versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.6 São Paulo nov./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.08.015
A rinossinusite aguda ou crônica, com ou sem pólipos nasais, constitui um importante problema de saúde, com impacto significativo na qualidade de vida, interferindo na vida pessoal, profissional e social do paciente.1
Para avaliar o impacto da rinossinusite em cada paciente, e para monitorizar a resposta ao tratamento, foram desenvolvidos instrumentos específicos de doença que medem os sintomas e a qualidade de vida (QDV). Existem vários questionários (tabela 1) que fazem uma avaliação subjetiva do impacto da rinossinusite e da incapacidade a que está associada.
Tabela 1 Questionários para avaliação da qualidade de vida na rinossinusite
Instrumento | Items | Domínios | Autores | |
RSOM-31 | Rhinosinusitis Outcome Measurement | 31 | 7 | Piccirillo2 |
SNOT-16 | Sinonasal Outcome Test | 16 | 1 | Anderson et al.3 |
SNOT-20 | Sinonasal Outcome Test | 20 | 1 | Piccirillo et al.4 |
SNOT-22 | Sinonasal Outcome Test | 22 | 1 | Hopkins et al.5,6 |
RSDI | Rhinosinusitis Disability Index | 30 | 3 | Benninger, Senior7 |
RhinoQOL | Rhinosinusitis Quality of Life Survey Instrument | 17 | 3 | Atlas et al.8,9 |
Uma das maiores dificuldades na aplicação destes instrumentos na prática clínica do dia a dia é a falta de tempo disponível. A necessidade de um questionário breve e fácil de usar, específico para rinossinusite, e que simultaneamente apresente boas características psicométricas, levou ao desenvolvimento do RhinoQOL Survey Instrument8 (fig. 1), validado para pacientes com rinossinusite aguda8 e crônica,9 tratados médica ou cirurgicamente.
Este instrumento, que foi já validado para a língua francesa,10 consiste em 17 itens, divididos em três domínios que avaliam a frequência dos sintomas (cinco itens), o incômodo provocado pelos sintomas (com respostas que vão desde "0", que significa "nada incomodado", até "10", que significa "muito incomodado", para cada um dos três itens) e o impacto dos sintomas (nove itens). Nas questões de frequência e impacto, o doente dispõe de cinco respostas possíveis: "nunca", "pouco tempo", "algum tempo", "muito tempo" e "sempre".
Numa recente revisão sistemática de questionários de QDV para a rinossinusite, o RhinoQOL foi um dos dois únicos (o outro era o RSOM-31) que cumpriu os critérios dos autores de validade discriminante e responsividade.11
Este artigo apresenta a tradução do RhinoQOL para a língua portuguesa e o seu procedimento de validação, para permitir o seu uso na avaliação de pacientes lusófonos portadores de rinossinusite crônica (RSC).
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética de um Hospital de nível 1 (decisão nº 12/2012) e decorreu de acordo com os princípios da Declaração de Helsinque.
O questionário RhinoQOL foi obtido do artigo original de Atlas SJ et al.9 (fig. 1). Dois médicos bilíngues realizaram a dupla tradução do questionário do inglês para o português, seguida de retrotradução para inglês. A forma final do questionário RhinoQOL - versão portuguesa (RhinoQOL-vp) encontra-se disponível na figura 2.
Este estudo foi realizado no Departamento de Otorrinolaringologia, incluindo pacientes operados no período de 1 de dezembro de 2012 a 31 de julho de 2013. O RhinoQOL-vp foi administrado durante a consulta, consecutivamente aos primeiros 58 pacientes com RSC com pólipos nasais (RSCcPN) e sem pólipos nasais (RSCsPN), avaliados pré-operatoriamente para cirurgia endoscópica nasossinusal (CENS), que foi realizada sempre pela mesma equipa cirúrgica, utilizando os princípios da cirurgia endoscópica sinusal funcional descritos por Messerklinger.12 No presente estudo, o tamanho da amostra (n = 58) foi determinado tendo por base o tamanho da amostra do estudo inicial de Atlas et al.9 (n = 50), com o qual foi possível detectar diferenças clinicamente significativas. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado antes da sua inclusão no estudo. Os critérios de admissão incluíram idade igual ou superior a 18 anos e a capacidade para falar e ler em português. O tempo de aplicação do questionário foi medido em minutos. Os pacientes responderam acerca da clareza das questões ("Teve dificuldades na interpretação de algum dos itens do questionário?") e da duração da avaliação ("Considera que este questionário é demasiado longo para preencher?"), com uma opção de resposta Sim/Não. No terceiro mês de pós-operatório, os pacientes responderam novamente ao questionário.
Os dados obtidos na avaliação foram introduzidos e processados pelo software de estatística IBM(r) SPSS(r) Statistics, versão 21.
Foi realizada a estatística descritiva dos dados demográficos e clínicos (idade, sexo, presença de pólipos nasais, scoreimagiológico pré-operatório de Lund-Mackay).13
Tal como no estudo original do RhinoQOL,9 a avaliação psicométrica foi realizada separadamente para as escalas de frequência, de incômodo e de impacto do RhinoQOL-vp. Osscores para as escalas de frequência e impacto variaram entre 1 ("nunca") e 5 ("sempre"). Para a escala de incômodo, osscores variaram entre 0-10, tal como os valores possíveis de resposta.
A consistência interna foi determinada através do a deCronbach. Para comparação de médias entre os dois grupos, utilizou-se o teste t de Student. A correlação entre o score de Lund-MacKay e os scoresdas subescalas do RhinoQOL-vp foi testada através do coeficiente de Pearson para variáveis quantitativas; a correlação entre cada item individual e osscores totais de cada subescala foi testada com o coeficiente de Spearman.
As alterações de scores entre a data inicial e aos três meses de follow-up foram avaliadas usando-se o testet para variáveis pareadas. Foi também determinada a magnitude do efeito, que é o valor médio das variações descores dividida pelo desvio padrão dos valores iniciais. Por convenção, uma magnitude de efeito entre 0,2 e 0,5 é considerada uma melhora "leve"; entre 0,5 e 0,8 uma melhora "moderada"; e maior do que 0,8 uma "grande" melhora na qualidade de vida.6
A amostra foi constituída por 58 pacientes, 30 homens e 28 mulheres. A idade média foi de 48,48 ± 11,703 anos (âmbito, 69-25 anos). Trinta e oito doentes tinham RSCcPN. Os casos estão distribuídos conforme a tabela 2.
Tabela 2 Distribuição dos pacientes com relação a sexo e tipo de RSC
RSCcPN | RSCsPN | Total | |
Masculino | 20 | 10 | 30 |
Feminino | 18 | 10 | 28 |
RSCcPN, rinossinusite crônica com pólipos nasais; RSCsPN, rinossinusite crônica sem pólipos nasais.
Cinco pacientes (8,6%) responderam "Sim" à pergunta sobre a dificuldade de interpretação dos itens do questionário. O tempo médio de preenchimento foi de 5,53 ± 1,127 min (âmbito, 8-4 min). Cinquenta e seis pacientes (96,6%) consideraram que o RhinoQOL-vp não levava muito tempo para ser preenchido.
A consistência interna (Cronbach a) foi de 0,77; de 0,88; e de 0,56, respectivamente, para os resultados de frequência, impacto e incômodo do RhinoQOL-vp.
Tal como mostrado na tabela 3, o sexo masculino esteve associado a valores mais baixos do que o sexo feminino, na escala de impacto dos sintomas (significância do teste t de Student = 0,018). Verificou-se também que os pacientes com RSCcPN apresentaramscores na escala de frequência superiores ao dos pacientes com RSCsPN (significância do teste t de Student = 0,009) (tabela 4).
Tabela 3 Score total de acordo com o sexo e para cada subescala
Sexo | n | Escala de frequência | Escala de impacto | Escala de incômodo | |||
Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | ||
Masculino | 30 | 14,71 | 5,01 | 17,60 | 4,66 | 13,07 | 6,31 |
Feminino | 28 | 12,93 | 4,24 | 22,71 | 9,97 | 15,46 | 6,41 |
Significância (a = 0,05) | 0,149 | 0,018 | 0,157 |
Tabela 4 Score total de acordo com o tipo de RSC para cada subescala
n | Escala de frequência | Escala de impacto | Escala de incômodo | ||||
Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | Média | Desvio padrão | ||
RSCcPN | 38 | 14,79 | 5,10 | 19,37 | 6,72 | 14,95 | 7,15 |
RSCsPN | 20 | 11,90 | 3,02 | 21,40 | 10,18 | 12,85 | 4,56 |
Significância (a = 0,05) | 0,009 | 0,428 | 0,180 |
RSCcPN, rinossinusite crônica com pólipos nasais; RSCsPN, rinossinusite crônica sem pólipos nasais.
O score global médio de Lund-Mackay foi de 13,52 ± 4,94 (âmbito, 23-4). Os pacientes com RSCcPN apresentaram scores de Lund-Mackay mais elevados do que aqueles com RSCsPN (tabela 5). Obteve-se uma modesta correlação positiva (r = 0,380) entre a subescala de frequência de sintomas do RhinoQOL-vp e oscore total de Lund-Mackay (p = 0,003). Não foi verificada qualquer associação com as outras subescalas.
Tabela 5 Score total de Lund-Mackay de acordo com o tipo de RSC
n | Média | Desvio padrão | Significância (a = 0,05) | |
RSCcPN | 38 | 15,89 | 3,965 | < 0,001 |
RSCsPN | 20 | 9,00 | 3,112 |
RSCcPN, rinossinusite crônica com pólipos nasais; RSCsPN, rinossinusite crônica sem pólipos nasais.
O score de cada item individual do RhinoQOL-vp correlacionou-se de forma significativa com o score total de cada subescala, como mostrado na tabela 6.
Tabela 6 Coeficiente de Spearman e significância (2 tailed) para a correlação entre os itens individuais e o score total para cada subescala do RhinoQOL-vp (a = 0,05)
Subescala do RhinoQOL | Item | Spearman | Significância |
Frequência | 1 | 0,489 | < 0,001 |
2 | 0,605 | < 0,001 | |
3 | 0,907 | < 0,001 | |
4 | 0,838 | < 0,001 | |
5 | 0,763 | < 0,001 | |
Impacto | 1 | 0,739 | < 0,001 |
2 | 0,689 | < 0,001 | |
3 | 0,676 | < 0,001 | |
4 | 0,643 | < 0,001 | |
5 | 0,390 | 0,002 | |
6 | 0,844 | < 0,001 | |
7 | 0,834 | < 0,001 | |
8 | 0,663 | < 0,001 | |
9 | 0,653 | < 0,001 | |
Incômodo | 1 | 0,675 | < 0,001 |
2 | 0,670 | < 0,001 | |
3 | 0,829 | < 0,001 |
Os scores em cada subescala, iniciais e aos três meses defollow-up, constam da tabela 7. Verificou-se uma redução significativa dosscores para todas as subescalas, indicando melhora clínica dos pacientes. Aos três meses, o tamanho do efeito foi considerado "grande" para todas as subescalas (tabela 8).
Tabela 7 Sensibilidade à mudança: scores iniciais e aos três meses de pós-operatório (a = 0,05)
Subescalas do RhinoQOL | Níveis iniciais | Follow-up aos três meses | p | ||||
n | Média | Desvio padrão | n | Média | Desvio padrão | ||
Frequência | 58 | 13,79 | 4,67 | 58 | 8,79 | 2,19 | < 0,001 |
Impacto | 58 | 20,07 | 8,05 | 58 | 12,95 | 4,35 | < 0,001 |
Incômodo | 58 | 14,22 | 6,42 | 58 | 5,31 | 3,81 | < 0,001 |
☆☆ Instituição: Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, Penafiel, Portugal.
Tabela 8 Magnitude do efeito - amostra total e por tipo de RSC
Subescalas do RhinoQOL | (Médiainicial-Média3meses)/D.padrãoinicial | Melhoria na qualidade de vida | ||
Total | RSCcPN | RSCsPN | ||
Frequência | 1,07 | 1,19 | 0,99 | Grande |
Impacto | 0,88 | 0,95 | 0,83 | Grande |
Incômodo | 1,39 | 1,31 | 1,77 | Grande |
D. padrão, desvio padrão; RSCcPN, rinossinusite crônica com pólipos nasais; RSCsPN, rinossinusite crônica sem pólipos nasais.
A avaliação clínica dos doentes com RSC, com e sem pólipos nasais, é focada essencialmente nas queixas de obstrução nasal e rinorreia, dor ou pressão facial e redução ou perda do olfato, com evidência objetiva da doença demonstrada por endoscopia ou TC. Existe uma grande variedade de outros instrumentos de análise, cuja maior parte é usada essencialmente para efeitos de investigação.1
Questionários que integram sintomas reportados pelos doentes e o seu impacto na QDV são cada vez mais úteis, e o seu uso está se tornando um procedimento de rotina na avaliação de pacientes com rinossinusite. Até a presente data, o único questionário desse tipo, validado para a língua portuguesa e publicado na literatura internacional, é a versão traduzida do SNOT-22.14
O RhinoQOL é um questionário novo que mostrou validade e resposta comparáveis às dos instrumentos RSOM-31 e SNOT, e demonstrou uma excelente sensibilidade à mudança com o tempo associada à cirurgia.9 O RhinoQOL-vp provou ser uma tradução adequada da versão inglesa, tal como demonstrado por uma consistência interna similar para cada subescala (tabela 9) e uma forte correlação entre cada item individual e o score total. Além disso, os pacientes que reponderam ao RhinoQOL-vp não sentiram dificuldades significativas.
Tabela 9 Consistência Interna - Cronbach a
RhinoQOL(original)9 | RhinoQOL-vp | |
Cronbach a [Frequência] | 0,68 | 0,77 |
Cronbach a [Impacto] | 0,89 | 0,88 |
Cronbach a [Incômodo] | 0,57 | 0,56 |
Das variáveis testadas, o sexo esteve associado a diferenças noscore total da subescala de impacto do RhinoQOL-vp, com os homens apresentando scores mais baixos do que as mulheres, de forma estatisticamente significante. Este fato levanta a questão sobre se os níveis de sofrimento reportados podem ou não refletir índices mais elevados de estados de ansiedade, que costumam ser mais prevalentes em mulheres.15 Também os doentes com RSCcPN mostraram níveis mais elevados na subescala de frequência, comparando com os doentes com RSCsPN; no entanto, não houve diferenças estatisticamente significantes nas subescalas de incômodo e impacto, sugerindo que a tolerabilidade à doença não é diferente nas duas situações.
Embora muitos estudos tenham demonstrado uma falta de correlação entre os níveis reportados de severidade de sintomas na RSC e medidas objetivas,1 foi detectada uma correlação positiva significante, embora modesta, entre a subescala de frequência dos sintomas e o score no estadiamento imagiológico de Lund-Mackay.
As alterações nos scores obtidas entre a avaliação inicial e a realizada aos três meses de follow-up mostram que o RhinoQOL-vp é uma ferramenta útil na avaliação dos resultados após a CENS, revelando uma boa sensibilidade à mudança. Com efeito, a interpretação dos dados brutos do RhinoQOL-vp num momento de observação único (estático) pode até ser difícil, uma vez que os resultados não são interpretáveis de forma intuitiva; no entanto, a interpretação das diferenças entre o antes e o depois da cirurgia são muito mais fáceis de perceber.
Podemos concluir que o RhinoQOL-vp pode ser usado pelos doentes com RSC que falam a língua portuguesa, de modo equivalente à versão inglesa original, porque apresenta uma validade facial e de conteúdo similares. Este estudo apresenta um instrumento com boa sensibilidade à mudança, o que pode ser especialmente útil na medição dos resultados após a CENS.