Compartilhar

Vamos olhar (o) direito durante a avaliação da disfunção diastólica?

Vamos olhar (o) direito durante a avaliação da disfunção diastólica?

Autores:

Murilo Foppa,
Angela Barreto Santiago Santos

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.3 São Paulo mar. 2019

https://doi.org/10.5935/abc.20190053

Quase metade dos pacientes com insuficiência cardíaca apresenta fração de ejeção preservada (ICFEP). A ICFEP é tradicionalmente atribuída a um aumento da pressão de enchimento diastólico final do ventrículo esquerdo (Pd2), desencadeada por mecanismos estruturais, metabólicos e funcionais.1 A ecocardiografia permite identificar os sinais de ICFEP, como disfunção diastólica (DD),2 átrio esquerdo aumentado e anormalidades mais sutis da função sistólica detectadas pelo strain longitudinal global.3,4 Alterações do ventrículo direito (VD) e hipertensão pulmonar também são identificadas pela ecocardiografia, sendo frequentemente observadas na ICFEP.5 No entanto, há controvérsias sobre se as alterações observadas nas câmaras cardíacas direitas são consequência de alterações do lado esquerdo ou se correspondem a efeito direto sobre as câmaras esquerda e direita, causado simultaneamente pelos mesmos mecanismos, tais como fibrose subendocárdica difusa e disfunção sistólica subclínica.

Neste estudo, Baroncini et al.6 buscaram apresentar mais evidências para preencher essa lacuna de conhecimento. Os autores compararam duas pequenas amostras de indivíduos com e sem DD (25 indivíduos em cada grupo) e não encontraram alterações significativas na função do VD entre os grupos medidos pela excursão sistólica do plano anular tricúspide (TAPSE) ou velocidade sistólica da parede livre do VD (s'). A análise secundária destacada pelos autores mostrou que, no subgrupo com DD, os 7 indivíduos com átrio esquerdo dilatado apresentaram piores parâmetros de função do VD em comparação com os demais pacientes com DD (n = 18). Esses resultados poderiam sugerir que as alterações do VD estariam presentes apenas naqueles já com aumento crônico da pressão atrial esquerda, identificado por sua dilatação.

No entanto, esse achado específico, restrito a um subgrupo é muito provável que tenha ocorrido por acaso. Além das reconhecidas limitações de achados a posteriori, há outros achados que enfraquecem a consistência da plausibilidade biológica da associação descrita. Não houve correlação significativa quando as medidas do átrio esquerdo e do ventrículo direito foram analisadas de forma contínua (diferentemente do título do artigo), e não houve associação relevante identificada nas análises que incluíram o grupo de controles supostamente normais. Outra questão importante é a impossibilidade do estudo, como realizado, de ajustar adequadamente as relações intrincadas entre as variáveis de confusão. Isso fica evidente quando analisamos as relações entre idade, função diastólica, tamanho do átrio esquerdo e função diastólica no estudo.

Alterações da função VD nos estágios iniciais da DD já foram estudadas, quando os efeitos da circulação pulmonar no VD ainda não foram observados. Brand et al.,7 estudando 438 mulheres (BNP = 34,4 ± 31,6 pg/ml, pressão sistólica da artéria pulmonar = 21,8 ± 6,2 mmHg) mostraram que o grupo com DD (n = 152) apresentou pior função sistólica do VD em relação ao grupo sem DD (n = 286), seja por medidas convencionais, como TAPSE, S', e fração de variação de área, ou por métodos mais novos, como strain longitudinal global e da parede livre do VD. Destaca-se que o grupo com DD não apresentou sinais ecocardiográficos de aumento da pressão de enchimento do ventrículo esquerdo, dilatação do VD ou hipertensão pulmonar, reforçando o conceito fisiopatológico de que a ocorrência de disfunção do VD independe da sobrecarga de pressão nessa cavidade.

Os avanços no conhecimento da ICFEP são indiscutíveis, demonstrando o envolvimento global cardíaco, pulmonar e multissistêmico na síndrome, além da DD. Esses avanços foram conquistados em grande parte com a ajuda de exames de imagem não-invasivos e é provável que ajudem na identificação de alvos terapêuticos e de estratégias de prevenção. Por outro lado, apesar de seu uso clínico universal, o papel diagnóstico e prognóstico independente de qualquer biomarcador de imagem empregado de forma isolad ainda é motivo de debate, devido às suas complexas interconexões. Considerando isso, é fundamental o discernimento adequado entre associações, causalidade e utilidade clínica de qualquer biomarcador, particularmente na avaliação ecocardiográfica da DD.

REFERÊNCIAS

1 Owan TE, Hodge DO, Herges RM, Jacobsen SJ, Roger VL, Redfield MM. Trends in prevalence and outcome of heart failure with preserved ejection fraction. N Engl J Med. July 2006;355:251-9.
2 Zile MR, Baicu CF, Gaasch WH. Diastolic heart failure-abnormalities in active relaxation and passive stiffness of left ventricle. N Engl J Med. May 6 2004;350:1953-9.
3 Kraigher-Krainer E, Shah AM, Gupta DK, Santos A, Claggett B, Pieske B, et al; PARAMOUNT Investigators. Impaired systolic function by strain imaging in heart failure with preserved ejection fraction. J Am Coll Cardiol. 2014;63(5):447-56.
4 Shah AM, Claggett B, Sweitzer NK, Shah SJ, Anand IS, Liu L, et al. Prognostic Importance of Impaired Systolic Function in Heart Failure with Preserved Ejection Fraction and the Impact of Spironolactone. Circulation. 2015;132(5):402-14.
5 Gorter TM, van Veldhuisen DJ, Bauersachs J, Borlaug BA, Celutkiene J, Coats AJS, et al. Right heart dysfunction and failure in heart failure with preserved ejection fraction: mechanisms and management. Position statement on behalf of the Heart Failure Association of the European Society of Cardiology. Eur J Heart Fail. 2018;20(1):16-37.
6 Baroncini LAV, Borges LJL, Camarozano AC. Carmo Dc, Darwich RZ, Fortunato Jr JA. Correlação ecocardiografica entre função ventricular direita e volume atrial esquerdo. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):249-257.
7 Brand A, Bathe M, Oertelt-Prigione S, Seeland U, Rücke M, Regitz-Zagrosek V, et al. Right heart function in impaired left ventricular diastolic function: 2D speckle tracking echocardiography-based and Doppler tissue imaging-based analysis of right atrial and ventricular function. Echocardiography. 2018;35(1):47-55.