versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.4 Rio de Janeiro abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015214.13852015
The scope of this study was to evaluate the prevalence and severity of dental fluorosis among 11 to 14-year-old schoolchildren in Teresina, Piauí, Brazil, which is a tropical city with a fluoridated public drinking water supply. It involved a cross-sectional observational study on a sample of 571 students in public and private schools. Informed Consent forms were approved for the data collection and the exams were conducted at the schools. Data were recorded on a questionnaire answered by the parents, regarding the socioeconomic and demographic characteristics and oral hygiene habits of the sample. The dental exam was performed qualified dental sugeons. The Thylstrup-Fejerskov (TF) index was used. The prevalence of fluorosis was 77.9%, and only 12.5% of the affected children had TF ≥ grade 3 (with aesthetic damage). The premolars were the teeth most affected by fluorosis. Among the students with the highest severity of fluorosis, 98.6% belonged to the lowest social bracket (> B2), 91.5% were born and had always lived in Teresina, 94.4% consumed water from the fluoridated public supply, 76% used toothpaste for children and 64% of mothers reported that they swallowed toothpaste. The prevalence of fluorosis was high, though the severity was low in individuals exposed to fluoridation since birth.
Key words: Dental fluorosis; Prevalence; Epidemiological surveillance
O uso de fluoretos está diretamente relacionado à redução na prevalência e severidade de cárie observada atualmente1. Dentre as formas de utilização dos fluoretos, destacam-se a fluoretação das águas de abastecimento público e uso de dentifrícios fluoretados2,3.
A fluoretação da água de abastecimento foi reconhecida como uma das dez mais importantes medidas de saúde pública do século passado4, sendo o mais efetivo, econômico e abrangente método de prevenção da cárie dentária em locais de alta prevalência da doença5. Em locais onde não há água de abastecimento fluoretada, o acesso ao flúor ocorre por meio da utilização de dentifrícios3.
Entretanto, o uso de fluoretos pode induzir a fluorose dentária6, que resulta da exposição do germe dentário ao fluoreto durante o seu processo de formação7. Seu aspecto clínico varia de finas linhas a áreas brancas no esmalte, em dentes homólogos, até regiões amareladas ou castanhas em casos de alterações mais graves8. Sua severidade está diretamente associada à quantidade ingerida, tempo de exposição, idade, peso e estado nutricional da criança9,10.
A prevalência de fluorose dentária é variável11-19. Em regiões com água fluoretada, ela é maior que em regiões sem água fluoretada11. No Brasil, os valores variam entre 3 e 62,7%20. Em Teresina, Piauí, foi observada prevalência de fluorose dentária de 61,6% em escolares da rede municipal de ensino, nascidos entre os anos 1993 e 1994 período em que a fluoretação de água foi interrompida, retornando apenas em 199821.
Pouco se tem estudado sobre mudanças no perfil epidemiológico da fluorose dentária20. Desta forma, este estudo teve por objetivo avaliar a prevalência e a severidade da fluorose em escolares na faixa etária de 11 a 14 anos da cidade de Teresina, nascidos entre 1998 e 2001.
Foi realizado estudo do tipo observacional transversal cuja população foi constituída por escolares matriculados em escolas públicas e particulares do município de Teresina, PI, Brasil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí, previamente à sua realização. O exame das crianças foi realizado após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pelos respectivos pais ou responsáveis pelos adolescentes.
Em 2011, 54.056 adolescentes de 11 a 14 anos estavam matriculadas em escolas particulares e públicas (municipais e estaduais) de Teresina-PI22. Assim, para o cálculo da amostra foi utilizado o software Epi-info, no módulo StatCalc (versão 3.5.2; Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA, USA). Foi considerada uma prevalência 61,5% de fluorose em adolescentes de 12 anos21. Considerou-se um intervalo de confiança de 95%, um erro de 5% e um fator de correção para o desenho de 1,5. O mínimo esperado para a amostra seria de 542 adolescentes. Entretanto, para compensar eventuais perdas aumentou-se a amostra em 10%. Um total de 596 adolescentes foi convidado para participar do estudo (25,9% particular e 74,1% pública). Esses foram estratificados proporcionalmente por tipo de escola e por regiões de localização (norte, sul, sudeste, leste e centro). Para cada região das redes escolares foram sorteadas três escolas para a obtenção da amostra. Após a aceitação das escolas foram sorteadas as turmas e os escolares.
Foram incluídos na pesquisa escolares na faixa etária de 11 a 14 anos que apresentassem os dentes permanentes totalmente irrompidos, TCLE assinado pelos pais e questionário socio-demográfico respondido. Foram excluídos os indivíduos com amelogênese imperfeita e aqueles que estivessem em tratamento ortodôntico fixo no momento da avaliação.
O TCLE foi enviado aos pais, juntamente com o questionário contendo perguntas relativas à identificação, aspectos socioeconômicos e demográficos e hábitos comportamentais. Para a classificação econômica foi adotado o critério da Associação Brasileira de Pesquisas (2010). O critério atribui pontos em função de cada característica domiciliar e realiza a soma destes pontos. A partir da pontuação obtida é realizada uma correspondência entre faixas de pontuação do critério e estratos de classificação econômica definidos por A1, A2, B1, B2, C1, C2, D, E.
O exame foi realizado na própria escola, por um examinador previamente calibrado (coeficiente kappa de 0,83), utilizando espelho bucal plano e luz artificial (luminária de mesa modelo Pelicano – Startec com 127V). A criança apoiou sua cabeça sobre as pernas do examinador, estando sentada em outra cadeira em frente ao mesmo. Previamente ao exame, foi realizada higiene bucal com escova dental e pasta profilática. Os dados foram anotados na ficha individual do escolar. Os exames foram realizados no período de agosto de 2012 a dezembro de 2012.
A fluorose dentária foi determinada examinando-se as superfícies vestibulares dos dentes envolvidos no sorriso – de incisivos a segundos pré-molares superiores e inferiores, pelo índice Thylstrup-Ferjeskov (TF). Tal índice classifica a aparência clínica do esmalte com fluorose. Ele é graduado de zero (sem fluorose) a nove (máximo de fluorose), permitindo-se definir os primeiros sinais clínicos, bem como as formas mais graves23. Os dentes foram secos, por 30 segundos com seringa de ar adaptada ao compressor portátil, prévio ao exame como preconiza o índice. Para cada dente, foi obtido um valor, e o registro foi feito na ficha clínica do escolar.
Para se determinar a experiência de cárie, foi usado o critério da OMS, índice de dentes cariados (C), perdidos (P) e obturados (O):CPO-D. Valores de CPO-D>0 foram considerados como indicativos de presença de cárie dentária24.
O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados através do programa SPSS®(SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), versão 18.0 para Windows. Foram utilizados dados quantitativos discretos e qualitativos nominais e ordinais. Os dados econômicos foram dicotomizados em < B2 e ≥ B2. O TF foi dicotomizado em TF < 3 e TF ≥ 325. A análise descritiva dos dados ocorreu por meio de frequências, média e desvio padrão (DP).
Foram avaliados 571 (95,8%) adolescentes distribuídos proporcionalmente por tipo de escola, sendo 148 (25,9%) pertencentes a escolas particulares e 423 (74,1%) de escolas públicas. Os 25 (4,3%) adolescentes não participantes foram excluídos por não estarem presentes no dia do exame clínico. A média de idade dos escolares foi 12,56 (DP = 1,08), 56% relataram fazer a higiene bucal mais que três vezes por dia e 38,2% das mães possuíam entre cinco e oito anos de estudo.
A prevalência de fluorose foi de 77,9% (n = 445), desses 12,1% (n = 69) apresentaram severidade correspondente ao índice TF 3 e 0,4% TF4 e TF5 (Tabela 1). Dentre o grupo de dentes avaliados, os pré-molares foram os mais afetados (Tabela 2). Dos adolescentes com maior severidade de fluorose, 98,6% (n = 70) pertenciam a classe social mais baixa ( ≥ B2), 91,5% nasceram e sempre moraram em Teresina, 94,4% consumiram água de abastecimento fluoretada, 76% utilizaram dentifrício infantil e 64% os responsáveis relataram que engoliam esse dentifrício (Tabela 3).
Dentre os adolescentes examinados, a prevalência de CPO-D > 0 foi 77,9%. A média de CPO-D foi 1,29 (DP = 1,97) e a média de CPO-D aos 12 anos foi 1,02 (DP = 1,49). A média do componente cariado foi 0,58 (DP = 1,29) e do componente obturado foi 0,66 (DP = 1,44).
Para se planejar programas de saúde é fundamental conhecer o perfil epidemiológico das populações. Com a difusão do uso de fluoretos, a prevalência de cárie diminuiu em contrapartida a de fluorose tem aumentado11.
Este foi um estudo cuja amostra é de base populacional que permite que os dados sejam extrapolados para a população geral de escolares na faixa etária estudada. A prevalência de fluorose observada em Teresina, Piauí foi de 77,9%, valor maior que o observado em um estudo semelhante desenvolvido na mesma cidade, que indicou prevalência de fluorose de 61,5%21.Essa alta prevalência também foi observada em outras regiões de clima tropical, e pode ser justificada pelas elevadas temperaturas que estimulam maior consumo de água17,18,26.
Entre os anos de 1999 e 2007 também foi observado aumento na prevalência de fluorose no município de Piracicaba (SP). Em 1999, a prevalência utilizando-se o índice de Dean foi 10,6%27e em 2007 usando-se o índice TF o valor aumentou para 31,4%28. Esse aumento pode ter acontecido devido aos diferentes índices utilizados. No índice de Dean não se realiza a secagem das superfícies dentárias para exame. No índice TF que necessita de secagem prévia, torna-o mais preciso em definir os primeiros sinais clínicos e a categorização de severidade8.
Browne et al.25 avaliaram o impacto de dentes com fluorose e concluíram que o ponto de corte com relação ao comprometimento estético era o equivalente ao grau 3 do índice TF. Neste estudo, 12,5% dos escolares com fluorose apresentavam TF maior ou igual a 3. No levantamento anterior, esses casos representavam 8,26%21. Tal fato se justifica pela ausência de fluoretação na água de abastecimento público no período em que as crianças possuíam de zero a quatro anos de idade21.
A fluorose se desenvolve durante o período de formação dos dentes. Ela afeta mais os dentes permanentes que possuam mineralização tardia, pois os germes dentários são expostos por mais tempo aos fluoretos21,23. Vários estudos adotam a idade de 12 anos (Quadro 1) pelo fato de ser a idade em que os dentes que possuem maturação de esmalte mais prolongada irromperam recentemente. Neste estudo foram avaliados escolares com idades entre 11 aos 14 anos, pois se objetivou avaliar os dentes que compõem o sorriso (incisivos, caninos e pré-molares). Dentre o grupo de dentes avaliados, os pré-molares foram os mais acometidos, em concordância com a literatura12,21. Isso é explicado pelo período de maturação do esmalte ser mais prolongado em relação aos outros grupos de dentes, com isso, o germe dentário em maturação estaria mais tempo exposto ao flúor ingerido e absorvido, sendo os incisivos inferiores os dentes menos acometidos8.
Quadro 1 Estudos nacionais sobre prevalência e severidade de fluorose dentária entre 2001 e 2013.
Siglas dos Estados e índices: GO = Goiás. RS = Rio Grande do Sul. SP = São Paulo. SC = Santa Catarina. PR = Paraná. BA = Bahia. PI = Piauí. CE = Ceará. TF = Thylstrup e Fejerskov, ppmF = partes por milhão de fluoreto.
Neste estudo a fluorose severa foi mais observada entre as crianças que pertenciam a classes sociais mais baixas, nasceram e sempre moraram em Teresina, consumiam água de abastecimento fluoretada, utilizaram dentifrício infantil e os responsáveis relataram que engoliam esse dentifrício quando criança.Não existe consenso na literatura sobre associação entre fluorose e o nível socioeconômico28,29,40-43. A maior prevalência de fluorose em crianças de maior nível socioeconômico foi explicada pelo maior acesso a produtos fluoretados40, enquanto crianças de menor nível socioeconômico estão expostas à maior ingestão de dentifrício42,43.
Observou-se que o índice CPO-D nas crianças de 12 anos foi 1,02 e para a amostra total, na faixa de 11 a 14 anos, foi 1,29. O componente obturado do CPO-D foi mais observado que o cariado. De acordo com o último levantamento nacional SB Brasil 2010, a média nacional do CPO-D aos 12 anos foi de 2,1 e para o nordeste de 2,7 e Teresina 1,544. O valor do índice CPO-D aos 12 anos em Teresina foi menor que de outras capitais do nordeste com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que não possuem fluoretação de águas (SB Brasil), demonstrando que essa medida é capaz de reduzir desigualdades sociais. Assim, este estudo mostra que a fluoretação das águas é uma boa medida para o controle da cárie dentária, mas essa redução da cárie é acompanhada pelo aumento da prevalência de fluorose.
A avaliação da prevalência de fluorose deve ser tratada como vigilância sanitária e epidemiológica. Cabe destacar que é aceitável a presença de casos de fluorose leve em localidades que possuem fluoretação da água de abastecimento9,45 e esse dado pode servir até de parâmetro para avaliar a fluoretação, pois algo estaria incorreto se não fossem observado tais casos em áreas com fluoretação artificial, sendo o controle recomendado para essas localidades13.
Neste estudo, a prevalência de fluorose observada foi alta, mas a severidade foi baixa, o que não reflete um problema de saúde pública. O monitoramento da prevalência e severidade da fluorose dentária se faz necessário, pois Teresina é uma cidade de clima tropical com fluoretação da água de abastecimento e o somatório com outras fontes de fluoretos (dentifrício e dieta, por exemplo) pode levar ao aumento dos casos esteticamente indesejáveis.
A prevalência de fluorose foi elevada, mas com baixa severidade em indivíduos expostos a fluoretação desde o nascimento.