versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.79 no.6 São Paulo nov./dez. 2013
http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130135
O carcinoma papilífero (CP) é a malignidade mais comum da tireoide. Geralmente, é uma doença indolente e de bom prognóstico quando completamente ressecada. Entretanto, certos casos usualmente relacionados a alguns parâmetros clínico-patológicos específicos podem apresentar piores desfechos. A classificação TNM é a forma mais utilizada na classificação de risco das neoplasias malignas1. Metástases linfonodais no compartimento lateral (N1b), doença extratireoidiana maciça (T4) e metástases à distância (M1) são fatores independentes que já foram correlacionados com mau prognóstico nesses pacientes2.
Embora alguns estudos sobre valor prognóstico de algumas variantes tumorais do CP já tenham sido desenvolvidos, nosso conhecimento acerca da prevalência e comportamento biológico dessas variantes ainda é pobre, especialmente devido ao tamanho das amostras. No nosso estudo, investigamos a prevalência dessas variantes histológicas por meio de uma grande série institucional, comparando características clínico-patológicas conforme subtipo histológico e entre grupos com variantes reconhecidas por seu maior ou menor potencial de agressividade.
Os registros histopatológicos de todos os pacientes que foram submetidos à tireoidectomia com diagnóstico histopatológico final de CP da tireoide no período de junho de 2000 a dezembro de 2010 foram revisados na nossa instituição. Todos os casos foram submetidos à avaliação clínica e ultrassonográfica no pré-operatório. Casos pertinentes foram submetidos à avaliação citológica dos nódulos de tireoide por Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF). O esvaziamento cervical do compartimento central ou lateral não é realizado de forma eletiva na nossa instituição, sendo reservado para os casos clinicamente ou ecograficamente suspeitos de metástases linfonodais. Casos diversos de CP, casos de carcinoma pouco diferenciado, tumores com zonas de indiferenciação, casos sem descrição da dimensão do maior nódulo, casos de CP com componente insular focal, assim como neoplasias medulares associadas ao CP da tireoide, foram excluídos do estudo.
Os seguintes parâmetros foram inseridos em um banco de dados específico (Microsoft Excel ®, 2003 version, Microsoft Corporation, Redmond, WA, USA): idade, gênero, concomitância de tireoidite de Hashimoto, dissecção linfonodal associada, descrição histopatológica detalhada, com informação da variante tumoral ou padrão de diferenciação, diâmetro do nódulo predominante, multifocalidade, extensão extratireoidiana, grupo linfonodal comprometido e estadiamento T e N. Não avaliamos metástases à distância, visto terem sido revisados apenas os laudos histopatológicos isoladamente.
Os tumores foram classificados em cada variante ou padrão de diferenciação, à semelhança da classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS)3 em: Folicular, Oncocítica, Células Claras, Esclerosante Difusa, Células Altas, Sólida, Cribiforme, Fasciite-like, Macrofolicular e Microcarcinoma papilífero. Não foram encontrados casos pertencentes às variantes Cribiforme e Macrofolicular na nossa amostra. Além dessas, foram acrescentadas a variante ou padrão de diferenciação Warthin-like e a Colunar, presentes em seis casos. Os casos convencionais, usuais ou típicos de CP da tireoide foram classificados como pertencentes à variante ou padrão Clássico. Quando da avaliação dos microcarcinomas, foi realizada análise descritiva dos padrões de diferenciação tumoral à semelhança das variantes anteriormente descritas. Para fins de cálculo estatístico, padrões de diferenciação e variantes tumorais foram considerados agrupados. Foram consideradas variantes ou padrões tumorais complexos quando presentes mais de uma variante ou padrão de diferenciação em um mesmo caso. Esses foram descritos conforme demonstrado na Tabela 1.
Tabela 1 Distribuição das variantes e padrões tumorais entre casos de tumores complexos.
TU > 1 cm (N = 29) | Variantes tumorais | N |
Variante Folicular | 20 | |
Variante Clássica | 16 | |
Variante Sólida | 15 | |
Variante Oncocítica | 8 | |
Variante Células Altas | 3 | |
Variante Colunar | 2 | |
Variante Células Claras | 1 | |
Variante Esclerosante difusa | 1 | |
TU ≤ 1 cm (N = 7) | Padrões de diferenciação | |
Padrão Folicular | 5 | |
Padrão Clássico | 4 | |
Padrão Oncocítico | 3 | |
Padrão Sólido | 1 |
TU: Tumor; N: Frequência absoluta; %: Frequência relativa; cm: Centímetros.
Os tumores foram considerados multifocais quando dois ou mais focos foram encontrados em um ou ambos os lobos. Tireoidite de Hashimoto foi sugerida com base nos achados histopatológicos. Microcarcinomas papilíferos foram definidos como tumores com não mais de 1,0 cm de diâmetro no exame histológico final. Foram definidos como variantes ou padrões de diferenciação com maior potencial de agressividade as de Células altas, Colunares, Sólida e Esclerosante difusa; e como de menor potencial de agressividade, a Clássica, Folicular e Oncocítica. As demais variantes ou padrões de diferenciação tumorais foram excluídas do cálculo estatístico, sendo apenas apresentadas de forma descritiva.
Os casos de tumores complexos com zonas ou nódulos tumorais classificados nas categorias de maior agressividade foram agrupados aos demais casos semelhantes para fins de cálculo estatístico e encontram-se listados na Tabela 2. O mesmo se deu entre os casos com baixo potencial de agressividade. O estadiamento patológico foi realizado de acordo com a sétima edição do American Joint Committee on Cancer pTNM staging system 4. O status linfonodal foi definido pela evidência patológica de metástases nos linfonodos removidos. Comprometimento extraglandular foi definido com base na evidência de infiltrado tumoral além da cápsula glandular no exame microscópico. Foi realizada análise comparativa de variáveis clínicas e histopatológicas entre as variantes clássica, folicular e oncocítica, e entre os grupos com variantes reconhecidas por maior e menor potencial de agressividade, conforme previamente estabelecido. Todos os dados foram coletados pelo mesmo pesquisador (Girardi FM) e toda revisão anatomopatológica realizada pelo mesmo médico patologista (Barra MB).
Tabela 2 Análise descritiva das características clínico-patológicas entre as variantes ou padrões de diferenciação com maior potencial de agressividade.
Caso | Gênero | Idade | Variante ou padrão de diferenciação | Hashimoto | Multifocalidade | Invasão linfo-vascular/ neural | Diâmetro do maior nódulo | Invasão capsular glandular | Extravasamento extraglandular | T | N |
1 | F | 34 | Células altas | A | A | A | 2,6 | P | A | T2 | N0 |
2 | F | 53 | Células altas + esclerosante (< 50%) + folicular (< 50%) | A | P | A | 2 | P | P | T3 | N0 |
3 | F | 56 | Células altas (< 50%) + folicular + oncocítico (< 50%) | P | P | A | 2 | A | A | T1 | N0 |
4 | F | 68 | Colunar | A | A | A | 0,5 | A | A | T1 | N0 |
5 | F | 56 | Colunar (< 50%) + sólida (< 50%) + folicular | A | P | A | 2,5 | P | A | T2 | N0 |
6 | F | 67 | Colunar + sólida (< 50%) + folicular (< 50%) | P | P | A | 4 | P | A | T2 | N0 |
7 | F | 61 | Esclerosante | A | A | A | 7 | P | A | T3 | N0 |
8 | F | 35 | Esclerosante | A | P | A | 1,1 | P | P | T3 | N1b |
9 | F | 25 | Esclerosante | A | A | P | 2,5 | P | P | T3 | N1b |
10 | F | 39 | Esclerosante | P | P | A | 3 | P | P | T3 | N1b |
11 | F | 68 | Esclerosante | A | A | A | 1 | P | P | T3 | N0 |
12 | F | 49 | Sólido | A | A | A | 0,8 | A | A | T1 | N0 |
13 | F | 77 | Sólido | A | P | A | 1,5 | A | A | T1 | N0 |
14 | F | 41 | Sólido | A | P | A | 2 | P | P | T3 | N1a |
15 | F | 60 | Sólido | A | A | A | 5,5 | A | A | T3 | N0 |
16 | M | 64 | Sólido (< 50%) +células altas (< 50%) - folicular | A | A | P | 6,5 | P | A | T3 | N1b |
17 | M | 69 | Sólido + células claras(< 50%) | A | A | P | 8 | P | P | T3 | N1b |
18 | F | 63 | Sólido + clássico (< 50%) | P | A | A | 0,4 | A | A | T1 | N0 |
19 | F | 33 | Sólido (< 50%) + clássico | A | A | A | 5 | P | P | T3 | N0 |
20 | M | 72 | Sólido (< 50%) + clássico | A | A | P | 6,4 | P | P | T3 | N0 |
21 | F | 46 | Sólido + folicular (< 50%) | P | P | A | 1,5 | P | A | T1 | N1a |
22 | F | 43 | Sólido + folicular (< 50%) | A | A | A | 3,8 | A | A | T2 | N0 |
23 | M | 29 | Sólido + folicular (< 50%) | A | A | A | 3,6 | P | A | T2 | N0 |
24 | F | 23 | Sólido + folicular (< 50%) | A | A | P | 4,5 | P | P | T3 | N0 |
25 | F | 51 | Sólido + folicular (< 50%) + clássico (< 50%) | A | P | A | 2 | P | A | T1 | N0 |
26 | F | 56 | Sólido (< 50%) + folicular + oncocítico (< 50%) | P | A | A | 2,2 | P | A | T2 | N1a |
27 | F | 58 | Sólido + folicular (< 50%) + oncocítico (< 50%) | A | P | A | 1,8 | P | P | T3 | N0 |
28 | F | 38 | Sólido (< 50%) + oncocítico | A | A | A | 1,2 | P | P | T3 | N0 |
29 | F | 13 | Sólido (< 50%) + oncocítico (< 50%) + clássico | A | A | P | 3,1 | P | P | T3 | N0 |
F: Feminino; M: Masculino; Idade expressa em anos; Diâmetro expresso em centímetros; A: Ausente; P: Presente; T: Estadiamento T; N: Estadiamento N.
A análise descritiva foi utilizada para sumarizar os dados. Foi realizado o teste Kolmogorov-Smirnov para avaliação de normalidade das variáveis contínuas. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas em média e desvio padrão. Aquelas com distribuição não normal foram expressas também em mediana, valor mínimo e máximo. Variáveis categóricas foram expressas em frequência absoluta e relativa. Utilizamos teste t de Student e ANOVA na comparação de médias de idade, teste U de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Walis na comparação de diâmetro tumoral e o teste não paramétrico qui-quadrado na comparação das variáveis categóricas. A análise estatística foi realizada com o uso do software EpiInfo, versão 3.4.3, 2007. Todos os testes consideraram nível de significância de 5%.
Os autores garantem a preservação dos dados e a confidencialidade do material obtido. Como não foram realizadas intervenções, não foi aplicado o termo de consentimento. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa instituição (Projeto nº 3483/11).
Entre junho de 2000 e dezembro de 2010, foram realizadas 623 tireoidectomias por câncer de tireoide na nossa instituição. Oito casos foram excluídos por falta de informação do diâmetro tumoral, todos correspondendo a CP Clássicos. Ao todo, 517 (82,9%) pacientes preencheram os critérios de inclusão. Do total, 81,9% dos casos eram mulheres. A relação homem:mulher foi de 1:4,5. A média de idade foi de 47,20 anos, com variação de 13 a 87 anos. Observamos que a variante Microcarcinoma foi a mais prevalente, com 42,1% dos casos, seguida pela variante Clássica e Folicular, respectivamente (Tabela 3).
Tabela 3 Análise descritiva das variantes e padrões tumorais entre casos de Carcinoma Papilífero da Tireoide.
Variantes ou padrões de diferenciação | N (517) | % (100) |
Variante Clássica | 164 | 31,7 |
Variante Folicular | 83 | 16,0 |
Variante Oncocítica | 10 | 1,9 |
Variante Esclerosante difusa | 4 | 0,7 |
Variante Warthin-like | 4 | 0,7 |
Variante Sólida | 3 | 0,5 |
Variante Células Altas | 1 | 0,1 |
Variante Fasciite-like | 1 | 0,1 |
Tumores Complexos | 29 | 5,6 |
Variante Microcarcinoma | 218 | 42,1 |
Padrão Clássico | 174 | ---- |
Padrão Folicular | 25 | ---- |
Padrão Oncocítico | 8 | ---- |
Padrão Sólido | 1 | ---- |
Padrão Colunar | 1 | ---- |
Padrão Esclerosante difuso | 1 | ---- |
Padrão Warthin-like | 1 | ---- |
Tumores Complexos | 7 | ---- |
N: Frequência absoluta; %: Frequência relativa.
Em 36 casos, havia mais de uma variante ou padrão de diferenciação tumoral na mesma glândula, sendo a variante ou padrão de diferenciação Clássica de maior prevalência nesses casos. À exceção do tamanho do nódulo, não evidenciamos diferenças estatisticamente significativas entre as variantes ou padrão de diferenciação Clássica, Folicular e Oncocítica (Tabela 4). No entanto, essa diferença não se manteve quando na comparação de diâmetro entre as variantes Oncocítica e Clássica (p = 0,2842), assim como na comparação entre as variantes Oncocítica e Folicular (p = 0,2129), apenas entre as variantes Clássica e Folicular, conforme teste U de Mann-Whitney (p = 0,002).
Tabela 4 Análise das características clínico-patológicas entre variantes ou padrões de diferenciação tumoral (clássico x folicular x oncocítico).
Variante/padrão de diferenciação | |||||||||
Clássico | Folicular | Oncocítico | Total | valor p | |||||
Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | ||||||
Idade | 46,6 (14,00) | 47,75 (13,94) | 50,81 (12,99) | 47,04 (13,95) | 0,3785 | ||||
Diâmetro tumoral (m ± DP) | 1,39 (1,29) | 2,27 (1,74) | 1,88 (1,61) | 1,63 (1,48) | ---------- | ||||
Mediana (Min-Max) | Mediana (Min-Max) | Mediana (Min-Max) | Mediana (Min-Max) | ||||||
Diâmetro tumoral | 1 (0,01-7,5) | 1,6 (0,1-9) | 1,3 (0,2-6) | 1,2 (0,01-9) | 0,0290 | ||||
N (329) | % (70,7) | N (118) | % (25,3) | N (18) | % (3,8) | N (465) | % (100) | ||
Homens/Mulheres | 56/273 | 17,0/82,9 | 24/94 | 20,3/79,6 | 4/14 | 22,2/77,7 | 84/381 | 18,0/81,9 | 0,6490 |
Tireoidite de Hashimoto associada | 44 | 13,3 | 22 | 18,6 | 3 | 16,6 | 69 | 14,8 | 0,3756 |
Invasão linfo-vascular/neural | 18 | 5,4 | 11 | 9,3 | 0 | 0 | 29 | 6,2 | 0,1783 |
Multifocalidade | 117 | 35,5 | 44 | 37,2 | 4 | 22,2 | 165 | 35,4 | 0,4603 |
Extravasamento extraglandular | 96 | 29,1 | 30 | 25,4 | 6 | 33,3 | 132 | 28,3 | 0,6610 |
Invasão capsular glandular | 177 | 53,7 | 60 | 50,8 | 8 | 44,4 | 245 | 52,6 | 0,6656 |
LNs cervicais positivos | 73 | 22,1 | 25 | 21,1 | 4 | 22,2 | 102 | 21,9 | 0,9744 |
LNs comprometidos no compartimento lateral | 28 | 8,5 | 7 | 5,9 | 0 | 0 | 35 | 7,5 | 0,3082 |
Estádio T: 1-2 | 226 | 68,6 | 78 | 66,1 | 12 | 66,6 | 316 | 67,9 | 0,8684 |
Estádio T: 3-4 | 103 | 31,3 | 40 | 33,8 | 6 | 33,3 | 149 | 32,0 |
N: Frequência absoluta; %: Frequência relativa; DP: Desvio padrão; Min-Max: Variação entre Mínimo e Máximo; Idade expressa em anos; Diâmetro expresso em centímetros; Valores de diâmetro sublinhados diferem entre si conforme teste U de Mann-Whitney (p = 0,002); LNs: Linfonodos. Nota: Excluídos 17 casos de tumores complexos, seis deles com zonas oncocíticas; valor p: Nível de significância utilizado.
Conforme observado nas Tabelas 2 e 5, as variantes reconhecidas por maior potencial de agressividade representaram apenas 5,6% da amostra, sendo a variante sólida a predominante. Não observamos diferenças estatisticamente significativas entre idade, gênero, presença de multifocalidade, tireoidite de Hashimoto e linfonodos cervicais positivos entre os grupos com variantes ou padrão de diferenciação de menor ou maior potencial de agressividade (Tabela 5). No entanto, pudemos observar associação dessas com maior diâmetro tumoral, invasão linfovascular e da cápsula da glândula e estadiamento T.
Tabela 5 Análise das características clínico-patológicas conforme variantes ou padrões de diferenciação tumoral (alto x baixo potencial de agressividade).
Variante/padrão de diferenciação | valor p | ||||||
Alto potencial de agressividade | Baixo potencial de agressividade | Total | |||||
Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) | |||||
Idade | 49,89 (16,50) | 47,04 (13,96) | 47,20 (14,11) | 0,3685 | |||
Diâmetro tumoral | 3,03 (2,06) | 1,64 (1,48) | 1,72 (1,55) | ---------- | |||
Mediana (Min-Max) | Mediana (Min-Max) | Mediana (Min-Max) | |||||
Diâmetro tumoral | 2,5 (0,4-8) | 1.2 (0,01-9) | 1,2 (0,01-9) | 0,0229 | |||
N (29) | % (5.6) | N (482) | % (93.9) | N (511) | % (100) | ||
Homens/Mulheres | 4/25 | 13,7/86,2 | 88/394 | 18,2/81,7 | 92/419 | 18,0/81,9 | 0,7197 |
Tireoidite de Hashimoto associada | 4 | 12,9 | 69 | 14,3 | 73 | 14,2 | 0,8273 |
Invasão linfo-vascular/neural | 6 | 20,6 | 30 | 6,2 | 36 | 7,0 | 0,0098 |
Multifocalidade | 11 | 37,9 | 183 | 37,9 | 194 | 37,9 | 0,9969 |
Estravasamento extraglandular | 13 | 44,8 | 139 | 28,8 | 152 | 29,7 | 0,1052 |
Invasão capsular glandular | 22 | 75,8 | 257 | 53,3 | 279 | 54,5 | 0,0296 |
LNs cervicais positivos | 8 | 27,5 | 107 | 22,1 | 115 | 22,5 | 0,6558 |
LNs comprometidos no compartimento lateral | 5 | 17,2 | 36 | 7,4 | 41 | 8,0 | 0,1261 |
Estádio T: 1-2 | 13 | 44,8 | 325 | 67,4 | 338 | 66,1 | 0,0217 |
Estádio T: 3-4 | 16 | 55,1 | 157 | 32,5 | 173 | 33,8 |
N: Frequência absoluta; %: Frequência relativa; DP: Desvio Padrão; Min-Max: Variação entre Mínimo e Máximo; Idade expressa em anos; Diâmetro expresso em centímetros; LNs: Linfonodos. Nota: Excluídos variantes ou padrões Warthin-like e Fasciite-like; valor p: Nível de significância utilizado.
A variante ou padrão de diferenciação de maior prevalência no nosso estudo, agrupados os Microcarcinomas, foi o Clássico, seguido pela variante ou padrão Folicular. Juntos, representaram 86,2% do total. Percentuais semelhantes têm sido observados em outras séries institucionais5,6, sendo o trabalho de Lam et al.5 o que mais se aproximou em números da nossa amostra. Estudos têm demonstrado que, apesar de algumas diferenças histológicas terem sido observadas entre as variantes clássica e folicular do CP da tireoide, ambas as neoplasias apresentam prognóstico favorável e sobrevida específica em 10 e 15 anos semelhante7. Lang et al.7 observaram menor número de linfonodos metastáticos e menor taxa de extravasamento extraglandular entre os casos de variante folicular em comparação com as formas usuais do CP. Ozdemir et al.8 evidenciaram maior diâmetro tumoral, embora menor prevalência de invasão capsular e extravasamento extraglandular entre os casos de variante folicular em comparação aos clássicos.
Da mesma forma, embora existam divergências na literatura9, na maioria dos casos envolvendo a variante oncocítica do CP da tireoide o tumor encontra-se confinado à glândula, sem evidência de associação com características histológicas de mau prognóstico10. Existem diferenças moleculares entre os Carcinomas Oncocíticos e a variante Oncocítica do CP da tireoide, o que sugere que ambas sejam doenças de comportamento genético distinto11 . Além disso, sob o mesmo estadiamento, não existem evidências de que a variante Oncocítica do CP da tireoide difira das formas usuais e da variante folicular do CP em comportamento biológico e potencial de agressividade6,10.
No nosso estudo, à exceção do diâmetro tumoral, também não foi evidenciada diferença entre os parâmetros clínico-patológicos entre as variantes Clássica, Folicular e Oncocítica. Na análise de subgrupos mesmo as diferenças de diâmetro não se mantêm, essa sendo uma característica diversa, na realidade, entre os casos de variantes Clássica e Folicular na nossa amostra, à semelhança do estudo de Ozdemir et al.8. Sabe-se que o diagnóstico da variante Folicular do CP no período pré-operatório representa um desafio, tanto do ponto de vista citológico12 quanto do ponto de vista clínico-ecográfico8, o que pode ter retardado o diagnóstico dessa variante tumoral e justificar o maior diâmetro desse subtipo histológico em relação à forma Clássica do CP na nossa amostra.
Muitas variantes histológicas diferentes foram descritas para o CP da tireoide. Algumas variantes têm sido associadas a pior prognóstico13. Michels et al.14 elaboraram um estudo com análise de sobrevida entre pacientes com CP de tireoide usuais e de Células Altas. A sobrevida em 10 anos foi de 90% e 79%, respectivamente. Na análise univariada, a variante de Células Altas esteve associada a piores desfechos, o que não se confirmou na análise multivariada. Outros autores elaboraram estudos semelhantes envolvendo os demais subtipos histológicos reconhecidos por pior prognóstico e, em todos eles, a evidência de que a variante histológica representa um fator preditor independente com relação ao desfecho é fraca13. A variante Colunar, à semelhança da variante de Células Altas, apresenta associação com doença locorregional avançada e metástases à distância6. Falvo et al.15 elaboraram um estudo comparativo entre 83 casos de variante Esclerosante Difusa com 183 casos de formas usuais. Eles concluíram que a variante Esclerosante Difusa é caracterizada por disseminação intratireoidiana e alta taxa de metástases linfonodais e pulmonares. Sywak et al.16 relataram que a variante sólida possui alta propensão para extensão extratireoidiana e metástases linfonodais. À semelhança dos estudos anteriormente descritos, observamos associação entre as variantes ou casos com padrão de diferenciação com maior potencial de agressividade e diversas características histológicas historicamente conhecidas por sua associação com mau prognóstico.
Apesar do volume amostral representativo do nosso estudo, os casos reconhecidos por pior potencial prognóstico são raros e somam uma pequena parte do total de CP da tireoide, o que torna difícil a comparação dos dados clínicos e histopatológicos entre cada variante separadamente. Jung et al.17, em uma série institucional de 14 anos, reuniram 23 casos de variantes de maior potencial de agressividade (dez casos de variante de Células altas, cinco de Esclerosante Difusa, quatro de Colunar, três de variante Sólida e um caso misto entre variante colunar e de células altas) para análise comparativa de fatores prognósticos e desfechos com um grupo de casos de carcinoma pouco diferenciado da tireoide. De modo semelhante, optamos por unificar todos os casos com variantes historicamente reconhecidas por sua associação com pior prognóstico em um único grupo de comparação. Ainda se sabe pouco sobre o papel desempenhado por focos ou zonas de variantes de pior prognóstico em um contexto de variantes ou padrões clássico, folicular ou oncocítico. Optamos por incluí-los aos demais casos com maior potencial de agressividade para fins de cálculo estatístico. Todos os casos que contiveram variantes ou padrões de diferenciação reconhecidas por pior prognóstico encontram-se individualmente listados na Tabela 2, com discriminação do subtipo predominante, o que acreditamos que possa colaborar em número com estudos posteriores de outros centros de pesquisa, visto a baixa frequência dessas variantes tumorais mesmo em grandes séries.
Existe uma hipótese de que o CP da tireoide tenha seu início no padrão Folicular ou Clássico, passando, com o decorrer do tempo, para formas de maior agressividade, a depender de alguns eventos moleculares, até a forma de neoplasias pouco diferenciadas e tumores anaplásicos. Dessa forma, postula-se que pacientes com formas de maior agressividade deveriam ser mais velhos, adquirindo, com o decorrer da doença, todas as características histopatológicas já reconhecidas por pior prognóstico18. Esse modelo já foi bem estudado entre variantes de Células altas, representado na nossa casuística por apenas quatro casos, com variação de idade de 34 a 64 anos. No nosso estudo, não observamos correlação estatística de idade com variante tumoral, o que acreditamos que possa ter sido influenciado pela baixa representatividade dessa variante na nossa amostra, além da exclusão de casos com zonas de carcinoma pouco diferenciado e tumores com áreas de anaplasia.
As variantes Colunar, de Células Altas, Esclerosante Difusa e Sólida costumam se apresentar de forma mais agressiva do que as variantes Clássica, Folicular e Oncocítica do CP da tireoide. Embora em estudos prognósticos, na análise multivariada, o subtipo histológico tenha perdido força como preditor independente de piores desfechos, as formas conhecidas por maior potencial de agressividade tendem a se associar a diversos outros fatores historicamente relatados em casos com desfechos desfavoráveis, alertando o médico de que ele se encontra em frente a um tumor potencialmente agressivo. Acreditamos que o nosso estudo vem a somar ao conhecimento atual, especialmente como substrato para estudos posteriores envolvendo mais de um centro de pesquisa, visto a baixa ocorrência de algumas dessas variantes.