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Valores de nasalância para sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro

Valores de nasalância para sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro

Autores:

Viviane Cristina de Castro Marino,
Vanessa Moraes Cardoso,
Renata Giorgetto Ramos,
Jeniffer de Cássia Rillo Dutka

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.3 São Paulo mai./un. 2016 Epub 04-Jul-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015166

INTRODUÇÃO

O equilíbrio oronasal da fala pode encontrar-se alterado em populações clínicas que são de risco para a disfunção velofaríngea (fissura labiopalatina, doenças neuromotoras, deficiência auditiva) e/ou que apresentam alterações na permeabilidade de vias aéreas superiores (obstrução nasal e/ou nasofaríngea). O fonoaudiólogo tem o papel de identificar alterações do equilíbrio oronasal nas diferentes populações clínicas, buscando um diagnóstico preciso e tratamento apropriado.

A avaliação perceptivo-auditiva do equilíbrio oronasal é considerada essencial para a identificação das alterações de nasalidade de fala(1). Alguns autores argumentam que a avaliação clínica pode ser corroborada com avaliação instrumental incluindo a nasometria(2), enquanto outros(3-5) enfatizam a importância do uso da avaliação direta (videofluorosocopia/nasendoscopia) e indireta (nasometria/medidas aerodinâmicas) da função velofaríngea combinadas à avaliação perceptivo-auditiva em populações com disfunção velofaríngea ou alterações da permeabilidade nasal.

A nasometria, em particular, é uma técnica de avaliação acústica que oferece um correlato físico da nasalidade de fala. Estudos prévios mostraram níveis aceitáveis de concordância entre as medidas de nasalância fornecidas pelo equipamento nasômetro e os julgamentos perceptivos de hipernasalidade(6,7), resultando na aceitação do nasômetro para uso clínico e de pesquisa(3,8). Medidas de nasalância foram obtidas em vários estudos que objetivaram documentar o balanço oronasal apresentado por populações com fissura labiopalatina(7), doenças neuromotoras(9) e alterações auditivas(10,11).

Estímulos de fala padronizados foram propostos pela literatura americana para obtenção dos valores de nasalância e incluíram um texto oral (Zoo Passage), um texto oronasal (The Rainbow Passage) e sentenças nasais, conforme sumarizados previamente na literatura(3). Perceptivamente, valores de nasalância altos obtidos para texto oral geralmente correlacionam com hipernasalidade. Por outro lado, valores de nasalância baixos obtidos para texto nasal correlacionam com hiponasalidade(3).

De forma geral, valores normativos de nasalância foram estabelecidos para falantes norte-americanos utilizando os três estímulos padronizados e, clinicamente, estes estímulos são utilizados com ambos, adultos e crianças. Outros estímulos alternativos (texto oral Turtle e texto nasal Mouse), mais curtos e gramaticalmente mais simples(12), e até mesmo estímulos constituídos por seis sílabas(13) foram sugeridos para uso com crianças.. O procedimento simplificado de avaliação nasométrica (Simplified Nasometric Assessment Procedure, SNAP Test) foi particularmente proposto para uso com crianças(14) e consiste em três subtestes. Um destes subtestes é constituído por um conjunto de sílabas que contêm uma consonante oral de pressão (plosiva, fricativa, africada) ou uma consoante nasal seguida de uma vogal. O uso do subteste de repetição de sílabas foi sugerido para favorecer a identificação das alterações de ressonância(14) pelo avaliador, uma vez que valores de nasalância obtidos para estímulos de fala com constituição fonética homogênea (como ocorre durante a repetição das sílabas) podem ser mais facilmente comparados e, consequentemente, favorecer a interpretação dos achados.

A literatura(8) reporta 10 pontos percentuais mais altos nos valores de nasalância para a vogal /i/ quando comparados com a vogal /a/, uma vez que as vogais baixas, em contraste com as altas, apresentam posição de língua relativamente mais baixa, o que diminui a impedância oral do som. Além disso, o tamanho da cavidade oral durante a produção das vogais baixas resultaria em uma ressonância oral mais pronunciada. Estudos mostraram que estímulos de fala constituídos predominantemente pela vogal /i/ resultaram em valores de nasalância mais altos do que os obtidos para vogais baixas uma vez que as vogais altas apresentam intensidade nasal mais elevada do que as vogais baixas(15-17).

Valores normativos de nasalância de sílabas foram obtidos para crianças falantes do inglês norte-americano(18) e das línguas Marathi(19), turca(20), egípcia(21) e do dialeto inglês Ugandan(22), assim como para adultos falantes do grego(23). Um desses estudos, em particular, determinou os valores de nasalância para falantes da língua egípcia, além de verificar o efeito do gênero e da idade nestes valores(21). De forma conjunta, os achados reportados nestes estudos indicaram valores de nasalância mais altos para as sílabas nasais do que orais e valores mais altos de nasalância para sílabas constituídas pela vogal /i/ quando comparadas com as sílabas constituídas pela vogal /a/. Diferenças nos valores de nasalância entre as sílabas constituídas pelas vogais /a/ e /i/ variaram entre 10 e 20 pontos para falantes da língua egípcia(21). Além disso, para a população egípcia, os valores de nasalância para as sílabas variaram de acordo com a idade, com valores mais elevados para os falantes adultos. Houve efeito do gênero para sílabas orais constituídas pela vogal /a/, com valores mais elevados nestes estímulos de fala para falantes da língua egípcia do sexo feminino(21).

No português brasileiro, mais especificamente, ainda não foram estabelecidos valores de nasalância durante a produção de sílabas. Estudos prévios estabeleceram os primeiros valores normativos de nasalância para falantes do Português Brasileiro, com diferentes faixas etárias, utilizando textos orais(24) ou palavra isolada (“papai”)(25). Ambos os estímulos de fala propostos para o português brasileiro não objetivaram controlar o efeito das vogais nos valores de nasalância. Conforme reportado na literatura(8), o controle das vogais em estímulos de fala pode trazer informações importantes sobre o funcionamento do mecanismo velofaríngeo. Alguns estudiosos(17) enfatizam que a nasometria deve ser usada para corroborar com julgamentos clínicos da nasalidade e, portanto, é prudente que se leve em conta as características da intensidade oronasal natural das vogais (especialmente da vogal /i/), particularmente ao se interpretar os achados obtidos pelo nasômetro.

Considerando que valores de nasalância para falantes do Português Brasileiro foram determinados somente para textos e vocábulos isolados, o objetivo do presente estudo foi estabelecer valores de nasalância para sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro. O estudo também objetivou caracterizar nasalância para este estímulo de fala em relação aos possíveis efeitos da idade e do sexo.

MÉTODOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição de origem, sob número 0657/2013. Os dados analisados neste estudo fazem parte de uma investigação mais ampla analisada e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” em Marília, São Paulo, Brasil.

Participantes

Os indivíduos que participaram dessa investigação foram devidamente esclarecidos sobre os procedimentos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre esclarecido. Neste estudo, somente os valores de nasalância obtidos durante a repetição de sílabas foram de interesse.

Crianças, adolescentes, jovens e adultos falantes do Português Brasileiro oriundos da região Centro-Oeste do Estado de São Paulo foram recrutados de escolas locais, universidades e da comunidade em geral. Um fonoaudiólogo realizou entrevistas para confirmar a ausência de síndromes ou quaisquer outras condições que pudessem afetar o desempenho dos participantes durante a tarefa de gravação e, também, para verificar se tinham recebido fonoterapia previamente e se relatavam audição normal. As entrevistas foram realizadas com os pais e/ou professores das crianças e dos adolescentes, enquanto os participantes adultos foram entrevistados diretamente. Foram incluídos no estudo somente os participantes que apresentaram fluência, voz e produção normal da fala e que não tinham alterações de ressonância, conforme julgamentos realizados pelo fonoaudiólogo durante a coleta de dados. Os participantes foram excluídos quando apresentaram congestão nasal (por exemplo, devido à um resfriado) ou obstrução nasal (como constatado pelo teste de Espelho de Glatzel) no dia da avaliação nasométrica ou também foram excluídos quando foram incapazes de repetir as sílabas de interesse. Depois de atender aos critérios de inclusão e de exclusão, 245 participantes foram selecionados para este estudo. Os participantes foram divididos em quatro grupos de acordo com a faixa etária. Os grupos mais jovens, G1 e G2, foram divididos de acordo com a classificação da Organização Mundial de Saúde para crianças (5-9 anos) e adolescentes (10-19 anos)(26). O terceiro grupo, G3 foi constituído por adultos jovens com idades entre 20-24 anos, conforme a literatura(27). O quarto grupo, G4, incluiu adultos com idades entre 25-35 anos. A proporção de participantes por grupo foi a seguinte: 23% para o G1 com 57 crianças (27M, 30F) com média de 7a8m de idade (DP=1a1m), 24% para G2, 61 adolescentes (30M, 31F) com média de 15a de idade (DP=2a6m), 27% para G3 com 65 adultos jovens (34M, 31F) com média de 22a2m idade (DP=1a4m) e 26% para G4, 62 adultos (30M, 32F) com média de 29a8m de idade (DP=3a2m).

Estímulos de fala

Os estímulos de fala de interesse foram constituídos por um conjunto de 14 sílabas adaptado do MacKay-Kummer SNAP Test-R(18). Neste conjunto de sílabas, 5 eram constituídas por consoantes orais seguidas da vogal /a/ (pa, ta, ka sa, ∫a), 5 por consoantes orais seguidas da vogal /i/ (pi, ti, ki si, ∫i), duas por consoantes nasais seguidas da vogal /a/ (ma, na) e duas por consoantes nasais seguidas da vogal /i/ (mi, ni).

Procedimentos

A nasalância foi obtida utilizando o Nasômetro II 6400 (KayPentax, NJ, EUA). Todas as medidas de nasalância e gravações ocorreram em uma sala silenciosa, com revestimento acústico. O Nasômetro™ foi calibrado, antes da coleta de dados de cada dia, de acordo com as instruções do fabricante. Os participantes usavam o capacete do nasômetro com o separador de som posicionado entre o nariz e o lábio superior, também conforme as instruções do fabricante. O examinador verificou a placa separadora regularmente para garantir seu posicionamento adequado durante toda a avaliação. Cada participante foi convidado a repetir as sílabas em pitch e loudness de uso habitual durante dois segundos até que houvesse a produção de, no mínimo, 6 sílabas e, no máximo, 10 sílabas, na tela do computador, conforme apresentado no nasograma demonstrado na tela do computador. O valor médio de nasalância para cada participante foi calculada utilizando o software do nasômetro. Quando o participante cometeu um erro durante a repetição do estímulo, solicitou-se que repetisse novamente o estímulo selecionado e a versão revista deste estímulo foi salva e utilizada para a análise de dados. A ordem da apresentação das sílabas foi a mesma para todos os participantes.

Análise dos dados

Os dados foram analisados usando SPSS versão 8.0. Os valores de nasalância foram analisados usando General Linear Models (GLM) e a Comparação Múltipla de Tukey (post hoc) para comparar os níveis aos pares. O nível de significância estabelecido para as comparações dos pares foi de p=0,05.

RESULTADOS

Os valores médios (e desvio padrão) de nasalância para cada uma das 14 sílabas produzidas pelos 245 participantes, de acordo com o grupo de idade e sexo, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Valores médios (±desvio padrão) de nasalância para as sílabas produzidas pelos 245 participantes, de acordo com o grupo de idade (Grupo 1: 5-9 anos; Grupo 2: 10-19 anos; Grupo 3: 20-24 anos e Grupo 4: 25-35 anos) e o sexo (M: masculino; F: feminino) 

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
M F M F M F M F
pa,pa,pa... 5,2 (±1,9) 5,3 (±1,2) 4,4 (±1,4) 5,6 (±2,3) 5,5 (±3,8) 5,6 (±2,0) 4,5 (±2,2) 6,1 (±3,1)
ta,ta,ta... 6,0 (±2,4) 5,7 (±1,5) 6,1 (±2,4) 6,8 (±3,0) 7,1 (±4,9) 7,0 (±2,4) 6,5 (±4,1) 7,9 (±4,4)
ka,ka,ka... 6,3 (±2,1) 6,6 (±2,4) 7,7 (±4,7) 8,4 (±3,5) 7,8 (±4,4) 8,1 (±3,0) 6,9 (±5,0) 9,9 (±7,1)
sa,sa,sa.... 5,5 (±1,9) 5,7 (±2,4) 8,7 (±6,3) 7,0 (±3,5) 7,9 (±4,9) 9,1 (±6,3) 7,8 (±5,9) 9,9 (±7,0)
∫a,∫a,∫a... 6,0 (±2,5) 6,3 (±3,2) 9,1 (±6,8) 8,6 (±4,8) 8,6 (±6,1) 10,5 (±8,2) 9,3 (±8,1) 10,6 (±9,1)
pi,pi,pi... 13,9 (±5,9) 14,9 (±5,5) 12,5 (±5,4) 14,4 (±6,5) 12,2 (±4,5) 14,0 (±5,2) 12,0 (±5,1) 15,5 (±6,2)
ti,ti,ti... 14,5 (±5,7) 14,8 (±6,4) 13,6 (±4,9) 15,2 (±5,0) 14,0 (±5,4) 14,8 (±4,8) 12,9 (±5,6) 15,3 (±5,4)
ki,ki,ki... 17,9 (±5,5) 19,6 (±7,2) 18,1 (±7,5) 20,4 (±6,9) 18,2 (±6,8) 21,0 (±5,9) 16,4 (±6,3) 21,4 (±6,1)
si,si,si.... 13,1 (±5,3) 15,3 (±7,2) 14,3 (±6,7) 16,6 (±7,1) 14,8 (±6,2) 17,7 (±9,5) 13,1 (±6,4) 18,6 (±6,3)
∫i,∫i,∫i... 13,6 (±5,3) 15,4 (±7,0) 13,5 (±6,3) 15,9 (±7,4) 14,2 (±6,1) 15,5 (±5,7) 13,1 (±6,6) 17,4 (±7,2)
ma,ma,ma 64,1 (±7,9) 65,3 (±7,2) 62,6 (±7,7) 63,9 (±6,4) 62,2 (±6,3) 62,9 (±6,8) 60.3 (±7,2) 63,1 (±9,4)
na,na,na... 64,0 (±7,6) 65,4 (±6,6) 66,2 (±5,7) 66,1 (±5,6) 66,0 (±5,4) 65,5 (±6,3) 63,9 (±7,1) 66,6 (±8,7)
mi,mi,mi... 82,4 (±7,2) 84,2 (±5,5) 82,6 (±5,0) 82,0 (±6,4) 81,9 (±8,4) 81,0 (±6,7) 78,8 (±8,3) 81,2 (±7,9)
ni,ni,ni... 82,8 (±4,5) 83,8 (±6,2) 83,9 (±4,1) 83,7 (±4,8) 84,2 (±5,5) 82,2 (±5,9) 81,9 (±8,6) 83,1 (±7,8)

O modelo GLM foi utilizado para medir o efeito (significância estatística) dos fatores 4 grupos de idade, 2 sexos e 14 sílabas. Houve efeito principal para sílabas (F(13;3317=6110, p<0,001) e sexo (F(1;3317=42,29, p<0,001), e uma interação para idade*sexo (F(3;3317=6,16, p<0,001). Não houve efeito principal para idade (F(3;3317=1,59, p=0,189), não houve interação para idade*sílabas (F(39;3317=1,40, p=0,051) e para sexo*sílabas (F(13;3317=1,72, p=0,051), assim como não houve interação para idade*sexo e sílabas (F(39;3317=0,29, p=1,000).

Os efeitos significantes foram analisados pelo Teste de Tukey (post hoc), com significância estabelecida em 0,05. Para a variável sílaba, os valores médios de nasalância das sílabas em que as consoantes eram seguidas da vogal /i/ foram estatisticamente mais elevados (p<0,001) do que os obtidos para as consoantes correspondentes seguida da vogal /a/ (Tabela 2).

Tabela 2 Valores médios (±desvio padrão) de nasalância para as 14 sílabas produzidas pelos 245 participantes 

Vogal /a/ Média (±DP) Vogal /i/ Média (±DP) Valor p
pa,pa,pa... 5,33 (±2,49) pi,pi,pi... 13,71(±5,66) <0.001*
ta,ta,ta 6,71 (±3,43) ti,ti,ti... 14,44(±5,46) <0.001*
ka,ka,ka.. 7,80 (±4,49) ki,ki,ki 19,19(±6,74) <0.001*
sa,sa,as... 7,80 (±5,32) si,si,si... 15,56(±7,15) <0.001*
∫a,∫a,∫a... 8,70 (±6,72) ∫i,∫i,∫i... 14,92(±6,63) <0.001*
ma,ma,ma... 63,06 (±7,48) mi,mi,mi... 81,79(±7,14) <0.001*
na,na,na... 65,55 (±6,72) ni,ni,ni... 83,24(±6,13) <0.001*

*Comparação Múltipla de Tukey (post hoc) p=0,05

Para a variável sexo, o valor médio de nasalância encontrado para o sexo feminino, levando em conta todas as idades e todas as sílabas investigadas (orais e nasais), foi de 29,73 (DP=29,17), sendo este significantemente mais alto do que o valor de 28,48 (DP=29,43) encontrado para o sexo masculino (p-valor<0,001).

Para a interação idade*sexo, ao considerar todas as sílabas (orais e nasais), o valor médio de nasalância foi significantemente mais alto (p<0,001) para as mulheres pertencentes ao grupo de idade mais elevada (Média=30,52; DP=28,79) do que o encontrado para homens também pertencentes desse mesmo grupo de idade (Média=27,74; DP=28,92).

DISCUSSÃO

O primeiro objetivo do presente estudo foi estabelecer valores de nasalância para sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro, sendo adotada a hipótese de que as sílabas orais apresentariam valores de nasalâncias mais baixos do que as nasais. Também era esperado que as sílabas constituídas pela vogal /i/ apresentassem valores de nasalância mais elevados do que os valores para sílabas constituídas pela vogal /a/, tanto para consoantes orais quanto nasais. A análise do efeito principal para tipo de sílaba e comparações post hoc confirmaram essas hipóteses. Os dados obtidos neste estudo para falantes do português brasileiro confirmam achados obtidos em estudos prévios que mostraram valores de nasalância mais elevados para sílabas nasais do que orais para crianças falantes do inglês norte-americano(18) e da língua turca(20), como também para adultos gregos(23) e para crianças, adolescentes e adultos falantes da língua egípcia(21). Estes achados eram esperados em decorrência da proporção de consoantes nasais que constituem a repetição das sílabas nasais. A obtenção dos valores de nasalância para sílabas nasais é apontada como relevante para a avaliação da hiponasalidade decorrentes da obstrução de vias aéreas superiores(8,28).

Os resultados do presente estudo também confirmaram achados prévios que indicaram valores de nasalância mais altos para as sílabas constituídas por vogal /i/ do que para as sílabas correspondentes seguidas pela vogal /a/(18,20,21). Uma inspeção mais detalhada dos resultados revelou que a diferença nos valores de nasalância entre as vogais /a/ e /i/ para os estímulos investigados variaram, em média, entre 8 e 20 pontos. Estes achados concordam com os obtidos previamente por outros estudiosos(18,21,28). Segundo a literatura(18), estes achados eram esperados uma vez que vogais baixas, em contraste com as altas, apresentam posição de língua relativamente mais baixa, o que diminui a impedância do som. Além disso, o tamanho da cavidade oral durante a produção das vogais baixas resultaria em uma ressonância mais pronunciada.

Adotou-se, como segunda hipótese do estudo, que a idade e gênero não teriam efeitos significantes nos valores de nasalância obtidos durante a repetição das sílabas. Esta hipótese, porém, foi confirmada somente parcialmente. Ao considerar todas as sílabas (orais e nasais), os valores de nasalância para mulheres (média=29,73; DP=29,17) foram significativamente mais altos do que os valores de nasalância para homens (média=28,48; DP=29,43). Tal diferença pode ser explicada pelos valores de nasalância mais elevados (média=30,52; DP=28,79) encontrados para mulheres adultas do que aqueles encontrados para homens com idades similares (média=27,74; DP=28,92). Um estudo prévio também encontrou uma tendência de valores mais elevados para o sexo feminino durante a repetição de sílabas orais constituídas pela vogal /a/ quando comparadas aos valores encontrados para o sexo masculino(21). A literatura(8) reporta que a nasalidade da fala pode ser afetada pelo sexo do falante. No entanto, estudo prévio envolvendo falantes do Português Brasileiro(24) constatou que quando houve diferença entre os gêneros para a população estudada esta foi apenas de 2 pontos percentuais e, portanto, sem significância clínica.

No presente estudo, não houve diferença significante nos valores de nasalância entre os grupos de idades avaliados, discordando do estudo envolvendo falantes gregos(21) em que houve diferenças entre os grupos de idades (crianças, adolescentes e adultos), com aumento consistente dos valores de nasalância para os adultos. Em um estudo prévio envolvendo falantes do Português Brasileiro(24), os autores encontraram valores de nasalância inferiores para as crianças, quando comparados com adolescentes e adultos, durante a produção de textos orais. Embora o aumento dos valores de nasalância em adultos possa ser explicado pelo aumento da configuração das cavidades oral e nasal com o aumento da idade(29), tal fato não foi observado por outros autores(6). Além disso, a literatura aponta que embora estatisticamente significantes, as diferenças nos valores de nasalância entre crianças e adultos geralmente estão dentro de três pontos perceptuais, podendo não ser clinicamente significantes(3).

A literatura aponta a relevância de informações derivadas do estímulo de fala envolvendo repetição de sílabas ao inferir sobre o status da função velofaríngea, particularmente quando alterações sutis estão presentes na população investigada(8). Informações obtidas no presente estudo podem contribuir para avaliação clínica dos distúrbios da ressonância ao oferecer o correlato acústico da nasalidade de fala para um grupo de sons específicos, particularmente, levando-se em conta o efeito das vogais.

Os dados deste estudo poderão colaborar em avaliações de populações clínicas falantes do Português Brasileiro (com fissura labiopalatina, doenças neuromotoras, ou deficiência auditiva). Considerando-se que a interpretação dos valores de nasalância obtidos por populações clínicas requer comparações com valores normativos estabelecidos para cada língua, em particular, é essencial considerar o efeito da língua nos valores de nasalância para a repetição das sílabas. É importante que se evite comparar valores de nasalância entre línguas distintas, conforme constatado em estudo prévio(21) que comparou os valores de nasalância obtidos para a língua egípcia com os reportados para o inglês norte-americano(18). Estudos futuros envolvendo a obtenção dos valores de nasalância durante a repetição de sílabas para diferentes populações clínicas são ainda necessários. Espera-se que o uso das sílabas em estudos envolvendo populações clínicas possa trazer informações que contribuam para avaliações do equilíbrio oronasal da fala.

CONCLUSÃO

Valores de nasalância das sílabas produzidas por falantes do Português Brasileiro demonstraram variação quanto aos estímulos investigados, com valores mais altos para sílabas nasais quando comparadas às orais e, também, para as sílabas constituídas pela vogal /i/ quando comparadas com a vogal /a/. Também houve variação nos valores de nasalância das sílabas para a variável sexo e, particularmente, para adultos, já que as mulheres desse grupo de idade apresentaram valores de nasalância mais altos do que os homens de idades similares.

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