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Vertical visual subjetiva com o método do balde em indivíduos brasileiros hígidos

Vertical visual subjetiva com o método do balde em indivíduos brasileiros hígidos

Autores:

Maristela Mian Ferreira,
Fabiana Cunha,
Cristina Freitas Ganança,
Maurício Malavasi Ganança,
Heloisa Helena Caovilla

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.4 São Paulo jul./ago. 2016

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.08.027

Introdução

A orelha interna, também denominada labirinto, pode ser dividida em labirinto anterior, que contém o órgão da audição (cóclea), e labirinto posterior, que compreende os três canais semicirculares (lateral, superior e posterior) e o vestíbulo, que inclui utrículo e sáculo.1 Os receptores do sistema vestibular da orelha interna são compostos por dois tipos de estruturas: um sistema cúpulo-endolinfático nos três canais semicirculares, sensíveis às acelerações angulares, e uma amálgama de otólitos no seio de uma membrana viscoelástica ao nível das máculas utriculares e saculares, sensíveis às acelerações lineares.1 As aferências otolíticas corticais também participam da orientação espacial, na percepção do movimento, na representação mental do corpo no espaço1 e na percepção de verticalidade, concomitantemente com as informações dos sistemas visual e proprioceptivo.2,3

A capacidade de julgar se os objetos estão na posição vertical é denominada vertical visual subjetiva (VVS).

No indivíduo hígido, os órgãos otolíticos, sozinhos, podem construir a VVS, mesmo na privação dos estímulos visuais e proprioceptivos; na disfunção vestibular unilateral, a recuperação da VVS parece estar condicionada à possibilidade do uso efetivo das informações proprioceptivas e exteroceptivas, particularmente as da superfície plantar.4

O método do balde, objeto de nossa pesquisa, foi inicialmente idealizado5 e depois comparado6 com o método sofisticado e padronizado da cúpula hemisférica,7 mostrando que a distribuição dos valores da VVS foi semelhante à aplicação dos dois métodos, evidenciando que o método do balde pode tornar-se parte da rotina de exames clínicos, pois é de fácil uso e de baixo custo. No método da cúpula, uma cúpula hemisférica coberta por pontos coloridos e um alvo linear são girados aleatoriamente, e o indivíduo é orientado a alinhar o alvo por meio de controle de videogame, deixando-o o mais vertical possível; no método do balde, um balde é girado e o indivíduo indica quando uma linha reta fluorescente disposta na parte inferior e interna do balde alcança a posição vertical.6 No método do balde, a faixa de desvios absolutos dos valores da VVS em relação à vertical verdadeira em indivíduos saudáveis ​​foi 0,9 ± 0,7º (média ± desvio padrão). Não foi identificado efeito significante da idade e do gênero.6

Outro estudo destacou que o método do balde é útil para descrever déficits espaciais em pacientes com comprometimento vestibular comprovado, mas não como teste de triagem. Em 50 indivíduos hígidos, a média (desvio padrão; mínimo/máximo) dos valores absolutos dos desvios da vertical foi para o grupo feminino; 1,2º (0,7; 0º/3,2º) e para o masculino, 1,0º (0,8; 0º/2,7º).8

Em nosso meio, a VVS foi avaliada em 30 indivíduos brasileiros saudáveis por meio do ajuste com um mouse do computador de uma linha virtual na posição vertical, projetada em uma tela branca. O desvio médio da VVS foi -0,372º ± 1,21, considerando seis repetições.9

Outra pesquisa com 160 indivíduos hígidos brasileiros determinou a VVS usando um bastão portátil de 24 cm com luz fluorescente, posicionado em frente ao indivíduo e na altura dos seus olhos. Os indivíduos avaliados usaram óculos de lentes com filtro de luz que impossibilitavam qualquer outra aferência visual, a não ser a da luz fluorescente, percebida como uma linha verde. Foram realizados dez ajustes da VVS, um para cada lado, totalizando cinco em sentido horário e cinco em sentido anti-horário. As inclinações angulares da posição vertical foram medidas em graus e definidas como positivas para os desvios no sentido horário e negativas no sentido anti-horário, em relação ao paciente. Os resultados da VVS apresentaram valores médios dos dez ajustes variáveis entre -2,0º e +2,4º (média = 0,18; desvio padrão = 0,77).10

Vários estudos têm demonstrado a importância da avaliação vestibular por meio da VVS com diferentes métodos, e também com o método do balde. No entanto, para aplicação deste método em nosso meio, é importante conhecer o comportamento de indivíduos brasileiros saudáveis para posterior comparação com pacientes com distúrbios vestibulares. Considerando o valor semiológico da avaliação da VVS, a carência de estudos nacionais com o método do balde, o baixo custo e a fácil aplicação, resolvemos encetar a presente investigação.

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a VVS com o método do balde em indivíduos brasileiros hígidos.

Método

O presente estudo foi realizado após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa sob o protocolo número 51439/12.

Neste estudo transversal, para compor a casuística, foram selecionados 100 indivíduos adultos hígidos voluntários da comunidade, 50 do gênero feminino e 50 do masculino, sem queixas de doença vestibular e/ou perda auditiva, e foram excluídos os indivíduos com distúrbio cognitivo, alteração grave da acuidade visual e antecedente de doença neurológica.

A avaliação da VVS foi realizada por meio de um balde construído com materiais baratos e de fácil aquisição: balde de plástico opaco com borda maior que 25 cm, papel cartão, barbante, fita fluorescente, pesos (porcas de parafuso) e fita adesiva. Uma fita fluorescente, colocada verticalmente na parte interna e no fundo do balde, foi perfeitamente alinhada com o marco zero de um transferidor, posicionado na parte externa e inferior do balde, e ambos foram alinhados com a vertical verdadeira em relação à Terra11 (figs. 1 e 2).

Figura 1   Vista da fita fluorescente no fundo e na parte interna do balde. 

Figura 2 Vista da parte externa e inferior do balde. 

A VVS foi medida binocularmente. Os voluntários hígidos foram orientados a olhar uma linha fluorescente dentro de um balde, sentados com a cabeça erguida6 (fig. 3). Em alguns casos, na impossibilidade de o campo visual estar completamente dentro do balde, a cabeça do voluntário e o balde foram cobertos por um tecido escuro, para evitar pistas visuais (fig. 4).

Figura 3 Aplicação do método do balde. 

Figura 4 Aplicação do método do balde utilizando um pano escuro. 

Para medir a VVS, o balde foi girado aleatoriamente pelo examinador, para excluir possíveis pistas táteis, em sentido horário ou anti-horário para uma posição final em torno de 15º e, em seguida, foi girado lentamente em direção à posição de 0º. Os voluntários indicaram a posição estimada em que a linha fluorescente alcançou a posição vertical, solicitando ao examinador a parada do movimento - dizendo "pare". Foram realizadas dez repetições do procedimento, cinco em sentido horário e cinco em sentido anti-horário, e foram anotados os valores identificados na escala em graus do lado de fora do balde. As inclinações angulares da posição vertical foram medidas em graus e definidas como positivas para os desvios no sentido horário e negativas no sentido anti-horário, em relação ao voluntário. O procedimento foi repetido quando a execução do movimento do balde pelo examinador foi muito rápida, sem propiciar um tempo suficiente para a resposta do paciente.

Os achados foram detalhados, tabulados e submetidos a análise estatística descritiva por meio da média, mediana, desvios padrão, valores máximo e mínimo da média dos valores absolutos dos desvios da vertical verdadeira das dez repetições do procedimento, sem considerar a direção do movimento. A distribuição conjunta dodesvio angular da vertical e da idade foi ilustrada por meio do gráfico de diagrama de dispersão bidimensional e dos percentis 50%, 90% e 95%. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney na comparação dos gêneros quanto à média dos valores absolutos dos desvios da vertical. O nível de significância adotado foi de 5% (a = 0,05), e o SPSS V19 for Windows e o Excel Office 2007 foram utilizados na análise estatística.

Resultados

Foram avaliados 100 voluntários hígidos, 50 do gênero feminino e 50 do masculino, com idades entre 18 e 59 anos, sem queixas de doença vestibular e/ou perda auditiva.

A tabela 1 apresenta a média, a mediana, os desvios padrão e os valores mínimo e máximo da média dos valores absolutos dos desvios da vertical das dez repetições nos 50 voluntários do gênero feminino e nos 50 do masculino.

Tabela 1 Medidas - Resumo dos valores absolutos dos desvios da vertical, segundo o gênero e a comparação estatística entre eles 

Desvios da vertical Gênero feminino Gênero masculino
N 50 50
Média 2,02 1,66
Mediana 2,00º 1,65
Valor mínimo 0,4 0,6
Valor máximo 4,1 3,4
Desvios padrão 0,8042 0,6386
p a 0,026

a Teste de Mann-Whitney.

A figura 5 representa a média dos valores absolutos dos desvios da vertical em relação à idade e ao gênero. Observa-se que a maior concentração dos valores está até 3º de desvio da vertical, independentemente do gênero, e que o desvio da vertical não aumenta conforme a idade. À análise da média dos valores absolutos dos desvios da vertical de 90% da amostra, foi encontrado o valor máximo de 2,6º, e à análise de 95%, o valor máximo foi de 3,4º de desvio da vertical.

Figura 5 Diagrama de dispersão bidimensional e os percentis 50%, 90% e 95% entre a média dos valores absolutos dos desvios da vertical (graus) e a idade (anos), segundo o gênero (+ gênero feminino / gênero masculino). 

Discussão

A VVS é uma maneira simples de estudar a função dos otólitos, pois a inclinação da linha fluorescente além dos valores considerados normais é o sinal mais sensível de disfunção do sistema vestibular, o balde pode ser facilmente confeccionado e com baixo custo, a análise dos resultados é simples e o teste é rápido e confiável, e pode ser aplicado em qualquer lugar, assegurando a sua ampla utilização.6

Neste estudo, a avaliação da VVS nos 100 indivíduos sem queixas vestibulares e/ou auditivas mostrou diferença significante entre a média dos valores absolutos dos desvios da vertical dos voluntários do gênero feminino e masculino, à semelhança do que foi previamente referido na literatura.8 A pesquisa original com o método do balde não identificou efeito do gênero e da idade no desvio da vertical.6 Por outro lado, de acordo com o diagrama de dispersão bidimensional, a amostra pode ser considerada homogênea quanto ao gênero e a idade, e, quando analisamos 90% da amostra, os valores foram encontrados até 2,6º ou, por aproximação, 3º, porque o método do balde empregado identifica valores de desvio angular em números inteiros. O valor de 2,6º é semelhante ao valor de 2,3º determinado pela pesquisa pioneira com o método do balde.6 Outra investigação,12 procurando avaliar o desempenho de idosos saudáveis, adotou o desvio de 3º como limite normal, similar ao do presente estudo, também fazendo uma aproximação dos valores do padrão usado como referência.6

A VVS foi avaliada em indivíduos brasileiros saudáveis por meio de outros métodos que identificaram valores próximos ao encontrado nesta pesquisa. O desvio médio da VVS foi -0,372º ± 1,21 no método em que foi utilizado um mouse de computador para ajustar uma linha virtual na posição vertical projetada em uma tela branca,9 e variou entre -2,0º e +2,4º no outro, que utilizou um bastão portátil com luz fluorescente.10

Como já foi salientado anteriormente,6,13 também acreditamos que a avaliação da VVS, simples de realizar e fácil de interpretar, deveria ser incluída na rotina clínica de testes vestibulares, pois pode orientar sobre a função dos órgãos otolíticos e também no acompanhamento da evolução e do tratamento de pacientes com distúrbios vestibulares periféricos ou centrais.

A intenção deste estudo foi avaliar a VVS com o método do balde em indivíduos brasileiros hígidos, sem queixas auditivas e vestibulares. Esperamos que os nossos achados com este método possam ser úteis na rotina clínica e em futuras pesquisas para ajudar a caracterizar a disfunção do sistema vestibular em pacientes com distúrbios do equilíbrio corporal.

Conclusão

O método do balde é fácil de realizar e de interpretar na avaliação do desvio da vertical visual subjetiva em relação à vertical verdadeira de indivíduos brasileiros hígidos.

REFERÊNCIAS

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7. Dieterich M, Brandt T. Ocular torsion and tilt of subjective visual vertical are sensitive brainstem signs. Ann Neurol. 1993;33:292-9.
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9. Pavan TZ, Funabashi M, Carneiro JA, Pontelli TE, Tedeschi W, Colafêmina JF, et al. Software for subjective visual vertical assessment: an observational cross-sectional study. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78:51-8.
10. Kanashiro AMK, Pereira CB, Maia FM, Scaff M, Barbosa ER. Avaliação da vertical visual subjetiva em indivíduos brasileiros normais. Arq Neuropsiquiatr. 2007;65:472-5.
11. Cook J. SVV Bucket construction (last edited 2010-05-05 09:14:00 by James Cook), University of Pittsburgh.
12. Davalos-Bichara M, Agrawal Y. Normative results of healthy older adults on standard clinical vestibular tests. Otol Neurotol. 2014;35:297-300.
13. Cal R. Visual vertical subjetiva (VVS). In: Zuma e Maia FC, Mangabeira Albernaz PL, Carmona S, editors. Otoneurologia atual. Rio de Janeiro: Revinter; 2014. p. 141-6.