versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao2131
Em geral, as manifestações clínicas dos distúrbios vestibulares em pacientes idosos são consideradas intimamente relacionadas ao processo de envelhecimento. Apesar disso, em idosos saudáveis, esses distúrbios são menos frequentes se comparados com os vasculares, metabólicos, doenças degenerativas ou com condições neurológicas que afetam as vias centrais vestibulares(1).
Os distúrbios vestibulares em pacientes idosos são clinicamente importantes e têm chamado a atenção de diversos pesquisadores(2–9).
Avaliar a frequência dos distúrbios vestibulares, vertigem e tontura em pacientes com idade de 65 a 90 anos.
Estudo retrospectivo com grupo de pacientes analisados sequencialmente em uma clínica particular e que se queixavam de vertigem, tontura e eram portadores de distúrbios neurológicos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo (SP), Brasil, CAAE: 0117.0.028.000-10.
O total de 735 pacientes, com idade de 65 a 90 anos, foi examinado sequencialmente de janeiro de 1990 a dezembro de 2009 em clínica privada de otorrinolaringologia. As queixas clínicas mais comuns foram: perda de audição, problemas respiratórios e distúrbios vestibulares.
Uma história clínica detalhada de cada paciente foi obtida depois do que os indivíduos foram submetidos a exame otorrinolaringológico completo, seguido de testes audiológicos e vestibulares. Os testes audiológicos incluíram audiometria tonal, limiar de recepção de fala e discriminação vocal. O teste de imitação foi realizado quando realmente necessário. Em alguns pacientes foi realizada audiometria de tronco encefálico.
Os testes vestibulares incluíram: o teste de Romberg, exame de marcha e cerebral, avaliação do nistagmo espontâneo e semiespontâneo, manobra de Hallpike para vertigem postural, acompanhamento pendular, avaliação do nistagmo optocinético, prova rotatória pendular decrescente, e teste calórico utilizando técnica de temperatura dupla de Hallpike.
Gravou-se o nistagmo com dispositivo de três canais, por meio da vectonistagmografia, desenvolvida por Padovan e Pansini(10,11). Foi dada exceção ao teste de nistagmo dissociado, que emprega dois canais, um para cada olho(12). Testes laboratoriais foram realizados quando necessário.
Todos os pacientes foram submetidos à tomografia computadorizada ou à ressonância magnética por imagem, ou ambos. Esses exames foram realizados antes ou depois dos testes neurológicos.
O número de pacientes com desequilíbrio e/ou vertigem foi de 162, sendo que 69 (42,6%) eram homens e 93 (57,4%) mulheres (22,3% do total). Achados vestibulares centrais ocorreram em 32 pacientes (19,5%) e em 11 pacientes (6,7%) observaram-se distúrbios neurológicos por meio de diagnóstico por imagem. Excluíram-se três pacientes com distúrbio central menor de origem metabólica, que apresentavam ataques de hipoglicemia devido à medicação para diabetes. A idade de 40 pacientes dessa população com distúrbios neurológicos variou de 65 a 81 anos, a média de idade foi de 75,6 com desvio padrão de 7,65, sendo que 22 eram mulheres.
Em oito pacientes, os sinais prodrômicos foram significantes, sendo que dois apresentaram acidente vascular cerebral, outros dois meningite, e pelo menos um paciente apresentou quer seja, tumor cerebral tratado por radiocirurgia estereotáxica, sequelas de meningite, câncer de ovário (tratado com quimioterapia) e agranulocitose.
Todos os pacientes tiveram perda auditiva sensório-neural em graus variados. Após correção de audiogramas para a idade dos pacientes de acordo com os critérios de Glorig & Davis(13), nove deles (22,5%) apresentaram audição normal para a idade. Uma perda auditiva de altas frequências mais intensa que as médias de Glorig e Davis foi observada em 23 pacientes (57,5%).
A percentagem de discriminação de fala estava dentro das variáveis esperadas em um paciente que apresentou percentagem muito baixa (2,5%).
A avaliação vestibular mostrou resposta normal para 9 indivíduos (22,5%); 12 (30,0%) apresentaram hiporreflexia vestibular simétrica; 9 (22,5%) tiveram hiporreflexia bilateral; 7 (17,5%) hiporreflexia unilateral; 2 pacientes (5,0%) arreflexia vestibular unilateral, e 1 paciente arreflexia bilateral. O nistagmo espontâneo horizontal foi encontrado em 9 pacientes (22,5%).
Os sinais vestibulares centrais observados nesses pacientes foram: nistagmo dissociado (12 pacientes, 30,0%), nistagmo semiespontâneo em diferentes direções do olhar (4 pacientes, 10,0%), nistagmo espontâneo vertical (3 pacientes, 7,5%), nistagmo espontâneo horizontal bilateral (3 pacientes, 7,5%), nistagmo espontâneo alternado (2 pacientes, 5,0%), efeito de fixação ausente com olhos abertos, decrutamento vestibular (amplitude das resposta na prova rotatória pendular decrescente menor que na prova calórica), nistagmo pervertido e nistagmo invertido (1 paciente cada, 2,5%). A maioria dos pacientes apresentou associação com diversos sinais centrais.
As categorias de diagnóstico de 40 pacientes com distúrbios neurológicos e vertigem são descritas na tabela 1.
Tabela 1 Pacientes idosos com distúrbios neurológicos e vertigem
Distúrbios neurológicos | n | % |
---|---|---|
Distúrbios degenerativos | 19 | 47,5 |
Hidrocefalia de pressão normal | 8 | 20,0 |
Uso de diuréticos | 4 | 10,0 |
Uso de beta-bloqueadores | 2 | 5,0 |
Distúrbios vasculares | 2 | 5,0 |
Insuficiência arterial basal | 2 | 5,0 |
Meningioma do lobo temporal | 1 | 2,5 |
Encefalopatia difusa | 1 | 2,5 |
Cisticercose cerebral | 1 | 2,5 |
Total | 40 | 100,00 |
O diagnóstico em 11 pacientes (27,7%) foi estabelecido por tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética por imagem. Nove pacientes (22,5%) apresentaram teste vestibular sem sinais de características centrais.
Um total de 13 pacientes caíram (32,50%), 1 deles caiu diversas vezes. Desse total, três tiveram fraturas: dois quebraram o colo de fêmur sendo necessárioa prótese e um fraturou uma vértebra dorsal.
Dois indivíduos apresentaram síncopes repetidas e quatro relataram episódios de perda de consciência por intervalos curtos.
Nessa população de 735 pacientes de 65 anos ou mais, aproximadamente 20% apresentou distúrbios vestibulares. Desse total, 40 pacientes apresentaram distúrbios neurológicos e vertigem.
Essa porcentagem é significativamente pequena em relação às encontradas em outros estudos, que variam entre 45 e 65%(2–5). Uma possível explicação pode ser a de que os pacientes pertenciam a um grupo com fácil acesso a assistência a saúde e serem mais preocupados com as condições de saúde do que a maioria da população em geral.
Os testes vestibulares foram conduzidos utilizando a técnica de vectonistagmografia com três canais separados(11,12). Essa técnica permitiu uma medida acurada da velocidade da componente lenta do nistagmo e também possibilitou a gravação dos movimentos de rotação ocular como os vetores oblíquos.
A avaliação dos testes vestibulares permitiu identificar distúrbios vestibulares centrais, que são caracterizados por diferentes sinais. Estes são os únicos que verificam a função da formação do retículo na fossa posterior. Alguns indivíduos encaminhados por neurologistas tinham sido submetidos anteriormente à tomografia computadorizada e à ressonância magnética por imagem; alguns deles apresentaram teste vestibular normal. O teste vestibular tem sido demonstrado como muito sensível para diagnosticar distúrbios na fossa posterior, entretanto menos sensível para lesões supratentoriais(14).
Deve-se enfatizar que os testes vestibulares são funcionais e podem detectar distúrbios centrais não demonstrados em testes de imagem. Portanto, tais testes são importantes para idosos com desequilíbrio. É sabido que alguns médicos não solicitam o teste vestibular aos pacientes para poupá-los do desconforto; todavia, tal atitude pode multiplicar os problemas desses indivíduos(2).
Realizou-se uma tentativa para determinar a etiologia dos distúrbios vestibulares quando possível. Assim, os pacientes foram categorizados pelos diagnósticos aos invés dos resultados dos testes vestibulares.
Aproximadamente a metade dos pacientes (47,5%) deste estudo apresentou doença degenerativa do sistema nervoso central. O reconhecimento do nistagmo dissociado(12) foi importante para diagnosticar tais problemas já que a qualitativa do nistagmo dissociado é comum e está relacionada com lesões do fascículo medial longitudinal, porém não patognomônico, em distúrbios degenerativos do sistema nervoso central.
A hidrocefalia de pressão normal é comum em pacientes idosos e é frequentemente associada ao desequilíbrio, não à vertigem. Um paciente operado com válvula de baixa pressão obteve alívio dos sintomas.
O uso de diuréticos e beta-bloqueadores para controle da pressão sanguínea pode causar distúrbios vestibulares centrais devido à redução do fluxo sanguíneo no cérebro(15,16), apesar disso os diuréticos e beta-bloqueadores são, com frequência, associados com a hipotensão ortostática e vertigem em idosos. Tais sintomas raramente ocorrem em pacientes jovens.
Dois pacientes apresentaram insuficiência arterial basal e o restante dos pacientes teve meningioma do lobo temporal, schwanoma vestibular, encefalopatia difusa e cisticercose cerebral.
Os distúrbios vestibulares em idosos reduzem o controle postural, afetam a marcha e as atividades transicionais, tais como se mover da posição supina para sentado, ou sentado para ereto(17).
As quedas são comuns entre esses pacientes. De acordo com os ortopedistas, aproximadamente 60% das quedas são acidentais, 20% resultam de distúrbios neurológicos e os outros 20% são originárias de distúrbios vestibulares. Sofrer uma queda causa no paciente sentimento de insegurança, o que se reflete em sua qualidade de vida e, consequentemente, em sua condição geral de saúde. Isso também contribui para elevar o custo do tratamento médico. Como resultado, o diagnóstico e o tratamento de distúrbios vestibulares em pacientes idosos são valiosos para manter sua qualidade de vida.
Neste grupo de pacientes, a incidência de quedas foi significativamente menor do que as relatadas em outros estudos(3–8). Isso pode ser atribuído à situação socioeconômica e à assistência a saúde desta população.
A medicina moderna dispõe de diversos medicamentos que podem bloquear efetivamente, estimular a função vestibular, melhorar a circulação do ouvido interno, corrigir problemas metabólicos ou estabilizar distúrbios autoimmunes. A escolha desses medicamentos apropriadamente vai depender de um diagnóstico cuidadoso. A reabilitação vestibular pode auxiliar no tratamento de problemas vestibulares em pacientes idosos.
Regularmente idosos apresentam desequilíbrio e/ou vertigem, que necessitam diagnóstico e tratamento. O diagnóstico depende de exame meticuloso da história clínica do paciente, testes neurológicos complementados, exames laboratoriais e de imagem, quando necessário.
A medicação utilizada por tais pacientes deve ser avaliada cuidadosamente, principalmente porque podem induzir ou intensificar os sintomas vestibulares.
Os médicos, além de prescrever tratamento adequado, devem levar em consideração o uso da reabilitação vestibular que é de grande valor para prevenção de quedas em idosos e colabora para manter sua qualidade de vida.
A comparação desta série com outras de estudos na literatura médica sugere que as preocupações com a saúde e o acesso ao tratamento reduzem a porcentagem de distúrbios vestibulares sérios e quedas, principalmente em pacientes com desequilíbrio associado com distúrbios neurológicos.