versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.2 São Paulo abr./jun. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011rc1676
A vasculopatia livedoide é uma doença idiopática rara. Caracteriza-se por lesões cutâneas purpúricas dolorosas, crônicas e recorrentes, que progridem para úlceras e, por fim, para lesões atróficas esbranquiçadas(1).
As lesões geralmente localizam-se bilateralmente nas extremidades distais de membros inferiores, sendo mais comuns em adultos jovens do sexo feminino, com tendência a agravamento no verão. Por esse motivo, também é chamada de vasculite com ulceração no verão(2,3). Histologicamente, é caracterizada por alterações vasculares hialinas na subíntima, extravasamento de eritócitos e material fibrinoide, sem evidência de vasculite leucocitoclástica. Ocorre também trombose dos vasos da derme e isquemia tissular(1).
Sua patogênese é desconhecida, havendo possivelmente participação de mecanismos operantes à nível da microcirculação com alterações endoteliais e formação de trombos oclusivos nos vasos dérmicos, geralmente associados à trombofilia(2,4).
De fato, na maioria dos casos descritos na literatura, há associação com anormalidades trombóticas, desordens do tecido conjuntivo(5), neoplasias hematológicas(6) e tumores sólidos(1).
Por se tratar de uma entidade rara, não há consenso definido sobre seu tratamento de escolha. Todavia, antiagregantes plaquetários e anticoagulantes têm sido utilizados em várias séries da literatura(2,4,6).
Descrevemos um caso de vasculopatia livedoide que evoluiu com rápida regressão do quadro cutâneo após câmara hiperbárica e terapia anticoagulante.
Paciente do sexo masculino, 41 anos, com surgimento de lesões violáceas confluentes, dolorosas, nas extremidades distais de membros inferiores que evoluíram para úlceras (Figura 1). Realizada biópsia, que evidenciou vasos com paredes espessadas, com oclusão de sua luz por trombos e depósito de material eosinofílico (Figuras 2A e 2B).
Figura 2 Derme apresentando numerosos capilares com a parede e trombos composos por fibrina e material eosinofílico. Nota-se ainda discreto extravasamento perivascular de células inflamatórias. (A) Hematoxilina-eosina; (B) PAS
Foram pesquisados possíveis fatores associados ao quadro, como fatores pró-trombóticos, colagenoses e doenças neoplásicas.
A avaliação para trombofilia foi negativa, já que não encontramos evidência de mutação fator V de Leiden ou de protrombina mutante. Dosagem de antitrombina III de 88% (80 a 120%), proteína S total funcionante de 82% (60 a 124%), proteína S antígeno livre de 80% (50 a 150%), proteína C de 111% (70 a 130%), resistência à proteína C ativada de 4,7 (nl > 2,1), anticoagulante lúpico negativo, anticardiolipina IgG de 2,8 GPL (nl < 15 GPL), anticardiolipina IgM de 3,4 MPL (nl < 12,5 MPL) homocisteína de 10,9 micromol/L (5 a 15 micromol/L), fator XII de 82% (50 a 150%), fator VIII de 89,4% (50 a 150%), fibrinogênio de 467 mg/dL (200 a 400 mg/dL).
O perfil reumatológico incluiu pesquisa de crioglobulina que foi negativa, fator reumatoide < 15 UI/mL (nl < 15 UI/ml), FAN (núcleo/nucléolo/citoplasma/aparelho mitótico/placa metafisária) não reagente, ANCA não reagente; anti-La/SS-B, anti LA/SS-A e anti-Sm todos negativos. Dosagens de complemento dentro da normalidade: total de 94% (90 a 94%), C3 de 125 mg/dL (90 a 180 mg/dL), C4 de 30,3 mg/dL (10 a 40 mg/dL). Foram também realizadas tomografias computadorizadas de tórax e abdome total, que não evidenciaram qualquer alteração.
Ao ser internado, o paciente estava em uso de pentoxifilina e AAS, que contribuíram para a piora clínica.
As medicações foram suspensas, sendo iniciada terapia anticoagulante com heparina de baixo peso molecular, na dose de 2 mg/kg por dia, simultaneamente a warfarina, até atingir RNI acima de 2,0 concomitante a dez aplicações de câmara hiperbárica. Houve rápida resposta clínica em uma semana, com controle do quadro álgico e regressão das lesões que evoluíram para crostas (Figura 3).
A vasculopatia livedoide foi descrita pela primeira vez como vasculopatia cutânea idiopática em 1967, por Bard e Winkelmann(7). Na literatura, encontramos apenas relatos de caso sobre essa afecção e, na maioria das descrições, há associações com estados trombofílicos, principalmente com mutação fator V de Leiden, protrombina mutante, síndrome antifosfolípide e hiper-homocisteinemia(2,6–16). Entretanto, em nosso paciente, após extensa investigação, não detectamos nenhuma causa de trombofilia, colagenoses ou neoplasia.
Nos casos reportados na literatura, não encontramos também um consenso de tratamento, embora tenha sido quase que uniformemente empregada a terapia anticoagulante com heparina de baixo peso(2) ou com warfarina. Quanto à sua duração, também não houve uma uniformidade, sendo determinada, na quase totalidade dos casos, pela condição clínica associada à vasculopatia livedoide. Alguns pacientes que tiveram a terapia anticoagulante suspensa apresentaram recorrência do quadro, seja devido à suspensão da mesma ou não, e tornaram a responder após a reintrodução do anticoagulante(2).
Quanto o uso da oxigenoterapia hiperbárica, nossa experiência demonstrou rápido controle do quadro. Yang et al. descreveram dois pacientes com quadro de vasculopatia livedoide responsivo à oxigenoterapia hiperbárica, após falha com múltiplas modalidades terapêuticas prévias(17).
Assim, diante de um quadro de vasculopatia livedoide, é importante investigarmos possíveis causas associadas. A anticoagulação consiste numa estratégia terapêutica importante, embora sua duração permaneça ainda por ser determinada
O sucesso terapêutico obtido em nosso paciente com a terapia combinada (anticoagulação e oxigênio hiperbárico) sugere que tal modalidade possa ser benéfica nesses casos.