versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.5 São Paulo nov. 2019 Epub 03-Out-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190200
A síndrome hepatopulmonar (SHP), presente em pacientes cirróticos, é pouco estudada na esquistossomose hepatoesplênica (EHE) e inclui a ocorrência de dilatações vasculares intrapulmonares (DVP). O ecocardiograma transesofágico com contraste (ETEc) de microbolhas é mais sensível que o ecocardiograma transtorácico com contraste (ETTc) de microbolhas na identificação de DVP na cirrose.
Avaliar o desempenho do ETEc comparado ao ETTc na identificação de DVP para diagnóstico de SHP em pacientes com EHE.
Incluímos 22 pacientes com EHE submetidos a ETEc e ETTc para pesquisa de DVP, além de exames laboratoriais. Os ETEc e ETTc foram realizados empregando-se solução salina agitada, injetada em veia periférica. A visualização tardia das microbolhas em câmaras esquerdas indicava presença de DVP. Os resultados foram comparados entre os dois métodos pelos testes t de Stu dent e qui-quadrado (significância p < 0,05).
Todos os 22 pacientes realizaram ETEc sem intercorrências. Foram excluídos três pela presença de forame oval patente (FOP), e a análise final foi realizada nos outros 19. A DVP esteve presente ao ETEc em 13 pacientes (68%) e em apenas seis ao ETTc (32%, p < 0,01). Não houve diferenças significativas nos dados clínicos e laboratoriais entre os grupos com e sem DVP, incluindo a diferença alveoloarterial de oxigênio. O diagnóstico de SHP (presença de DVP com alterações gasométricas) ocorreu em cinco pacientes pelo ETEc e em apenas um pelo ETTc (p = 0,09).
Em pacientes com EHE, o ETEc foi seguro e superior ao ETTc na detecção de DVP não identificada ao ETTc, o que possibilitou adicionalmente excluir FOP.
Palavras-chave Ecocardiografia, Transesofágica/métodos; Dilatação Patológica; Esquistossomose; Hipóxia; síndrome hepatopulmonar; Doença Hepática Crônica/fisiopatologia
Hepatopulmonary syndrome (HPS), found in cirrhotic patients, has been little studied in hepatosplenic schistosomiasis (HSS) and includes the occurrence of intrapulmonary vascular dilatations (IPVD). Contrast transesophageal echocardiography (cTEE) with microbubbles is more sensitive than contrast transthoracic echocardiography (cTTE) with microbubbles in the detection of IPVD in cirrhosis.
To assess the performance of the cTEE, compared with that of cTTE, in detecting IPVD for the diagnosis of HPS in patients with HSS.
cTEE and cTTE for investigation of IPVD and laboratory tests were performed in 22 patients with HSS. Agitated saline solution was injected in peripheral vein during the cTEE and cTTE procedures. Late appearance of the microbubbles in the left chambers indicated the presence of IPVD. Results of the two methods were compared by the Student’s t-test and the chi-square test (p < 0.05).
cTEE was performed in all patients without complications. Three patients were excluded due to the presence of patent foramen ovale (PFO). The presence of IPVD was confirmed in 13 (68%) of 19 patients according to the cTEE and in only six (32%, p < 0.01) according to the cTTE. No significant differences in clinical or laboratory data were found between the groups with and without IPVD, including the alveolar-arterial gradient. The diagnosis of HPS (presence of IPVD with changes in the arterial blood gas analysis) was made in five patients by the cTEE and in only one by the cTTE (p = 0.09).
In HSS patients, cTEE was safe and superior to cTTE in detecting IPVD and allowed the exclusion of PFO.
Keywords Echocardiography, Transesophageal/methods; Dilatation, Pathologic; Schistosomiasis; Hypoxia; Cardiac Output; Liver Injury, Chronic/physiopathology
A dilatações vasculares intrapulmonares (DVP) constitui o substrato anatômico das alterações clínicas, marcadamente a hipoxemia observada em pacientes com doença hepática crônica, hipertensão portal ou shunt portossistêmico congênito ou adquirido, e integra a tríade da síndrome hepatopulmonar (SHP).1-3 Entretanto, em pacientes com esquistossomose hepatoesplênica (EHE) e hipertensão portal, mesmo com função hepática preservada, a DVP e a SHP têm sido pouco descritas.4,5
A exclusão da passagem do sangue venoso pelo fígado, que ocorre na hipertensão portal em cirróticos ou na EHE, ou ainda em anastomoses cavopulmonares (cirurgia de Glenn), seria o determinante fisiopatológico para a ocorrência das DVP. O desequilíbrio entre substâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras, dependentes de produção ou metabolização hepática, favorece o acúmulo de substâncias vasodilatadoras no pulmão, dentre elas o óxido nítrico, que desempenha importante papel nesse mecanismo.6,7 Capilares dilatados, associados a débito cardíaco aumentado, presente em disfunções hepáticas sem cardiopatia ou pneumopatia, têm como consequência um desequilíbrio na relação ventilação-perfusão, provocando hipoxemia ou aumento da diferença alveoloarterial de oxigênio (D(A-a)O2).
As DVP podem ser identificadas por meio do ecocardiograma transtorácico com contraste (ETTc) de microbolhas. Embora essa técnica seja considerada o método diagnóstico padrão,8 tem limitações devido a janela inadequada ou falso-positivo para o diagnóstico de DVP, pela presença de shunt esquerda-direita através de forame oval patente (FOP).9 O ecocardiograma transesofágico com contraste (ETEc) de microbolhas tem possibilitado melhor definição de imagem e maior acurácia diagnóstica que o ETTc na identificação e graduação das DVP em cirróticos.10-12 Adicionalmente, possibilita a identificação precisa e direta do FOP, ao verificar o aparecimento precoce das microbolhas no átrio esquerdo através do pertuito.
Embora alguns estudos tenham descrito o uso do ETTc em pacientes com EHE,4 não há relatos de uso do ETEc nesses indivíduos. Considerando-se o melhor desempenho diagnóstico do ETEc na detecção da DVP em cirróticos, foi proposto o presente estudo para estabelecer o papel do ETEc na identificação e quantificação das DVP na EHE e comparar com os resultados obtidos pelo ETTc.
Inicialmente, 29 pacientes com diagnóstico prévio de EHE sem hipertensão pulmonar sob tratamento em hospital terciário foram avaliados com o objetivo de investigar a presença da SHP, incluindo a detecção de DVP ao ETTc. Todos tinham critérios epidemiológicos, clínicos (hepatoesplenomegalia), laboratoriais (presença de ovos de Esquistossoma mansoni nas fezes ou biópsia retal) e ultrassonográficos (fibrose de Symmers) para o diagnóstico de EHE. A função hepática estava relativamente preservada em todos, apenas um paciente apresentava ascite caracterizada ao exame clínico. Sete pessoas foram excluídas inicialmente: duas por esplenectomia prévia, duas por doença pulmonar, uma por cirrose hepática, uma por trombose de veia porta e uma por imagem ecocardiográfica inadequada para avaliação. Após o ETEc, foram excluídos mais três pacientes pela presença de FOP, sendo a análise final realizada em 19 indivíduos, que constituíram o grupo de estudo com EHE (GEHE). Dezessete pacientes (89%) apresentavam varizes esofageanas à endoscopia, tratadas com escleroterapia prévia. Nenhum paciente tinha disfunção ventricular esquerda, valvopatia, doença arterial coronariana suspeita ou comprovada ou cardiopatia congênita associada. As características demográficas e clínicas do GEHE estão relacionadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características demográficas e clínicas dos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica com e sem DVP
Idade (anos) | 51,8 ± 8,4 | (41 a 66) |
Sexo masculino/feminino | 10/9 | - |
SC (m2) | 1,72 ± 0,14 | (1,56 a 2,07) |
FC (bpm) | 73 ± 16 | (51 a 106) |
PAS (mmHg) | 139 ± 20 | (105 a 178) |
PAD (mmHg) | 83 ± 15 | (60 a 113) |
Hb (g/dl) | 13,7 ± 2,4 | (8,9 a 18,8) |
Htc (%) | 41,1 ± 5,3 | (30,6 a 48,1) |
Plaquetas (mil/mm3) | 94.843 ± 60.391 | (25.000 a 281.000) |
Albumina (g/dL) | 4,43 ± 0,40 | (3,9 a 5,3) |
AST (U/L) | 34,8 ± 10,1 | (24 a 59) |
ALT (U/L) | 31,5 ± 13,5 | (17 a 77) |
Fosfatase alcalina (U/L) | 94 ± 26 | (67 a 161) |
RNI | 1,2 ± 0,18 | (1,01 a 1,5) |
PaO2 (mmHg) | 80,2 ± 9,1 | (60 a 97) |
PaCO2 (mmHg) | 36,7 ± 4,7 | (28 a 45) |
SatO2 (%) | 95,8 ± 1,59 | (94 a 98) |
D(A-a)O2 (mmHg) | 10,9 ± 7,5 | (2,63 a 26,68) |
Valores expressos, em média, ± 1 desvio padrão (intervalo de variação entre parênteses). ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase; FC: frequência cardíaca; Htc: hematócrito; Hb: hemoglobina; PaO2: pressão parcial de oxigênio no sangue arterial; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; RNI: razão normalizada internacional do tempo de protrombina; SatO2: saturação arterial de oxigênio; SC: superfície corporal; D(A-a)O2: diferença alveoloarterial de oxigênio.
Um grupo de 19 pacientes submetidos ao ETEc para pesquisa de eventos embólicos foi selecionado para controle dos graus de contraste com microbolhas, pareado por idade e sexo com o grupo EHE. Os indivíduos do primeiro grupo não apresentavam doenças hepática, cardíaca ou pulmonar nem FOP ao ETEc.
Todos os indivíduos do GEHE e controles apresentavam ritmo sinusal estável, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo normal (> 0,55), velocidade do refluxo tricúspide (VRT) inferior a 2,8 m/s13 e ausência de sinais indiretos de hipertensão pulmonar. Todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento esclarecido, e o protocolo de estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição.
Os pacientes do GEHE foram submetidos a exames laboratoriais, que incluíram testes para avaliação da função hepática, gasometria arterial (posição sentada, repouso e em ar ambiente), ultrassonografia abdominal, endoscopia digestiva alta, radiografia de tórax e espirometria no intervalo máximo de 3 semanas em relação ao ETEc. A D(A-a)O2 foi calculada por meio da fórmula:
Em que FiO2 é a fração inspirada de O2; Pb é a pressão barométrica na cidade de São Paulo (690 mmHg); PH2O representa a pressão de vapor d’água a 37°C = 47mmHg; PACO2 é a pressão alveolar de CO2, assumida como igual à PaCO2; R é a razão de troca gasosa (V’CO2/V’O2), sendo considerado o valor de 0,8. Analisou-se também a saturação de oxigênio (SatO2).
O diagnóstico da SHP foi estabelecido considerando-se a D(A-a)O2 maior que 15 mmHg e/ou a PaO2 inferior a 80 mmHg,(14 )associada à presença de DVP caracterizada pelo exame ecocardiográfico com contraste de microbolhas.
Todos os indivíduos do GEHE e do grupo-controle se submeteram inicialmente ao ETTc, seguido do ETEc. Foi utilizado equipamento HDI 7, Phillips Health Care, com transdutor 4 MHz para o ETTc e sonda esofágica multiplanar 3-7 MHz para o ETEc.
Inicialmente, foi feita avaliação estrutural e funcional do coração ao ETTc, de acordo com as recomendações da ASE (American Society of Echocardiography).15-17 A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi calculada pelo método biplanar de Simpson. O cálculo da pressão arterial pulmonar foi derivado do refluxo tricúspide. Realizou-se teste com contraste por meio de injeção em veia periférica cubital de soro fisiológico agitado manualmente para obtenção de microbolhas. Na presença de DVP, as microbolhas salinas surgiam nas cavidades esquerdas 4 a 6 batimentos cardíacos após seu aparecimento no átrio direito. O surgimento precoce (até 3 batimentos) era atribuído a shunt intracardíaco, em geral devido a FOP, cujo diagnóstico era otimizado pela manobra de Valsalva. O efeito do contraste foi observado no corte apical com quatro câmaras e foi classificado como presente (teste de contraste positivo) ou ausente (negativo), sem graduar sua intensidade (Figura 1). Nenhum dos indivíduos do grupo-controle apresentou teste de contraste positivo ao ETTc.
Figura 1 Corte apical 4C ao ETTc. Opacificação das câmaras direitas após a injeção de constraste salino agitado. Observam-se algumas microbolhas nas câmaras esquerdas após quatro ciclos cardíacos (teste positivo para DVP).1
Realizou-se ETEc sob sedação com midazolam e fentanil, com monitoramento contínuo da SatO2, do ritmo cardíaco e da pressão arterial sistêmica (PAS) durante o procedimento, de acordo com as técnicas estabelecidas.18 A manobra de Valsalva foi realizada quando possível.
Varizes de esôfago não foram consideradas contraindicação absoluta ao ETEc, exceto na presença de sangramento ativo ou recente (< 15 dias). Após a injeção salina agitada, o contraste no átrio esquerdo foi graduado pelo ETEc de acordo com a classificação empregada por Vedrinne et al.,10 porém, modificada: grau 0 = nenhuma microbolha; grau I (mínimo) = microbolhas raras e puntiformes; grau II (leve) = microbolhas com sinal mais grosseiro e difuso, sem preencher completamente o átrio esquerdo; grau III (moderado) = muitas microbolhas preenchendo homogeneamente o átrio esquerdo, mas com menor intensidade que no átrio direito; e grau IV (importante) = distribuição homogênea das microbolhas entre os dois átrios (Figura 2).
As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão, ou mediana com variações interquartis. Variáveis categóricas foram descritas como proporções. Utilizou-se o teste “t” de Student para comparar variáveis contínuas entre os grupos, além dos testes do qui-quadrado, de Pearson ou exato de Fisher, quando necessários, para comparar a frequência das variáveis categóricas. O valor de p < 0,05 foi utilizado como nível de significância estatística.
Os pacientes do GEHE apresentaram dados estruturais cardíacos normais (dimensões cavitárias, espessura e massa do ventrículo esquerdo), funções sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo preservadas (fração de ejeção de 0,67 ± 0,04) e PAS pulmonar de 27 ± 3 mmHg (VRT = 2,34 ± 0,14 m/s) avaliados ao ETTc. Todos os pacientes do GEHE realizaram o ETEc sem quaisquer intercorrências. Não houve hipóxia, arritmias, alterações neurológicas ou sangramento digestivo decorrente do procedimento.
No grupo-controle submetido ao ETEc, o grau I do teste de contraste foi observado em 12 (65%) dos 19 indivíduos, sendo ausente nos demais. Desse modo, o grau I foi considerado resposta normal ao ETEc. Portanto, apenas graus ≥ II foram considerados testes positivos para DVP no GEHE ao ETEc.
Os resultados da comparação do diagnóstico de DVP entre o ETEc e o ETTc no GEHE estão descritos na Tabela 2. Ao ETEc, o teste positivo para DVP ocorreu em 13 (68%) dos 19 pacientes do GEHE, sendo 1 em grau III (moderado) e 12 em grau II (leve); nenhum paciente desse grupo apresentou contraste em grau importante. Ao ETTc, a presença de contraste em câmaras esquerdas no GEHE foi detectada em apenas 4 (21%; p < 0,01 versus ETEc) dos 19 pacientes. O teste foi negativo para DVP em 6 pacientes por ambos os métodos (ETEc e ETTc), sendo grau I de contraste ao ETEc em 5 deles, fato considerado normal.
Tabela 2 Comparação entre o ETEc e o ETTc no diagnóstico de dilatações vasculares intrapulmonares nos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica
ETTc negativo para DVP | ETTc positivo para DVP | Total | |
---|---|---|---|
ETEc negativo para DVP | 6 (32%) | 0 | 6 (32%) |
ETEc positivo para DVP | 9 (47%) | 4 (21%) | 13 (68%) |
Total | 15 (79%) | 4 (21%) | 19 (100%) |
ETTc: ecocardiograma transtorácico com contraste de microbolhas; ETEc: ecocardiograma transesofágico com microbolhas; DVP: dilatações vasculares intrapulmonares.
A distribuição das diversas características clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas dos pacientes do GEHE em relação à presença ou ausência de DVP diagnosticada ao ETEc está exposta na Tabela 3. Idade, tempo de tratamento, superfície corporal (SC) e dados clínicos e laboratoriais gerais foram equivalentes nos dois subgrupos de pacientes. Não houve diferença entre as D(A-a)O2 dos grupos; porém, notou-se tendência a maiores valores da PaO2, com níveis significativamente maiores de SatO2 e menores de PaCO2 no subgrupo com DVP.
Tabela 3 Características clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas dos pacientes com esquistossomose hepatoesplênica em função da presença ou ausência de dilatações vasculares intrapulmonares ao ETEc
Com DVP (n = 13) | Sem DVP (n = 6) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 50,7 ± 8,9 | 54,7 ± 7,8 | 0,19 |
Sexo (fem/masc) | 8 F, 5 M | 1 F, 5 M | 0,14 |
Tempo tratamento (anos) | 15 ± 11 | 12,5 ± 12 | 0,30 |
Índice SC (m2) | 1,73 ± 0,15 | 1,70 ± 0,13 | 0,34 |
FC (bpm) | 70,8 ± 16 | 79,25 ± 15 | 0,21 |
PAS (mmHg) | 143 ± 15 | 131,4 ± 28 | 0,16 |
PAD (mmHg) | 85 ± 9 | 77,4 ± 25 | 0,18 |
AST (U/L) | 34,1 ± 11 | 35,8 ± 9 | 0,38 |
ALT (U/L) | 28,2 ± 8 | 38 ± 21 | 0,10 |
Fosfatase alcalina (U/L) | 92 ± 27 | 100,3 ± 25 | 0,27 |
TAP (segundos) | 1,16 ± 0,14 | 1,04 ± 0,15 | 0,09 |
RNI | 1,25 ± 0,16 | 1,22 ± 0,3 | 0,43 |
Albumina (g/dl) | 4,4 ± 0,46 | 4,5 ± 0,27 | 0,30 |
Hb (g/dl) | 13,8 ± 2,4 | 13,7 ± 2,7 | 0,48 |
Ht (%) | 40,9 ± 5,2 | 41,5 ± 6,8 | 0,42 |
PaO2 (mmHg) | 82,5 ± 9,2 | 75,3 ± 8,9 | 0,06 |
PaCO2 (mmHg) | 34,9 ± 3,5 | 40,7 ± 5,3 | < 0,01 |
SatO2 (%) | 96,4 ± 1,2 | 94,7 ± 2 | 0,01 |
D(A-a)O2 mmHg | 11,0 ± 6,6 | 10,9 ± 9,84 | 0,49 |
PaCO2/R mmHg | 43,7 ± 4,3 | 50,8 ± 6,6 | < 0,01 |
AE (mm) | 36 ± 5 | 33 ± 3 | 0,12 |
Vol.AE indexado (ml/m2) | 24 ± 5 | 21 ± 3 | 0,12 |
Vol.AE (ml) | 41,8 ± 9,8 | 35,9 ± 5,4 | 0,09 |
DDVE (mm) | 48,5 ± 5,1 | 45,5 ± 2,9 | 0,10 |
FEVE (%) | 66,4 ± 0,4 | 68,7 ± 0,4 | 0,15 |
PSAP (mmHg) | 28,1 ± 4,3 | 27 ± 3,6 | 0,35 |
AE: átrio esquerdo; ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase; FC: frequência cardíaca; D(A-a)O2: diferença alveoloarterial de oxigênio; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; DVP: dilatações vasculares intrapulmonares; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; Hb: hemoglobina; Htc: hematócrito; PaO2: pressão parcial de oxigênio; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; PaCO2/R: pressão parcial de gás carbônico/quoeficiente respiratório; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; PSAP: pressão sistólica pulmonar; RNI: razão normalizada internacional do tempo de protrombina; SatO2: saturação de oxigênio; SC: superfície corporal; TAP: tempo de atividade da protrombina; Vol.AE: volume do átrio esquerdo.
Do ponto de vista ecocardiográfico, foi observada tendência a maiores dimensões das cavidades esquerdas e dos volumes do átrio esquerdo no subgrupo com DVP, em relação ao subgrupo sem DVP. Não houve diferenças significantes das frações de ejeção do ventrículo esquerdo e dos níveis de PAS pulmonar entre os dois subgrupos.
O diagnóstico de SHP, estabelecido por critérios pautados somente no ETTc, ocorreu em um paciente (5%); por sua vez, o ETEc confirmou o achado nesse paciente e caracterizou a síndrome adicionalmente em mais quatro pacientes, totalizando cinco por esse método (26%; p = 0,09).
Este é o primeiro estudo utilizando o ETEc na identificação de DVP na EHE. Em cirróticos, estudos foram realizados para esse diagnóstico por meio do ETTc e do ETEc.2,8 A comparação entre esses dois métodos na identificação das DVP em cirróticos com hipertensão portal foi realizada inicialmente por Vedrinne et al.10 Segundo os autores, o ETEc apresentou maior sensibilidade na detecção do shunt intrapulmonar comparado ao ETTc: por isso, é indicado em todos os pacientes com suspeita de DVP não diagnosticada pelo ETTc. Em outro estudo semelhante, Fischer et al.11 verificaram que o ETEc também permitiu graduar o aparecimento das microbolhas nas cavidades esquerdas em graus variáveis (discreto até importante), além de observarem que esses graus apresentam relação direta com as alterações gasométricas encontradas.11 O emprego do ETEc nesses estudos se mostrou vantajoso, uma vez que a qualidade da imagem transtorácica pode dificultar a visualização do contraste com microbolhas, o que é contornado pela janela transesofágica.
A presença de shunt intracardíaco, originada de um FOP, também é mais bem diagnosticada pelo ETEc.9,19,20 O FOP, presente em três pacientes excluídos de nossa série após o ETEc, poderia ser o responsável pela passagem do contraste para as cavidades esquerdas ao ETTc e causar eventual superestimação da frequência de DVP. Esse fato demonstra a superioridade do método transesofágico no reconhecimento desta entidade.
O achado mais relevante de nosso estudo com pacientes com EHE e função hepática relativamente preservada foi a ocorrência de DVP subclínica, ainda sem repercussão nas trocas gasosas, detectada ao ETEc em frequência significativamente maior que a encontrada ao ETTc. Em nossos pacientes com EHE, o ETEc teve a capacidade de detectar grau discretos de alterações vasculares pulmonares, que podem corresponder a estágios iniciais da doença. A existência de DVP na EHE já havia sido descrita anteriormente em nosso meio por Ferreira et al.4 em igual proporção àquela observada na série estudada, porém utilizando exclusivamente o método transtorácico. Em nosso estudo, o ETEc permitiu o diagnóstico adicional de DVP em nove pacientes que não haviam sido identificados pelo ETTc, destacando o método transesofágico na caracterização indireta desta alteração vascular. Portanto, em concordância com os achados em cirróticos, o ETEc em pacientes com EHE foi mais sensível que o ETTc para o diagnóstico das DVP, demonstrando a superioridade deste método em mais um aspecto na EHE.
Em estudos com pacientes cirróticos e com hipertensão portal, foi observada DVP ao ETEc entre 51 e 75% deles, frequência esta substancialmente maior do que aquela detectada ao ETTc, que variou de 13 a 47%.10-12,21 Em nosso estudo, a presença de contraste tênue (grau I) ao ETEc em alguns indivíduos do grupo-controle ocorreu provavelmente devido a shunt pulmonar fisiológico, que possibilita a passagem de microbolhas de contraste de pequenas dimensões, capazes de ultrapassar a barreira do leito capilar pulmonar e alcançar as câmaras esquerdas. Por essa razão, foi considerado apenas o grau II ou superior como teste positivo para DVP.
Na presente série, houve uma tendência do ETEc em diagnosticar a SHP em um número maior de pacientes em comparação ao ETTc. Esses dados refletem os critérios utilizados para o diagnóstico de SHP, que podem variar com respeito às características gasométricas.14 Possivelmente resultados mais expressivos poderiam ser observados com um maior número de pacientes.
Não houve diferença estatisticamente significativa da D(A-a)O2 entre os subgrupos com ou sem DVP, destacando o papel do ETEc para o diagnóstico em uma fase subclínica das DVP. Por outro lado, três pacientes com hipoxemia e/ou D(A-a)O2 aumentada apresentaram teste de microbolhas negativo pelos dois métodos ecocardiográficos. Esse resultado pode ser decorrente do tipo de contraste (solução salina), da técnica de injeção e do tamanho das microbolhas alcançado. Embora as microbolhas formadas variem de 24 a 180 µ, bolhas maiores que 60 µ, que são mais ecogênicas, podem ter dificuldade para atravessar o leito capilar mesmo dilatado, produzindo sinal mais fraco.12 Além disso, a dissociação dos achados ecocardiográficos com contraste e os dados gasométricos em relação à DVP refletem a labilidade das trocas gasosas, uma vez que os exames não foram realizados simultaneamente, podendo ocorrer alterações temporais e dinâmicas das manifestações ecocardiográficas e gasométricas. Diferenças na PaO2, SatO2, PaCO2 entre os subgrupos com e sem DVP permanecem incertas.
Estudos recentes relatam a DVP como precursora ou associada à hipertensão portopulmonar em cirróticos e esquistossomóticos,22,23 podendo estar ligada a diminuição da sobrevida.22 Em cirróticos, a presença de DVP piora o prognóstico da doença, contribui para a indicação mais precoce do transplante hepático e acarreta maior risco de mortalidade após transplante em pacientes com hipoxemia acentuada.24,25 Entretanto, não se conhece o prognóstico das DVP encontradas na EHE, presentes em pacientes sem alterações clínicas e gasométricas pulmonares. Estudos adicionais são necessários para determinar seu curso evolutivo.
Assim como em outros estudos com pacientes cirróticos e hipertensão portal,11,25 o ETEc na série de pacientes com EHE estudada foi realizado sem complicações: a sonda foi introduzida sem intercorrências até o terço distal do esôfago, até mesmo ultrapassando o hiato esofágico, para se obterem os cortes transgástricos mesmo em presença de varizes sem sangramento recente, após escleroterapia.
A amostra relativamente pequena de pacientes com EHE é uma limitação do estudo: porém, traduz o comportamento da doença no Brasil, cuja incidência vem reduzindo ao longo dos últimos anos, sobretudo em nosso hospital universitário, que se localiza fora de zona endêmica da entidade.
A baixa prevalência de SHP na amostra reduzida de pacientes limitou a demonstração da associação da DVP com o grau de hipoxemia e a elevação da D(A-a)O2. Outra limitação foi a produção de microbolhas de tamanhos variados pela agitação manual da solução salina, impossibilitando a padronização de tamanho e a ecogenicidade, que promoveria maior uniformidade dos achados.
Como demonstrado, ETTc negativo não exclui a presença de DVP na EHE: portanto, diante da suspeita clínica, o ETEc seria indicado para estabelecer com segurança o diagnóstico de DVP no grupo de pacientes estudado. O significado clínico ou prognóstico das alterações vasculares na EHE deverá ser estabelecido em estudos longitudinais futuros.
Em pacientes com EHE e função hepática relativamente preservada, o ETEc foi superior ao ETTc na identificação de DVP, sobretudo em seus estágios mais precoces. O método transesofágico foi seguro nesses pacientes, na sua maioria com escleroterapia prévia de varizes esofageanas e sem sangramento recente. Foi diagnosticado FOP, que pode ser um fator a confundir o diagnóstico de DVP ao ETTc.