versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.1 Rio de Janeiro 2018 Epub 17-Nov-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0013
O nascimento é, historicamente, um evento natural e um fenômeno mobilizador, que envolve inúmeros significados culturais e sociais, os quais influenciam no processo de decisão pela via de parto. A assistência ao parto sofreu grandes mudanças, o parto fisiológico deu espaço a uma assistência cada vez mais medicalizada e intervencionista.1,2
Esse processo de medicalização teve início no XIX, intensificando-se no século XX, momento em que o parto cirúrgico se popularizou e passou a ser utilizado com maior frequência, com o intuito de melhorar a assistência e os desfechos maternos e neonatais, porém, o que se observa atualmente, é o seu uso de forma excessiva.2 O modelo biomédico contribuiu para que as mulheres perdessem, gradativamente, sua autonomia e protagonismo no momento do parto, aumentando assim a assimetria entre os profissionais e as usuárias.3,1
Um reflexo da medicalização, é o aumento do número de cesáreas realizadas em todo o mundo, a cesariana tornou-se a cirurgia mais comum realizada em mulheres.4 O Brasil possui um dos maiores índices de cesarianas, o que representa uma verdadeira epidemia. Em 2015, o país atingiu a taxa de 55,5% de cesarianas. Região Sul, alcançou o índice de 60,54% e o estado do Rio Grande do Sul, onde foi desenvolvido o presente estudo, esse índice foi de 64,4%,5 números muito além dos 15% de cesáreas preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde (MS).6
Atualmente, os cuidados às gestantes dão origem a vários questionamentos sobre os efeitos da medicalização na assistência ao trabalho de parto e ao parto.2 Esses questionamentos buscam encontrar alternativas, visando reduzir os índices de partos operatórios e de intervenções desnecessárias durante o nascimento, além de buscar uma assistência baseada em evidências, reduzindo a assimetria na relação profissional-paciente.7
Acredita-se que, para isso, seja urgente modificar a abordagem educativa, tanto dos profissionais de saúde, quanto das mulheres em idade reprodutiva, para além da abordagem sobreas vias de parto, e contemplar o direito de escolha da mulher e o seu papel político-social dentro e fora da maternidade.7 Faz-se necessário reaver a participação e a autonomia das gestantes na decisão sobre o desfecho de sua gravidez.
Para que seja possível fortalecer a autonomia da mulher é imprescindível que os profissionais de saúde trabalhem em prol do empoderamento feminino. Empoderar a mulher é fornecer a ela conhecimento e dar suporte para que sua cidadania feminina seja fortalecida. O empoderamento da mulher amplia o seu conhecimento sobre sua situação social e de saúde, e reforça o conhecimento do seu papel na sociedade, tornando-as capazes de modificarem as relações de poder e de exercerem escolhas conscientes para si.8
As preferências da gestante sobre as vias de parto se constroem a partir de seu autoconhecimento, de suas experiências anteriores e do conhecimento que transita entre ela e a comunidade onde vive, de suas expectativas e do acesso às informações que ela terá durante a gestação. A Enfermagem Obstétrica pode ser um potencial facilitador nas ações de educação e saúde durante o ciclo gravídico puerperal, para o empoderamento da mulher, fortalecendo a sua participação nas decisões sobre o seu parto.
A partir do exposto, pretende-se com este estudo, conhecer a via de parto preferida pelas puérperas e suas motivações; identificar os conhecimentos que elas possuem sobre os riscos da via de parto à qual foram submetidas, para si e para o recém-nascido; identificar se houve participação na decisão sobre o parto ao qual foram submetidas e verificar se existe associação entre as características sociodemográficas e obstétricas das mulheres com a via de parto preferida. Os dados deste estudo podem contribuir para que os profissionais de saúde norteiem sua assistência durante o pré-natal com base nas expectativas e nas necessidades individuais das gestantes. Além disso, conhecer as motivações e inseguranças das mulheres acerca do parto possibilita criar alternativas que desmistifiquem e ressignifiquem o nascimento, para que, a partir disso, a mulher tenha condições de exercer sua autonomia e argumentar com a equipe assistencial sobre qual é o melhor desfecho para a sua gestação, e consequentemente, reduzir intervenções obstétricas desnecessárias.
Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido na Unidade de Internação Obstétrica de um hospital universitário do Sul do Brasil, no período de fevereiro a abril de 2013.
Este artigo é um recorte de uma pesquisa maior intitulada "Fatores associados à realização de cesariana em Hospital Universitário", para a qual o tamanho amostral foi determinado com base no número de partos e na taxa de cesariana do ano de 2011, considerando uma margem de erro absoluta de 5% e nível de confiança de 95%. Foram necessárias 359 puérperas para compor a amostra do estudo. Foram entrevistadas 361 puérperas, que tiveram o parto na Unidade de Centro Obstétrico da instituição em estudo. Não foram convidadas a participar as puérperas sem condições psicológicas de responder ao questionário, os casos de óbito fetal e as mulheres que tiveram fetos com peso inferior a 500 gramas e/ou idade gestacional de 22 semanas ou menos.
Para a coleta de dados, utilizou-se a Planilha de Ocorrências da Área Restrita da Unidade de Centro Obstétrico do hospital referido, os prontuários das puérperas e dos recém-nascidos, a carteira pré-natal e um questionário estruturado. O questionário foi aplicado às puérperas diariamente, após as primeiras 12 horas pós-parto.
Para análise dos dados, utilizou-se o software SPSS versão 18, e aplicou-se estatística descritiva; para a verificação da associação entre as variáveis do estudo, o Teste de Quiquadrado. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p ≤ 0,05.
As puérperas foram informadas sobre o propósito do presente estudo, e aquelas que aceitaram participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No caso de mulheres menores de 18 anos, as informações sobre o estudo foram prestadas para a mulher e seu representante legal, com idade superior a 18 anos, e o TCLE foi assinado por ambos.
A pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi desenvolvido (parecer nº 120466) e da Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A amostra deste estudo foi constituída por 361 puérperas, onde a maioria (77,6%) desejou como desfecho para a gestação atual o parto vaginal (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição das puérperas, segundo o tipo de parto desejado. Porto Alegre, 2015. (N = 361).
Tipo de parto desejado | N | % |
---|---|---|
Vaginal | 280 | 77,6 |
Cesariana | 77 | 21,3 |
Não souberam informar | 04 | 1,1 |
Total | 361 | 100,0 |
Em relação ao motivo da mulher pela preferência da via de parto (Tabela 2), constatou-se que, entre as mulheres que preferiram a cesariana, o motivo mais frequente foi "não sentir dor" (74,0%) e para as que preferiram o parto vaginal, o principal motivo foi "melhor recuperação no pós-parto" (81,8%).
Tabela 2 Distribuição das puérperas, segundo o motivo pela preferência do tipo de parto desejado. Porto Alegre, 2015. (N = 357)*.
Motivos pela preferência do tipo de parto desejado | N | % |
---|---|---|
Cesariana | ||
Desejo de não sentir dor | 57 | 74,0 |
Experiência prévia positiva | 10 | 13,0 |
Ligadura tubária | 03 | 3,9 |
Não soube informar | 01 | 1,3 |
Outros | 06 | 7,8 |
Parto Vaginal | ||
Melhor recuperação pós-parto | 229 | 81,8 |
Mais seguro | 17 | 6,0 |
Benefícios para binômio | 08 | 2,9 |
Participação ativa da mulher no parto | 07 | 2,5 |
Medo da cicatriz | 07 | 2,5 |
Experiência prévia positiva | 04 | 1,4 |
Outros | 08 | 2,9 |
*quatro mulheres não souberam informar o tipo de parto desejado.
Quanto à participação da mulher na decisão pelo tipo de parto (Tabela 3), pode-se observar que 74 mulheres (20,5%) disseram ter sido questionadas sobre qual era sua via de parto desejada e terem participado da decisão sobre o tipo de parto ao qual foram submetidas. Ressalta-se que 260 mulheres (72,0%) não foram nem mesmo questionadas quanto a sua preferência em relação ao tipo de parto.
Tabela 3 Distribuição das puérperas, segundo participação na decisão do tipo de parto atual. Porto Alegre, 2015. (N = 361).
Você acha que participou da decisão sobre o tipo de parto atual? | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | Não soube informar | |||
Questionada sobre o tipo de parto desejado? | Sim | 74 | 26 | 01 | 101 |
Não | 62 | 198 | 00 | 260 | |
Total | 136 | 224 | 01 | 361 |
A Tabela 4 apresenta os dados referentes ao conhecimento das mulheres acerca dos riscos, para si e para o recém-nascido, de acordo com o tipo de parto ao qual foram submetidas. De forma geral, verificou-se que a maioria das mulheres considera que o parto ao qual foram submetidas, seja vaginal ou cesariana, não tem riscos a sua saúde e a do bebê (64,8% e 67,9%).
Tabela 4 Distribuição das puérperas, segundo seu conhecimento quanto aos riscos para si e para o recém-nascido, de acordo com o tipo de parto ao qual foram submetidas. Porto Alegre, 2015. (N = 361)
Parto | Cesariana | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Riscos para si | ||||||
Sim, acho que tem riscos | 36 | 10,0 | 44 | 12,2 | 80 | 22,2 |
Acho que não tem riscos | 174 | 48,2 | 59 | 16,3 | 234 | 64,5 |
Não souberam informar | 38 | 10,5 | 10 | 2,8 | 48 | 13,3 |
Riscos para o RN | ||||||
Sim, acho que tem riscos | 60 | 16,6 | 19 | 5,3 | 79 | 21,9 |
Acho que não tem riscos | 161 | 44,6 | 84 | 23,3 | 245 | 67,9 |
Não souberam informar | 27 | 7,5 | 10 | 2,7 | 37 | 10,2 |
No que se refere aos riscos, 21,9% das puérperas achavam que o parto ao qual foram submetidas apresentava riscos para a saúde do bebê, destacando-se que, entre essas, a maioria teve parto vaginal. Já quanto aos riscos para a sua saúde, 22,2% achavam que o parto ao qual foram submetidas apresentava risco e, entre estas a maioria teve cesariana (Tabela 4).
Os riscos relatados pelas mulheres com mais frequência, independentemente do tipo de parto, foram infecção (26,2%) e hemorragia (13,8%). E os riscos para a saúde do bebê, relatados pelas mulheres com maior frequência, foram passar do tempo de nascer (15,2%) e o bebê se machucar (13,9%).
A seguir são apresentadas características e a história obstétrica das puérperas, e sua associação com o tipo de parto desejado (Tabela 5). A maioria das mulheres encontrava-se na faixa etária de 16 a 34 anos (85,7%), tinha mais de oito anos de estudo (52,4%) e renda familiar de até dois salários mínimos (67,8%). Em relação à história obstétrica, a maioria era secundigesta ou mais (63,9%) e, entre as que já tiveram parto anterior, a maioria teve parto vaginal (74,1%). Entre as variáveis analisadas, constatou-se que o número de gestações e o tipo de parto anterior apresentaram associação estatística significativa com o tipo de parto desejado pelas mulheres.
Tabela 5 Distribuição das puérperas, segundo idade, escolaridade, renda familiar, história obstétrica e partos anteriores, associado ao tipo de parto desejado. Porto Alegre, 2015 (N = 357)*.
Variável | Parto Vaginal | Cesariana | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
Idade | 0,328 | ||||
≤ 15 anos | 07 | 2,0 | 00 | 0,0 | |
16 a 34 anos | 240 | 67,2 | 66 | 18,5 | |
≥ 35 anos | 33 | 9,2 | 11 | 3,1 | |
Escolaridade | 0,295 | ||||
< 8 anos de estudo | 83 | 23,2 | 16 | 4,5 | |
8 anos de estudo | 55 | 15,4 | 16 | 4,5 | |
> 8 anos de estudo | 142 | 39,8 | 45 | 12,6 | |
Renda familiar | 0,815 | ||||
Um salário mínimo ou menos | 93 | 26,1 | 22 | 6,2 | |
Dois salários mínimos | 100 | 28,0 | 27 | 7,5 | |
Três salários mínimos ou mais | 69 | 19,3 | 22 | 6,2 | |
Não soube informar | 18 | 5,0 | 06 | 1,7 | |
História obstétrica | 0,026 | ||||
Primeira gestação | 110 | 30,8 | 19 | 5,3 | |
Duas ou mais gestações | 170 | 47,6 | 58 | 16,3 | |
Parto anterior | 0,000 | ||||
Nenhum parto anterior | 17 | 7,5 | 02 | 3,4 | |
Cesariana | 20 | 8,8 | 33 | 56,9 | |
Parto Vaginal | 114 | 50,0 | 14 | 24,1 | |
Cesariana + Parto Vaginal | 19 | 8,2 | 09 | 15,5 |
*quatro mulheres não souberam informar o tipo de parto desejado.
Neste e em outros estudos, verifica-se a preferência das mulheres pelo parto vaginal,9,10 o que contrasta com os altos índices de cesarianas em todas as regiões do país. Ressalta-se que nenhuma região brasileira atendeu a recomendação da OMS, de uma taxa de cesáreas de até 15% entre os partos acontecidos nos últimos anos.5
O principal argumento dos profissionais de saúde e gestores para justificar essas altas taxas de cesáreas no país, é o de que as mulheres brasileiras demandam desse tipo de parto,11 embora este e outros estudos atuais9,10 apresentem dados contrários. Os motivos para essa alta prevalência da cesariana podem estar relacionados a fatores que exerçam influência na escolha da mulher sobre a via de parto, tais como valores culturais, econômicos e as informações acerca dos tipos de parto fornecidas a ela durante o pré-natal.11 Além do que, pode haver um direcionamento na decisão da mulher em relação à via de parto ao longo da gestação. O estudo multicêntrico, nascer no Brasil, realizado com 24.940 mulheres, mostrou que no início da gestação, 66% delas desejavam a via vaginal, porém 51,5% tiveram a cesariana como via de parto, o que demonstra uma queda significativa na taxa de parto vaginal, se comparada com o desejo inicial das mulheres.9 Embora não se possa fazer inferências acerca dos motivos que levaram a essa significativa diminuição no número de partos vaginais, ao contrapor o desejo apresentado e os números atuais de cesariana, pode-se levantar a hipótese de que há uma grande fragilidade no que diz respeito à autonomia da mulher durante a gravidez e nascimento.
Quando se discute a perspectiva da mulher quanto aos motivos pela preferência da via de parto observa-se, neste e em outros estudos,11,12 referente ao parto vaginal, a melhor e mais rápida recuperação no pós-parto. E, indo ao encontro desses achados, outro estudo demonstrou que as mulheres que preferiram a via vaginal o fizeram por atribuírem à cesariana uma recuperação no pós-parto mais dolorosa e demorada.13 Por outro lado, o principal motivo pela preferência da cesariana, neste e em outros estudos, foi o medo da dor do parto vaginal12-14 e o sofrimento do parto vaginal.13
O sofrimento e o medo foram achados constantes para a decisão da via de parto, o que faz atentar para o fato de que há uma cultura que se solidificou sobre o estereótipo da dor do parto. Para haver uma redução nas taxas de cesáreas, é necessário desconstruir essa ideia de sofrimento relativa ao parto. Fornecer informações à mulher sobre o funcionamento do seu corpo, a fisiologia do parto e os mecanismos da dor podem ser ferramentas importantes para ressignificar o parto normal, além de empoderar a mulher. Ressalta-se ainda, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda e orienta que métodos não farmacológicos e farmacológicos para alívio da dor sejam encorajados e divulgados amplamente nas maternidades.15 Esses métodos, apesar de não serem disponibilizados em todas as maternidades brasileiras, são recursos capazes de proporcionar maior conforto, físico e emocional, às mulheres durante o trabalho de parto.
O pré-natal também tem um papel fundamental na conduta informativa e educativa dessas possibilidades, pois o conhecimento destas ferramentas ainda durante a gestação poderá contribuir para redução do medo da mulher em relação ao parto e possibilitará que ela tome a melhor decisão para si quanto à via de parto, livre do estereótipo do sofrimento e do medo. O papel educativo do pré-natal qualifica o conhecimento da mulher e aumenta seus potenciais de escolha. A inserção do Enfermeiro Obstétrico na realização do pré-natal de risco habitual pode ser positiva neste processo, pois configura-se em um profissional especializado que pode facilitar a comunicação e ampliar a consciência crítica e a autonomia feminina,8 para que, a partir disto, a mulher se sinta empoderada e tenha maior capacidade de se proteger de intervenções e violências obstétricas durante o ciclo gravídico-puerperal.
Neste estudo, poucas mulheres mencionaram terem participado da decisão do seu tipo de parto, fato também observado na prática profissional, onde, muitas vezes, há um direcionamento da mulher na decisão sobre o desfecho da gestação. Dependendo da equipe que presta a assistência durante o trabalho de parto e do conhecimento da mulher, as opiniões dos profissionais de saúde exercem forte influência nas decisões da parturiente e da sua família. Observa-se ainda que, o fato da mulher não possuir conhecimento adequado sobre a fisiologia e o tempo de trabalho de parto, a torna mais vulnerável às decisões das equipes de saúde e reduz seu poder de escolha.
A participação da mulher nas decisões sobre o seu corpo durante o parto, estão intimamente relacionadas com o conhecimento que ela possui sobre o funcionamento do seu corpo e seu entendimento sobre o ciclo gravídico-puerperal. Uma revisão realizada recentemente apontou que as práticas extra-hospitalares e de educação possibilitam maior desenvolvimento da autonomia da mulher. Entre as principais práticas, estão o pré-natal e o desenvolvimento de grupos para gestantes e puérperas, recursos que aumentam a possibilidade de diálogo entre o profissional e a gestante e, consequentemente, reduzem a assimetria no processo de cuidado.7 Outro estudo também reforçou a importância da informação na tomada de decisão das mulheres sobre o seu plano de parto, além da influência de pessoas de seu convívio.16 Possibilitar que a gestante expresse seus conhecimentos prévios e fornecer subsídios para que construa, conscientemente, seu plano de parto, pode ser uma alternativa para desenvolver o empoderamento feminino e auxiliar que as mulheres tenham direito de escolha e exerçam sua cidadania no momento do parto.
Pode-se perceber que há poucos estudos que avaliam a participação das mulheres na decisão sobre a via de parto, fato que impossibilitou realizar comparativos com outras realidades, e reflete que há pouco interesse em ouvir as mulheres quanto a sua participação nas decisões sobre o seu corpo. Isto limita não apenas essa discussão, mas pode demonstrar também a limitação da inclusão da mulher nos processos decisórios sobre os desfechos da sua gestação, ligando-se diretamente à satisfação delas com relação a sua via de parto e aos altos índices de cesarianas eletivas.
A necessidade de cuidado e desejo de participação na decisão da via de parto foram encontrados em um estudo.17 Todavia, considera-se que ampliar o uso do plano de parto no Brasil pode contribuir para que a mulher participe mais ativamente das decisões durante a gestação e parto. O plano de parto é uma ferramenta que considera os desejos e expectativas da gestante e aumenta a capacidade de comunicação empática entre os profissionais de saúde e a usuária, possibilita, assim, melhor fluidez de informações e direciona o foco das relações para a mulher.17
Este estudo demonstrou, ainda, que a maioria das mulheres acreditava que o tipo de parto ao qual foram submetidas não envolvia riscos para si e para o recém-nascido. Esses dados são alarmantes, partindo do pressuposto de que as mulheres desconhecem os riscos possíveis, para sua saúde e para o concepto, dos procedimentos realizados no seu corpo. Dados apontam que a cada minuto uma mulher morre no mundo devido a complicações da gravidez e do parto,18 o que chama a atenção para o fato de que, independentemente do tipo de parto, existem riscos inerentes a este processo. Atualmente, as duas principais causas diretas de morte materna no Brasil são a hipertensão e a hemorragia, que corresponderam, em 2012, a 20,2% e 11,9% do total de óbitos maternos, respectivamente. Nesse mesmo ano, a principal causa de óbito materno, nos estados do Paraná e Santa Catarina, foi a hemorragia, com 18,6% e 15,6% respectivamente.6
Se, por um lado a cesariana quando utilizada de maneira criteriosa é uma excelente tecnologia para reduzir as taxas de morbidade e de mortalidade materna e neonatal quando o parto normal não é uma opção segura, por outro lado, o seu uso indiscriminado, tem grande influência nestas mesmas taxas,19,20 além de aumentar significativamente o risco de prematuridade e baixo peso para o recém-nascido.19 O país, atualmente, registra um aumento significativo no número de nascimentos prematuros.9 Esses dados podem ser constatados por meio da realidade brasileira, visto que o país possui taxas de partos instrumentalizados além do recomendado pela OMS e, mesmo assim, os índices de mortalidade materna e neonatal se mantém elevados. Destaca-se ainda, que a mortalidade neonatal, no Brasil, em 2011, foi de 15,3 por mil nascidos vivos20 e, mesmo que tenha havido redução nestas taxas, elas ainda são consideradas altas. Acredita-se que esses números estejam intimamente relacionados com a assistência prestada durante a gravidez, parto e nascimento.20
Novamente, pode-se notar que há poucas discussões sobre o conhecimento da mulher acerca dos riscos inerentes às vias de parto, visto que há um número reduzido de trabalhos que tenham avaliado esse aspecto, fator que limitou a discussão desse achado. E, por este estudo ser quantitativo, pode-se observar limitação no que diz respeito às orientações que as puérperas participantes tiveram durante a gestação, no pré-natal, não sendo possível fazer inferências relacionadas ao baixo conhecimento delas sobre os riscos do tipo de parto. Sobretudo, pode-se afirmar que há uma necessidade urgente de que os profissionais que prestam assistência pré-natal orientem as mulheres quanto às diferenças das vias de parto, seus riscos e benefícios para que, através disso, a mulher tenha condições para tomar as decisões de forma consciente.
Quanto às características das mulheres, observou-se neste estudo, que a história obstétrica e o tipo de parto anterior esteve associado ao tipo de parto atual desejado. Em relação à paridade, um estudo22 não encontrou associação estatística significativa com o desfecho da gestação, dado contrário ao das mulheres entrevistadas no presente estudo. No que se refere ao tipo de parto anterior, nesse e em outro estudo,12 essa variável esteve associada ao tipo de parto atual desejado. A experiência de parto anterior pode ser um motivador para a escolha atual da mulher. Embora não seja possível fazer inferências acerca desses dados, essas associações podem estar relacionadas com a satisfação da mulher em relação à experiência de parto anterior. Outro fator que exige atenção é o tipo de parto de primigestas, visto a influência que a primeira experiência de parto pode exercer no desejo atual da mulher.
No que se refere à idade materna, estudo apontou que a proporção de nascimentos por via abdominal foi de 60 a 70% entre as mulheres acima de 30 anos de idade.21 Esse dado pode estar relacionado com o medo que a mulher possui de que, com o aumento da idade, possa haver maior predisposição a desenvolver eventos de risco na gestação. A idade é vista como fator de risco para algumas morbidades durante a gravidez, podendo ser um fator relevante na hora das mulheres decidirem a via de parto, embora não se possa fazer esta afirmação. No entanto, acredita-se que a qualidade do pré-natal e da assistência obstétrica fornecida às gestantes com idade avançada devem ser mais relevantes do que a idade propriamente dita.
Um outro estudo encontrou associação estatística significativa entre escolaridade e preferência pelo parto normal,11 apesar desta não ser a realidade do presente estudo. A maior instrução pode possibilitar um aumento de informação acerca do ciclo gravídico e do processo de parturição e, assim, aumentar a capacidade de escolha da via de parto mais apropriada para a mulher. Outro estudo atual, encontrou que mais de 80% das mulheres participantes com alta escolaridade tiveram cesariana,21 dados que podem estar relacionados ao fato de que, como aumento da escolaridade pode haver o aumento do poder aquisitivo e a utilização de serviços privados, os quais possuem, sabidamente, maiores taxas de cesarianas.
Acredita-se que, com base nesses achados do presente estudo, seja possível sensibilizar os profissionais de saúde quanto à necessidade de ampliar os recursos educativos com o objetivo de empoderar as mulheres durante a gestação, assegurando-lhes, assim, maior autonomia para o momento do parto.
Esses achados reforçam ainda, a necessidade de resgatar e fortalecer a crença da mulher na sua própria capacidade, nas suas condições de saúde e no seu corpo. Reforçar as orientações quanto à fisiologia do parto e seus processos pode ser relevante, à medida que esse diálogo fortalece o autoconhecimento das mulheres e possibilita reduzir sua ansiedade durante o parto. Para tanto, acredita-se que a Enfermagem Obstétrica seja um mediador importante nesse processo de educação e fortalecimento da autonomia da mulher. Considera-se essencial ampliar os recursos de educação continuada para esses profissionais, assim como o número de Enfermeiros Obstétricos nas Unidades de Atenção primária, visto que priorizar um pré-natal de qualidade, com orientações e ações baseadas em evidências científicas, pode melhorar as condições de saúde das gestantes e fortalecer sua autonomia nas decisões durante o ciclo gravídico-puerperal.
Foi possível constatar que a maioria das puérperas preferiam a via de parto vaginal, sobretudo aquelas que já haviam passado por este tipo de parto. O motivo mais frequente para a preferência pela cesariana foi a dor do trabalho de parto, e para a preferência pelo parto vaginal foi a melhor recuperação no pós-parto.
Neste estudo, poucas mulheres demonstraram conhecer os riscos para a si e para o recém-nascido relacionados à via de parto a qual foram submetidas. Somado a isso, houve baixa participação delas na decisão da via de parto. Esses dados demonstram a necessidade de articular novas práticas a fim de melhorar a autonomia e o potencial de escolha das mulheres.
Houve associação estatística significativa entre o número de gestações e o tipo de parto anterior com o tipo de parto desejado, o que reforça a importância de ampliar os processos educativos durante o pré-natal, a fim de evitar a primeira cesariana e melhorar as experiências de parto das mulheres.
Os achados deste estudo reforçam a necessidade de ampliação dos processos educativos, tanto para os profissionais de saúde quanto para as usuárias, a fim de empoderá-las com relação ao seu corpo e possibilitá-las escolhas conscientes no momento do parto. Nesse contexto, acredita-se que a Enfermagem Obstétrica tem um papel singular no processo educativo perinatal e ampliar a atuação desses profissionais pode contribuir com a redução da assimetria entre a equipe de saúde e a gestante durante o parto.
Houve grandes limitadores para a discussão desse tema, visto o número reduzido de trabalhos que mensurassem algumas das variáveis consideradas por este estudo. Outro possível e importante limitador, foi o fato de que as participantes deste estudo foram puérperas e que suas respostas podem ter sido influenciadas pela recente experiência do parto, junto às questões de estresse inerentes ao puerpério imediato. Portanto, considera-se necessária a realização de outros estudos, que forneçam e possibilitem vislumbrar novos panoramas acerca dos desejos e conhecimento de gestantes quanto ao parto, para que se construa, gradativamente, uma argumentação mais sólida a fim de transformar o cenário atual de assistência ao parto e nascimento.