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Vasculite associada a ANCA: experiência de um centro de referência de atendimento terciário

Vasculite associada a ANCA: experiência de um centro de referência de atendimento terciário

Autores:

Rafia Chaudhry,
Anum Bilal,
Adam Austin,
Swati Mehta,
Loay Salman,
Llewellyn Foulke,
Paul Feustel,
Roman Zuckerman,
Arif Asif

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.41 no.1 São Paulo jan./mar. 2019 Epub 09-Ago-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0040

INTRODUÇÃO

A vasculite associada à autoanticorpos (VAA) citoplasmáticos anti-neutrófilos (ANCA) é uma vasculite de pequenos vasos associada a ANCA em 90% dos casos1 e pode se manifestar como 3 processos fenotipicamente distintos: granulomatose com poliangiite (GPA), poliangiite microscópica (PAM) e granulomatose eosinofílica com poliangiite (GEPA). A VAA apresenta envolvimento de múltiplos órgãos secundário à inflamação e necrose de pequenos vasos sanguíneos e pode resultar em aumento da morbidade e mortalidade.

Relatórios baseados em população para VAA estimam uma incidência anual de 13 a 21,8 por milhão.2-6 A incidência de GPA no Reino Unido (UK), do United Kingdom's General Practice Research Database foi de 8,4 por milhão até 2005 (295 casos de GPA em 3,6 milhões de pacientes)7 e 11,8 por milhão de pessoas entre 1997-2003 (462 casos de GPA).8 Watts et al. encontraram uma incidência comparável de PAM, ou seja, 8,0 por milhão em uma coorte britânica de 15 anos seguida até 1997.9 Um estudo japonês prospectivo de 5 anos relatou uma incidência maior de VAA (principalmente PAM), de 22,6 por milhão ao ano.10 No entanto, faltam estudos populacionais quanto à incidência de VAA nos Estados Unidos.

Nosso estudo foi motivado pelo crescente número de casos de VAA no Albany Medical College (AMC). Nós hipotetizamos uma taxa aumentada de VAA, comprovada por biópsia renal entre pacientes diagnosticados no AMC, e investigamos a incidência regional de VAA.

MATERIAIS E MÉTODOS

A aprovação do comitê de revisão institucional (CRI) foi obtida no AMC. Pacientes com GN necrotizante pauci-imune ou crescêntica na biópsia renal entre 1 de janeiro de 2005 a 30 de abril de 2017, ou com evidência de GN necrotizante e características histopatológicas sugestivas de VAA (incluindo aqueles com diagnóstico secundário como membrana basal anti-glomerular, isto é, doença anti-MBAG, diabetes mellitus, nefrosclerose hipertensiva e outros processos secundários), e um diagnóstico clínico confirmado de VAA, baseado nos critérios de classificação do American College of Rheumatology (ACR) de 199011 para o GPA, e os critérios revisados do consenso de Chapel Hill (CHCC) para MPA12, foram incluídos no estudo. Os resultados de interesse foram: dados demográficos, ANCA, anti-mieloperoxidase (anti-MPO), anti-proteinase 3 (anti-PR3), anticorpos anti-membrana glomerular basal (anti-MGB) positivos, sobrevidas renal e de pacientes e tendências regionais. Os pacientes foram excluídos se a biópsia renal não listar a VAA como diagnóstico diferencial. Excluímos pacientes que tiveram GN pauci-imune em biópsia renal, mas um diagnóstico clínico inconsistente, ou seja, outro processo que foi mais provável do que a VAA. Além disso, pacientes com dados clínicos inadequados no momento da biópsia renal, com ausência de mais de 50% dos resultados dos exames laboratoriais ou parâmetros clínicos, foram excluídos.

O grau de proteinúria foi determinado usando a proteína urinária de 24 horas, e se não estivesse disponível, foi utilizada a relação de proteína e creatinina na urina.

A classificação histopatológica foi determinada pelo nosso patologista usando os relatórios de biópsia originais para classificar os pacientes de acordo com a classificação histopatológica de Berden de 2010 para VAA.13 Este sistema de classificação não é aplicável a pacientes com diagnóstico secundário de biópsia renal, por isso não designamos classe histopatológica para esses casos. A necessidade de terapia de diálise no momento da apresentação foi avaliada. Além disso, o número de pacientes que saíam da diálise, assim como permaneciam em terapia de diálise de longo prazo, também foi avaliado (desfecho renal).

As comparações de dados contínuos com distribuição normal foram feitas por testes-t para amostras independentes, quando comparados dois grupos ou por análise de variância com o teste de Tukey para comparações múltiplas, quando comparados três ou mais grupos. Os dados foram resumidos pela média e desvio padrão. Para os dados que mostraram importantes desvios da normalidade, usamos testes de Mann-Whitney para dois grupos ou testes de Kruskal-Wallis para mais de dois grupos. Esses dados são resumidos pelas medianas e intervalos interquartílicos (IIQ, 25º e 75º percentil). A comparação dos dados categóricos foi feita por testes qui-quadrado (teste exato de Fisher se os valores esperados fossem menores que 5). A regressão linear foi usada para testar relações entre variáveis contínuas. As curvas de Kaplan-Meier foram usadas para avaliar o tempo até os dados do evento com o teste log rank aplicado para testes entre os grupos. O software estatístico Minitab foi utilizado para todas as análises de dados com significância aceita em p < 0,05.

RESULTADOS

Novecentas e oitenta e seis biópsias de rins nativos foram revisadas, e 54 preencheram os critérios para o diagnóstico histopatológico de VAA, ou seja, consistente com GN pauci-imune (Figura 1). Destes, 13 casos apresentavam dados clínicos iniciais incompletos. Assim, 41 casos foram incluídos nesta análise.

Figura 1 Fluxograma para seleção de casos de vasculite associada à ANCA. 

As características demográficas são apresentadas na Tabela 1. Trinta e sete (90%) dos 41 pacientes eram caucasianos (com base na etnia auto-referida) e 23 (56%) eram do sexo masculino. A idade de apresentação foi de 52,4 anos (DP 23,7). Houve 18 GPA, 19 PAM e 4 com doença duplo-positiva (anticorpo anti-MBG e ANCA positivo). Não houve diferença estatisticamente significativa em termos de gênero entre os 3 grupos, ou seja, GPA, PAM e duplo positivos (p = 0,18). A mediana da creatinina no momento da biópsia foi de 2,6 mg/dL (IQR 1,5-4,9), com mediana mais alta de creatinina sérica, de 6,9 mg/dL (IQR 1,4 - 14,2) na doença duplo-positiva, versus 3,3 mg/dL (IQR 1,5-5,1) em GPA e 2,4 mg/dL (IQR 1,5 a 4,3) em PAM (Tabela 2). A hemoglobina sérica média foi de 9,7 (DP 1,8) g/dL, sem diferença estatisticamente significante entre GPA, PAM e duplo-positivo (p = 0,74). A albumina sérica média foi de 2,72 (DP 0,68) gm/dL com proteinúria no intervalo nefrótico em 16% dos casos, e hematúria microscópica em todos os casos (Tabela 1). Três casos no grupo PAM tiveram um diagnóstico secundário (1 nefropatia membranosa e 2 GN pós-infecciosas, ou seja, GNPI); no entanto, apenas o paciente com nefropatia membranosa apresentou proteinúria nefrótica.

Tabela 1 Características Basais 

Proporção Média ou Mediana (DP ou IIQ)
Idade 52,41 (23,71)
Gênero
Homens 23/41 (56%)
Etnia
Branco 37/41 (90%)
Negro 1/41 (2,4%)
Asiáticos 1/41 (2,4%)
Hispânicos 1/41 (2,4%)
Ameríndios 1/41 (2,4%)
Hipertensão 30/41 (73%)
Albumina 2,72 gm/dL (DP 0,68)
Hemoglobina 9,69 gm/dL (DP 1,81)
Proteinúria 2,28 gm (DP 2,2)
Proteinúria > 3,5 gm 6/36 (16%)
Hematúria 41/41 (100%)
Creatinina basal (n = 28) 1,18 mg/dL (0,43)
Creatinina à biópsia 2,6 mg/dL (IIQ 1,5-4,9)
GPA (18) 3,25 mg/dL (IIQ 1,48-3,25)
PAM (19) 2,4 mg/dL (IIQ 1,5-4,3)
Duplo-positivo (4) 6,9 mg/dL (IIQ 1,35-14,17
Diálise
All 13/41 (32%)
GPA (18) 6/18 (33%)
PAM (19) 5/19 (26%)
Duplo-positivo (4) 2/4 (50%)
C-ANCA (40) 23/40 (58%)
P-ANCA (41) 14/41 (34%)
MPO (37) 12/37 (32%)
PR-3 (38) 17/38 (45%)
ANCA atípica 1/37 (2,7%)

Tabela 2 Comparação de dados basais laboratoriais e de sorologia por diagnóstico clínico 

Total N = 41 GPA (SD*) PAM (DP) Duplo-positivo (DP) Valor de p
Creatinina (41) 4,21 (4,12) 2,81 (1,55) 7,47 (6,86) 0,062
Albumina (41) 2,62 (0,62) 2,69 (0,72) 3,3 (0,64) 0,197
Hemoglobina (41) 9,75 (1,66) 9,50 (1,79) 10,28 (2,95) 0,74
C-ANCA (40) 16/17 7/19 0/4 < 0,001
P-ANCA** (41) 1/18 9/19 4/4 < 0,001

*DP= desvio padrão

**Duplo-positivo versus GPA (p = 0,002), PAM versus GPA (p = 0,02), Duplo-positivo versus PAM (p = 0,28) com teste exato de Fisher usando a correção de Bonferroni.

SOBREVIDA DOS PACIENTES

O acompanhamento mediano dos pacientes foi de 77 semanas (IQR 10 - 263 semanas) (Figura 2a). Houve 4 óbitos entre os 41 casos, 3 óbitos de pacientes foram dentro de 16 semanas do diagnóstico de VAA e 1 óbito em 5,2 anos. Três pacientes estavam dependentes de diálise no momento do óbito. A taxa de mortalidade em 3 meses foi de 5,7%, e a taxa de mortalidade estimada em 1 ano foi de 12%, com dados de 12 meses de acompanhamento disponíveis para 22 pacientes (3 óbitos durante esse período de tempo).

Figura 2 Curvas de sobrevida de Kaplan-Meier descrevendo (a) sobrevida de paciente, (b) desfechos renais: proporção fora de diálise. Pacientes com o mais longo seguimento saíram da diálise ao final de 23 semanas. 

DESFECHOS RENAIS: SOBREVIDA LIVRE DE DIÁLISE

Treze pacientes necessitaram de hemodiálise no momento do diagnóstico de VAA. Sete desses pacientes saíram da diálise (6 tratados com esquema à base de ciclofosfamida, 1 recebeu rituximabe); o paciente com o maior tempo de seguimento foi submetido à hemodiálise ao final de 23 semanas (Figura 2b). Seis pacientes que permaneceram em diálise (4 tratados com esquema à base de ciclofosfamida, 1 com rituximabe e 1 não receberam imunossupressão imediata devido à bacteremia) foram transferidos para unidades de diálise fora do AMC e foram documentados como recebendo terapia de diálise no momento do último acompanhamento.

Para os pacientes que saíram da hemodiálise, o tempo médio para a recuperação renal foi de 4,86 semanas (IQR 1,57 a 23,85 semanas). Não houve diferença significativa em creatinina sérica (p = 0,54), hemoglobina (p = 0,14) ou albumina (p = 0,62) entre os pacientes que permaneceram em diálise, versus aqueles que demonstraram recuperação renal e saíram da diálise.

POSITIVIDADE DE ANTICORPOS

O C-ANCA foi positivo em 16 dos 17 casos com GPA versus 7 dos 19 casos com PAM, e nenhum dos casos duplo-positivos (p < 0,001). Um caso com o GPA tinha faltado o resultado do C-ANCA. O anticorpo P-ANCA foi positivo em 9 de 19 PAM, todos os 4 casos duplo-positivos e apenas 1 em 18 GPA (p < 0,001). As diferenças estatísticas entre os grupos para positividade do P-ANCA foram confirmadas em duplo positivo versus GPA (p = 0,002) e PAM versus GPA (p = 0,02), mas não em duplo positivo versus PAM (p = 0,28, teste exato de Fisher com correção de Bonferroni) (Tabela 2). Três pacientes foram negativos para ANCA (por imunofluorescência indireta e teste ELISA para MPO e PR3), apesar de biópsias renais consistentes com GN pauci-imune e diagnóstico clínico de VAA.

PAREAMENTO C-ANCA E PR3/PAREAMENTO P-ANCA E MPO

O pareamento de anticorpos C-ANCA e PR3 estava presente em 11 de 16 GPA, contra 3 de 17 PAM (p = 0,005). Dois casos em cada grupo tinham resultados ausentes para os anticorpos C-ANCA ou PR3. O emparelhamento de anticorpos contra P-ANCA e MPO foi confirmado em 5 de 17 PAM e nenhum dos casos de GPA (p = 0,044). Três dos quatro duplo-positivos apresentaram pareamento com p-ANCA e MPO, enquanto 1 apresentou pareamento com p-ANCA e PR3.

CLASSIFICAÇÃO HISTOPATOLÓGICA

Os laudos das biópsias renais de 34 casos com GPA ou PAM foram revisados pelo nosso patologista para atribuir uma categoria histopatológica. A classe histopatológica mais comum foi focal (16 casos), seguida por crescente (11 casos), mista (5 casos) e a menos comum foi esclerótica (2 casos). Sete casos tiveram um diagnóstico secundário (4 duplo-positivos e 3 casos com PAM) e, portanto, não foram atribuídos a uma classe histopatológica.

MAPEAMENTO POR CEP

Os casos foram mapeados pelos códigos de endereçamento postal no arquivo (Figura 3). Quatro casos eram de estados distantes, enquanto trinta e sete casos foram encaminhados localmente de municípios próximos; Dezesseis destes residiam dentro de um raio de quinze milhas dos condados de Albany, Schenectady e Saratoga.

Figura 3 Mapeamento regional de casos de vasculite associada à ANCA por país. Zona de maior freqüência de casos de VAA ampliada no canto inferior direito, destacando 16 casos em um raio de 15 milhas entre os condados de Albany, Schenectady e Saratoga. População estimada a partir do Censo dos EUA.14  

TENDÊNCIAS TEMPORAIS

Não incluímos casos do primeiro trimestre de 2017 para a análise das tendências na incidência de GN pauci-imune entre as biópsias renais no AMC. Embora não tenha havido aumento estatisticamente significativo no número de casos confirmados de VAA nesse período de tempo, houve uma tendência à diminuição do número total de biópsias (p = 0,05) de 2005 a 2016 (Figura 4). De nota, 8 dos 41 casos foram de 2016.

Figura 4 Biópsias renais no Centro Médico de Albany (AMC) de 1º de janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2016, ilustrando (a) total de biópsias e (b) biópsias de vasculites associadas à ANCA. 

DISCUSSÃO

Embora as incidências baseadas na população de AAV nos Estados Unidos (EUA) sejam limitadas, os dados sobre tendências regionais estão surgindo. A GN Pauci-imune foi relatada em 7,9% de 21.794 biópsias renais ao longo de 30 anos na Universidade da Carolina do Norte (UNC), no sudeste dos EUA,15 que é maior do que a porcentagem de VAA confirmada (5,4%) em nosso centro. Notavelmente, não tivemos dados clínicos para 13 pacientes excluídos do estudo, apesar de apresentarem GN pauci-imune na biópsia renal. Considerando esses pacientes, a porcentagem de GN pauci-imune em nosso centro é semelhante àquela relatada pela UNC.15 Além disso, a UNC é um grande centro de referência para biópsias renais, e os percentuais relatados podem representar uma proporção maior de biópsias, em vez de uma estimativa real das tendências locais da doença. Em comparação, a maioria das biópsias renais no AMC é do Hospital AMC, com uma pequena proporção do Centro Médico de Veteranos de Albany-Stratton (VAMC), e grupos locais de nefrologia.

A VAA tem uma incidência maior na faixa etária de 55-69 anos de idade,8 embora tenha sido relatado em todas as idades. A idade média no momento do diagnóstico em nossa coorte foi de 52,4 (DP 23,7) e 56% eram do sexo masculino. A razão entre homens e mulheres com GPA na Classificação ACR de 1990 foi de 1,7:111, e essa predominância masculina marginal foi relatada em outros estudos anteriores.8,16

A VAA é mais comumente observada em brancos (93-98% dos pacientes),17 embora a PAM tenha alto número de relatos entre asiáticos no Japão e na China.10,18,19 A VAA é rara em AA e genotipagem de alelos MHC de classe II. Cao et al., revelaram que pacientes AA com PR3-ANCA tiveram uma incidência maior de alelos HLA-DRB1*15 do que controles na comunidade (OR 73,3; IC95% 9,1 a 591).20 A associação com o alelo DRB1*15 também foi observada entre pacientes caucasianos com PR3-ANCA (OR 2,2; IC 95% 1,2 a 4).20

A triagem de ANCA é realizada por microscopia de imunofluorescência indireta em neutrófilos para detectar coloração predominaxntemente central (C-ANCA) ou citoplasmática (P-ANCA). Anticorpos contra antígenos de mieloperoxidase (MPO) e proteinase 3 (PR3) expressos na superfície de neutrófilos e monócitos são reconhecidos como os principais alvos dos ANCA.1,21 O teste de ELISA específico para antígeno para anti-MPO e anti-PR3, além da imunofluorescência indireta para ANCA, aumenta a sensibilidade dos resultados para 90% e especificidade para 70% para o diagnóstico de VAA.22

A positividade de PR3-ANCA com padrão citoplasmático na imunofluorescência, nesse caso emparelhamento C-ANCA e PR3, é observada em 90% dos pacientes com GPA,17,23 enquanto os anticorpos P-ANCA e MPO resultam positivos em 60-80% dos pacientes com PAM.16 A EGPA tem a menor proporção de positividade para ANCA (25% em pacientes sem envolvimento renal, 75% em pacientes com envolvimento renal e 30-40% de todos os casos são soropositivos para ANCA) e MPO em par com P-ANCA.17,24 Nossos resultados foram consistentes com essas observações, com pareamento de C-ANCA (p < 0,001) e C-ANCA com PR-3 (p = 0,005) em GPA; P-ANCA (p = 0,02) e P-ANCA com MPO (p = 0,044) pareado em PAM.

Em uma revisão recente sobre a doença anti-MBG, McAdoo et al., concluíram que a positividade anti-MBG é relatada em 5-10% dos VAA.25-28 A proporção de doença duplo-positiva em nosso estudo foi comparável, com 4 de 41 (aproximadamente 10%) casos de teste de VAA positivo para anticorpo anti-MBG no momento da biópsia renal.

Enquanto os resultados duplo-positivos demonstram a gravidade típica da doença anti-MBG na apresentação inicial, as doenças anti-MBG têm uma baixa taxa de recaída, e a recaída em casos duplo-positivos é impulsionada principalmente por VAA.29 Estima-se que em 50% dos pacientes duplo-positivos a doença deve recair.29

Em uma meta-análise de 44 estudos sobre desfechos clínicos de VAA por Mukhtyar et al., A sobrevida em 5 anos para GPA, PAM e EGPA foi estimada em 74-91, 45-76 e 60-97%, respectivamente.30 As taxas de mortalidade para GPA foram semelhantes em uma grande coorte do Reino Unido, e relatadas como sendo 30 dias, 90 dias e 1 ano em 4,8, 9,9 e 13,6%.8 As taxas de mortalidade de 3 meses e 1 ano em nossa coorte foram de 5,7% e 12%. Estes resultados são comparáveis aos estudos anteriores relatados sobre este assunto. As taxas de mortalidade em nosso estudo podem ser influenciadas pela falta de acompanhamento.

Lee et al., realizaram um estudo retrospectivo sobre os preditores dos resultados do tratamento em 155 pacientes com VAA. Neste estudo, 87% dos pacientes com VAA necessitaram de diálise na apresentação; 51% responderam à imunossupressão e saíram da diálise em 4,4 semanas (intervalo de 1-39 semanas).31 Dos restantes 49%, 14% evoluíram para óbito e dos 35% que eram dependentes de diálise aos 4 meses, 3 pacientes recuperaram a função renal até o final do primeiro ano após o diagnóstico.31 Koldingsnes et al., relataram recuperação renal 3 meses após o diagnóstico de VAA em 4 de 8 pacientes que necessitaram de hemodiálise na apresentação, com um adicional de 3 pacientes saindo temporariamente de diálise por 32 meses (variação de 10-91 meses) antes de progredir para DRT;32 semelhante a 53,8% (sete) de pacientes recuperando a função renal suficiente para sair da diálise até o final da semana 23.

Berden et al., propuseram uma classificação histopatológica para VAA com quatro classes: focal, mista, crescente e esclerótica, e correlacionaram com os desfechos clínicos.13 A sobrevida renal foi mais favorável para focal, depois crescêntica, mista e esclerótica em 1 e 5 anos de follow-up.13 Bjørneklett et al., usaram essa classificação para revisar 250 casos com GN associada à ANCA, e relataram uma tendência de menor risco para DRT em 1 e 5 anos na classe focal, seguido por desfechos renais mistos e crescentes, e menos favoráveis em casos de esclerose.33 Uma análise multivariada usando a TFG no momento da biópsia não confirmou uma diferença significativa para desfechos renais entre as classes.33 A prevalência de classes histopatológicas em nossa coorte diferiu do estudo de validação da classificação de Berden, no qual a mais classe comum foi a crescente. As classes em nossa coorte em freqüência decrescente foram: focal, crescente, mista e esclerótica.13 Devido ao tempo de seguimento variável e ao número relativamente pequeno de casos em cada classe, a análise para desfechos renais não foi realizada.

Os mecanismos ambientais de deflagração de VAA, conforme revisados por Morgan et al.34 e estudos anteriores, incluíram sílica, exposição agrícola (mais com gado do que colheitas) e solventes.18,35-37 Hogan et al., realizaram um estudo caso-controle usando dados relatados pelo paciente e encontraram aumento da exposição ao pó de sílica em pacientes com VAA em comparação com controles (p = 0,001).36 Aumento da freqüência regional e gravidade dos sintomas pulmonares na MPO-VAA foram relatados após o terremoto em Kobe, Japão,18 embora um aumento similar na incidência ou mudança nas manifestações clínicas não tenha sido avaliado após o terremoto de Christchurch na Nova Zelândia.16 Possibilidades consideradas para as variáveis encontradas após os terremotos foram diferenças na qualidade do ar, danos causados pelo terremoto e material de construção.16 Essas diferenças na exposição a mecanismos deflagradores específicos da região podem explicar incidências locais e tendências regionais variadas.

Para explorar ainda mais as tendências regionais, mapeamos os 41 casos em nosso estudo. Trinta e sete dos 41 casos foram encaminhados localmente e havia um grupo de 16 pacientes em um raio de 15 milhas entre os três condados. Nossos achados sugerem a possibilidade de maior incidência regional de GN pauci-imune. Esses resultados provavelmente representam o limite inferior das estimativas regionais, uma vez que nosso estudo limitou-se aos casos que encontrados no AMC com envolvimento renal. Estudos de base populacional com registros locais e nacionais são necessários para determinar a verdadeira incidência dessa doença.

Enquanto não houve mudança estatisticamente significativa nas tendências temporais de VAA confirmada entre as biópsias renais no AMC, 13 casos com biópsias consistentes com GN pauci-imune foram excluídos do estudo, e podem ter tido um impacto substancial sobre esses desfechos. Destaca-se que 8 dos 41 casos de VAA foram relatados em 2016. O número total de biópsias renais de 2005 a 2016 também diminuiu (p = 0,05) devido à mudança nos padrões locais de encaminhamento de biópsia, com o Albany-Stratton VAMC e grupos de nefrologia locais privados não mais encaminhando biópsias para o AMC.

Nossos dados sugerem que a VAA afeta principalmente os caucasianos e se apresenta mais tardiamente, com idade média na apresentação de 52,4 anos em nossa coorte, com predomínio marginal masculino. Além disso, parece haver variação regional no número de casos de VAA, com possíveis fatores implicativos, incluindo fatores ambientais e genéticos. O emparelhamento de anticorpos para C-ANCA e PR-3 (p = 0,005) em GPA, P-ANCA com MPO (p = 0,044) em PAM, e 10% de casos duplo- positivos (ANCA mais anti-MBG) foi consistente com dados previamente relatados. A taxa de mortalidade em 1 ano foi estimada em 12%, com um terço de todos os pacientes necessitando de diálise à admissão, e metade desses casos (53,8%) demonstrando recuperação renal em 23 semanas.

Nosso estudo tem um viés de referência, com casos mais graves de transferência de VAA para o AMC, pois é um grande centro de atendimento terciário. Os resultados e estimativas de mortalidade podem ser distorcidos por esses fatores, com casos menos graves de VAA não sendo encaminhados para o AMC e sendo tratados em hospitais locais. Além disso, o uso de biópsia renal para identificar casos de RPGN pode levar a um viés de seleção para casos com maior gravidade da doença.

REFERÊNCIAS

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