Compartilhar

Validade e confiabilidade da Escala de Avaliação da Alfabetização em Saúde quanto à adesão medicamentosa entre diabéticos

Validade e confiabilidade da Escala de Avaliação da Alfabetização em Saúde quanto à adesão medicamentosa entre diabéticos

Autores:

Maria Clara Lélis Ramos Cardoso,
Aline Soares Figueiredo Santos,
Adélia Dayane Guimarães Fonseca,
Renê Ferreira da Silva-Junior,
Priscilla Durães de Carvalho,
Andrea Maria Eleutério de Barros Lima Martins

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo 2019 Epub 08-Abr-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4405

INTRODUÇÃO

As transições demográfica e nutricional observadas nas últimas décadas promoveram o aumento da morbimortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs).(1)Alterações fisiológicas e/ou funcionais durante o processo de envelhecimento incrementam a probabilidade de desenvolvimento de DCNTs. Em 2011, o diabetes mellitus (DM) destacou-se entre as DCNTs no mundo(2)e no Brasil,(1)sendo considerado uma pandemia e uma das dez principais causas de morte. Houve redução da mortalidade por DM entre 1996 e 2011 e entre adultos brasileiros com até 69 anos. Entretanto, a prevalência do DM continua alta, principalmente entre os idosos brasileiros, atingindo cerca de 20% das pessoas com 60 anos ou mais.(3)Em 1985, acreditava-se que existiam 30 milhões de adultos com diabetes no mundo. Este número cresceu para 135 milhões em 1995, atingindo 173 milhões em 2002, com projeção de chegar a 300 milhões no ano 2030.(4)

O DM é uma doença metabólica caracterizada por hiperglicemia resultante de problemas na secreção e/ou ação da insulina, que comprometem também o metabolismo lipídico e proteico.(5)Os principais fatores de risco do DM tipo 2 (DM2) são modificáveis e incluem tabagismo, inatividade física, alimentação não saudável e consumo excessivo de álcool.(6)Como determinantes sociais, são apontadas as desigualdades sociais, as diferenças no acesso a bens e serviços, a baixa escolaridade e as desigualdades no acesso à informação.(7)O DM exige tratamento contínuo, sendo necessário que o diabético cultive hábitos saudáveis; adote as terapias medicamentosas e não medicamentosas propostas; e se conscientize do autocuidado, no que diz respeito aos níveis de atividade física,(8)à nutrição, ao tabagismo,(8,9)ao etilismo(9)e à prevenção de complicações do diabetes.(9)Além disso, deve-se considerar a adesão ao tratamento medicamentoso como imprescindível para o controle da doença e o sucesso da terapia proposta.(10)

A não adesão ao tratamento medicamentoso do DM está entre os maiores problemas enfrentados pelos profissionais que atuam nessa área, acarretando no aumento dos custos para os sistemas de saúde, em função das baixas taxas de controle do DM alcançadas, responsáveis por elevadas taxas de morbimortalidade pela doença.(11)O custo global para o sistema de saúde do tratamento, em um país europeu, é, em média, mais de 1,5 vez superior à despesa per capita de cuidados em relação à população em geral. Além disso, esse custo aumenta de 2 a 3,5 vezes em pacientes que não seguem adequadamente a terapêutica e desenvolvem complicações microvasculares e macrovasculares evitáveis.(11)A adesão ao tratamento medicamentoso é o grau de concordância entre o conselho médico e o comportamento do paciente, considerando a adesão um processo no qual os sujeitos envolvidos são influenciados por vários fatores que determinam sua continuidade ou descontinuidade.(12)

Dada a importância do tema, estudos(10,11,13)relacionados à adesão ao tratamento medicamentoso foram desenvolvidos ao longo do tempo. Foi investigada a associação entre a adesão medicamentosa com algumas características pessoais e/ou sociodemográficas, como sexo,(13)idade,(14)estado civil,(15)nível socioeconômico,(13)conhecimento, compreensão da doença,(15)percepção do risco à saúde relacionado à doença;(15)além do conhecimento de custos e benefícios do cuidado adequado.(15)Foram também avaliadas condições não relacionadas diretamente ao paciente, como possíveis fatores capazes de interferir na adesão medicamentosa, tais como dificuldade no acesso à medicação e/ou ao serviço de saúde, suporte social e complexidade terapêutica.(16)Estas investigações agregaram conhecimento, mas não esgotaram o assunto e nem explicaram, de forma definitiva, a grande resistência dos pacientes em se manterem fiéis à terapêutica medicamentosa.

As hipóteses sobre os fatores que interferem na adesão medicamentosa parecem possuir relação direta com o nível de alfabetização em saúde do paciente. A “alfabetização em saúde” é um tema emergente na literatura, principalmente devido à sua associação com piores desfechos em saúde. Diz respeito às habilidades pessoais, cognitivas e sociais, que determinam a capacidade das pessoas em acessar, compreender e utilizar as informações relacionadas à saúde necessárias para promoção e/ou manutenção da boa saúde.(17)Um baixo nível de alfabetização em saúde compromete a adesão terapêutica adequada, uma vez que a complexidade do tratamento medicamentoso para o diabetes exige dos pacientes habilidades de compreensão, entendimento aplicabilidade – estas, muitas vezes, não alcançadas por eles.(18)Estudos prévios(13,19)sugeriram relação direta da alfabetização em saúde com a adesão medicamentosa, na medida em que relacionam o grau de escolaridade com a adesão ou não à terapêutica, demonstrando que, quanto mais baixo o nível de escolaridade, maior é a probabilidade de abandono do tratamento.

Existe a necessidade de um instrumento que mensure os níveis de alfabetização em saúde, no que diz respeito à adesão medicamentosa entre diabéticos. Tal medida deve subsidiar ações mais efetivas, garantindo aos pacientes diabéticos uma adesão medicamentosa adequada e, consequentemente, o melhor controle da doença, evitando complicações e permitindo-lhes melhor qualidade de vida.

Na criação e no julgamento de instrumentos de avaliação quantitativa, que se propõem a avaliar eventos relacionados à saúde, devem-se considerar os resultados de um estudo Delphi, resultante de um consenso internacional e multidisciplinar conduzido por 43 experts , que teve por objetivo orientar tal criação e julgamento, assim como a qualidade metodológica de estudos que avaliaram estes eventos. Esse estudo Delphi teve como produto o COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN), e estabeleceu um conjunto de parâmetros organizados em quatro domínios: confiabilidade, validade, responsividade e interpretabilidade.(20)A confiabilidade refere-se à qualidade do estudo, considerando a consistência interna, a reprodutibilidade e o controle dos erros aleatórios e sistemáticos. A consistência interna descreve a existência de correlação entre os diferentes itens que compõem um instrumento, e entre cada item e a pontuação total da escala, ou seja, a homogeneidade do instrumento. A reprodutibilidade é conceituada como a capacidade de reprodução de um resultado de forma consistente no tempo e no espaço, com os mesmos observadores ou com observadores diferentes, conferindo estabilidade, homogeneidade e equivalência entre diferentes observadores. Os erros de medida referem-se a erros sistemáticos ou aleatórios de um escore de um participante da pesquisa que não é atribuído a verdadeiras mudanças no construto a ser medido, ou seja, no evento relacionado à saúde que está sendo investigado entre os participantes de uma pesquisa.(20,21)A validade de um instrumento de medida se refere à capacidade de o instrumento medir com precisão o fenômeno estudado. A responsividade relaciona-se à capacidade de um determinado instrumento detectar mudanças no construto a ser medido considerando o tempo, quando se observam eventos capazes de promover tais mudanças. Por fim, a interpretabilidade se refere ao grau em que alguém pode inferir resultados qualitativos e valores quantitativos de um construto elaborado a partir da avaliação de um evento relacionado à saúde. Vale salientar que a interpretabilidade não é considerada uma propriedade de medida.(20,21)

Estão disponíveis na literatura instrumentos que avaliam níveis de alfabetização em saúde,(22)como instrumentos para avaliação desta alfabetização entre diabéticos.(23)Porém, não foram encontrados registros de um instrumento que avalia os níveis de alfabetização em saúde especificamente relacionada à adesão medicamentosa entre diabéticos.

OBJETIVO

Construir, identificar a validade de conteúdo e estimar a confiabilidade de um instrumento para avaliar a alfabetização em saúde relacionada à adesão medicamentosa entre diabéticos.

MÉTODOS

O presente estudo trata-se de um estudo piloto. A primeira etapa adotada na criação do instrumento para avaliar a alfabetização em saúde no que diz respeito à adesão medicamentosa entre diabéticos foi a revisão de literatura, que considerou estudos prévios que avaliaram a alfabetização em saúde e a adesão medicamentosa utilizando outros métodos e de forma independente. Fundamentou-se também em publicações disponibilizadas acerca do diabetes, bem como no tratamento e no manejo da doença. O instrumento criado foi denominado Alfabetização em Saúde Relacionada à Adesão Medicamentosa entre Diabéticos (ASAM-D).

Após revisão da literatura, o instrumento criado foi estruturado baseado no Short Assessment of Health Literacy for Portuguese-speaking Adults (SAHLPA-18), (Anexo 1) que estima o nível de alfabetização em saúde de adultos por meio da avaliação de habilidades de associação e compreensão de termos médicos comuns.(22)O ASAM-D foi constituído por 18 palavras relacionadas ao diabetes e ao seu tratamento.

Na segunda etapa, foram verificadas a adequação e a coerência dos itens do ASAM-D, pela técnica de validação de conteúdo, que permite identificar, por meio da análise de peritos da área, se as variáveis estabelecidas nos componentes avaliativos teriam a real capacidade de avaliar o que se propunha.(24)O instrumento foi submetido ao parecer e à apreciação de cinco juízes especialistas (dois endocrinologistas, duas enfermeiras e uma cirurgiã dentista), que foram convidados, por conveniência, considerando suas experiências profissionais no cuidado com pacientes diabéticos, estabelecendo o Comitê de Juízes que realizou a validação do conteúdo do instrumento.

A referida validação obedeceu os seguintes passos: o primeiro passo consistiu em solicitar aos profissionais sua participação na pesquisa como juiz avaliador, por meio da assinatura do termo de aceite e autorização. Os juízes também foram informados, por meio de um pequeno texto instrucional, que, naquele primeiro momento, era solicitada apenas a opinião individual e de modo confidencial sobre o instrumento criado, esclarecendo que a elaboração do instrumento foi fundamentada a partir da literatura pesquisada e em estudos epidemiológicos já utilizados em outros trabalhos. Os juízes foram informados, ainda, quanto aos objetivos, à metodologia e à justificativa para o processo de elaboração do instrumento, e que participariam, em um segundo momento, de uma reunião coletiva, com as elaboradoras, para finalizar a versão do instrumento.

Após o aceite, o segundo passo consistiu em solicitar aos especialistas o julgamento de cada palavra constante no documento, considerando sua propriedade e sua capacidade de avaliar a alfabetização em saúde quanto à adesão medicamentosa entre pacientes diabéticos. Os juízes foram orientados a redigir sugestões e comentários para melhoria das palavras avaliadas.(25)

O terceiro e último passo referente à validade do conteúdo aconteceu por intermédio do grupo de discussão, com a presença de todos os juízes que avaliaram o instrumento para, então, realizar edição da versão final, com as adequações necessárias.

Após a incorporação de todas as sugestões, o instrumento foi liberado para aplicação em parte da população a ser pesquisada, com o objetivo de determinar a confiabilidade do instrumento, ou seja, a certeza, de que o resultado encontrado iria se repetir quando o instrumento fosse replicado em outro momento, outro local, ou por outras pessoas, para o mesmo objeto de estudo.(24-26)

Na terceira etapa, foi estimada a confiabilidade do ASAM-D, que foi determinada por meio de sua aplicação, utilizando o método teste/resteste em amostra de 62 diabéticos cadastrados em unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo que o intervalo entre a aplicação do teste para o reteste foi de 7 a 14 dias. Antes da realização da entrevista, foram solicitadas, aos participantes, a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados: ser cadastrado nas equipes da ESF participantes da pesquisa, ter mais de 18 anos de idade e, em caso de participante idoso, ter alcançado pontuação mínima necessária no Miniexame do Estado Mental.

Ao término da aplicação do teste/reteste, houve a consolidação do banco de dados, e as análises estatísticas foram conduzidas a partir da utilização dos programas Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para Windows e Excel . A avaliação da consistência interna dos itens que compuseram o instrumento foi aferida pela estimativa do teste alfa de Cronbach . Utilizaram-se como referência os seguintes limites: alfa <0,30 (muito baixa); alfa entre 0,30 e 0,60 (baixa), alfa entre 0,60 e 0,75 (moderada); alfa entre 0,75 e 0,90 (elevada); alfa >0,90 (muito elevada).(27)A confiabilidade do instrumento foi medida pelo cálculo da concordância estimando-se os coeficientes Kappa. Foram considerados os seguintes critérios de interpretação dos valores do Kappa: sem concordância (<0), concordância pobre (0 a 0,19); concordância razoável (0,20 a 0,39); concordância moderada (0,40 a 0,59); concordância substancial (0,60 a 0,79) e excelente concordância (0,80 a 1,00).(28)

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), sob parecer 764.743/2014, CAAE: 34687414.0.0000.5146.

RESULTADOS

Dos 62 participantes deste estudo, 83,9% era do sexo feminino. A média de idade foi de 54,9 anos (DP=9,97), a idade mínima foi de 29 anos e a máxima de 77. A escolaridade variou de zero a 12 anos ou mais de estudo (X=5,63; DP=3,99), sendo que 40,3% possuía de 1 a 4 anos de estudo. Entre os participantes, 59,7% apresentaram idade entre 40 a 59 anos. A ocupação mais frequente foi do lar, conforme demonstrado na tabela 1 .

Tabela 1 Dados sociodemográficos das pessoas cadastradas na Estratégia Saúde da Família 

Variáveis n (%)
Sexo
Masculino 10 (16,1)
Feminino 52 (83,9)
Idade estratificada, anos
20-39 4 (6,5)
40-59 37 (59,7)
60-79 21 (33,9)
Escolaridade, anos completos de estudo
0 5 (8,1)
1-4 25 (40,3)
5-8 19 (30,6)
9-11 10 (16,1)
≥12 3 (4,8)
Ocupação
Do lar 42 (67,7)
Aposentado 5 (8,1)
Catador de recicláveis 1 (1,6)
Cabeleireiro 1 (1,6)
Professora 2 (3,2)
Comerciante 1 (1,6)
Trabalhador rural 1 (1,6)
Pedreiro 3 (4,8)
Microempreendedor 1 (1,6)
Costureira 1 (1,6)
Surfassagista 1 (1,6)
Comerciário 2 (3,2)

Tabela 2 traz os resultados do processo de validação do conteúdo, com as variáveis e os itens correspondentes que compuseram a versão inicial do ASAM-D, sobre a qual os especialistas opinaram nessa etapa do estudo objetivando à sua melhoria, assim como sua versão final. Foram confeccionadas 18 fichas que foram apresentadas aos participantes, pois a versão final do ASAM-D evidencia a associação correta em negrito para facilitar a visão e a consolidação dos resultados por parte do entrevistador.

Tabela 2 Principais modificações entre a primeira e a última versão do instrumento de avaliação da alfabetização em saúde relacionada à adesão medicamentosa entre diabéticos (ASAM-D) 

Item Primeira versão (palavras) Última versão (sugestões)
1 Insulina – injetável/oral Insulina – injeção/alimento
2 Hiperglicemia – glicose alta/suor Glicose alta – hiperglicemia/suor
3 Comprimido – medida/oral Comprimido – comprimento/oral
4 Diabetes – sal/doença Diabetes – pressão/doença
5 Glicemia – hipertensão/teste Glicemia – hipertensão/teste
6 Hipoglicemia – mal-estar/ferro Hipoglicemia – mal-estar/anemia
7 Via oral – músculo/boca Via oral – boca/perna
8 Medicamento – controle/bala Medicamento – comprimido/bala
9 Glicose – sal/açúcar Glicose – farinha/açúcar
10 Dose – quantidade/doce Dose – quantidade/validade
11 Injetável – subcutâneo/gesso Injetável – subcutâneo/pé
12 Bula – bolo/orientações Bula – propaganda/orientações
13 Receita – sobremesa/médica Receita – sal/prescrição médica
14 Tratamento – controle/cura Tratamento – controle/cura
15 Descompensado – caro/alterado Descompensado – caro/sem controle
16 Uso contínuo – sem interrupção/grande Uso contínuo – sem interrupção/comprido
17 Prescrição – medicamentosa/discrição Prescrição – médica/discrição
18 Efeito colateral – lateralizado/indesejado Efeito colateral – lateralizado/indesejado

Versão final do ASAM-D

Palavra principal Palavras de associação Pontos

1. Insulina ( ) Injeção ( ) Alimento ( ) Não sei
2. Glicose alta ( ) Hiperglicemia ( ) Suor ( ) Não sei
3. Comprimido ( ) Comprimento ( ) Oral ( ) Não sei
4. Diabetes ( ) Pressão ( ) Doença ( ) Não sei
5. Glicemia ( ) Hipertensão ( ) Teste ( ) Não sei
6. Hipoglicemia ( ) Mal-estar ( ) Anemia ( ) Não sei
7. Via oral ( ) Boca ( ) Perna ( ) Não sei
8. Medicamento ( ) Comprimido ( ) Bala ( ) Não sei
9. Glicose ( ) Farinha ( ) Açúcar ( ) Não sei
10. Dose ( ) Quantidade ( ) Validade ( ) Não sei
11. Injetável ( ) Subcutâneo ( ) Pé ( ) Não sei
12. Bula ( ) Propaganda ( ) Orientações ( ) Não sei
13. Receita ( ) Sal ( ) Prescrição médica ( ) Não sei
14. Tratamento ( ) Controle ( ) Cura ( ) Não sei
15. Descompensado ( ) Caro ( ) Sem controle ( ) Não sei
16. Uso contínuo ( ) Sem interrupção ( ) Comprido ( ) Não sei
17. Prescrição ( ) Médica ( ) Discrição ( ) Não sei
18. Efeito colateral ( ) Lateralizado ( ) Indesejado ( ) Não sei

Exemplo das fichas apresentadas aos participantes

Insulina

Injeção Alimento

Ao término da etapa de validação de conteúdo, o instrumento de medida encontrava-se pronto para ter suas propriedades psicométricas avaliadas. Em relação à consistência interna do instrumento ASAM-D, o resultado apresentou alfa de Cronbach total de 0,77 no teste/reteste, constatando-se elevada consistência entre todos os itens da escala que avaliava a alfabetização em saúde dos diabéticos com relação à adesão medicamentosa.

Na tabela 3 , a confiabilidade apresentada mostrou que houve variação dos valores de Kappa de 0,31 a 1,00 para os itens que compunham o instrumento ASAM-D, gerando concordância razoável a excelente para os itens referentes à avaliação da alfabetização em saúde dos diabéticos em relação à adesão medicamentosa. O menor valor de Kappa foi 0,31 e se referiu ao item “glicose alta - hiperglicemia/suor”, evidenciando concordância razoável; o maior valor de Kappa foi 1,00 e foi encontrado em 5 dos 18 itens da escala, evidenciando concordância excelente. Os demais itens apresentaram concordância que variou de substancial a excelente.

Tabela 3 Estimativa da reprodutibilidade (coeficiente Kappa simples) do instrumento de avaliação da alfabetização em saúde relacionada à adesão medicamentosa entre diabéticos (ASAM-D) 

Palavra principal Palavras de associação Kappa
1. Insulina Injeção Alimento 0,77
2. Glicose alta Hiperglicemia Suor 0,31
3. Comprimido Comprimento Oral 0,81
4. Diabetes Pressão Doença 0,70
5. Glicemia Hipertensão Teste 0,96
6. Hipoglicemia Mal-estar Anemia 0,95
7. Via oral Boca Perna 0,91
8. Medicamento Comprimido Bala 1,00
9. Glicose Farinha Açúcar 1,00
10. Dose Quantidade Validade 0,93
11. Injetável Subcutâneo 0,87
12. Bula Propaganda Orientações 1,00
13. Receita Sal Prescrição médica 1,00
14. Tratamento Controle Cura 1,00
15. Descompensado Caro Sem controle 0,79
16. Uso contínuo Sem interrupção Comprido 0,93
17. Prescrição Médica Discrição 0,95
18. Efeito colateral Lateralizado Indesejado 1,00

DISCUSSÃO

Durante a construção de um novo instrumento de medida, sobre eventos relacionados à saúde, é necessária a definição dos domínios, dos itens e das escalas de respostas para o instrumento de medida criado, fundamentados em critérios comportamentais, de objetividade, simplicidade, clareza, precisão, validade, relevância e interpretabilidade. Na construção do instrumento ASAM-D, todas estas questões foram consideradas e tiveram a finalidade de eliminar qualquer item ambíguo, incompreensível, com termos vagos, com duplas perguntas, com jargões e/ou que remetesse a juízo de valores.(20,23,25)

Ao construir um instrumento de medida, o pesquisador parte do princípio de que nem sempre é possível garantir que todos os domínios/itens envolvidos na temática pesquisada sejam contemplados, mas pauta-se na tentativa de abordar os aspectos mais representativos de cada dimensão ou assunto pesquisado − daí a necessidade de submeter esse instrumento ao parecer de um grupo de juízes da área, como ocorreu neste estudo. Os juízes têm como função verificar se o instrumento é válido ou não, pela verificação de seu conteúdo, e se atende a realidade pesquisada e o público-alvo ao qual o instrumento foi criado.(25)

A literatura esclarece que instrumentos de pesquisa novos, antes de serem aplicados à população geral à qual se destina, devem passar por avaliação de suas propriedades psicométricas; neste estudo, elas foram testadas pelo cálculo da confiabilidade. Para determinar a confiabilidade do instrumento ASAM-D, foram obedecidos os parâmetros preconizados pela literatura internacional, organizados e estabelecidos pelos domínios do checklist COSMIN, considerando-se a adequabilidade do instrumento de avaliação quantitativa pela estimativa da confiabilidade: consistência interna e reprodutibilidade.(20,21)

Os resultados encontrados relacionados à consistência interna do instrumento ASAM-D mostraram alfa de Cronbach 0,773, evidenciando estabilidade e consistência do instrumento proposto por este estudo.(21,25)A reprodutibilidade, a confiabilidade ou o método teste-reteste estimam a variância total, na medida em que é devida a “verdadeiras” diferenças entre respostas de participantes e/ou a resultados consequentes de entrevistas aplicadas em dois momentos distintos. O instrumento ASAM-D apresentou reprodutibilidade satisfatória, pois os resultados encontrados para a maior parte dos itens que compõem a escala mostram que houve concordância excelente, sem discordância entre as coletas realizadas, e que os itens utilizados na escala para avaliar a alfabetização em saúde dos diabéticos, em relação à adesão medicamentosa, são estáveis e consistentes, conforme atesta a estatística Kappa, comprovando que a reprodutibilidade encontrada assegura que variações temporais nos indicadores traduzem variações reais no comportamento da população, e não a instabilidade dos indicadores.(25)

As análises dos resultados relacionados aos 18 itens que compõem o instrumento ASAM-D demostram que o menor valor de Kappa encontrado foi 0,31, referente ao item “glicose alta – hiperglicemia/suor”. Este valor, apesar de indicar concordância razoável, leva a acreditar que, talvez, o item incorpore conceitos não compreendidos pelos respondentes, uma vez que os demais itens alcançaram valores Kappa que variaram de 0,70 a 1,00, o que expressa concordância de substancial a excelente. A utilização do instrumento para avaliar os níveis de alfabetização em saúde pode contribuir para a assistência aos diabéticos, uma vez que o significado da palavra “hiperglicemia” estava claro entre os participantes deste estudo. Em contrapartida, é preocupante um diabético não saber tal significado, pois sua adesão a um comportamento saudável pode ser incrementada pelo entendimento de sua própria condição de saúde.

Em relação à reprodutibilidade do instrumento ASAM-D, vale destacar, ainda, que, dos 18 itens da escala, 13 apresentaram Kappa acima de 0,80, evidenciando concordância excelente.

O estudo apresenta algumas limitações. Foram avaliadas propriedades psicométricas do instrumento (confiabilidade e consistência interna), sendo importante ressaltar que elas não são estáticas, ou seja, podem variar de acordo com a mudança da população de estudo que, neste caso, refere-se a usuários de apenas duas unidades de saúde. A realização do estudo em um único contexto e com apenas uma patologia pode limitar a generalização dos resultados. As análises de alfa de Cronbach não foram feitas considerando a relação de item a item, o que compromete a interpretação dos resultados, pois não foi possível avaliar a precisão, verificando se os itens estão redundantes ou insuficientes. Além disso, não foi conduzida a análise de constructo (análise fatorial), pois o número de entrevistados não foi suficiente para tal análise. Outras investigações podem identificar possíveis dimensões do constructo.

Por outro lado, a utilização desse instrumento em estudos longitudinais poderá identificar sua responsividade, podendo contribuir para a otimização e estabelecimento de prioridades no que tange à melhoria da adesão medicamentosa entre diabéticos, servindo como fonte para a construção de indicadores de saúde e para seu monitoramento.

CONCLUSÃO

Os itens do instrumento estão claros e adequados para atingir os objetivos propostos, ou seja, a escolha da teoria foi adequada, e os resultados do processo de validação de conteúdo sugerem que as modificações necessárias ao modelo adotado foram realizadas. O instrumento de avaliação da alfabetização em saúde relacionada à adesão medicamentosa entre diabéticos foi considerado confiável, pois apresentou estabilidade, ou seja, consistência interna e reprodutibilidade aceitáveis. No entanto, ao ser utilizado, devem ser considerados os erros de medida que ele possa produzir.

REFERÊNCIAS

1. Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet. 2011;377(9781):61-74.
2. World Health Organization (WHO). The top 10 causes of death [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [cited 2018 Feb 22]. Available from:
3. Mendes TA, Goldbaum M, Segri NJ, Barros MB, Cesar CL, Carandina L, et al. Diabetes mellitus: fatores associados à prevalência em idosos, medidas e práticas de controle e uso dos serviços de saúde em São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(6):1233-43.
4. Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Tratamento e acompanhamento do Diabetes Mellitus. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes [Internet]. São Paulo: SBD; 2007 [citado 2018 Fev 22]. Disponível em:
5. American Diabetes Association (ADA). Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2014;37(Suppl 1):S81-90.
6. Meisinger C, Döring A, Thorand B, Löwel H. Association of cigarette smoking and tar and nicotine intake with development of type 2 diabetes mellitus in men and women from the general population: the MONICA/KORA Augsburg Cohort Study. Diabetologia. 2006;49(8):1770-6.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2011 [citado 2018 Fev 22]. Disponível em:
8. Sales AT, Fregonezi GA, Silva AG, Ribeiro CT, Dourado-Junior ME, Sousa AG, et al. Identification of peripheral arterial disease in diabetic patients and its association with quality of life, physical activity and body composition. J Vasc Bras. 2015;14(1):46-54.
9. Hu FB. Globalization of diabetes: the role of diet, lifestyle, and genes. Diabetes Care. 2011;34(6):1249-57.
10. Maldaner CR, Beuter M, Brondani CM, Budó ML, Pauletto MR. Fatores que influenciam a adesão ao tratamento na doença crônica: o doente em terapia hemodialítica. Rev Gaucha Enferm. 2008;29(4):647-53.
11. World Health Organization (WHO). Adherence to Long Therm Therapies - Evidence for Actions [Internet]. Genebra: WHO; 2003 [cited 2018 Feb 22]. Available from:
12. Dosse C, Cesarino CB, Martin JF, Castedo MC. Fatores associados à não adesão dos pacientes ao tratamento de hipertensão arterial. Rev Latino-Am Enferm. 2009;17(2):1-7.
13. Gimenes HT, Zanetti ML, Haas VJ. Fatores relacionados à adesão do paciente diabético à terapêutica medicamentosa. Rev Latino-Am Enferm. 2009;17(1):1-7.
14. Faria HT, Rodrigues FF, Zanetti ML, Araújo MF, Damasceno MM. Fatores associados à adesão ao tratamento de pacientes com diabetes mellitus. Acta Paul Enferm. 2013;26(3):231-7.
15. Gelaw BK, Mohammed A, Tegegne GT, Defersha AD, Fromsa M, Tadesse E, et al. Nonadherence and contributing factors among ambulatory patients with antidiabetic medications in Adama Referral Hospital. J Diabetes Res. 2014;2014:617041.
16. Jannuzzi FF, Rodrigues RC, Cornelio ME, São-João TM, Gallani MC. Crenças relacionadas à adesão ao tratamento com antidiabéticos orais segundo a Teoria do Comportamento Planejado. Rev Latino-Am Enferm. 2014;22(4):529-37.
17. Clinton R. United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Aspects of literacy assessment: topics and issues from the UNESCO expert meeting. Paris: Unesco; 2005.
18. Cazarini RP, Zanetti ML, Ribeiro KP, Pace AE, Foss MC. Adesão a um grupo educativo de pessoas portadoras de diabetes mellitus: porcentagem e causas. Medicina (Ribeirão Preto). 2002;35:142-50.
19. Kalichman SC, Ramachandran B, Catz S. Adherence to combination antiretroviral therapies in HIV patients of low health literacy. J Gen Intern Med. 1999;14(5):267-73.
20. Mokkink LB, Terwee CB, Knol DL, Stratford PW, Alonso J, Patrick DL, et al. Protocol of the COSMIN study: COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments. BMC Med Res Methodol. 2006;6(1):2.
21. Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, et al. The COSMIN checklist for assessing the methodological quality of studies on measurement properties of health status measurement instruments: an international Delphi study. Qual Life Res. 2010;19(4):539-49.
22. Apolinario D, Braga RC, Magaldi RM, Busse AL, Campora F, Brucki S, et al. Short Assessment of Health Literacy for Portuguese-speaking Adults. Rev Saude Publica. 2012;46(4):702-11.
23. Ishikawa H, Takeuchi T, Yano E. Measuring functional, communicative, and critical health literacy among diabetic patients. Diabetes Care. 2008;31(5):874-9.
24. Terwee CB, Schellingerhout JM, Verhagen AP, Koes BW, de Vet HC. Methodological quality of studies on the measurement properties of neck pain and disability questionnaires: a systematic review. J Manipulative Physiol Ther. 2011;34(4):261-72.
25. Coluci MZ, Alexandre NM, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Cien Saude Colet. 2015;20(3):925-36.
26. Raymundo VP. Construção e validação de instrumentos: um desafio para a psicolinguística. Let Hoje. 2009;44(3):86-93.
27. Pasquali L. Princípios de elaboração de escalas psicológicas. Rev Psiq Clin. 1998;25(5):206-13.
28. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74.