On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.3 São Paulo May/Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700035
Diante do estigma associado à infecção, das repercussões emocionais associadas ao viver com o vírus e do incipiente apoio social recebido após o diagnóstico,1 torna-se um desafio promover a saúde das pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA). Para o alcance de resultados efetivos na prática clínica, a equipe de saúde necessita de ferramentas que possam estreitar vínculos e potencializar a educação em saúde, com o objetivo de preservar a autonomia e oferecer recursos para gestão adequada do estado de saúde.2
A utilização de tecnologias de informação e comunicação direcionadas à promoção da saúde PVHA é considerada promissora, por possibilitar o apoio ao autocuidado, o estímulo à adoção de hábitos saudáveis, a troca de informações e o suporte emocional. Dentre essas tecnologias, destaca-se o telefone, o qual pode ser utilizado para realização de ligações e envio de mensagens, com eficácia comprovada sobre a adesão ao tratamento e bom custo-benefício.3
As mensagens de texto com ênfase na educação em saúde apresentam vantagens quando comparadas às ligações, pois podem ser lidas rapidamente, a qualquer momento e em qualquer lugar, não exigindo grandes esforços por parte dos clientes e dos profissionais responsáveis pelo envio.4 As evidências apontam para o uso positivo do Short Message Service (SMS) para envio de mensagens de texto com o intuito demotivar hábitos saudáveisentre clientes com condições crônicas.5-8
Com o advento da expansão do uso da internet, os aplicativos de smartphone, a exemplo do WhatsApp Messenger têm potencializado a comunicação instantânea entre cliente e profissional, e a educação em saúde a partir de uma variedade de recursos de interação,9 ampliado as possibilidades de uso das mensagens de texto na saúde.
A utilização de tecnologias para promoção da saúde de PVHA é imprescindível para melhorar o sistema imune, prevenir comorbidades, promover a qualidade de vida e a adesão ao tratamento. No entanto, devem ser adequadamente desenvolvidas e validadas para assegurar sua eficácia e aceitação junto ao público-alvo.10Estudos com esse enfoque poderão oferecer aos profissionais e pesquisadores subsídios para ampliação do acesso às ações de educação em saúde no contexto dessa importante condição crônica.
Nesse sentido, objetivou-se avaliar a opinião de experts sobre o conteúdo de mensagens telefônicas para a promoção da saúde de pessoas vivendo com HIV.
Trata-se de um estudo de desenvolvimento metodológico, realizado em agosto de 2016, com participação de 11 experts. Esse termo se refere ao profissional que reúne alto grau de conhecimentos e habilidades na prática clínica, no ensino ou na pesquisa, sendo reconhecido no seu campo de atuação.11 O presente estudo constituiu a etapa inicial de uma pesquisa experimental com o objetivo de avaliar os efeitos de mensagens telefônicas enviadas via whatsapp na promoção da saúde de pessoas vivendo com HIV/Aids.
As mensagens telefônicas foram criadas a partir das diretrizes descritas em manuais nacionais sobre a assistência às PVHA12-15e envolveram as seguintes temáticas: adesão à terapia antirretroviral; atividade física; apoio social; autoestima; ansiedade e depressão; hábitos alimentares; comportamento preventivo e sexualidade. Também foram avaliadas duas mensagens adicionais, uma relativa à apresentação do acompanhamento telefônico e outra, a sua finalização.
Houve seleção de experts mediante amostragem por conveniência e intencional que apresentaram dois ou mais dos seguintes critérios de inclusão: possuir título de mestre ou doutor na área da saúde; ter trabalho publicado sobre cuidados às PVHA; participar de grupo/projetos de pesquisa sobre essa temática; ser docente em cursos da área da saúde sobre a assistência às PVHA e ter experiência profissional em hospitais ou ambulatórios de referência em HIV/Aids.
A triagem dos possíveis participantes foi realizada a partir da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sendo obtidos um total de 13 experts. Após convite realizado por meio de contato telefônico e/ou via correio eletrônico, 11 experts manifestaram interesse em contribuir com a validação. A seguir, receberam via correio eletrônico o termo de consentimento livre e esclarecido, o formulário de caracterização dos experts, as mensagens telefônicas e o instrumento de avaliação, sendo estipulado um prazo de 15 dias para entrega da avaliação.
O instrumento de avaliação investigou a percepção do expert quanto à clareza e o grau de relevância das mensagens. A clareza foi avaliada a partir de itens dicotômicos, do tipo sim ou não e o grau de relevância foi analisado por meio de uma escala de likert com as opções: irrelevante, pouco relevante e muito relevante. No instrumento havia espaço para inclusão de considerações adicionais e sugestões.
As informações do instrumento de avaliação foram organizadas no Excel for Windows e analisados a partir do Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que consiste na mensuração da proporção de experts que estão em concordância sobre a avaliação das mensagens.16 O IVC foi calculado a partir de três equações matemáticas: O S-CVI/Ave (média dos índices de validação de conteúdo para todas mensagens), S-CVI/UA (proporção de itens de avaliados que atinge escores 3 - muito relevante, por todos os experts) e o I-CVI (validade de conteúdo dos itens individuais).17 Foi estabelecido como padrão o IVC de 0,90 para estabelecer a excelência da validade de conteúdo das mensagens.18
Além disso, foi avaliada a porcentagem de concordância geral dos experts em relação à clareza das mensagens a partir da fórmula: número de itens com resposta sim divido pelo número total de itens avaliados, multiplicando-se o resultado por 100. Foi atribuída uma taxa de concordância mínima de 75%.16
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, parecer número 1.482.508.
No tocante à caracterização dos experts, todos eram do sexo feminino e tinham idade entre 26 e 57 anos (média: 38,1), sendo dez enfermeiras e uma médica. Com relação ao tempo de formação, variou de quatro a 32 anos (média: 14,8). Quanto à titulação, quatro eram mestres, seis eram doutores e um era pós-doutor. Todos tinham experiência em grupos de pesquisa, sete possuíam aproximadamente dez anos de experiência docente e oito tinham em média 11,6 anos de experiência clínica no cuidado às pessoas com HIV.
A tabela 1 apresenta as mensagens telefônicas e a avaliação dos experts quanto à clareza de cada mensagem. Metade das mensagens teve percentual de concordância acima de 75%, porém a mensagem que abordou o tema ansiedade e depressão apresentou avaliação mais baixa (63,6%). Todas as mensagens com concordância menor que 75% foram alteradas conforme sugestão dos experts. Ressalta-se que no início de cada mensagem havia a seguinte saudação: “Oi, Bom dia/Boa tarde/Boa noite!”. As mensagens de texto possuíram uma média de 298 caracteres.
Tabela 1 Avaliação dos experts quanto à clareza de cada uma das mensagens telefônicas - Fortaleza, CE, Brasil, 2016
Tema | Avaliação da clareza | |
---|---|---|
Sim | Não | |
n(%) | n(%) | |
Apresentação do acompanhamento | 10(90,9) | 1(9,1) |
Adesão à terapia antirretroviral | 8(72,7) | 3(27,3) |
Atividade física | 8(72,7) | 3(27,3) |
Apoio social | 10(90,9) | 1(9,1) |
Autoestima | 9(81,8) | 2(18,2) |
Ansiedade e depressão | 7(63,6) | 4(36,4) |
Hábitos alimentares | 10(90,9) | 1(9,1) |
Comportamento preventivo | 9(81,8) | 2(18,2) |
Sexualidade | 8(72,7) | 3(27,3) |
Finalização do acompanhamento | 8(72,7) | 3(27,3) |
A porcentagem concordância geral dos experts em relação à clareza das mensagens constatou que 79,1% dos experts consideraram as informações das mensagens claras. Com relação ao grau de relevância, a maioria dos experts (98,2%) considerou os temas abordados como muito relevantes para promoção da saúde de PVHA. A avaliação do IVC relativo ao grau de relevância revelou um I-CVI acima de 0,90 na maioria das mensagens, S-CVI/Ave de 0,98 e S-CVI/UA de 0,80 (Tabela 2).
Tabela 2 Avaliação dos experts quanto ao grau de relevância de cada uma das mensagens telefônicas
Tema | Avaliação do grau de relevância | I-CVI | ||
---|---|---|---|---|
Irrelevante | Pouco relevante | Muito relevante | ||
n(%) | n(%) | n(%) | ||
Apresentação do acompanhamento | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Adesão à terapia antirretroviral | 0 | 1(9,1) | 10(90,9) | 0,90 |
Atividade física | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Apoio social | 0 | 1(9,1) | 10(90,9) | 0,90 |
Autoestima | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Ansiedade e depressão | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Hábitos alimentares | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Comportamento preventivo | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Sexualidade | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
Finalização do acompanhamento | 0 | 0 | 11(100) | 1,00 |
S-CVI/Ave | 0,98 |
I-CVI - Validade de conteúdo dos itens individuais; S-CVI/Ave - Média dos índices de validação de conteúdo para todas mensagens)
As principais alterações realizadas foram a inclusão de um questionamento sobre o tema no início de algumas mensagens, a adequação das mensagens para uma linguagem mais simples e interativa, com substituição de termos específicos da área da saúde como, por exemplo,“medicamento” por“remédio”. Outra recomendação foi a exclusão de palavras ou expressões que pudessem remeter à infecção pelo HIV, tais como “número de vírus”, “imunidade” e “células de defesa” (Quadro 1).
Quadro 1 Descrição das mensagens telefônicas após a validação dos experts
Tema | Mensagem |
---|---|
Apresentação do acompanhamento telefônico | Meu nome é (nome do profissional), sou a enfermeira que ficou de enviar mensagens a cada 15 dias com orientações de saúde. Gostaria que você confirmasse o recebimento de cada mensagem com um “emotion legal”. Caso você tenha alguma dúvida ou pergunta sobre o assunto, poderá entrar em contato comigo pelo whatsapp todos os dias, em qualquer horário. |
Adesão à terapia antirretroviral | Você sabia que tomar os seus remédios todos os dias, no mesmo horário, de acordo com a receita do médico ajuda a melhorar a sua saúde e a sua qualidade de vida? Não faltar as consultas e realizar os exames são cuidados importantes. Converse com o seu médico sobre qualquer dificuldade com os seus remédios. Não desista do seu tratamento! |
Atividade física | Já praticou exercícios hoje? A prática de atividade física todos os dias ou pelo menos 3 vezes na semana durante 30 minutos faz as defesas do seu corpo ficarem mais fortes, ajuda a diminuir o peso e a gordura do seu sangue. Assim, você ficará mais disposto e com a cabeça tranquila. Você pode escolher uma atividade física que você goste, sempre com orientação do seu médico. |
Apoio social | Você sabia que é importante ter um tempo livre para curtir a família e os amigos? Conversar com alguém de sua confiança sobre as dificuldades, ajuda no seu tratamento. Você pode tirar dúvidas e buscar auxílio da equipe de saúde do seu local de atendimento sempre que precisar. Lembre-se: existem pessoas e profissionais que podem ajudar você a superar os desafios. |
Autoestima | Saiba que gostar de si mesmo ajuda nas atividades do dia a dia e melhora a suwa saúde. Pense no hoje e valorize as suas conquistas. Faça todos os dias algo que te deixe feliz, pode ser coisas simples como dançar, ler, descansar, ouvir música, caminhar ou outra coisa que você goste. Lembre-se: você é uma pessoa única, especial e valiosa. |
Ansiedade e depressão | A ansiedade e a depressão podem ocorrer em alguns momentos da nossa vida. Realizar exercícios físicos, dormir bem, ter uma alimentação saudável e manter boas relações com a família e os amigos ajudam a evitar a ansiedade e a depressão. Em algumas situações os remédios são necessários, busque ajuda da equipe de saúde no seu local de atendimento. |
Hábitos alimentares | Como está a sua alimentação? Você sabia que uma alimentação saudável fornece energia para as atividades do dia a dia e ajuda a prevenir os efeitos indesejáveis dos remédios? Uma alimentação saudável evita: diabetes, doenças do coração, aumento do colesterol ruim no sangue, lipodistrofia (alteração da gordura no corpo). Você pode consultar um nutricionista para melhorar a sua alimentação. Não se esqueça de beber no mínimo 2 litros de água por dia! |
Comportamento preventivo | O uso do álcool, cigarro e drogas ilícitas pode prejudicar a ação dos remédios e aumentar os efeitos indesejáveis. É importante evitar ou diminuir o consumo dessas substâncias para não prejudicar o seu tratamento. De qualquer forma, não deixe de tomar os seus remédios. |
Sexualidade | O sexo é importante na vida das pessoas e ajuda a se sentir bem. Durante a relação sexual, é importante usar camisinha para proteger você e o(a) seu(ua) parceiro(a) das doenças sexualmente transmissíveis. Beijos, abraços e carícias são formas de você dar e receber prazer sexual sem risco de contrair essas doenças. |
Finalização do acompanhamento telefônico | Obrigada por ter respondido as mensagens. Estamos terminando o acompanhamento telefônico via whatsapp, no entanto você continuará sendo atendido no serviço de saúde e pode pedir ajuda da equipe de saúde, se precisar. O nosso último encontro será no dia do seu retorno (data do atendimento), gostaria de contar com a sua presença para realizar a última avaliação da sua saúde, pediremos a sua opinião sobre essa experiência e finalizaremos a pesquisa. |
As mensagens telefônicas são uma forma de incentivo à adoção e fortalecimento de um estilo saudável em pessoas com condições crônicas,7 a exemplo da infecção pelo HIV/Aids, pois permitem ampliar seus conhecimentos e encorajar hábitos saudáveis.19,20O seu uso pode auxiliar o cliente a fazer escolhas para cuidar da saúde mental e física, a ter uma visão positiva da vida e a evitar comportamentos de risco.8
De acordo com a avaliação dos experts, os temas das mensagens foram considerados muito relevantes para a promoção da saúde de PVHA indo ao encontro das diretrizes nacionais que orientam a assistência a esse público.15 Em consonância, um estudo realizado com pessoas recém-diagnosticadas demonstrou que a maioria dos participantes considerou importante manter um equilíbrio físico, mental e comportamentalpara ter uma vida saudável. Houve preocupação com os hábitos de saúde após a descoberta da infecção, como diminuição do consumo de bebidas alcoólicas e cigarro, uso do preservativo, além da busca por uma alimentação saudável e prática de atividade física.16
Um cuidado importante durante a construção das mensagens direcionadas à promoção da saúde de PVHA foi dar ênfase aos benefícios (gain-framed) dos comportamentos saudáveis ao invés de focar nos riscos da não adoção de um comportamento alvo, recomendação avaliada como eficaz para o incentivo à prática de atividade física em um estudo com clientes acometidos por doença arterial coronária.5
Outra questão foi o uso de uma linguagem que motivasse o empoderamento e a liberdade de escolha, não instigando o autoritarismo. A preservação da autonomia é um fato imprescindível no processo de educação em saúde e evidências demonstram que as recomendações sobre estilo de vida saudável são mais efetivas quando estimulam a tomada de decisão a partir de argumentos que preservam a liberdade dos envolvidos.21
Não houve menção por parte dos especialistas em relação ao número de caracteres das mensagens de texto. O número de caracteres recomendado para mensagens enviadas pelo sistema Short Message Service (SMS) é 160.22 No entanto, como a proposta é enviar essas mensagens pelo aplicativo Whatsapp, não há evidências que indiquem o número adequado de caracteres. Desse modo, a realização de futuros estudos poderá avaliar essa questão.
No presente estudo, os experts sugeriram ainda adequações na linguagem das informações das mensagens, de maneira a torná-las mais diretas e acessíveis para favorecer a compreensão das informações, a partir da substituição de termos técnicos. De modo semelhante, uma pesquisa realizada com idosos hipertensos demonstrou o interesse em receber mensagens telefônicas objetivas e simples que estimulassem a adesão ao tratamento.6
Em relação a esse fato, ressalta-se que a comunicação eficaz entre cliente e profissional é um aspecto central na assistência em saúde. Para tanto, faz-se necessário fornecer informações a partir de uma linguagem adequada ao nível educacional e cultural do cliente.10 Nesse sentido, a substituição de termos técnicos pode favorecer a compreensão das mensagens e tornar as informações mais atrativas.
A sugestão dos experts em excluir palavras ou expressões que pudessem remeter à infecção pelo HIV foi considerada imprescindível para assegurar e resguardar o sigilo em relação ao diagnóstico dos futuros participantes da pesquisa.23 Esse cuidado se relaciona ao princípio da não maleficência, ou seja, a intenção de não causar mal e/ou danos aos participantes da pesquisa.24
Ademais, o medo da revelação do status sorológico é um aspecto que afeta a qualidade de vida das pessoas com HIV,1 por isso, a preservação do sigilo em relação ao diagnóstico deve ser considerada como prioritária nas intervenções telefônicas destinadas à promoção da saúde junto a este público-alvo.3
De uma forma geral, os experts consideraram as mensagens telefônicas claras e relevantes para a promoção da saúde de PVHA, sendo o IVC total das mensagens 0,98. Alguns experts sugeriram alterações na linguagem, de maneira a oferecer mais clareza e objetividade às informações. Esse estudo ofereceu um conjunto de mensagens validadas por experts que podem ser replicadas em outras pesquisas e na assistência às PVHA nos serviços de atenção especializada. Como limitações, considerou-se a não participação de experts de outras categorias profissionais e a ausência de validação das mensagens junto ao público-alvo. Uma pesquisa futura com uso das mensagens validadas poderá suscitar a necessidade de novas adaptações.