versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.1 São Paulo jan./mar. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170003
A lesão renal aguda (LRA) é definida como queda abrupta na taxa de filtração glomerular (TFG), resultando em aumento das escórias nitrogenadas, distúrbios no equilíbrio ácido-base, de fluidos e de eletrólitos.1 A LRA é complicação comum em pacientes hospitalizados, e pode acometer 10% a 30% dos pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva (UTI). Aproximadamente 5% desses pacientes necessitaram de terapia de substituição renal (TSR).2
Em UTI, a LRA geralmente desenvolve-se no contexto da falência de múltiplos órgãos. A terapia nutricional nesses pacientes tem a finalidade de reverter ou atenuar os efeitos negativos do catabolismo e do hipermetabolismo associados a essas doenças agudas. A base de suporte nutricional é preservar a massa magra corporal e a função imunológica, além de prevenir as complicações relacionadas à sub e superalimentação.
Dessa forma, o apoio nutricional adequado é essencial na estratégia terapêutica tanto da LRA como da insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas. Além disso, quando a TSR é necessária, deve ser cuidadosamente ajustado a ela, visto as perturbações metabólicas características e os efeitos da TSR no balanço de nutrientes.3
Para a prescrição do melhor aporte nutricional, é imprescindível a correta estimativa das necessidades nutricionais e a calorimetria indireta (CI) é considerada o padrão ouro para medida do gasto energético (GE) em pacientes críticos.4
Entretanto, muitos fatores podem alterar o GE em pacientes em UTI, como dor, medicamentos, temperatura corporal, dieta, ritmo cardíaco, entre outros.5 Somado a esses fatores, pacientes com LRA grave também podem ter seu GE alterado devido à perda da função homeostática renal e aos efeitos adversos da TSR escolhida.1,3 Assim, somente uma medida de GE isolada pode não caracterizar a correta necessidade energética do paciente.
Estudos com pacientes críticos observaram variação do GE diário entre 4% e 56%, e que pacientes mais estáveis clinicamente apresentavam menor variabilidade.6-8 Em pacientes com LRA, poucos estudos avaliaram o GE por CI e somente um estudo avaliou, longitudinalmente, GE de repouso em pacientes críticos, mecanicamente ventilados com LRA em TSR contínua.
Os autores mostraram que o gasto energético de repouso (GER) medido no primeiro dia foi de 2153 ± 380 Kcal e houve aumento de 56 ± 24 cal/d durante o período de estudo de 6 dias, com GER no final de 2431 ± 498 Kcal (p < 0,0001).9 Entretanto, nesse estudo, a CI foi feita em pacientes durante a TSR e os guidelines de uso de CI contraindicam esse momento para a medida do GE, devido a possíveis interferências do procedimento dialítico nas trocas gasosas, o que levaria a erros na medida de GE pela CI.5,10,11
O presente estudo tem como objetivo avaliar a variabilidade diária do GER medido por CI em pacientes com LRA e indicação dialítica e identificar as variáveis clínicas associadas ao GER.
Estudo tipo coorte prospectivo que avaliou pacientes maiores de 18 anos, de março de 2013 a dezembro de 2015.
Foram incluídos pacientes admitidos em UTI com diagnóstico de LRA de acordo com os critérios do KDIGO,12 quadro clínico sugestivo de Necrose Tubular Aguda (NTA) e necessidade de TRS (estágio 3), e mecanicamente ventilados.
Foram excluídos pacientes que apresentavam LRA de outras etiologias, transplantados renais ou com doença renal crônica estádios 4 e 5 (Taxa de Filtração Glomerular - TFG - < 30 ml/min estimada pelo Modification of Diet in Renal Disease - MDRD,13 considerando para o cálculo a creatinina basal do paciente, definida como o valor de creatinina sérica obtido mais recentemente antes da internação, não antecedendo 12 meses da hospitalização. Se esse valor for desconhecido ou obtido 12 meses antes da internação, foi considerada creatinina basal o menor valor observado durante o acompanhamento).14
Também foram critérios de exclusão fração inspirada de O2 (FiO2) maior que 0,60; pressão positiva expiratória final (PEEP) > 10 cm H2O; pressão máxima das vias aéreas > 60 cm de H2O; presença de agitação; uso bloqueadores neuromusculares; vazamento de ar no circuito do ventilador, ao redor do cuff do tubo endotraqueal, ou a partir de uma fístula broncopleural, devido a esses fatores levarem a imprecisão na medida de GER pela CI.
Os pacientes tiveram CI realizada diariamente. O protocolo foi iniciado no dia da indicação dialítica, sendo a primeira medida de GER feita antes do início da terapia. O paciente foi acompanhado por mais quatro dias consecutivos, e as CI diárias eram feitas antes do início do procedimento dialítico diário. Assim, os pacientes foram acompanhados por, no máximo, cinco dias consecutivos, ou menos, se suspensão da diálise por recuperação da função renal ou óbito.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (protocolo 4383/2012). O Termo de Consentimento foi assinado pelo responsável legal do participante antes da entrada em estudo.
O gasto energético de repouso (GER) é medido devido à impossibilidade de conseguir as condições para medir o GE basal de pacientes críticos. Para garantir a medida do GER, o paciente necessitava estar em posição supina e em repouso durante pelo menos 30 minutos antes da medição; em ambiente de termoneutralidade (22-25ºC) durante pelo menos 30 minutos antes e durante a medição; não ter usado analgésicos e sedativos adicionais dentro de 30 minutos do início da CI; sem procedimentos dentro de 60 minutos do início da CI; sem anestesia geral no prazo de 8 horas do início da CI; e a nutrição parenteral e/ou enteral continuada durante o período de coleta de dados.
CI foi realizada utilizando o aparelho Quark RMR (Cosmed, Roma, Itália). O Quark RMR é projetado para medir com precisão e instantaneamente as necessidades energéticas de pacientes respirando espontaneamente ou mecanicamente. Para nosso estudo, o calorímetro foi utilizado ligado ao ventilador mecânico do paciente, com conectores na saída exalatória do ventilador e no circuito respiratório: dessa forma, torna-se possível coletar tanto gases inspirados quanto expirados. O aparelho tem sensor de oxigênio paramagnético para medir as concentrações de oxigênio e analisadores baseados na absorção de infravermelho para medições de dióxido de carbono.
O calorímetro foi calibrado antes de cada utilização. O exame tinha duração média de 30 minutos. Desejava-se que os pacientes alcançassem o estado de equilíbrio durante o teste. O estado de equilíbrio foi definido como uma variabilidade de < 10% nas medições de consumo de oxigênio (VO2) e produção de dióxido de carbono (VCO2), e < 5% no quociente respiratório de minuto a minuto.
Além do GER medido, foi estimado o GE basal (GEB), pela fórmula de Harris e Bendict.15 Para o cálculo da equação a estatura (cm) do paciente, foi medida na admissão na UTI, quando possível, ou foi usado o valor documentado no registro médico. O peso (kg) foi medido usando camas hospitalares calibradas, na admissão, na maioria dos pacientes. Se o paciente apresentava edema no momento da medida, de acordo com a avaliação médica, o peso habitual do paciente foi perguntado aos familiares, e usado como peso real para fórmula.
Também foram avaliados parâmetros que podem influenciar o GER, como ventilatórios (volume minuto, frequência respiratória, PEEP, FIO2), droga vasoativa e temperatura corporal.
Os resultados foram descritos por mediana e intervalo interquartílico ou média e desvio padrão. As diferenças diárias nos parâmetros estudados foram analisadas pelo modelo linear generalizado para medidas repetidas, com distribuição gama.
Para avaliar os parâmetros que se correlacionavam com o GER, e que poderiam influenciar em sua variabilidade diária, todas as medidas de GER, parâmetros clínicos, laboratoriais, ventilatórios e marcadores de catabolismo efetuadas durante o acompanhamento foram utilizadas. Foi utilizado primeiramente o teste de correlação univariado de Spearman, e as variáveis com p significativo foram colocadas na regressão linear múltipla para analisar qual se associava independentemente com GER.
Variáveis com distribuição assimétrica foram transformadas pela função log para inclusão na análise multivariada. A colinearidade das variáveis previsoras foi testada pela tolerância (Tolerance) e o Fator de Inflação da Variância (VIF ), e se a tolerância for < 0,1 e/ou o VIF > 4, então uma delas foi retirada dos modelos multivariados
Foi adotado como estatisticamente significativo p < 0,05.
Foram avaliados 114 pacientes, com média de idade de 60,65 ± 16,9 anos e 68,4% do sexo masculino. Os diagnósticos de sepse e doença cardiovascular (DCV) foram responsáveis por 79,8% das internações. A etiologia da LRA foi associada à sepse na maioria dos pacientes (81,6%). O índice prognóstico específico para NTA (ATN-ISS) foi 0,64 ± 0,18. O GEB estimado pela formula de Harris-Benedict foi em média 1540 ± 346 Kcal, enquanto o GER medido pela CI no dia 1 foi significativamente maior (2061 ± 700 Kcal, p < 0,001). A Tabela 1 mostra as características clínicas da população geral estudada, no momento da indicação da diálise.
Tabela 1 Características clínicas da população com LRA
Parâmetros | |
Idade (anos) | 60,6 ± 16,9 |
Sexo Masculino (%) | 78(68,4) |
LRA (%) | |
associada a sepse | 93 (81,6) |
isquêmica | 13 (11,4) |
nefrotóxica | 6(5,3) |
mista | 2 (1,8) |
ATN-ISS | 0,64 ± 0,18 |
GEB (Kcal) | 1540 ± 346 |
Raça (%) | |
Branca | 98(86) |
Parda | 5 (4,4) |
Negra | 11 (9,6) |
Peso (kg) | 77,6 ± 22,4 |
Diagnóstico principal: | |
DCV | 35(30,7) |
Sepse, sepse grave, choque | 56 (49,1) |
Neoplasia | 9(7,9) |
Hepatopatias | 8 (7) |
Trauma | 6 (5,3) |
Óbito | 73 (63) |
Valores mostrados em frequência, média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartis. DCV: doença cardiovascular; LRA: lesão renal aguda; ATN-ISS: Escore de Severidade Individual na Necrose Tubular Aguda; GEB: Gasto energético Basal.
Foram realizadas 301 medidas de CI. Setenta e seis pacientes completaram dois dias de avaliação, 53 três dias e 35 quatro dias. Somente 24 pacientes obtiveram cinco medidas de CI em dias consecutivos. A saída desses pacientes do estudo foi pela suspensão do procedimento dialítico, por recuperação da função renal ou óbito. Desses, 73 pacientes deixaram o estudo devido a óbito (63%).
O GER médio medido pela CI foi de 2081 ± 645 Kcal (27,7 ± 10kcal/Kg/dia). Houve aumento do GER no dia 5 (2270 ± 556 Kcal), quando comparado aos dias 2 e 3 (2022 ± 754; 2022 ± 660 kcal, respectivamente, p = 0,04), somente quando observado o GER total (kcal/dia). Quando normalizado pelo peso, não houve diferença significativa durante os dias de acompanhamento.
As variáveis dose de droga vasoativa (DVA), ventilação minuto (VM) e temperatura corporal mantiveram-se constantes durante o acompanhamento. Houve diminuição significativa dos níveis de ureia e creatinina séricas a partir do dia 3. Fração inspirada de oxigênio (FiO2) e proteína C reativa (PCR) também diminuíram no dia 5, quando comparado aos dias 1 e 2 (p < 0,05), enquanto houve aumento dos parâmetros balanço nitrogenado (BN) e frequência respiratória (FR) nos dias 4 e 5 quando comparado aos dias 1 e 2.
A porcentagem de aumento (ou diminuição) do GER foi calculada para observar a variabilidade média no GE de um dia para o outro. Esse cálculo foi feito subtraindo o GER do dia de interesse pelo GER do dia anterior e dividindo essa diferença pelo GER do dia anterior, vezes 100 (porcentagem). Essa variabilidade teve a mediana de 0,44% (-14, 14).
A Tabela 2 apresenta a evolução dos parâmetros clínicos e laboratoriais durante os 5 dias de acompanhamento.
Tabela 2 Evolução dos parâmetros clínicos e laboratoriais de pacientes com lesão renal aguda dialítica durante 5 dias
Dia 1 N = 114 |
Dia 2 N = 76 |
Dia 3 N = 52 |
Dia 4 N = 35 |
Dia 5 N = 24 |
|
---|---|---|---|---|---|
GER (Kcal) | 2061 ± 700 | 2022 ± 754 a | 2022 ± 660 a | 2150 ± 539 | 2270 ± 556 |
GER (Kcal/Kg/d) | 27,9 ± 10,4 | 26,6 ± 10,6 | 26,6± 9,6 | 29,2 ± 8,9 | 30,4 ± 8,3 |
Variabilidade do | -5 | -1,6 | 0 | 8 | |
GER (%) | (-16, 7). | (-10, 12). | (-11, 17). | (-13, 25). | |
DVA | 0,18 | 0,1 | 0,04 | 0,06 | 0 |
(mcg/Kg/min) | (0,06-0,58) | (0-0,28) | (0-0,19) | (0-0,33) | (0-0,19) |
VM | 8,5 ± 2,6 | 8,3 ± 2,4 | 9,1 ± 2,6 | 8,8 ± 2,7 | 9 ± 3,6 |
Freq. (resp/min) | 16 ± 4 | 16 ± 5 | 18 ± 5,5 a,b | 18 ± 6 b | 19 ± 6 b |
PEEP | 6 ± 2 | 6 ± 2 | 6 ± 2 | 6 ± 1 | 6 ± 1 |
FIO2 | 40 ± 11,3 a | 40 ± 12 a | 37,5 ± 10 c | 37,6 ± 9,1 | 34,2 ± 10 |
Temperatura (ºC) | 37,7 ± 0,95 | 37,5 ± 0,8 | 37,6 ± 0,9 | 37,6 ± 0,83 | 37,8 ± 1 |
Ureia (mg/dl) | 178 ± 79 | 160 ± 63 b | 142 ± 51 b,c | 131,4 ± 46,4 b,c | 143 ± 68,7 b |
CTL (mm3) | 17050(12300-22400) d | 17600(10600-25500) d | 17800(13700-26100) d | 22300(14800- 29300) | 16900(12500- 22600) |
PCR (mg/dl) | 27,3(11- 35,3) | 25,2(7,8-31) | 23(6,7-31) b | 26,7(7,4-36,7) | 19,3(6,6-37,3) b |
BN (g/dia) | -5,51(-14,12;-0,68) | -7,74(-18,13; -1,63) | -6,1(-11,7; 3,1) | -1,27(-5,8; 1,98) b | -0,81(-7,98; 3,12) b |
UNA (g/dia) | 13,65(7,56; 19,12) | 18(9,87; 24,6) b | 14,24(8,6; 22,5) | 15,6(9,5; 23,3) | 14,13(9,93; 20) |
Valores mostrados em frequência, média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartis. GER: Gasto energético de repouso, DVA: droga vasoativa; FIO2: fração inspirada de oxigênio; Vm: volume minuto; Freq: frequência respiratória; PEEP: pressão positiva expiratória final; Creat: creatinina sérica; CTL: Contagem total de leucócitos; PCR: proteína C reativa; BN: balanço nitrogenado; UMA: Aparecimento de nitrogênio ureico. Variabilidade do GER foi calculada como: (GER dia que quero avaliar -GER dia anterior)/GER dia anterior.
ap > 0,05 quando comparado com o dia 5;
bp < 0,05 quando comparado com dia 1;
cp < 0,05 quando comparado com dia 2;
dp < 0,05 quando comparado com dia 4.
Foram feitas correlações do GER com parâmetros clínicos (temperatura e dose de DVA), laboratoriais [ureia e creatinina séricas, contagem total de leucócitos (CTL) e PCR], ventilatórios (VM e FiO2) e de catabolismo (BN e aparecimento de nitrogênio ureico-UNA). As correlações são apresentadas na Tabela 3. O GER se correlacionou de forma positiva e significante com temperatura corporal, CTL, PCR, VM, FiO2 e UNA, peso e estatura e inversamente com BN e idade.
Tabela 3 A ssociação univariada entre o gasto energético de repouso e parâmetros clínicos, laboratoriais, ventilatório e nutricionais de pacientes com lesão renal aguda dialítica (n = 301).
Coeficiente de correlação de Spearman com GER | p | |
---|---|---|
DVA | 0,009 | 0,883 |
Vm | 0,246 | < 0,001 |
FiO2 | 0,183 | 0,001 |
Temperatura | 0,167 | 0,004 |
UR | 0,105 | 0,068 |
Creat | 0,100 | 0,085 |
CTL | 0,159 | 0,11 |
PCR | 0,105 | 0,045 |
BN | -0,129 | 0,05 |
UMA | 0,158 | 0,026 |
Peso | 0,320 | < 0,001 |
Estatura | 0,158 | 0,006 |
Idade | -0,361 | < 0,001 |
GER: Gasto energético de repouso; DVA: droga vasoativa; UR: ureia sérica; Creat: creatinina sérica; CTL: Contagem total de leucócitos; PCR: proteína C reativa; BN: balanço nitrogenado; UMA: Aparecimento de nitrogênio ureico; FIO2: fração inspirada de oxigênio, Vm: volume minuto.
Após a regressão linear múltipla, somente VM, FiO2, peso corporal e idade se correlacionaram independentemente com GER. O resultado da regressão está na Tabela 4.
Tabela 4 Determinantes do gasto energético de repouso em pacientes com lesão renal aguda (n = 301)
Beta | Erro padrão | t | p | Tolerância | VIF | |
---|---|---|---|---|---|---|
Vm (l/min) | 51,776 | 19,119 | 2,708 | 0,008 | 0,925 | 1,081 |
FiO2 (%) | 14,248 | 5,033 | 2,831 | 0,005 | 0,764 | 1,309 |
Temperatura (ºC) | 96,952 | 64,394 | 1,506 | 0,134 | 0,859 | 1,164 |
Peso (Kg) | 5,504 | 2,608 | 2,111 | 0,036 | 0,761 | 1,314 |
Estatura (m) | -6,184 | 7,046 | -0,878 | 0,382 | 0,671 | 1,491 |
Idade (Anos) | -15,127 | 3,142 | -4,814 | 0,000 | 0,915 | 1,093 |
LnPCR | 39,621 | 64,314 | 0,616 | 0,539 | 0,797 | 1,255 |
LnUNA | -25,165 | 71,799 | -0,350 | 0,726 | 0,781 | 1,280 |
LnCLT | 73,657 | 78,287 | 0,941 | 0,348 | 0,828 | 1,207 |
Vm: volume minuto; FIO2: fração inspirada de oxigênio; LNCTL: logaritmo neperiano da contagem total de leucócitos; LnPCR: logaritmo neperiano da proteína C reativa; LnUNA: logaritmo neperiano do aparecimento de nitrogênio ureico.
Avaliação do dispêndio energético de pacientes com LRA é escassa na literatura. Nosso estudo observou que o GE basal estimado pela fórmula de Harris e Benedict15 foi significantemente menor do que o medido pela CI. Esse achado corrobora indicação de não se utilizar essa fórmula em pacientes críticos,7,16-18 e em paciente com LRA.19
A melhor maneira para se avaliar as necessidades energéticas de pacientes críticos com LRA é por meio da CI.19 No presente estudo houve aumento do GER, medido pela CI, no quinto dia de acompanhamento, comparado com os dias 2 e 3. Porém, esse aumento significante foi visto somente no GER sem a normalização para o peso. Quando normalizado (kcal/kg/dia), não apresentou diferença significante durante o acompanhamento.
Aumento do GER foi observado por Scheinkestel et al.9 em pacientes em TSRC e o valor médio do GER nos pacientes desse estudo também foi próximo ao do presente estudo (2153 ± 380 Kcal e 2081 ± 645 Kcal, respectivamente). Apesar dessa semelhança no GE, nosso estudo avaliou os pacientes no momento não dialítico, como recomendado pelos guidelines para uso de CI.5,20,21
Essa recomendação é devido ao fato de que durante a diálise pode ocorrer a correção da acidose metabólica e remoção do CO2,22-24 resultando em subestimação do GE. Além disso, TSRC podem também levar a uma redução na temperatura corporal e diminuir o GER.25 Assim, a comparação entre esses dois estudos pode ficar prejudicada.
Koukiasa et al.,26 ao avaliar pacientes críticos com hemorragia intracraniana não sépticos, também observaram elevação do GER durante o acompanhamento, no sétimo dia de estudo. Normalmente, esse aumento do GE é visto em pacientes críticos em UTI. O pico da taxa metabólica é atingido durante a segunda semana pós-admissão, e algumas explicações para isso são complicações ou interrupção da sedação. O aumento visto por Koukiasa et al.26 no GE pode ser explicado, parcialmente, pela elevação da temperatura corporal.
No presente estudo não houve alteração na temperatura corporal durante o acompanhamento. Somente parâmetros ventilatórios como FR e FiO2 alteraram no dia 5, em comparação com os dias iniciais.
A variabilidade diária do GER em nosso estudo foi de 0,44 % (-14, 14). A variabilidade na literatura se mostrou maior. Reid7 obteve uma variabilidade diária de 31,7 ± 22,6% e Weissman et al.6 registraram variabilidade média de 21 ± 16%. Ambos foram estudos com pacientes críticos em UTI. Avaliando pacientes com falência intestinal em uso de parenteral domiciliar, Ławiński et al.27 encontraram variabilidade mais próxima à de nosso estudo (8% ± 7%) quando avaliaram duas medidas de GER.
Essa diferença na variabilidade vista nos estudos em UTI pode ser devido à heterogeneidade da população estudada, visto que o GE pode ser alterado por vários fatores, como a gravidade e curso da doença, sedação, ventilação mecânica, complicações infecciosas, déficit neurológico, entre outros.26
No presente estudo, alguns parâmetros se correlacionaram com o GE, como temperatura corporal, CTL, PCR, VM, FiO2, UNA, peso, estatura e idade e, após análise múltipla, a VM, a FiO2, peso e idade se mantiveram associados independentemente com o GER medido pela CI.
Influências do VM e do FiO2 são esperadas, visto que o cálculo do GER pela CI é feito a partir da fórmula de Weir,28 que leva em consideração o volume inspirado de O2 (VO2) e expirado de CO2 (VCO2). Para cálculo do VO2 e do VCO2 pela CI, as medidas necessárias são concentração (frações) inspiradas e expiradas de oxigênio (FIO2, FEO2), de dióxido de carbono (FICO2, FECO2) e o volume de ar inspirado e expirado (VI, VE).29
Quanto ao VM, seu aumento pode ser devido a aumento do volume de gás carbônico (VCO2) durante o aumento do metabolismo, segundo Kiiski & Takala.30 Já Kinney et al.31 mostraram que o aumento no VM não é proporcional à elevação na taxa metabólica. Além disso, é ainda possível que a febre, por si só, estimule o aumento do volume exalado, independentemente do aumento do consumo de oxigênio ou produção de CO2. Apesar destes efeitos variáveis, existe uma relação linear entre o VM e a taxa metabólica em pacientes críticos.32
É conhecida a relação linear entre peso e GER. Peso corporal e massa livre de gordura são duas variáveis que afetam diretamente o gasto energético. Mudanças no peso corporal (ganho e/ou perda) mostram relação direta com aumento ou redução do GER.33,34 Relação também é vista do GER com idade, porém uma correlação negativa.
O envelhecimento está associado com menor massa de alguns órgãos que contribuem para o metabolismo de energia e com mudanças na massa magra corporal (redução) e no tecido adiposo (aumento).35 Estudos têm relatado um declínio progressivo no GER de cerca de 1-2% por década, e que este declínio é explicado em grande parte pelas mudanças da composição corporal.36-39 Além disso, também tem sido sugerido que o aparecimento destas alterações do GER pode depender do sexo, grau de adiposidade e de massa magra corporal.35,40
O estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, foi realizado em um único centro, e apesar do número substancial de medidas de CI, somente 24 pacientes completaram os cinco dias de acompanhamento. Além disso, nosso estudo apresenta avaliação de uma população específica em UTI: pacientes com LRA em diálise, ou seja, seus resultados não podem ser extrapolados para todos os pacientes críticos ou todos os pacientes com LRA. Apesar dessas limitações, no nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo a avaliar a variabilidade do GER em pacientes com LRA, fora do momento dialítico.
Como conclusão, os pacientes com LRA dialítica apresentam pequena variabilidade do GER durante 5 dias de acompanhamento. O GER nesses pacientes foi associado independentemente e positivamente com FiO2, VM e peso e inversamente com idade. Assim, requisitos ventilatórios precisam ser avaliados diariamente para que alterações necessárias na prescrição dietética sejam feitas nesse paciente, a fim de evitar as conhecidas influências negativas da sub e hiperalimentação em pacientes críticos.