versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.1 São Paulo jul. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180118
O sistema nervoso autônomo regula a frequência cardíaca através da resposta simpática e parassimpática a diferentes estímulos. A flutuação entre os intervalos dos batimentos cardíacos consecutivos, denominada variabilidade da frequência cardíaca (VFC), é ferramenta valiosa para avaliar a atividade do sistema nervoso autônomo.1 Uma diminuição da VFC é um marcador de tônus parassimpático reduzido e de tônus simpático aumentado, há muito considerado como tendo impacto negativo no prognóstico da doença cardiovascular.2
Em 1996, a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Sociedade Norte-Americana de Marca-Passo e Eletrofisiologia sugeriram padrões para a avaliação, a interpretação fisiológica e o uso clínico da análise da VFC nos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’ em registros de curto e longo prazo.3 Sugeriu-se que algumas medidas não lineares funcionavam melhor do que as tradicionais para a predição de eventos adversos futuros em vários grupos de pacientes. Mais recentemente, novas ferramentas computacionais foram obtidas a partir de dinâmica não linear e sistemas complexos.4 Embora a base fisiológica das medidas não lineares da VFC seja menos compreendida do que a das medidas convencionais, especula-se que a dinâmica não linear forneça melhor compreensão do comportamento não linear que comumente ocorre nos sistemas humanos devido à sua natureza dinâmica e complexa.5,6 Alinhado com isso, observou-se uma boa concordância entre algumas medidas não lineares de VFC e o escore de risco cardiovascular de Framingham, sugerindo que eles pudessem ser utilizados para triar risco cardiovascular.7 Em 2015, o e-Cardiology Working Group da Sociedade Europeia de Cardiologia e a Associação Europeia de Ritmo Cardíaco lançaram uma revisão crítica das novas metodologias para analisar a VFC, incluindo taxa de entropia, escala fractal e plot de Poincaré, e sua aplicação em diferentes estudos fisiológicos e clínicos.8
Alterações nos índices dos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’ da VFC foram observadas com frequência em doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, sendo associadas com disfunção cardíaca autônoma.9,10 Como a coexistência de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica é muito comum, alguns estudos compararam a VFC de pacientes diabéticos tipo 2 com e sem hipertensão, chegando a resultados contraditórios ao usar análise da VFC nos domínios ‘tempo’ e ‘frequência’.11-13 Entretanto, o uso da dinâmica não linear para análise da VFC na coexistência de diabetes tipo 2 e hipertensão ainda carece de estudo.
Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Bassi et al.,14 publicaram um estudo que avalia a influência da hipertensão arterial sistêmica na modulação cardíaca autônoma e na capacidade cardiopulmonar de pacientes diabéticos tipo 2, que foram divididos em dois grupos: normotenso (n = 32, idade = 51 ± 7,5 anos) e hipertenso (n = 28, idade = 51 ± 6,9 anos). Os dois grupos apresentaram controle glicêmico inadequado (grupo normotenso: hemoglobina glicada = 8,00 ± 2,14%; grupo hipertenso: hemoglobina glicada = 8,70 ± 1,60%; p = 0,39), tendo o grupo hipertenso maior resistência insulínica [grupo normotenso: índice de resistência insulínica (HOMA-IR) = 4,0 ± 4,0; grupo hipertenso: HOMA-IR = 8,0 ± 6,6; p = 0,02). Esses autores descobriram que indivíduos com hipertensão e diabetes apresentaram menor SD1 (derivada do plot de Poincaré) e entropia de Shannon, ambas sendo medidas não lineares da VFC, em comparação aos pacientes diabéticos não hipertensos. Além disso, SD2 (derivada do plot de Poincaré) e entropia aproximada correlacionaram-se negativamente com as variáveis de capacidade de exercício.
Embora não se tenha avaliado um grupo controle, os resultados sugerem que a hipertensão arterial sistêmica comprometa ainda mais a VFC em diabéticos. Tais dados reforçam os achados epidemiológicos, mostrando que a combinação de diabetes mellitus e hipertensão induz maior remodelamento cardíaco do que qualquer uma das condições isoladas.15 Além disso, a insuficiência cardíaca é mais prevalente em pacientes com as duas doenças. Estudos adicionais são necessários para estabelecer o papel da disfunção nervosa autônoma como preditora de mau prognóstico em pacientes com diabetes e hipertensão coexistentes.