On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.27 no.4 São Paulo Aug. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400052
Características do ambiente da prática profissional da enfermagem constituem importantes fatores que podem afetar a qualidade e a segurança da assistência. A presença de atributos organizacionais, como autonomia, controle sobre o ambiente e colaboração entre médicos e enfermeiros, pode tornar o ambiente de trabalho mais favorável ao desenvolvimento dos cuidados e contribuir ainda para melhores resultados para o paciente, o profissional e a instituição.(1-4)
Os resultados, para o paciente, traduzem-se, além da satisfação com os cuidados recebidos, na redução na taxa de mortalidade(1,2,5,6) e na diminuição de eventos adversos decorrentes da assistência, como erros de medicação, quedas e infecção hospitalar.(7)
Para a instituição, a ausência de características favoráveis à prática profissional colabora para o aumento da rotatividade e das taxas de absenteísmo.(8) Para os profissionais, a presença dessas características resulta em maior satisfação,(8) menor intenção de deixar o emprego e menores níveis de burnout.(8)
O burnout é uma síndrome composta por três dimensões relacionadas – “exaustão emocional”, “despersonalização” e “diminuição da realização pessoal”, desenvolvida em resposta ao estresse físico e emocional no local de trabalho.(9,10) Altos níveis de burnout na equipe de enfermagem estão associados à insatisfação com o trabalho, à intenção de deixar o emprego e à insatisfação dos pacientes com os cuidados recebidos, o que influencia diretamente na qualidade da assistência oferecida e na segurança do paciente.(5)
Diante do contexto que envolve a prática profissional do enfermeiro, alguns instrumentos foram desenvolvidos para medir os componentes organizacionais desse ambiente de trabalho, entre eles, o Nursing Work Index-Revised (NWI-R), com a finalidade de avaliar a presença de características do ambiente que favorecem a prática profissional.(1)
O NWI-R tem sido identificado um dos instrumentos para medir o ambiente da prática, utilizado em diversos países e, a partir de estudos transversais, ele é capaz de relacionar como a estrutura organizacional e a prática da enfermagem influenciam nos resultados dos serviços de saúde.(11)
O NWI-R, originalmente, foi desenvolvido e validado para a cultura brasileira em uma amostra de enfermeiros(12,13) e, posteriormente, foi submetido a validade de conteúdo para ser aplicado entre auxiliares e técnicos de enfermagem (AE/TE).
Considerando que, no Brasil, as ações de enfermagem são desenvolvidas em equipe e que muitos dos resultados da assistência estão relacionados ao cuidado prestado por AE/TE, o presente estudo teve por objetivo avaliar a confiabilidade e a validade da versão brasileira do NWI-R entre esses profissionais.
Estudo transversal realizado nas unidades de internação de dois hospitais de ensino do interior do Estado de São Paulo. O hospital A presta assistência em nível terciário, atende pacientes de alta complexidade e conta com 419 leitos. O hospital B presta atendimento em saúde materno-infantil, em nível secundário, e possui 123 leitos. Ambas as instituições desenvolvem atividades de assistência, ensino e pesquisa.
Para a amostra, foram considerados os profissionais de enfermagem envolvidos na assistência direta aos pacientes, com tempo de experiência igual ou superior a três meses e que não estavam em período de férias ou licença. Por se tratar de um estudo de validação, considerou-se, para cálculo da amostra, o mínimo de dez sujeitos por item do instrumento, totalizando 150 sujeitos, distribuídos proporcionalmente entre os locais do estudo.
Para a coleta de dados, foram utilizados: a) ficha de caracterização pessoal e profissional; b) versão brasileira do Nursing Work Index- Revised (NWI-R) para auxiliar e técnico de enfermagem; c) Inventário de Burnout de Maslach (IBM).
a) A ficha de caracterização pessoal e profissional continha informações como sexo, idade, estado civil, formação, tempo de experiência e carga horária semanal de trabalho e três variáveis: “satisfação com o trabalho”, “percepção da qualidade do cuidado” prestado ao paciente e “intenção de deixar o emprego” no próximo ano. A “satisfação” e a “percepção da qualidade do cuidado” foram avaliadas por meio de uma escala de resposta do tipo Likert, com quatro pontos, onde maiores pontuações representavam, respectivamente, maior satisfação e melhor percepção da qualidade da assistência prestada ao paciente. A “intenção de deixar o emprego” foi avaliada por meio de uma escala visual analógica de zero a dez e, quanto maior a pontuação, maior a intenção em deixar o emprego no próximo ano.
b) O NWI-R versão Brasileira é composto por 15 itens distribuídos conceitualmente em quatro subescalas: “autonomia” (cinco itens), “relação médico e equipe de enfermagem” (três itens), “controle sobre o ambiente” (sete itens) e “suporte organizacional”(dez itens), os quais são derivados das três primeiras subescalas.(1)
A escala de medida utilizada é a do tipo Likert que varia entre um e quatro pontos, onde menores pontuações representam maior presença de atributos favoráveis à prática profissional da enfermagem. Os escores para cada uma das subescalas podem ser obtidos pela média dos escores das respostas dos sujeitos, podendo variar entre um e quatro pontos, sendo que escores elevados representam ambientes desfavoráveis.(1) Tal escala é um instrumento com índices de validade e confiabilidade satisfatórias.(13)
c) O IBM tem por objetivo mensurar o nível de burnout dos trabalhadores, o qual foi adaptado e validado para a cultura brasileira. É composto por 22 itens divididos em três subescalas: “exaustão emocional” (nove itens), “despersonalização” (cinco itens) e “diminuição da realização pessoal” (oito itens). A escala de medida é do tipo Likert, variando entre um e cinco pontos. Para cada subescala, deve-se obter a soma das respostas dos sujeitos em cada um dos itens.
Nas subescalas “exaustão emocional” e “despersonalização”, maiores pontuações expressam forte sentimento de esgotamento emocional e despersonalização e, na subescala “diminuição da realização pessoal”, que possui um escore inverso às outras subescalas, maiores pontuações indicam alta realização pessoal. Dessa forma, um alto nível de burnout é representado por altos escores nas subescalas “exaustão” e “despersonalização” e baixos escores na subescala “diminuição da realização pessoal”.(11) A classificação dos níveis de burnout é obtida por meio do cálculo dos tercis para cada subescala do IBM.
A coleta de dados foi realizada entre os meses de setembro de 2012 e fevereiro de 2013. Os auxiliares e técnicos de enfermagem foram abordados em seu local de trabalho e aqueles que aceitaram participar foram orientados a entregar os instrumentos respondidos, em envelopes lacrados, para uma das pesquisadoras.
Os dados foram tabulados no programa Microsoft® Excel 2010 Windows e analisados pelo programa SAS for Windows® (Statistical Analysis System), versão 9.1.3. Para avaliação da confiabilidade da versão brasileira do NWI-R para AE/TE, utilizou-se a análise da consistência interna, e valores acima de 0,60 para o coeficiente alfa de Cronbach foram considerados satisfatórios.
Para avaliação da validade foram obtidas as correlações entre a versão brasileira do NWI-R para AE/TE, o IBM e as variáveis “satisfação com o trabalho”, “intenção de deixar o emprego” e “percepção da qualidade do cuidado”, expressa pelo coeficiente de correlação de Spearman. Os valores para esse coeficiente podem variar de -1 a +1, onde os valores próximos a zero indicam ausência de correlação. Quanto mais próximo de +1, mais forte e positiva é a correlação e quanto mais próximo de -1 mais forte e negativa é a correlação. O nível de significância adotado para todos os testes estatísticos foi de 5% (p<0,05).
O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
A amostra foi composta por 150 auxiliares e técnicos de enfermagem (Tabela 1). A idade média dos participantes foi 37,7 anos (DP± 10). A média de tempo de trabalho na unidade foi 7,0 anos (DP± 7) e na instituição foi 7,9 anos (DP± 7,5). A média da carga horária semanal de trabalho, incluindo outro vínculo empregatício, foi 45,5 horas (DP± 14,55) e a média de pacientes sob a responsabilidade do profissional foi 6,32 pacientes (DP± 3,43).
Tabela 1 Características pessoais e profissionais dos Auxiliares e Técnicos de enfermagem
Variáveis | Auxiliares e Técnicos de Enfermagem | |
---|---|---|
Amostra | % | |
Local de trabalho | ||
Hospital A | 115 | 76,7 |
Hospital B | 35 | 23,3 |
Gênero | ||
Feminino | 128 | 85,3 |
Masculino | 22 | 14,7 |
Estado Civil | ||
Casado | 75 | 50,0 |
Solteiro | 55 | 36,7 |
Divorciado/Separado | 18 | 12,0 |
Viúvo | 2 | 1,3 |
Formação complementar | ||
Nenhuma | 111 | 74,0 |
Graduação em enfermagem | 22 | 14,7 |
Graduação em enfermagem em andamento | 17 | 11,3 |
Tipo de vínculo | ||
CLT | 146 | 97,3 |
CLE | 4 | 2,7 |
Turno de trabalho | ||
Noite | 84 | 56,0 |
Manhã | 47 | 31,3 |
Tarde | 19 | 12,7 |
Outro vínculo empregatício | ||
Não | 110 | 73,3 |
Sim | 40 | 26,7 |
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas; CLE – Consolidação das Leis referentes aos servidores extranumerários do Estado
Em relação à variável “satisfação com o trabalho”, 106 sujeitos (70,7%) consideram-se satisfeitos, 12 (8%) muito satisfeitos e 32 (21,3%) insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o trabalho atual. Na “percepção da qualidade do cuidado”, a maioria (n= 92, 61,3%) avaliou como boa, 52 (34,7%) muito boa e 6 (4%) como ruim a qualidade da assistência prestada ao paciente. Na variável “intenção de deixar o emprego” nos próximos doze meses, a média encontrada foi 2,83 (DP± 3,57).
Na avaliação do ambiente da prática profissional, as médias e os valores de confiabilidade das subescalas do NWI-R estão apresentadas na tabela 2.
Tabela 2 Média, desvio-padrão e coeficiente α de Cronbach da versão brasileira do Nursing Work Index – Revised para auxiliares e técnicos de enfermagem
NWI - R | Média | DP | α Cronbach |
---|---|---|---|
Autonomia | 2,04 | 0,56 | 0,58 |
Relação médicos e AE/TE | 2,25 | 0,71 | 0,82 |
Controle sobre o ambiente | 2,40 | 0,65 | 0,78 |
Suporte organizacional | 2,22 | 0,52 | 0,77 |
A confiabilidade foi analisada para cada subescala do IBM: “exaustão emocional” (α = 0,92), “despersonalização” (α = 0,73) e “diminuição da realização pessoal” (α = 0,72).
A avaliação da validade das subescalas do NWI-R com as subescalas do IBM e as variáveis – “satisfação com o trabalho”, “intenção de deixar o emprego” e “percepção da qualidade do cuidado”, resultou em correlações significativas (Tabela 3).
Tabela 3 Coeficiente de correlação de Spearman entre a versão brasileira do Nursing Work Index – Revised para auxiliares e técnicos de enfermagem, Inventário de Burnout de Maslach, Satisfação com o trabalho, Intenção de deixar o emprego e Percepção da qualidade do cuidado
NWI-R | Exaustão emocional | Despersonalização | Diminuição da realização pessoal | Satisfação com o trabalho | Intenção de deixar o emprego | Percepção da qualidade do cuidado |
---|---|---|---|---|---|---|
Autonomia | 0,49** | 0,33** | -0,18* | -0,35** | 0,20* | -0,31** |
Relação médicos e equipe de enfermagem | 0,44** | 0,35** | -0,30* | -0,44** | 0,16* | -0,21* |
Controle sobre o ambiente | 0,64** | 0,40** | -0,29* | -0,48** | 0,19* | -0,37** |
Suporte organizacional | 0,62** | 0,43** | -0,27* | -0,50** | 0,25* | -0,34** |
*p<0,05; **p<0,0001
Neste estudo, como em outros realizados com profissionais de enfermagem, o perfil dos profissionais são adultos jovens, do sexo feminino, o que se justifica pela condição histórica da profissão.(12,14) Embora uma pequena parcela desses profissionais possua graduação em enfermagem concluída ou em andamento, verifica-se que a maioria declarou não possuir nenhuma formação complementar, fato esse que pode ser considerado preocupante, se considerarmos as inovações tecnológicas e o mercado de trabalho exigente em relação à formação profissional e sua qualificação. Destaca-se a importância da realização de estudos sobre a formação dos auxiliares e técnicos de enfermagem no Brasil, por considerar que essas categorias constituem o maior contingente de profissionais responsáveis pelos resultados da assistência prestada ao paciente.
Os achados sugerem que os profissionais concordam, parcialmente, com a hipótese de que o ambiente possui atributos favoráveis à prática profissional, com destaque para a ‘autonomia’, que obteve a menor média em relação às demais subescalas. Em um estudo realizado em unidade de terapia intensiva, embora haja semelhança com as médias encontradas neste estudo, as relações entre médico e os auxiliares e técnicos de enfermagem foi a subescala com menor média. Essas diferenças podem refletir, em parte, os diferentes cenários da prática profissional da enfermagem.
No que se refere à confiabilidade da versão brasileira do NWI-R para a população em estudo, a subescala “autonomia” foi a que obteve o menor coeficiente, assim como em outros estudos nacionais e internacionais, demonstrando que os itens que a compõem podem não refletir o conceito de autonomia no ambiente da prática.(1)
O ambiente da prática foi correlacionado de maneira significativa com a “satisfação com o trabalho”, a “intenção de deixar o emprego”, a “percepção sobre a qualidade do cuidado” e o burnout. Isso significa que em ambientes favoráveis à prática, os profissionais estão mais satisfeitos, possuem menor intenção de deixar o emprego, avaliam como boa a qualidade da assistência oferecida ao paciente e apresentam menor nível de burnout.(1,3,12,14,15)
A versão brasileira do NWI-R apresentou confiabilidade satisfatória, com exceção da subescala ‘autonomia’. A validade do instrumento também foi confirmada ao se analisar que quanto melhor o ambiente da prática profissional, menores são os níveis de burnout, menor a intenção de deixar o emprego, maior a satisfação com o trabalho e melhor a qualidade do cuidado percebida pelos auxiliares e técnicos de enfermagem.