versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.2 São Paulo abr./jun. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AO3455
O crescimento da população de idosos nas últimas décadas se caracteriza como exponencial, tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, a cada ano, cerca de 650 mil novos idosos passam a configurar a população, sendo que a maioria deles encontra-se mais vulnerável a doenças crônicas. Diante disso, busca-se proporcionar uma melhor qualidade de vida a essa parcela da população e, para tal, deve ser considerada uma multiplicidade de aspectos que influenciam na saúde, como, por exemplo, a preservação da capacidade funcional, a autonomia, a participação social desses indivíduos e seu nível de satisfação pessoal, incentivando não apenas o cuidado, mas também a prevenção e a atenção integral à saúde dos idosos.(1)
Esse cenário traz a necessidade de identificar as reais demandas e necessidades comuns aos idosos, o que tem estimulado a produção científica na área da Gerontologia, com maior incremento de pesquisas na área da saúde. Muitas dessas pesquisas têm buscado ampliar o conhecimento e a aplicação de procedimentos de avaliação confiáveis e específicos para essa população.(2)
Dentre os instrumentos de investigação utilizados por pesquisadores, os questionários apresentam-se como um dos mecanismos mais importantes de obtenção de informações, principalmente em estudos populacionais. Esse instrumento consiste numa opção fácil de ser administrada e de baixo custo.(2,3) No entanto, faz-se necessário que esses instrumentos apresentem qualidades psicométricas (validade e reprodutibilidade) que garantam a confiabilidade dos indicadores avaliados.(4)
A validade de um instrumento (da qual fazem parte a validade de conteúdo, de critério e de construção) é uma das dimensões mais importantes e implica em analisar se o instrumento é, de fato, capaz de avaliar o que se propõe. A validade de conteúdo de um questionário, por sua vez, é uma avaliação subjetiva, feita com o objetivo de verificar se sua abordagem é capaz de representar um comportamento da amostra a ser avaliado, determinando se a escolha dos itens que compõem o instrumento é adequada, sendo uma etapa importante quando se propõe desenvolver um novo instrumento.(5-8)
No entanto, nota-se que são escassos os questionários multidimensionais adequados e precisos voltados especificamente para avaliar as condições de saúde da população idosa, principalmente em países em desenvolvimento, onde os idosos têm características muito particulares. Essas características se acentuam especialmente entre idosos residentes em municípios de regiões menos desenvolvidas, como é o caso da Região Nordeste do país, onde o acesso a bens e serviços de educação, saúde, saneamento, transporte, lazer, entre outros, é deficiente.(9)
É importante, assim, verificar, por meio de procedimentos que asseguram a confiabilidade dos indicadores, instrumentos que permitam conhecer o indivíduo idoso de forma eficiente e mais generalizada.(5)
Avaliar a validade de conteúdo do Instrumento de Avaliação da Saúde do Idoso com baixa escolaridade.
Trata-se de um estudo de validação do Instrumento de Avaliação da Saúde do Idoso (IASI), realizado no período de outubro do ano de 2013, no município de Jequié, situado na região sudoeste da Bahia, distante 365km de Salvador. A cidade é a nona mais populosa da Bahia e constituída por uma população de aproximadamente 161.528 habitantes.(10) Seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é médio (0,66).(11)
Trata-se de um questionário multidimensional, composto por sete blocos elaborados com base em instrumentos já validados (Anexo 1),(12-27) tendo como objetivo avaliar diferentes aspectos relacionados à saúde de idosos participantes do “Projeto de monitoramento das condições de saúde de idosos”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com número do parecer 613.364 e CAAE: 22969013.0.0000.0055.
O Bloco 1, com informações pessoais e sociodemográficas, contém 16 itens que buscam investigar informações como sexo, idade, situação conjugal, escolaridade, raça/cor da pele, religião e renda mensal. O Bloco 2 contém quatro questões referentes às características de moradia, como o tipo de moradia do indivíduo (casa, apartamento, abrigo etc.), se é própria, e se dispõe de luz elétrica e água encanada.
O Bloco 3 aborda hábitos de vida e foi construído com base em outros questionários(12-18) que tratam hábitos alimentares, consumo de álcool e tabaco, e nível de atividade física. As perguntas relacionadas aos hábitos alimentares contêm 18 questões adaptadas do modelo proposto por Fonseca et al.,(12) e do instrumento aplicado por Munaro,(13) que adaptou perguntas sobre consumo alimentar do estudo de Nahas et al.(14) e um quesito sobre estágios de mudança de comportamento a partir do modelo proposto por Prochaska et al.(15) As perguntas desse bloco são relacionadas, por exemplo, à quantidade de vezes na semana que o idoso consome alimentos como carnes salgadas, produtos industrializados, frituras, manteiga, refrigerante não dietético, açúcar, verduras, legumes e frutas. Questionam-se, ainda, o número de refeições completas que o idoso faz num dia; o quanto de líquido consome; se ele tem se alimentado menos por conta de problemas digestivos ou falta de apetite nos últimos 12 meses; e se o idoso se considera saudável, entre outros pontos. Quanto às perguntas referentes a álcool e tabaco, o indivíduo é questionado, por exemplo, se os consome e há quanto tempo faz uso dessas substâncias.
As perguntas relacionadas ao nível de atividade física que fazem parte do Bloco 3 foram retiradas de questionários como o Questionário Internacional de Atividade Física(16) e os questionários propostos por Reichert(17) e por Pitanga et al.(18) As perguntas estão relacionadas ao tempo que o indivíduo passa realizando atividade física em 1 semana normal/habitual, seja ela no trabalho, como meio de transporte, em atividades domésticas, ou no lazer. Solicita-se ao idoso responder quanto tempo passa sentado em 1 dia normal, além de perguntas relacionadas às barreiras que encontra para praticar atividade física, dentre as demais questões.
O Bloco 4, referente à capacidade funcional, foi construído com base nas escalas de Kartz(19) e Lawton et al.(20) O entrevistado é questionado com relação à dificuldade de andar ou correr, subir escada, ficar muito tempo sentado, abaixar, estender os braços, capacidade de utilizar o telefone, e desempenhar atividades como fazer compras, cozinhar, tomar seus remédios, cuidar das finanças etc.
Para a construção do Bloco 5, que abrange o estado de saúde, foram selecionadas questões retiradas do instrumento World Health Organization Quality of Life Instrument (WHOQOL),(21) para o idoso avaliar a própria condição de saúde, comparando-a com a de 12 meses atrás e com a de outros idosos da mesma idade. Ainda neste bloco, foi perguntado ao idoso quais das doenças de uma lista ele apresentava, quais medicamentos ele utilizava e se este idoso era cadastrado em algum seguro de saúde.
O Bloco 6, sobre saúde mental, foi composto por questões provenientes de alguns questionários, como o Questionário de Queixas de Memória para idosos (MAC-Q, Memory Complaint Questionnaire),(22) o Miniexame do Estado Mental (MEEM),(23) o Questionário de Atividades Funcionais de Pfeffer,(24) o Brazil Old Age Schedule (BOAS),(25) o Self-Report Questionnaire (SRQ-20),(26) e a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage – Versão Reduzida (GDS-15).(27) Este bloco questiona o idoso com relação à orientação temporal, à memória, à atenção e cálculo e à linguagem, com questões relacionadas a situações que o idoso poderia ter vivido nos últimos 30 dias (como dores de cabeça, dificuldade de pensar com clareza, falta de apetite etc.) e à satisfação pessoal, humor, dentre outras.
Por fim, o Bloco 7, sobre qualidade de vida, é composto por 52 questões retiradas do questionário WHOQOL(21) e indaga os pensamentos, sentimentos e alguns aspectos da qualidade de vida dos idosos.
Após a elaboração do instrumento de coleta de dados, o questionário foi submetido à avaliação de um comitê de avaliadores, formado por quatro profissionais da área da saúde, doutores e doutorandos, com experiência em pesquisa na área da epidemiologia do envelhecimento e escolhidos por conveniência.
Após levantamento dos profissionais estudiosos da temática, foi encaminhado a eles um convite para a participação na validação do questionário, para testar seu conteúdo. Após a confirmação da participação, foi encaminhada uma carta explicativa quanto à finalidade de analisar a representatividade dos itens do questionário em relação aos conceitos e à relevância dos objetivos a serem medidos, bem como a importância em avaliar as condições de saúde de idosos. Além de tais esclarecimentos, foi enviado ainda o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Aos avaliadores, foi orientado que sugerissem questões que pudessem ser incluídas/excluídas do instrumento e que avaliassem cada item em cada bloco do questionário, observando se as dimensões a serem abordadas foram abrangidas pelo conjunto de itens do questionário, em escala intervalar, adaptada de Hyrkäs et al.(28) como não válida (zero a 3 pontos), pouco válida (4 a 7 pontos) e válida (8 a 10 pontos).
Cabe ressaltar que, independentemente da classificação da variável (fosse ela descritiva ou não), tal condição não implicaria na análise do instrumento, visto que os cálculos para sua análise foram feitos com base na pontuação atribuída pelos avaliadores a cada item do questionário, de acordo com a escala intervalar citada acima, o que permitiu uma quantificação à percepção do avaliador sobre cada item.
Como medidas empregadas para avaliar o grau de concordância na validação de conteúdo do IASI, foram utilizados o porcentual de concordância (% concordância = número de participantes que concordaram totalmente com o item/número total de participantes x 100) e o Índice de Validade de Conteúdo (IVC = número de respostas válidas/número total de respostas). Considerou-se, para esse estudo, uma taxa aceitável de concordância valores acima de 80%. O escore do número de respostas válidas para calcular o IVC foi dado por meio da soma de concordância dos itens que foram marcados de 4 a 10 pelos avaliadores, considerando ainda que os itens avaliados de zero a 3 deveriam ser excluídos, e que os itens avaliados de 4 a 7 pontos deveriam ser revisados.(28,29)
Procedendo à validação de conteúdo do instrumento IASI, conduzida por quatro avaliadores, foi calculado o porcentual de concordância interobservadores, a fim de verificar a pertinência dos itens propostos em cada bloco do questionário e sua relevância na mensuração de atributos da população em estudo, ou seja, se sua abrangência contemplou uma amostra representativa do domínio de comportamento a ser medido.
O instrumento apresentou escore médio de concordância de 86%, variando entre os blocos do questionário de 63 a 99% (Tabela 1) e, dentre os itens do questionário, de 50 a 100% (Figura 1).
Tabela 1 Análise dos itens e porcentual de concordância por blocos do instrumento
Blocos | Itens | Itens excluídos | Concordância |
---|---|---|---|
(n) | (n) | (%) | |
1. Informações pessoais e sociodemográficas | 16 | 1 | 95 |
2. Características da moradia | 4 | 1 | 63 |
3. Hábitos de vida | 51 | 5 | 94 |
4. Capacidade funcional | 19 | 0 | 99 |
5. Estado de saúde | 11 | 0 | 82 |
6. Saúde mental | 54 | 39 | 75 |
7. WHOQOL-OLD | 52 | 4 | 83 |
| |||
Total | 207 | 50 | 86 |
Tais resultados demonstraram uma concordância aceitável do questionário entre os avaliadores − superior a 80%.
A soma dos itens considerados relevantes por cada avaliador conferiu um escore médio de 93,47 para o IVC do instrumento, sendo verificada, ao analisar os itens do questionário individualmente, uma variação de 50 a 100% (Figura 2). Após analisar cada item individual, foram excluídos do questionário aqueles considerados irrelevantes ou não representativos pelos avaliadores (IVC <100%).
IVC: Índice de Validade de Conteúdo.
Figura 2 Escore médio do Índice de Validade de Conteúdo por item. Foram retiradas do questionário 50 questões, tendo sido excluídas 1 questão do Bloco 1 (Informações pessoais e sociodemográficas), 1 questão do Bloco 2 (Características da moradia) 5 do Bloco 3 (Hábitos de vida), 39 do Bloco 6 (Saúde mental) e 4 questões do Bloco 7 (WHOQOL-OLD)
Com o aumento do contingente de idosos, os serviços de saúde se deparam com o desafio de prestar assistência a indivíduos cujo perfil de morbidade é marcado por doenças crônicas, que geram limitações funcionais e influenciam negativamente na qualidade de vida desses sujeitos.(19,30)
Nesse contexto, o IASI, questionário que se propõe a avaliar o indivíduo idoso de forma multidimensional, observando diferentes aspectos relacionados à saúde, atingiu níveis satisfatórios de validade. Estes instrumentos de avaliação, que refletem a saúde dos idosos, auxiliam a tomada de decisão de gestores na organização dos serviços de saúde de forma a prestarem melhor assistência à população.
O porcentual de concordância encontrado foi superior à taxa mínima estabelecida de 80%. Este porcentual foi adotado em decorrência da quantidade reduzida de avaliadores, uma vez que, na literatura, estudos sugerem um mínimo de cinco avaliadores para uma taxa de 90%.(4,31)
A avaliação crítica dos avaliadores permitiu o aprimoramento do questionário, sendo algumas questões retiradas do mesmo para maior adequação dessa ferramenta ao seu público-alvo.
Uma observação comum ao corpo de avaliadores do instrumento fez referência à sua extensão, pois o mesmo constava de 207 itens e, por esse motivo, excluíram-se 50 questões consideradas irrelevantes ou não representativas pelos avaliadores, com o intuito de facilitar o entendimento da população idosa e reduzir o instrumento, o que seria fundamental para validar sua adequação e expandir seu uso como instrumento de saúde pública, contribuindo para o avanço da investigação na área da Gerontologia, bem como para a adequação e a efetividade das práticas direcionadas a esse grupo populacional.
Chang et al.,(32) ao avaliarem a qualidade psicométrica do instrumento de bem-estar psicológico e social de idosos residentes em Chicago, observaram que o uso de instrumentos curtos e com respostas objetivas em inquéritos populacionais é mais adequado na detecção de agravos à saúde de idosos, especialmente quando a população do estudo apresenta um baixo nível de escolaridade, o que é o caso da população-alvo do presente estudo.
Vale ressaltar algumas limitações verificadas no presente estudo, especialmente no que tange ao reduzido número de avaliadores, o que dificultou a comparação com os parâmetros utilizados em outros achados na literatura, além de uma avaliação mais robusta do instrumento proposto.
Embora a avaliação da validade de conteúdo seja uma etapa fundamental quando se busca construir um novo instrumento, esta apresenta limitações quanto à subjetividade envolvida no processo de avaliação pelos especialistas, sendo importante considerar a execução de outras medidas psicométricas.(4,6,8,33) Além disso, cabe ressaltar que, embora a população do estudo compartilhe de experiências comuns, podem existir diferenças que tornam a utilização do questionário menos sensível para retratar, de forma adequada, as condições de saúde de todos os indivíduos da população em questão.
Com base nos resultados obtidos, conclui-se que o Instrumento de Avaliação da Saúde do Idoso apresentou indicadores psicométricos de validade de conteúdo aceitáveis, o que denota se tratar de um instrumento que pode ser utilizado entre a população de idosos com baixa escolaridade, sendo, portanto, um instrumento padronizado e de fácil aplicação, que poderá permitir uma melhor identificação dos agravos e o uso de estratégias adequadas para tomada de decisão, no que diz respeito às condições de saúde da população idosa.