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VEGFR-2: Uma das Vias de Sinalização da Pioglitazona no Coração

VEGFR-2: Uma das Vias de Sinalização da Pioglitazona no Coração

Autores:

Marcos Ferreira Minicucci,
Leonardo Antonio Mamede Zornoff

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.2 São Paulo ago. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180147

A pioglitazona é atualmente o único antidiabético oral que melhora a sensibilidade à insulina disponível no mercado. Ela age pela ativação do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma (PPAR) gama, receptor nuclear que altera a transcrição de genes envolvidos no metabolismo da glicose e de lipídeos, bem como no balanço energético.1,2 Desse modo, promove melhora na sensibilidade à insulina, redução da produção hepática de glicose e aumento da captação da glicose nos tecidos periféricos.1,2

Entre os efeitos benéficos da pioglitazona, destaca-se o baixo risco de hipoglicemia e a melhora de fatores de risco cardiovasculares, como perfil lipídico e função endotelial.1,2 Os efeitos colaterais mais importantes incluem o ganho de peso, principalmente pelo risco de edema ou insuficiência cardíaca, o risco aumentado de fraturas e sua associação com câncer de próstata, que está sendo refutada em estudos recentes.2 A pioglitazona é relativamente potente em reduzir a hemoglobina glicada A1C, no entanto, estudos não mostraram benefício do controle mais intenso quando comparado com controle menos intenso da glicemia na mortalidade cardiovascular.3 Este fato é importante pois as doenças cardiovasculares continuam sendo as causas mais comuns de morbidade e mortalidade em pacientes com diabetes.3

É também interessante observarmos que estudos recentes com inibidores do transportador sódio-glicose-2 (SGLT-2) e com análogos do peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) mostraram benefícios desses medicamentos na prevenção secundária de eventos cardiovasculares.4-7 Por isso, elas são as drogas indicadas para serem associadas à metformina pela Associação Americana de Diabetes, em pacientes com doença cardiovascular comprovada.8 No entanto, poucos estudos foram realizados em pacientes com diabetes diagnosticado há pouco tempo e com baixa prevalência de doenças cardiovasculares.

Nesse contexto, o estudo TOSCA.IT comparou os efeitos cardiovasculares da adição de pioglitazona ou sulfonilureia à metformina em pacientes com diabetes mellitus tipo 2.9 O estudo mostrou que na ausência de doença cardiovascular clinicamente evidente, ambos os tratamentos são alternativas possíveis. Apesar disso, considerando os efeitos metabólicos mais prolongados, o menor risco de hipoglicemia e o benefício na redução de eventos cardiovasculares ateroscleróticos em aproximadamente 30%, a combinação metformina e pioglitazona pode ser considerada o tratamento preferencial.9 Esse resultado está em concordância aos benefícios cardiovasculares da pioglitazona já evidenciados nos estudos PROactive e PERISCOPE.10,11

Em relação aos potenciais mecanismos fisiopatológicos dos benefícios cardiovasculares da pioglitazona, aceita-se que, além de seu efeito metabólico de reduzir a resistência à insulina, essa tiazolidinediona pode ter efeito direto no coração. Assim, estudos experimentais já observaram efeitos da pioglitazona na fibrose, apoptose e hipertrofia miocárdica.12-14 Nessa edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Zhong et al.,15 investigaram se os efeitos da pioglitazona sobre a apoptose e a hipertrofia de cardiomiócitos ocorrem pela regulação da via de sinalização do receptor do fator de crescimento endotelial vascular (VEGFR)-2. O VEGFR-2 é um receptor de tirosina quinase que estimula vias de sinalização intracelulares responsáveis por proliferação, migração e ciclo celular. Inicialmente, os autores, pela técnica de mapeamento farmacológico reverso, identificaram o VEGFR-2 como o alvo potencial mais bem ranqueado para pioglitazona. Posteriormente, os autores isolaram cardiomiócitos de ratos Sprague-Dawley e avaliaram os efeitos da pioglitazona e do inibidor seletivo do VEGFR-2, apatinib, em duas variáveis: a taxa de apoptose, avaliada por citometria de fluxo, e a hipertrofia, avaliada por incorporação de leucina-[3H]. É interessante observar que nesse estudo houve redução da viabilidade de cardiomiócitos, mas acompanhado por redução da hipertrofia cardíaca induzidas por angiotensina II in vitro. Além disso, tanto a pioglitazona, quanto o apatinib, aumentaram a expressão de Bax e p53 fosforilada, e reduziram a expressão de VEGFR-2, Akt e mTOR nos cardiomiócitos. Os estudos na literatura são controversos em relação aos efeitos da pioglitazona tanto na hipertrofia quanto na apoptose de cardiomiócitos.12-14 Esses efeitos controversos podem ser devido a diferentes doses e modelos utilizados. Apesar disso, no estudo em questão, os autores sugerem que a pioglitazona não seria vantajosa para pacientes com insuficiência cardíaca, pois a mesma atenuou a hipertrofia, mas induziu apoptose dos cardiomiócitos.

Apesar dos efeitos diretos da pioglitazona no coração ainda estarem em fase de investigação, Zhong et al.,15 adicionam importante contribuição, pois sugerem que um dos mecanismos de ação da pioglitazona é via VEGFR-2. Além disso, se considerarmos que evidências clínicas mostram benefícios nos desfechos cardiovasculares com o uso desse antidiabético, estudos adicionais devem ser realizados para definir melhor o papel da pioglitazona nas doenças cardiovasculares, em pacientes com diabetes.

REFERÊNCIAS

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