos os testes.

RESULTADOS

Validação de conteúdo do protocolo MBGR

A revisão da literatura das modificações funcionais apresentadas em pacientes com DTM permitiu a seleção de 14 artigos(5,14-26), de acordo com os critérios de inclusão e exclusão adotados (Quadro 1).

Quadro 1 Levantamento bibliográfico sobre os distúrbios miofuncionais orofaciais (DMO) em indivíduos com Disfunção Temporomandibular 

Autor (Ano) Casuística Procedimentos de Avaliação Miofuncional Resultados/DMO Identificado Nível de Evidência
Ferreira et al.(5) - 81 adultos - Avaliação clínica da mastigação e deglutição (AMIOFE) - Modificação no comportamento mastigatório 3
- 18 a 41 anos - Tempo e frequência mastigatória - Maior frequência mastigatória
- grupos divididos de acordo com a presença de DTM e oclusão
Melchior et al.(14) - 1 mulher com DTM - Avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE) - Fala com desvio mandibular e ceceio 5
- Mastigação unilateral preferencial à direita
- Deglutição atípica
- 35 anos - Eletromiografia - Alteração na mobilidade orofacial
- Desequilíbrio muscular
- Melhora após tratamento
Ferreira et al.(15) - 44 sujeitos de ambos os gêneros - Avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE) - Pior estado miofuncional geral e da mobilidade mandibular e de língua 3
- 21 anos (média)
- grupo DMT leve (n=23) - Avaliação da cinemática mandibular durante mastigação unilateral - Estabilidade mastigatória reduzida
- grupo controle (n=21)
Ferreira et al.(16) - 30 mulheres adultas - Avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE) - Pior estado miofuncional global (aparência e postura de lábios, língua, mobilidade de lábios e mandíbula e deglutição) 3
- grupo DTM moderada (n=20) - Mensuração da saturação de oxigênio do masseter durante mastigação unilateral
- grupo controle (n=10) - Menor capacidade de extração do oxigênio
Melchior et al.(17) - 5 mulheres - Avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE), antes e após a terapia miofuncional orofacial Melhora das funções orofaciais após a terapia miofuncional orofacial 3
- 50 a 61 anos
- após realização de laserterapia de baixa intensidade
Rodrigues et al.(18) - 52 sujeitos de ambos os gêneros - Avaliação clínica e eletromiográfica da mastigação - Maior número de golpes e tempo mastigatório 3
- 18 a 60 anos - Maior atividade eletromiográfica dos músculos mastigatórios
- grupo DTM (n=27) - Análise da eficiência mastigatória - Sem comprometimento da eficiência mastigatória
- grupo controle (n=25)
Ferreira et al.(19) - 76 adultos - Avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE) - Alteração na aparência/postura, mobilidade, mastigação e deglutição 3
- grupo DTM crônica (n=46) - Maior frequência de mastigação unilateral
- grupo controle (n=30) - Eletromiografia - Maior tempo mastigatório
Weber et al.(20) - 70 mulheres - Avaliação clínica da mastigação e deglutição (AMIOFE) - Mastigação unilateral crônica 3
- grupo DTM (n=34) - Análise cefalométrica da posição da mandíbula e do osso hioide - Alteração da postura de lábios e língua na deglutição
- grupo controle (n=36) - Posição mais baixa do osso hioide em relação à mandíbula
Maffei et al.(21) - 10 adultos - Avaliação videofluoroscópica da mastigação e deglutição - Mastigação preferencial unilateral com presença de movimentos compensatórios de língua 4
- ambos os gêneros
- grupo DTM - Sinais de disfagia orofaríngea
Stuginski-Barbosa et al.(22) - 60 mulheres - Avaliação clínica da função de deglutição - Deglutição atípica 3
- grupo dor miofascial
- grupo controle
Busanello-Stella et al.(23) - 16 adultos de ambos os gêneros - Avaliação clínica da mastigação, dos aspectos intra e extraorais, sensibilidade, tensão e mobilidade - Mastigação unilateral 4
- 19 a 51 anos
- bruxistas com dor orofacial
Matos e Sekito(24) - 44 sujeitos de ambos os gêneros - Exame clínico visual da posição habitual de lábios e língua - Quase metade apresentou postura habitual de língua alterada 4
- 43 anos (média) - Dor à palpação
- grupo DTM - Dor à palpação - Ausência de relação dor X postura da língua
Felício et al.(25) - 40 mulheres (adolescentes, adultas e idosas) Avaliação clínica da mastigação e deglutição - Mastigação preferencial unilateral 3
- grupo DTM
- grupo controle - Deglutição atípica
Pereira et al.(26) - 135 adultos - Avaliação da performance mastigatória - Mastigação ineficiente 3
- ambos os gêneros - Força de mordida reduzida
- grupo DTM (n=15)
- grupo controle (n=120) - Força de mordida

Assim, foi possível verificar que o protocolo MBGR inclui os aspectos descritos na literatura na identificação do DMO em indivíduos com DTM, sendo as características extraorais/posturais, mobilidade orofacial, padrão e tempo mastigatório, eficiência mastigatória, características da fase oral da deglutição, bem como aspectos fonéticos e gerais da fala.

Validação de critério do protocolo MBGR

A porcentagem de concordância entre os protocolos MBGR e AMIOFE (examinadora A1) foi maior do que a de discordância para todos os aspectos analisados, sendo que, para as categorias de língua e mobilidade de língua, a concordância foi de 100%, respiração 96,7%, mobilidade de lábios 93,3%, palato 90%, lábios 86,7%, deglutição 83,3%, mastigação 80%.

Na análise de validade concorrente entre o protocolo MBGR e AMIOFE, houve correlações negativas, uma vez que as escalas são inversas (Tabela 1). Para os itens mobilidade de lábios e língua, não foi possível aplicar o teste de correlação devido à homogeneidade dos dados.

Tabela 1 Coeficientes de correlação de Spearman (rs) entre os dados das avaliações realizadas com a aplicação dos protocolos AMIOFE e MBGR 

MBGR
AMIOFE Lábios Língua Palato Respiração Deglutição Mastigação
Lábios -0,46**
Língua -1**
Palato -0,47**
Respiração -0,69**
Deglutição -0,45**
Mastigação -0,48**

**Valor de p<0,01.

Força da correlação: moderada para lábios, palato, respiração e mastigação; forte para língua

Validação de construto do protocolo MBGR

Como visto na Tabela 2, houve diferença significante (p<0,05) entre os grupos DTM e controle para os aspectos da dor à palpação e mobilidade mandibular, e nenhuma significância para os demais itens. Em função dos dois itens nos quais os grupos diferiram, o grupo DTM apresentou escore total maior que o grupo controle, com valor de p próximo de 0,05.

Tabela 2 Comparação entre os grupos controle e DTM para os resultados do protocolo MBGR 

Itens do MBGR Escore Máximo Grupo Controle Grupo DTM Valor de p Estatística W
Exame extraoral 28 7 7 0,458 214,5
Exame intraoral 58 7 7 0,933 230
Tônus 06 3 3 0,262 205,5
Dor à palpação 10 4 8 0,0002* 144
Mobilidade
Lábios 16 0 0 - -
Língua 16 0 0 0,237 256
Mandíbula 13 0 2 0,0014* 156,5
Funções
• Respiração 04 0 0 - -
Mastigação 10 1 1 0,798 226,5
• Deglutição 39 4 4 0,983 233,5
• Fala 44 1 1 1 232
Escore total 244 31 38 0,056 186

*Valor de p<0,05 segundo o teste de Mann-Withney

Houve correlação negativa entre dados da avaliação instrumental do limiar de dor à pressão e a avaliação clínica de dor à palpação (Tabela 3), demonstrando que quanto menor o limiar de dor à pressão no exame instrumental, maior a ocorrência de dor à palpação no exame clínico. As correlações existentes podem ser consideradas moderadas, demonstrando que o protocolo MBGR possibilitou identificar sinais de DTM.

Tabela 3 Coeficientes de correlação de Spearman (rs) entre os dados da avaliação clínica de dor à palpação e da avaliação instrumental de limiar de dor à pressão 

Dor à palpação Limiar de dor à pressão
ATM direita ATM esquerda Masseter direito Masseter esquerdo Temporal direito Temporal esquerdo
ATM direita -0,43**
ATM esquerda -0,58**
Masseter direito -0,51**
Masseter esquerdo -0,61**
Temporal direito -0,48**
Temporal esquerdo -0,55**

Legenda:

**Valor de p<0,01

Os dados da avaliação clínica do modo respiratório e do pico de fluxo nasal inspiratório foram homogêneos, uma vez que apenas um indivíduo do grupo controle apresentou respiração oronasal e não houve diferença estatística entre os grupos para o exame instrumental. Sendo assim, verificou-se que os grupos controle e DTM são semelhantes em relação à função respiratória nasal e que o exame instrumental confirmou os dados obtidos por meio da avaliação clínica com o uso do Protocolo MBGR.

Análise da concordância inter e intra-avaliador para a aplicação dos protocolos MBGR e AMIOFE

Na Tabela 4, foram apresentados os valores de concordância inter e intra-avaliador para avaliações realizadas com o protocolo MBGR. A força de concordância variou de pobre a muito boa para a análise interavaliador e de razoável a muito boa para intra-avaliador.

Tabela 4 Concordância inter e intra-avaliador na aplicação do protocolo MBGR de acordo com o Índice Kappa Ponderado 

Itens do MBGR Kappa Ponderado Erro Padrão Concordância (%) Força de Concordância
Inter Intra Inter Intra Inter Intra Inter Intra
Exame extraoral 0,94 0,65 0,027 0,172 86,67 50,00 a b
Exame intraoral 0,74 0,55 0,085 0,2 70,00 50,00 b c
• Língua 1,00 0,74 0 0,165 100,00 50,00 a b
• Palato duro 0,20 0,80 0,152 0,118 83,33 83,33 e b
• Dentes e oclusão 0,96 - 0,026 - 86,67 100,00 a -
Mobilidade 0,51 0,74 0,097 0,096 46,67 83,33 c b
• Lábios 0,06 - 0,051 - 80,00 100,00 e -
• Língua 0,84 0,57 0,091 0,353 83,33 83,33 a c
• Mandíbula 0,64 0,86 0,115 0,155 63,33 83,33 b a
Funções 0,96 0,54 0,016 0,15 83,33 16,67 a c
• Respiração 0,79 0,29 0,202 0,157 93,33 16,67 b d
• Mastigação 0,95 0,46 0,036 0,338 90,00 50,00 a c
• Deglutição 1,00 0,97 0 0,018 100,00 83,33 a a
• Fala 1,00 0,93 0 0,054 100,00 66,67 a a

Legenda: Inter = interavaliador (n=30); Intra = intra-avaliador (n=06). Força de concordância: a = muito boa, b = boa, c = moderada, d = razoável, e = pobre

Análise dos valores da sensibilidade e especificidade

Como demonstrado na Tabela 5, o protocolo MBGR apresentou bons valores de sensibilidade e especificidade para ambos os pontos de corte adotados, sendo a mediana o melhor ponto de corte, visto que há maior equilíbrio entre eles. Os valores encontrados indicam que o protocolo MBGR apresenta boa capacidade para identificar sujeitos sem e com DMO. Dessa forma, o uso do protocolo MBGR possibilita identificar casos com alta probabilidade de apresentar DMO quando o teste der positivo e de não o apresentar quando o teste der negativo.

Tabela 5 Valores de sensibilidade e especificidade 

Aspecto avaliado Ponto de Corte
Mediana (%) Percentil (%)
Sensibilidade 71,43 50,00
Especificidade 75,00 79,17

DISCUSSÃO

Este estudo foi conduzido com o intuito de validar o protocolo de Exame Miofuncional Orofacial - MBGR para indivíduos com disfunção temporomandibular, tendo em vista a importância da padronização dos procedimentos de avaliação(9).

No que se refere à avaliação de conteúdo, o protocolo MBGR contempla a análise das estruturas orofaciais e postura habitual de lábios e língua que podem estar alteradas em casos de DTM(16,19,24); a mobilidade de lábios e mandíbula que pode estar prejudicada nesta população(14-16,19); a função mastigatória, para a qual é consenso entre os estudos a presença de distúrbio nesta função(5,14-21,26); a deglutição, referida como atípica ou adaptada nos casos de DTM(14,16,19-22,25) e a fala, possibilitando identificar casos com distúrbios fonéticos e articulatórios(14). Desta forma, o protocolo MBGR abarca os DMOs descritos na literatura em relação aos indivíduos com quadro de DTM.

O nível de evidência científica dos trabalhos selecionados variou de três a cinco, com predomínio do nível três, ressaltando a necessidade de maiores pesquisas nesta área com estudos resultantes de ensaios clínicos controlados e randomizados e de revisão sistemática. Este achado concorda com o levantamento realizado da produção científica brasileira na área de Motricidade Orofacial que, embora tenha verificado crescimento no número de publicações, o delineamento dos estudos foi predominantemente transversal e com baixo nível de evidência científica(27).

Na avaliação de critério, a comparação entre os dois protocolos demonstrou que a porcentagem de concordância foi maior do que a discordância e houve correlação negativa significante para todos os aspectos aos quais foi possível aplicar o teste. A variação da força da correlação de média a forte encontrada para os aspectos considerados na presente pesquisa pode ser justificada pelas diferenças entre os itens e o modo de avaliação dos dois protocolos.

Para a avaliação de construto, foi verificada diferença significante entre os grupos controle e DTM para a avaliação de dor à palpação e mobilidade mandibular. Esse resultado corrobora com estudos que demonstram a alteração da mobilidade mandibular(15,16) e da sensibilidade à palpação da musculatura mastigatória e cervical em indivíduos com DTM(14,24).

Não foram observadas diferenças significantes entre os grupos para os demais aspectos do protocolo. Era esperado encontrar diferenças para os escores de mastigação, deglutição e fala, tendo em vista que as alterações miofuncionais orofaciais em indivíduos com DTM têm sido descritas na literatura(5,14-26). Uma possível explicação para tais resultados pode ser atribuída às características dos participantes do grupo DTM. Eles eram sujeitos da comunidade que se voluntariaram para participar da pesquisa, sendo que apenas dois procuravam por tratamento para a DTM. Também, eles apresentaram sintomatologia leve ou ausente e a literatura tem demonstrado que a gravidade da DTM causa maior influência sobre as funções orofaciais(14,16,19).

Ainda, um dos critérios de inclusão do grupo DTM foi apresentar diagnóstico específico de DTM articular com deslocamento de disco com redução. Este tipo de DTM tem sido considerado uma condição comum e assintomática e que geralmente não necessita de tratamento, tendo em vista que as estruturas desta região podem se adaptar e a progressão é benigna para a maioria dos casos(28). Esta característica do deslocamento de disco articular com redução somada à baixa sintomatologia dos participantes da pesquisa também poderia justificar a não diferença entre os grupos para as condições miofuncionais orofaciais.

Ainda no que diz respeito à avaliação de construto, a correlação negativa entre os resultados do limiar de dor à pressão e a prova de dor à palpação dos músculos masseter e temporal justifica-se pelo fato de que indivíduos com DTM, na presença de menor limiar de dor à pressão pela algometria, apresentaram maiores escores no MBGR, ao contrário dos participantes livres de tal disfunção, concordando com estudo que observou correlação negativa entre a severidade da DTM e o limiar de dor à pressão muscular(29).

Para a função de respiração, foi verificada presença de respiração nasal para todos os participantes com DTM, concordando com os estudos que não observaram alteração nesta função(15,16,19). Tendo em vista que a medida do pico de fluxo nasal inspiratório tem boa acurácia em detectar as alterações obstrutivas nasais(30), esta medida confirmou os achados clínicos, uma vez que os participantes apresentaram valores indicativos de normalidade, ou seja, ausência de obstrução nasal.

Com relação à concordância inter e intra-avaliador, a força de correlação variou de moderada a muito boa para a maioria dos itens. No entanto, foi verificada força de correlação pobre ou razoável para os aspectos de análise intraoral e mobilidade dos dois protocolos. Tal resultado poderia ter sido melhor se estes itens fossem explorados com maior ênfase em um treinamento. Ainda, um manual de instrução dos protocolos poderia contribuir para a melhor concordância entre os avaliadores.

Quanto aos valores de sensibilidade e especificidade, o protocolo MBGR apresentou valores mais equilibrados quando utilizados os valores de mediana dos protocolos MBGR e AMIOFE como ponto de corte. Tais valores foram próximos ao do protocolo AMIOFE-E(7) e AMIOFE(8), os quais também buscam identificar as alterações funcionais do sistema estomatognático, demonstrando que o MBGR pode ser utilizado como meio para identificar as alterações oromiofaciais em adultos com DTM.

Desta forma, o presente estudo trouxe contribuição à prática clínica com um instrumento de avaliação miofuncional que foi sensível em identificar alterações nos aspectos de mobilidade mandibular e dor à palpação em indivíduos com deslocamento de disco com redução, sendo este último item confirmado por exame instrumental.

Algumas limitações podem ser observadas, sendo relacionadas ao número reduzido de indivíduos, principalmente do grupo DTM, e o agrupamento de sujeitos com outros diagnósticos de DTM além do deslocamento de disco com redução. Assim, novos estudos são necessários com uma amostra maior e abordando e separando grupos com diferentes diagnósticos e gravidade da DTM.

CONCLUSÕES

O Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial MBGR é valido para aplicação em adultos com DTM com deslocamento de disco com redução e controles, sendo capaz de demonstrar as condições miofuncionais orofaciais e oferecer o diagnóstico de alterações específicas nesta condição de DTM, apresentando bons valores de sensibilidade e especificidade.

REFERÊNCIAS

1 Fernandes G, Gonçalves DAG, Conti P. Musculoskeletal disorders. Dent Clin North Am. 2018;62(4):553-64. . PMid:30189982.
2 Gilheaney Ó, Béchet S, Kerr P, Kenny C, Smith S, Kouider R, et al. The prevalence of oral stage dysphagia in adults presenting with temporomandibular disorders: a systematic review and meta-analysis. Acta Odontol Scand. 2018;76(6):448-58. . PMid:29320883.
3 Ferreira CLP, Silva MAMR, Felício CM. Signs and symptoms of temporomandibular disorders in women and men. CoDAS. 2016;28(1):17-21. . PMid:27074184.
4 Dworkin SF, Leresche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: Review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55. PMid:1298767.
5 Ferreira CLP, Sforza C, Rusconi FME, Castelo PM, Bommarito S. Masticatory behaviour and chewing difficulties in young adults with temporomandibular disorders. J Oral Rehabil. 2019;46(6):533-40. . PMid:30809826.
6 Felício CM, Ferreira CLP. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;72(3):367-75. . PMid:18187209.
7 Felício CM, Folha GA, Ferreira CL, Medeiros AP. Expanded protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores: validity and reliability. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74(11):1230-9. . PMid:20800294.
8 Felício CM, Medeiros AP, Melchior MO. Validity of the ‘protocol of oro-facial myofunctional evaluation with scores’ for young and adult subjects. J Oral Rehabil. 2012;39(10):744-53. . PMid:22852833.
9 Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Orofacial myofunctional evaluation – MBGR Protocol. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55. .
10 Marchesan IQ, Berretin-Felix G, Genaro KF. MBGR protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Orofacial Myology. 2012;38:38-77. PMid:23362752.
11 Graziani AF, Fukushiro AP, Marchesan IQ, Berretin-Félix G, Genaro KF. Extension and validation of the protocol of orofacial myofunctional assessment for individuals with cleft lip and palate. CoDAS. 2019;31(1):1-20. . PMid:30843925.
12 Pereira Júnior FJ, Favilla EE, Dworkin S, Huggins K. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD): formal translation to portuguese. J Bras Clin Odontol Integr. 2004;8(47):384-95.
13 Felicio CM, Melchior MO, Silva MA. Clinical validity of the protocol for multi-professional centers for the determination of signs and symptoms of temporomandibular disorders. Part II. Cranio. 2009;27(1):62-7. . PMid:19241801.
14 Melchior MO, Magri LV, Mazzetto MO. Orofacial myofunctional disorder, a possible complicating factor in the management of painful temporomandibular disorder. Case report. Br J Pain. 2018;1(1):80-6.
15 Ferreira CLP, Zago M, Felício CM, Sforza C. An index for the evaluation of 3D masticatory cycles stability. Arch Oral Biol. 2017;83:124-9. . PMid:28759868.
16 Ferreira CLP, Bellistri G, Montagna S, Felício CM, Sforza C. Patients with myogenic temporomandibular disorders have reduced oxygen extraction in the masseter muscle. Clin Oral Investig. 2017;21(5):1509-18. . PMid:27444450.
17 Melchior MO, Machado BC, Magri LV, Mazzetto MO. Effect of speech-language therapy after low-level laser therapy in patients with TMD: A descriptive study. CoDAS. 2016;28(6):818-22. . PMid:28001273.
18 Rodrigues CA, Melchior MO, Magri LV, Mestriner W Jr, Mazzetto MO. Is the masticatory function changed in patients with temporomandibular disorder? Braz Dent J. 2015;26(2):181-5. . PMid:25831111.
19 Ferreira CL, Machado BC, Borges CG, Rodrigues da Silva MA, Sforza C, Felício CM. Impaired orofacial motor functions on chronic temporomandibular disorders. J Electromyogr Kinesiol. 2014;24(4):565-71. . PMid:24816190.
20 Weber P, Corrêa EC, Bolzan GP, Ferreira FS, Soares JC, Silva AM. Chewing and swallowing in young women with temporomandibular disorder. CoDAS. 2013;25(4):375-80. . PMid:24413427.
21 Maffei C, Mello MM, Biase NG, Pasetti L, Camargo PAM, Silvério KCA, et al. Videofluoroscopic evaluation of mastication and swallowing in individuals with TMD. Rev Bras Otorrinolaringol. 2012;78(4):24-8. PMid:22936132.
22 Stuginski-Barbosa J, Alcântara AM, Pereira CA, Consoni FMC, Conti PC. Inadequate swallowing is associated to masticatory myofascial pain? Rev Dor. 2012;13(2):132-6. .
23 Busanello-Stella AR, Berwing LC, Almeida FL, Silva AMT, Mello FM. Aspects of stomatognathic system of individuals with bruxism. Rev Salusvita. 2011;30(1):7-20.
24 Matos VF, Sekito FM. Study of tongue and lip positions in patients with temporomandibular disorder and orofacial pain. Rev CEFAC. 2009;11(Suppl. 3):370-7.
25 Felício CM, Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59. . PMid:21032979.
26 Pereira LJ, Steenks MH, de Wijer A, Speksnijder CM, van der Bilt A. Masticatory function in subacute TMD patients before and after treatment. J Oral Rehabil. 2009;36(6):391-402. . PMid:19210681.
27 Tomaz-Morais J, Lima JAS, Luckwü-Lucena BT, Batista AUD, Limeira RRT, Silva SM, et al. Integral analysis of Brazilian scientific production in Orofacial Myology: state of art and future perspectives. Rev CEFAC. 2016;18(2):520-32. .
28 Poluha RL, Canales GT, Costa YM, Grossmann E, Bonjardim LR, Conti PCR. Temporomandibular joint disc displacement with reduction: A review of mechanisms and clinical presentation. J Appl Oral Sci. 2019;27:1-9.
29 Herpich CM, Gomes CAFP, Dibai-Filho AV, Politti F, Souza CDS, Biasotto-Gonzalez DA. Correlation between severity of temporomandibular disorder, pain intensity, and pressure pain threshold. J Manipulative Physiol Ther. 2018;41(1):47-51. . PMid:29249414.
30 Ottaviano G, Fokkens WJ. Measurements of nasal airflow and patency: A critical review with emphasis on the use of peak nasal inspiratory flow in daily practice. Allergy. 2016;71(2):162-74. . PMid:26447365.