versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.9 Rio de Janeiro set. 2019 Epub 09-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018249.26482017
Escolhas alimentares têm várias origens, sejam estas econômicas, socioculturais, ideológicas, psicológicas, biológicas1,2. A possível relação entre estas escolhas e seus efeitos na saúde, quer desfavoráveis ou protetores, direcionam políticas públicas na área de alimentação e nutrição3,4. Visando diminuir o risco de ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis, as diretrizes advindas destas políticas têm como propostas centrais a restrição da ingestão de alimentos ultra processados e de alta densidade energética3,4. Ainda assim, o consumo destes tipos de alimentos permanece elevado no Brasil5. Pautar políticas públicas na área de alimentação e nutrição somente à ótica de que as escolhas alimentares são motivadas por preocupações voltadas à saúde parece limitado6, outras necessidades podendo subjazer tais opções2,7,8. Por exemplo, ser vegetariano por valores éticos ou políticos9, reduzir o consumo de carne e priorizar frutas e legumes sazonais com o intuito de minimizar o impacto ambiental8, preferir alimentos de fácil acesso e preços reduzidos, podem influir nas escolhas alimentares7.
Assim, identificar as influências se torna relevante para nortear o desenvolvimento e implementação de ações em educação alimentar e nutricional. Além disso, com a globalização do mercado, compreender as diferenças que regem os motivos das escolhas alimentares é importante para a produção de produtos alimentícios e sua comercialização em diferentes culturas e países10.
Diferente de outras ferramentas de medida que visam quantificar ou captar o consumo alimentar usual dos indivíduos, tais como os questionários de frequência alimentar (QFA)11-14, o Food Choice Questionnaire (FCQ) é singular em investigar os motivos que orientam escolhas alimentares. Desenvolvido por Steptoe et al.6 em língua inglesa, o FCQ foi inicialmente proposto com 68 itens. Uma análise fatorial exploratória preliminar identificou que diversos itens não eram exclusivos aos respectivos fatores postulados, levando os autores a descartá-los subsequentemente. A versão resultante reduziu-se a 36 itens, envolvendo nove dimensões cobrindo questões relacionadas à saúde, humor, conveniência, apelo sensorial, conteúdo natural, preço, controle de peso, familiaridade e preocupação ética6. Cada item encerra uma escala do tipo Likert que varia de 1 a 4 pontos segundo a importância percebida pelos participantes (nada importante; pouco importante; moderadamente importante; e muito importante)15. Esta versão apresentou aceitável consistência interna (coeficiente α de Cronbach variando de 0,70 a 0,87) e confiabilidade testereteste (coeficiente de correlação de Pearson variando de 0,714 a 0,830).
Desde seu lançamento, vários estudos adicionais de confiabilidade e estrutura dimensional do FCQ têm sido realizados em diferentes países10,16-20. Sob diversos motivos, versões alternativas foram sugeridas no processo, seja eliminando, incluindo ou modificando itens e/ou fatores17,18,20. Nitidamente, há uma falta de consenso.
Em 2015, Heitor et al.21 deram início ao processo de adaptação transcultural do FCQ. Pautados na metodologia proposta por Herdman et al.22, os autores cumpriram as etapas de equivalência teórica, semântica e operacional, apresentando uma versão em português (c.fq quadro 1 de Heitor et al.21) com vista a testes futuros. Dando sequência ao processo, o presente estudo examina a estrutura configural e métrica desta versão brasileira do FCQ em adaptação, bem como sua confiabilidade por meio da consistência interna e estabilidade temporal (teste-reteste).
O presente trabalho foi desenvolvido no município de Frutal, Minas Gerais, entre janeiro e julho de 2016. Os participantes foram selecionados de 2.875 adultos (≥ 18 anos) constantes no banco de dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), composto pela população adscrita à Equipe de Saúde da Família (ESF) do município. A seleção foi aleatória por meio de sorteio, ambos os sexos e diferentes níveis de escolaridade. Apenas um indivíduo foi selecionado por domicílio.
O cálculo de tamanho da amostra guiou-se por sugestões encontradas na literatura afim23,24. Considerando uma proporção de 15 casos para cada um dos 36 itens componentes do FCQ, projetou-se 540 indivíduos, acrescidos 10% devido às possíveis perdas ou recusas. Foram efetivamente abordados 598 sujeitos. Trinta e dois se recusaram a participar, 21 não foram encontrados após três tentativas, 38 tinham mudado de endereço, dois foram excluídos por serem surdos/mudos/analfabetos, e três haviam ido a óbito. Assim, 502 acabaram incluídos e analisados. Vale mencionar que este tamanho de amostra projetado se mostrou apropriado subsequentemente. Baseado nas estimativas obtidas na análise fatorial confirmatória (AFC) do modelo original de nove dimensões proposto por Steptoe et al.6, um estudo de poder post hoc usando simulação Monte Carlo com 10.000 replicações evidenciou um poder estatístico acima de 0,99 para todas as cargas estimadas25.
Uma nova amostra de 41 indivíduos foi selecionada, com vistas à avaliação da reprodutibilidade do instrumento. A segunda abordagem foi realizada 15 a 20 dias depois, o mesmo intervalo de tempo usado por Steptoe et al.6 em suas análises iniciais. As duas aplicações do instrumento foram realizadas no mesmo local e em horários aproximados.
Conforme apresentado na Introdução, a versão em português brasileiro do FCQ submetida a teste no presente estudo concerne a proposta em Heitor et al.21. Para caracterização do perfil sociodemográfico e econômico, utilizou-se parte do Questionário Brasileiro de Avaliação Funcional Multidimensional (BOMFAQ)26.
O questionário foi apresentado aos participantes em suas próprias residências para ser autorrespondido, após explicações sobre o preenchimento por supervisores de campo treinados. Foi necessário aplicá-lo por entrevista face a face a 17 respondentes devido à idade avançada ou baixa escolaridade. Após uma minuciosa avaliação do preenchimento, os questionários foram submetidos à dupla digitação e à conferência da consistência entre os dois bancos de dados.
O processo foi iniciado pela avaliação da estrutura multidimensional proposta por Steptoe et al.6. A primeira etapa consistiu em avaliar a solução de nove fatores. Com esta finalidade, foi realizada uma análise do tipo fatorial confirmatória (AFC)24,27. Seguindo recomendações para modelagem de itens categóricos ordinais28, empregou-se o estimador Weighted Least Squares Mean and Variance Adjusted (WLSMV) implementado em Mplus 7.429.
Três índices foram utilizados para avaliação do ajuste de modelo: Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI) e o Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA). O CFI e o TLI comparam o modelo em tela com um modelo nulo. Ambos variam de 0 a 1 e valores acima de 0,95 indicam ajuste adequado. O RMSEA compensa o efeito da complexidade do modelo ao estimar o ajuste à luz do número de parâmetros envolvidos (graus de liberdade). Valores < 0,06 sugerem um bom ajuste, e os valores > 0,10 indicam ajuste ruim, indicando a rejeição do modelo27. Também são mostrados os limites de confiança superiores (LCS) de 90%.
Avaliou-se as correlações residuais, visto que dependências condicionais podem indicar redundância semântica dos itens27. Explorou-se os índices de modificação (IM) providos pelo software de análise (Mplus), que projetam o efeito no ajuste à inclusão de parâmetros não considerados no modelo em foco. Os IM refletem quanto o χ2 do modelo reduziria (ajustaria melhor) se determinado parâmetro fosse estimado livremente. Complementando os IM, valores de mudanças esperadas de parâmetros (MEP) também foram explorados, antecipando a direção e a intensidade das estimativas com as modificações implementadas livremente nas etapas seguintes da análise27. Examinou-se também a sustentabilidade da validade fatorial discriminante (VFD). Correlações fatoriais de 0,80 demarcaram a decisão. Por parcimônia, optou-se por violação se φ(f) > 0,8023,27.
A consistência interna foi calculada por meio do coeficiente ômega de McDonald (Ω). Valores de 0,70 a 0,95 foram considerados aceitáveis30. A reprodutibilidade temporal (teste-reteste) foi avaliada por meio do coeficiente Kappa com ponderação quadrática, estimado no programa kapci do software Stata 14.231,32. Intervalos de confiança de 95% foram calculados pelo método de bootstrap com 1.000 replicações. A classificação utilizou os limites propostos por Shrout33: κ< 0,10: ausente; κ= 0,11-0,40: fraca; κ= 0,41-0,60: discreta; κ= 0,61-0,80: moderada e κ= 0,80-1,0: substancial.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Os participantes foram informados sobre os procedimentos da pesquisa e seus riscos, antes de assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando a participação voluntária.
A idade dos participantes variou de 18 a 96 anos (média 46,4; DP 19,3), com predomínio de mulheres, casadas/com companheiros, com pelo menos 10 anos de escolaridade, com alguma inserção no mercado de trabalho, rendimento familiar per capita entre um a três salários mínimos e opção religiosa católica ou evangélica (Tabela 1).
Tabela 1 Características sociodemográficas e econômicas dos respondentes. Frutal, MG, Brasil, 2016. (n = 502).
Variáveis | N=502 | % | |
---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 142 | 28,2 |
Feminino | 360 | 71,8 | |
Faixa etária (em anos) |
18 ┤ 19 | 30 | 6,0 |
20 ┤ 29 | 104 | 20,8 | |
30 ┤39 | 79 | 15,7 | |
40 ┤49 | 77 | 15,3 | |
50 ┤ 59 | 79 | 15,7 | |
≥ 60 | 133 | 26,5 | |
Estado conjugal |
Solteiro | 144 | 28,7 |
Casado/mora com companheiro (a) | 260 | 51,8 | |
Separado/desquitado/divorciado (a) | 48 | 9,6 | |
Viúvo (a) | 50 | 10,0 | |
Escolaridade (em anos de estudo) |
Sem escolaridade | 4 | 0,8 |
Ensino fundamental (1 ┤9) | 151 | 30,0 | |
Ensino Médio (10 ┤13) | 182 | 36,3 | |
Ensino Superior (14 e mais) | 165 | 32,9 | |
Atividade profissional |
Empregado com ou s/ cart. de trabalho | 125 | 24,9 |
Empregado como funcionário público | 87 | 17,3 | |
Empregador | 26 | 5,2 | |
Conta própria | 64 | 12,7 | |
Não remunerado | 32 | 6,4 | |
Não exerce | 58 | 11,6 | |
Aposentado/pensionista | 110 | 21,9 | |
Renda familiar per capita (salários mínimos-SM)a | < 1 | 96 | 19,1 |
1 | 23 | 4,6 | |
1 ┤3 | 156 | 31,0 | |
3 ┤5 | 26 | 5,2 | |
> 5 | 23 | 4,6 | |
Se negam a declarar a renda | 18 | 3,6 | |
Renda ignorada | 160 | 31,9 | |
Religião | Católica | 275 | 54,8 |
Evangélica | 121 | 24,1 | |
Espírita | 69 | 13,7 | |
Umbanda/Candomblé/outras relig. | 4 | 0,8 | |
Sem religião ou ateu/não declarou | 33 | 6,6 |
aEntre janeiro e julho de 2016 o SM correspondia a R$ 880,00.
Consistentemente, a distribuição dos itens mostrou que todas as quatro opções de resposta da escala foram usadas para representar as escolhas alimentares (Tabela 2). Focalizando os extremos, as opções mais endossadas como muito importante ocorreram nos itens 19 e 21, porquanto as entendidas como nada importante apareceram nos itens 34 e 35.
Tabela 2 Distribuição de frequência das respostas (%) dos itens da escala Food Choice Questionnaire (n = 502).
Fator | Itens | Importância (percebida) | |||
---|---|---|---|---|---|
Nada | Pouco | Moderado | Muito | ||
(1) Saúde |
1. Grande quantidade de vitaminas e minerais* | 22,9 | 17,6 | 18,5 | 41,0 |
2. Me mantenha saudável | 6,6 | 13,3 | 23,5 | 56,6 | |
3. Seja nutritivo | 8,8 | 13,9 | 24,5 | 52,8 | |
4. Tenha muita proteína | 8,5 | 19,5 | 22,5 | 29,5 | |
5. Seja bom para a minha pele/dentes/cabelos* | 36,9 | 13,1 | 14,3 | 35,7 | |
6. Seja rico em fibra e me dê saciedade | 26,9 | 15,3 | 19,2 | 38,6 | |
(2) Humor |
7. Me ajude a lidar com o estresse | 36,3 | 18,9 | 12,5 | 32,3 |
8. Me ajude a lidar com a vida | 31,5 | 18,5 | 15,7 | 34,3 | |
9. Me ajude a relaxar | 33,1 | 16,5 | 20,5 | 29,9 | |
10. Me mantenha acordado (a) /alerta | 44,8 | 20,2 | 14,7 | 20,3 | |
11. Me deixe alegre/animado | 35,7 | 15,3 | 16,7 | 32,3 | |
12. Faça com que eu me sinta bem | 22,7 | 12,4 | 17,5 | 47,4 | |
(3) Conveniência |
13. Seja fácil de preparar | 20,5 | 15,9 | 18,9 | 44,7 |
14. Possa ser cozinhado de forma muito simples | 20,1 | 16,5 | 20,2 | 43,2 | |
15. Não leve muito tempo para ser preparado | 19,9 | 16,7 | 22,1 | 39,3 | |
16. Comprado perto de onde moro ou trabalho* | 18,7 | 19,7 | 17,1 | 44,5 | |
17. Fácil de achar em mercearias, supermercados* | 11,4 | 17,7 | 18,5 | 52,4 | |
(4) Apelo Sensorial |
18. Tenha um bom cheiro | 2,8 | 5,0 | 12,5 | 79,7 |
19. Tenha uma boa aparência | 1,8 | 5,2 | 12,7 | 80,3 | |
20. Tenha uma textura agradável | 2,4 | 4,8 | 17,7 | 75,1 | |
21. Seja gostoso | 1,4 | 3,3 | 11,6 | 83,7 | |
(5) Conteúdo Natural |
22. Não contenha aditivos | 27,9 | 18,7 | 23,3 | 30,1 |
23. Contenha ingredientes naturais | 23,1 | 15,7 | 20,8 | 40,4 | |
24. Não contenha ingredientes artificiais | 28,5 | 22,5 | 18,9 | 30,1 | |
(6) Preço |
25. Não seja caro | 12,0 | 16,1 | 23,3 | 48,6 |
26. Seja barato | 12,5 | 20,1 | 23,5 | 43,9 | |
27. Tenha o preço justo | 4,4 | 7,0 | 17,1 | 71,5 | |
(7) Controle de peso |
28. Tenha poucas calorias | 35,9 | 19,5 | 15,9 | 28,7 |
29. Me ajude a controlar o meu peso | 31,5 | 16,5 | 17,3 | 34,7 | |
30. Tenha pouca gordura | 25,9 | 17,1 | 16,2 | 40,8 | |
(8) Familiaridade |
31. Seja o que eu costumo comer | 13,9 | 23,3 | 25,7 | 37,1 |
32. Seja familiar | 14,1 | 22,1 | 26,3 | 37,5 | |
33. Parecido com o que eu comia quando criança* | 38,2 | 25,2 | 18,5 | 18,1 | |
(9) Preocupação ética |
34. Aprove a forma como são produzidos* | 60,5 | 12,0 | 12,4 | 15,0 |
35. Mostre a identificação do país de origem* | 58,0 | 12,2 | 10,3 | 19,5 | |
36. Embalado sem prejudicar o meio ambiente* | 44,0 | 12,5 | 11,6 | 31,9 |
*A semântica completa dos itens pode ser encontrada em Heitor et al.21, no Quadro 1.
À semelhança do modelo mostrado na Tabela 3, a maioria de cargas na AFC baseada no modelo original de Steptoe et al.6 foi acima de 0,80. Em somente dois itens (i27 e i33) foram observadas cargas abaixo deste patamar, ainda que permanecendo acima de 0,60. Os índices de ajuste CFI e RMSEA foram, respectivamente, 0,971 e 0,065 (LCS90%: 0,068).
Tabela 3 Análise da estrutura dimensional do Food Choice Questionnaire segundo análise fatorial confirmatória e estimativas de confiabilidade.
Fator | Item | λia | δib | Wc (IC95%) |
---|---|---|---|---|
(1) Saúde |
1. Grande quantidade de vitaminas e minerais | 0,868* | 0,246 | 0,913 (0,898 - 0,928) |
2. Me mantenha saudável | 0,788* | 0,379 | ||
3. Seja nutritivo | 0,747* | 0,443 | ||
4. Tenha muita proteína | 0,834* | 0,304 | ||
5. Seja bom para a minha pele/dentes /cabelos | 0,899* | 0,192 | ||
6. Seja rico em fibra e me dê saciedade | 0,891* | 0,206 | ||
(2) Humor |
7. Me ajude a lidar com o estresse | 0,906* | 0,180 | 0,968 (0.962 - 0.975) |
8. Me ajude a lidar com a vida | 0,941* | 0,114 | ||
9. Me ajude a relaxar | 0,930* | 0,134 | ||
10. Me mantenha acordado (a) / alerta | 0,804* | 0,353 | ||
11. Me deixe alegre/animado | 0,933* | 0,129 | ||
12. Faça com que eu me sinta bem | 0,925* | 0,144 | ||
(3) Conveniência |
13. Seja fácil de preparar. | 0,928* | 0,139 | 0,877) (0.857 - 0.896) |
14. Cozinhado de forma muito simples | 0,951* | 0,096 | ||
15. Não leve muito tempo para ser preparado | 0,929* | 0,137 | ||
16. Comprado perto de onde moro ou trabalho | 0,505* | 0,745 | ||
17. Fácil de achar em supermercados | 0,564* | 0,682 | ||
(4) Apelo Sensorial |
18. Tenha um bom cheiro | 0,943* | 0,110 | 0,949 (0.934 - 0.963) |
19. Tenha uma boa aparência | 0,961* | 0,076 | ||
20. Tenha uma textura agradável | 0,897* | 0,196 | ||
21. Seja gostoso | 0,813* | 0,340 | ||
(5) Conteúdo Natural |
22. Não contenha aditivos | 0,918* | 0,158 | 0,959 (0.946 - 0.971) |
23. Contenha ingredientes naturais | 0,958* | 0,083 | ||
24. Não contenha ingredientes artificiais | 0,940* | 0,117 | ||
(6) Preço |
25. Não seja caro | 0,983* | 0,034 | 0,927 (0.909 - 0.945) |
26. Seja barato | 0,923* | 0,147 | ||
27. Tenha o preço justo | 0,764* | 0,416 | ||
(7) Controle de peso |
28. Tenha poucas calorias | 0,929* | 0,137 | 0,947 (0.933 - 0.962) |
29. Me ajude a controlar o meu peso | 0,929* | 0,137 | ||
30. Tenha pouca gordura | 0,925* | 0,145 | ||
(8) Familiaridade |
31. Seja o que eu costumo comer | 0,918* | 0,157 | 0,898 (0.875 - 0.920) |
32. Seja familiar | 0,958* | 0,082 | ||
33. Parecido c/ o que eu comia quando criança | 0,637* | 0,594 | ||
(9) | 34. Aprove a forma como são produzidos | 0,916* | 0,162 | 0,952 (0.938 - 0.966) |
Preocupação | 35. Mostre a identificação do país de origem | 0,955* | 0,089 | |
ética | 36. Embalado sem prejudicar o ambiente. | 0,925* | 0,144 | |
r(i2-i3)d | 0,773 | |||
r(i16-i17)d | 0,853 | |||
RMSEA e | 0.047 (0,043-0,051) | |||
CFIf | 0.985 | |||
TLI g | 0.983 |
*p<0,001;
aCargas fatoriais;s
bVariâncias residuais;
cCoeficientes Ômega de McDonald;
dCorrelações residuais;
eRaiz quadrática média do erro de aproximação (RMSEA); 90 % intervalo de confiança entre parêntesis;
fÍndice de Ajuste Comparativo (CFI);
gÍndice de Tucker-Lewis (TLI)
O diagnóstico via IM apontou duas correlações residuais, uma entre os itens i16↔i17 (MEP: 0,774) e outra entre os itens i2↔i3 (MEP: 0,344). Conforme mostrado na Tabela 3, a subsequente estimação livre da primeira melhorou o ajuste (RMSEA = 0,053; LCS90%: 0,057) e, de forma geral, as cargas se mantiveram nos mesmos patamares. A exceção concerniu as cargas dos itens envolvendo a própria correlação residual, que diminuíram de 0,867 para 0,505 no i16 e de 0,919 para 0,564 no i17. A correlação residual em si aumentou em relação ao valor sugerido anteriormente pelo IM, subindo para 0,853 (IC95%: 0,820 - 0,887). A estimação livre da outra correlação residual recomendada (i2↔i3) melhorou ainda mais os índices de ajuste, mas as cargas fatoriais permaneceram nos mesmos níveis de antes. Quando estimada livremente de forma simultânea, as duas correlações residuais de interesse foram de i2↔i3 = 0,773 e i16↔i17 = 0,853. A Tabela 3 também exibe os coeficientes ômega de McDonald, que variaram de 0,877 a 0,968.
Focalizando a avaliação de validade fatorial discriminante, a Tabela 4 mostra que nenhuma correlação entre os nove fatores ficou acima do limite de 0,80. Os valores variaram de ϕ(f4-f9) = -0,104 entre os fatores Apelo sensorial e Preocupação ética, e ϕ(f1-f7) = 0,711 entre Saúde e Controle de peso.
Tabela 4 Correlações (φ) entre os fatores do FCQ versão para o português brasileiro.
Fatores | F1 | F2 | F3 | F4 | F5 | F6 | F7 | F8 | F9 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
F1 | --- | ||||||||
F2 | 0,678 | --- | |||||||
F3 | 0,063 | 0,249 | --- | ||||||
F4 | -0,066 | -0,019 | 0,203 | --- | |||||
F5 | 0,667 | 0,514 | -0,001 | -0,073 | --- | ||||
F6 | 0,102 | 0,095 | 0,376 | 0,336 | 0,079 | --- | |||
F7 | 0,711 | 0,652 | 0,161 | -0,083 | 0,591 | 0,081 | --- | ||
F8 | 0,087 | 0,196 | 0,355 | 0,284 | 0,125 | 0,247 | 0,145 | --- | |
F9 | 0,623 | 0,568 | 0,097 | -0,104 | 0,690 | 0,052 | 0,595 | 0,309 | --- |
Legenda (fatores): F1: Saúde; F2: Humor; F3: Conveniência; F4: Apelo sensorial; F5: Conteúdo natural; F6: Preço; F7: Controle peso; F8: Familiaridade; F9: Preocupação ética.
Com respeito às estimativas de reprodutibilidade, todos os kappas mostraram-se acima de 0,80, exceto o kappa concernente ao F4 (Apelo sensorial). As médias foram próximas no teste e no reteste (Tabela 5).
Tabela 5 Distribuição das Análises de concordância teste-reteste do FCQ, segundo os fatores.
Fatores | Teste | Reteste | Kappa(IC95%) b | |||
---|---|---|---|---|---|---|
x̅ (DP) a | x̅ (DP) a | |||||
Saúde | 12,09 | (5,61) | 12,58 | (5,69) | 0,902 | (0,825 - 0,966) |
Humor | 10,19 | (5,80) | 10,04 | (5,51) | 0,912 | (0,831 - 0,960) |
Conveniência | 8,41 | (4,69) | 8,63 | (4,65) | 0,900 | (0,798 - 0,965) |
Apelo sensorial | 10,75 | (1,69) | 10,85 | (1,82) | 0,768 | (0,498 - 0,931) |
Conteúdo natural | 5,73 | (3,14) | 5,31 | (3,21) | 0,871 | (0,696 - 0,964) |
Preço | 6,58 | (2,35) | 6,80 | (2,36) | 0,865 | (0,702 - 0,954) |
Controle de peso | 5,17 | (3,15) | 4,85 | (3,40) | 0,874 | (0,763 - 0,955) |
Familiaridade | 4,12 | (3,00) | 3,85 | (3,00) | 0,894 | (0,804 - 0,952) |
Preocupação ética | 3,80 | (3,23) | 3,34 | (3,18) | 0,917 | (0,783 - 0,978) |
aMédia de escores brutos. Em parênteses, desvios padrão.
bCoeficiente Kappa ponderado (ponderação quadrática). Em parênteses, intervalos de 95% de confiança obtido pelo método bootstrap com 1.000 replicações.
O FCQ é uma ferramenta que avalia a importância atribuída pelos indivíduos às escolhas alimentares e tem sido amplamente utilizada em pesquisas epidemiológicas. No entanto, estudos relativos à sua estrutura dimensional ainda indicavam alguma controvérsia17,18,20,34. Com vistas a esclarecer algumas divergências, este estudo avaliou as propriedades psicométricas do FCQ, examinando sua confiabilidade e a validade no âmbito configural e métrico.
O modelo submetido à AFC inicial ajustou razoavelmente bem, evidenciando cargas fatoriais altas e, assim, indicando itens confiáveis e discriminantes35. Estes resultados foram semelhantes ao estudo de Januszewska et al.19 que apresentaram um modelo bem ajustado (RMSEA = 0,061; CFI = 0,950) e com cargas fatoriais admissíveis, variando de 0,43 a 0,84. À luz de ajustes ainda melhores - RMSEA de 0,037 e CFI de 0,963 - Markovina et al.10 também encontraram cargas fatoriais nesses patamares (entre 0,541 a 0,923). A convergência desses achados é importante, pois exprime a faculdade de o instrumento se adequar a diversos domínios populacionais, sendo capaz de satisfatoriamente captar o constructo em diversas situações, para além do contexto original utilizado no seu desenvolvimento e validação.
Ainda assim, este estudo identificou dois pares de itens com correlações residuais, violação de independência local que sugere alguma redundância semântica entre os itens. A correlação residual mais forte de 0,853 se deu entre os itens 16↔17 (importância de o alimento ‘poder ser comprado onde o respondente mora ou trabalha’ e ‘ser facilmente achado/alcançável em mercearias e supermercados’). A outra de 0,773 ocorreu entre os itens 2↔3 (importância de o alimento ‘ser capaz de manter o respondente saudável’ e ‘ser nutritivo’). Como esperado, o ajuste do modelo melhorou após as correlações residuais terem sido livremente estimadas, principalmente quanto ao RMSEA cujas estimativas deixaram de ser limítrofes como antes35.
Também reconhecendo anomalias nos itens i16 e i17, Pula et al.20 propuseram a exclusão de ambos e assim, acabaram reduzindo o número de componentes do fator Conveniência de cinco para três itens. Entretanto, ao se deixar um fator composto por poucos itens, pode ser que não ocorra uma boa compensação pelos outros componentes quanto ao mapeamento dimensional desejado. Na situação limite da dimensão em tela, uma opção mais parcimoniosa seria remover apenas um dos itens formadores do par35. Respaldada pela semelhança dos respectivos conteúdos e a expressiva correlação residual, o candidato à exclusão seria o item 16 por ter a menor das duas cargas. Também indicado à remoção por Ares e Gambaro36, sua exclusão provavelmente não implicaria em muita perda de informação. Além do remanescente item 17 ser capaz de captar a importância da proximidade e facilidade do alimento como um sinal de conveniência à escolha alimentar, haveria ainda outros quatro itens bastante apropriados para completar o mapeamento do conteúdo dimensional alvejado. Outra opção viável seria agregar os conteúdos semânticos dos dois itens em uma única questão visando a captura explícita de ambas as ideias subjacentes aos itens originais. Ainda outra estratégia seria procurar um novo item para substituir a proposta de cobertura de conteúdo dos dois. Claramente, todas estas alternativas demandariam escrutínios psicométricos em novo estudo35. Aliás, o mesmo se aplicaria a uma possível redundância apontada pela correlação residual identificada entre os itens 2 e 3, que do ponto de vista substantivo implica na percepção de que há uma superposição de conteúdo quando um alimento é reconhecido como saudável ou nutritivo.
Outro ponto discutido na literatura é o número apropriado de opções de resposta por item. Embora Steptoe et al.6 tenham sugerido quatro opções, estudos mais recentes com o FCQ têm utilizado sete alternativas, qualificando as percepções de “extremamente sem importância” a “extremamente importante”17,19,20,34. Fotopoulos et al.17 justificam que o acréscimo de mais alternativas de respostas aumenta a informação transmitida, melhorando a qualidade da escala. Defendem, também, que a presença de um ponto neutro deixa o respondente mais à vontade no momento de expressar sua opinião. Já Milošević et al.2 adotaram uma escala de cinco pontos, com a intenção de ajustar as opções do FCQ às outras escalas incluídas na pesquisa de fundo.
Resultados conflitantes podem advir dessa falta de consenso entre o número de opções de resposta de uma escala. Acrescer pontos a uma escala mediante a adição de opções de resposta não necessariamente impulsiona a almejada discriminação entre alternativas se o respondente não é capaz de se situar de forma crescente ao longo do espectro de intensidade do objeto em tela. Além de escalas maiores requisitarem mais processamento mental por parte dos participantes, também predispõe o indivíduo a ficar com a mesma opção de resposta ao longo de todo o instrumento. Portanto, itens de muitos níveis de resposta são muitas vezes de pouca relevância métrica ou até mesmo deletérios por introduzir ruídos indesejados. Optar por menos alternativas pode ser benéfico ao limitar erros de processo15. Voltando às origens, as análises aqui tendem a corroborar a proposta de quatro categorias proferida por Steptoe et al.6 há duas décadas. A utilização de itens em quatro níveis parece pertinente e merece ser recomendada, no mínimo, para uso no Brasil.
Utilizando uma versão em grego do FCQ composta de 24 itens distribuídos em oito fatores, Fotopoulos et al.17 encontraram dois pares de fatores apresentando correlações acima de 0,80 sugerindo violação de validade fatorial discriminante concernindo os fatores Saúde e Conteúdo natural (0,95) e Saúde e Apelo sensorial (0,88). Em decorrência disso, os autores apontaram para o possível agrupamento dos fatores Saúde e Conteúdo natural em um fator de ordem superior, que intitularam “Preocupação com a saúde e segurança”. Considerando uma demarcação bem menor de r > 0,60 para definir violação de VFD, Markovina et al.10 acabaram sugerindo três correlações como preocupantes, a saber, entre os fatores Saúde e Humor (0,797), entre Saúde e Conteúdo Natural (0,668) e entre Conteúdo natural e Preocupação ética (0,649). Ainda que não tenham se posicionado abertamente sobre a questão da violação de VFD, os autores do artigo original também encontraram uma correlação fatorial acima 0,60 entre Saúde e Conteúdo natural (0,69). Concebem que a correlação se dá porque as pessoas preocupadas com a saúde preferem não ingerir produtos ricos em aditivos e ingredientes artificiais, frequentemente incorporados aos alimentos como forma de conservá-los6.
Retornando a uma demarcação mais conservadora e amplamente apoiada na literatura afim, no presente estudo, nenhuma correlação entre os nove fatores apontou valores acima do limite de 0,80. Ainda que três destas mostraram valores em torno de 0,70 - Saúde e Controle de peso (0,711), Conteúdo natural e Preocupação ética (0,690) e Saúde e Conteúdo natural (0,667) -, como um todo, o FCQ vertido para o português brasileiro parece apresentar uma razoável discriminação entre os fatores especificados. Assim sendo, na perspectiva aqui tomada, uma proposta como a de Fotopoulos et al.17 de ajustar um modelo com um fator de ordem superior não se sustentaria e, portanto, não foi perseguida.
As estimativas dos coeficientes Kappa (> 0,80) indicaram haver uma concordância substancial entre as respostas no repetido processo de aferição, a exceção de Apelo Sensorial, para qual a concordância foi moderada (k= 0,768), seguindo a classificação de Shrout33. Steptoe et al.6 também encontraram confiabilidades moderadas ou substanciais em todas as dimensões no reteste (rvariando de 0,714 a 0,830). Esta consistência de achados endossa a qualidade do FCQ, pois um instrumento que repetidamente se revela confiável no processo de mensuração, por extensão, evidencia também sua potencialidade operacional para uso em estudos populacionais37.
Merece consideração o argumento de Eertmans et al.16 e de Pula et al.20 de que os itens usados na construção do FCQ evoluíram desde que a escala foi desenvolvida. Três questões parecem eminentes. Uma, concerne a inclusão de itens que contemplem as características religiosas dos respondentes. A segunda diz respeito às preocupações com o bem-estar animal18,20. Outra ainda, seria adicionar itens abarcando a influência dos meios de comunicação nas escolhas alimentares, já que o marketing acerca dos alimentos pode ser atraente, persuasivo e duradouro38. É reconhecido que a televisão manipula com sucesso a mente das crianças por meio de atrativos comerciais, influência que tende a persistir até a idade adulta39.
Estas avaliações de novos grupos de itens (dimensões), bem como possíveis modificações nos pares de itens i16↔i17 e i2↔i3, já apontam para uma pauta de estudos imediata com vista ao aprimoramento do FCQ. A esta, seria profícuo agregar as avaliações da estrutura escalar da ferramenta, bem como, subsequentemente, os tão necessários estudos de validade externa40.
Agregando conhecimento à literatura prévia sobre o FCQ, este estudo atesta a adequação das propriedades configurais e métricas da versão em português brasileiro do Food Choice Questionnaire. O instrumento parece ser uma boa ferramenta de aferição, cumprindo bem ao que se propõe. Abarca importantes fatores que permeiam as escolhas alimentares dos indivíduos, é breve, de fácil aplicação e compreensão, sendo aparentemente um instrumento reprodutível e válido também no contexto brasileiro. Pendentes as evidências a emergir das várias etapas a serem ainda cumpridas no processo de sua depuração e refino, o FCQ já pode ser recomendado para uso no Brasil na sua presente forma.