versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.8 Rio de Janeiro ago. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015218.07662016
Os primeiros meses de vida constituem uma das fases mais importantes para a saúde da criança, pois neste período ocorrem processos vitais no crescimento e desenvolvimento. Dessa forma, a saúde da criança dependerá de um acompanhamento cauteloso, visando a prevenir ou atenuar possíveis agravos à sua saúde1.
É de grande relevância o papel do enfermeiro na vigilância da saúde da criança, sobretudo nos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), a fim de viabilizar o melhor acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, visto ser essa uma ação primordial para se obter melhor qualidade de vida para a população infantil. As ações realizadas neste nível de atenção à criança são fundamentais para as atividades de prevenção e de intervenção, por ter potencial para detectar precocemente possíveis agravos e diminuir os riscos de morbimortalidade1.
A APS é o cenário privilegiado para a realização da vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil, pois oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, foca a atenção sobre a pessoa, além de coordenar ou integrar a atenção provida em algum outro nível de atenção à saúde2.
A Estratégia de Saúde da Família (ESF), modelo adotado na APS brasileira, propõe a renovação da atenção à saúde segundo os princípios da universalidade, integralidade, equidade, participação e continuidade, em um contexto de descentralização e controle social. Essa estratégia visa à prevenção de doenças e à promoção da saúde, mediante atenção humanizada, com vínculo, acolhimento e responsabilização, focada nas diversas necessidades específicas das famílias, em determinado território3.
Para se efetivar como um modelo que oferece atenção de qualidade à saúde, a ESF precisa comprometer-se, dentre outras coisas, com a produção do vínculo com a população dos territórios de saúde, possibilitando a longitudinalidade do cuidado e o alcance de seus benefícios4. O conceito de vínculo é polissêmico, articulando-se aos conceitos de humanização, responsabilização e integralidade5. A Política Nacional de Atenção Básica destaca o vínculo entre as equipes de APS e a população adscrita como um dos princípios deste nível de atenção6. Portanto, o vínculo pode ser compreendido como uma relação interpessoal, estabelecida ao longo do tempo entre usuário e profissional de saúde, caracterizada por confiança, responsabilidade e partilha de compromissos.
Nesse sentido, a população precisa sentir-se confiante e segura quanto ao trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde, pois o oposto pode acarretar sofrimento ou até mesmo depressão. Assim, devido à sua proximidade singular durante o cuidado prestado, os enfermeiros desempenham um papel importantíssimo na percepção desses sentimentos de seus clientes e na efetiva formação do vínculo7.
Em uma unidade básica de saúde, especialmente na Unidade de Saúde da Família (USF), o enfermeiro é responsável por várias atribuições, dentre elas, a consulta à criança menor de dois anos, também denominada de puericultura, na qual orienta as mães sobre vários aspectos para a promoção da saúde infantil. Essa consulta permite ao enfermeiro da ESF estreitar o vínculo com as famílias assistidas. A interação estabelecida entre o profissional e a família é muito importante no sentido de viabilizar a confiança mútua, de modo que o fortalecimento do vínculo vá aumentando cada vez mais com o passar do tempo, fazendo com que a família e a comunidade adquiram mais respeito pelo profissional. O estabelecimento desse vínculo, ao mesmo tempo em que advém do convívio entre enfermeiro, família e comunidade, mostra-se como condição fundamental para que a consulta de enfermagem obtenha êxito e repercussão positiva sobre o cuidado com a criança e com a comunidade8.
Estudo realizado em um município paraibano constatou a ausência do vínculo e do acolhimento de enfermeiros como estratégias para promoção da saúde da criança9. A lógica da prática cotidiana nas consultas estava muito mais centrada na doença e na queixa-conduta. O mesmo estudo demonstrou que alguns enfermeiros atendiam a uma grande demanda de puericultura enquanto outros não, apesar de existir grande quantidade de crianças menores de dois anos cadastradas na Unidade de Saúde da Família. Esse fato em si mostra a escolha das famílias por profissionais que se relacionam de forma compreensiva com eles.
Portanto, conhecer a existência de vínculo entre a enfermeira e as mães de crianças menores de dois anos e como isso afeta a procura da mãe para o acompanhamento da criança na consulta de enfermagem é fundamental.
Diante do exposto, este estudo tem como objetivo identificar se existe vínculo entre enfermeiras e mães de crianças menores de dois anos na consulta de enfermagem, na percepção de enfermeiras que atuam na Estratégia Saúde da Família, num território especial da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil.
Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, desenvolvida no período de maio a novembro de 2013, em sete Unidades de Saúde da Família (USF) pertencentes ao Distrito Sanitário III da cidade de João Pessoa-PB, por meio de entrevista semiestruturada, que foi gravada e transcrita na íntegra para posterior análise.
Participaram do estudo sete enfermeiras que atendiam crianças menores de dois anos, cadastradas nas referidas unidades. Foi utilizado como critério de inclusão: ser enfermeiro, atender crianças cadastradas na área de abrangência das USF; e atuar nas USF por um período mínimo de seis meses. E, como critério de exclusão: os enfermeiros que estivessem de férias ou licenciados no período da pesquisa de campo. O encerramento da coleta de dados se deu conforme o critério de suficiência, ou seja, quando o julgamento do material empírico permitiu traçar um quadro compreensivo do objeto de estudo.
Os dados obtidos foram analisados conforme a proposta de análise de conteúdo, na modalidade análise temática transversal, descrita por Bardin10. Essa abordagem consiste num conjunto de técnicas de análise de comunicações, visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção dessas mensagens.
Para a análise, realizou-se o recorte das falas, levando-se em consideração a frequência dos temas extraídos dos discursos, a fim de se encontrarem os principais núcleos de sentido, cuja presença dão significado ao objetivo proposto11. Foram identificados dois núcleos temáticos: (1) elementos formadores do vínculo; (2) dificuldades para a construção do vínculo.
O estudo atendeu às diretrizes da Resolução 466/1212 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Todos os sujeitos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para assegurar o anonimato, os discursos foram identificados com as letras “E”, em referência à palavra enfermeiras, seguido do número, conforme a sequência de sua realização.
As sete enfermeiras participantes do estudo tinham faixa etária entre 35 e 57 anos. Apenas uma delas referiu atuar cinco anos na ESF. As demais trabalham há mais de 10 anos. O tempo de atividade na unidade de saúde pesquisada variou entre 8 meses e 12 anos. Pelo fato de a amostra ser majoritariamente feminina, utilizaremos o termo enfermeiras ao nos referirmos às participantes deste estudo.
Segundo as enfermeiras, o vínculo é fundamental para a realização da consulta de puericultura na APS. Ao apresentarem a confiança e o respeito como constructos do vínculo, demonstram buscarem estreitar laços com a família estabelecendo interação efetiva e afetiva.
Vínculo é uma relação que se tem com as mães, de confiança, de respeito (E4).
É essencial para o vínculo o respeito de ambas as partes, assim se consegue ter uma relação melhor com as mães, e quem sai mais beneficiado são as crianças (E4).
Vínculo é um elo de confiança, entre o profissional e o usuário (E6).
Vínculo não é só a questão de o profissional atender o usuário dentro da sua queixa, mas criar um vínculo de amizade, principalmente de confiança, que á a base de toda a relação (E7).
O vínculo se fortalece no estreitamento da relação entre a enfermeira e a família que vai adquirindo confiança e respeito quando a atuação profissional é competente. Um convívio que se mostra compreensivo e acolhedor, segundo as entrevistadas, é condição para que a consulta de enfermagem tenha êxito e repercuta na qualidade do cuidado.
É a relação que desenvolve até de intimidade [...]. Eu sinto que elas confiam em mim, no cuidado com seus filhos, elas me acham competente. (E1)
O ponto chave do vínculo é a confiança, e o profissional está capacitado para dar a resposta de acordo com a necessidade deles. (E7)
Estudos mostram que o fortalecimento do vínculo entre a enfermeira e a família promove sintonia, troca de afetos e convivência potencialmente reconstrutora de autonomia, e melhora a relação da pessoa com os profissionais de saúde5.
A formação de vínculos está sendo tratada, neste estudo, sob vários aspectos, dentre os quais: a continuidade no tempo e no espaço; a singularidade na atenção; o cuidado centrado na pessoa e a reciprocidade entre familiares e profissionais; e a resolutividade dos problemas.
O tempo de convivência e o atendimento aos usuários na ESF permite um acompanhamento por um longo período que se estende às diferentes etapas do ciclo de vida, e favorece o estabelecimento do vínculo. A aproximação possibilita que o profissional foque suas ações nas necessidades concretas das pessoas, que já são de seu conhecimento no cotidiano e no mundo do trabalho. Evidenciou-se, por exemplo, que as mães que iniciaram o acompanhamento no serviço de saúde com as enfermeiras ainda no pré-natal possuem uma afinidade maior com elas.
Eu considero que tenho uma boa relação com as mães, porque a maioria que vem para a puericultura já está comigo desde pré-natal (E1).
A maioria das mães já vem do próprio pré-natal e depois do parto, o acompanhamento é muito bom (E3).
E esse vínculo que a gente estabelece, já começa a ser construído no pré-natal (E6).
Os aspectos positivos de um acompanhamento que percorre a linha do tempo são corroborados por estudo realizado com enfermeiros da Estratégia Saúde da Família em Londrina-PR. Os autores ressaltam que esses profissionais consideram que o acompanhamento da criança, desde o pré-natal, facilita a construção do vínculo entre enfermeira e mãe, além de proporcionar diálogo aberto que contribui para a adesão das mães às orientações e continuidade do cuidado no pós-parto13.
Em consonância com o tema, estudo realizado na Espanha trouxe a opinião de mães primíparas quanto aos cuidados prestados no período pré-natal. O profissional enfermeiro se destacou por se disponibilizar na solução da maioria dos problemas e dúvidas vivenciados por elas, trazendo maior segurança e paz de espírito aos familiares, auxiliando-os a lidarem com suas necessidades psicológicas e emocionais através de escuta qualificada e personalizada14.
A consulta de enfermagem favorece a formação de vínculo do enfermeiro com a criança e a família, o que decorre tanto do convívio com ela e com a comunidade, como das ações e estratégias desenvolvidas pelo profissional. O sentimento de empatia precisa ser cultivado desde a gestação, no domicílio por ocasião da primeira semana de vida da criança, assim como nas consultas de puericultura subsequentes8. Pesquisa demonstrou que o desenvolvimento de um bom relacionamento com as famílias, por meio de consultas sucessivas, facilita o apoio contínuo para a saúde e o desenvolvimento infantil15.
Um dos aspectos mais importantes na formação do vínculo é a oferta de uma atenção singular e de uma abordagem individualizada e humanizada
E nós, enfermeiros, temos esse olhar mais diferenciado, pelo menos eu tento ter, de olhar a mãe e suas crianças de forma individual, respeitando cada situação e a realidade que aquela família vive. E propor a ela o melhor cuidado dentro do contexto que ela vive. Isso é essencial para manter um bom relacionamento com as mães. O cuidar é com a gente e isso é vínculo puro (E1).
Estudo realizado no Reino Unido com a finalidade de analisar a relação entre parteiras e mães no processo de pré-natal, parto e nascimento, tendo como princípio o cuidado centrado na mulher, destacou a importância do profissional no estabelecimento de vínculo, respeito e confiança das mães no profissional e no preparo para cuidar os bebês16.
Para a formação de vínculo ressalta-se a importância da valorização das mães como principais cuidadoras das crianças e do elo entre enfermeiras e lactentes. O efeito de reciprocidade entre profissional de saúde e usuário é capaz de gerar confiança e respeito mútuo, e tem sido fator significante na redução de agravos à saúde após o nascimento. Esse aspecto é mencionado por autores nacionais e internacionais. Nos Estados Unidos17, a incorporação da opinião das mães na prestação de cuidados a elas tem ajudado na determinação real dos riscos à sua saúde, possibilitando a distinção prévia de mulheres identificadas como de alto risco que posteriormente teriam parto normal (falsos positivos) e, mais importante, reduzindo o número das consideradas de baixo risco que teriam um efeito adverso como resultado (falsos negativos).
O cuidado centrado no usuário é aquele que considera as suas dimensões biológicas, sociais e emocionais e promove a resolutividade de seus problemas de saúde. Para a mãe que leva uma criança para a consulta, uma boa relação com a enfermeira está associada à perspectiva de atendimento referenciado na realidade do usuário, em sua multidimensionalidade humana, e na produção efetiva dos resultados esperados e necessários4.
Eu sempre procuro valorizar o que elas falam, pergunto sempre como a criança está e o que elas estão achando, como elas acham que vai o crescimento e o desenvolvimento dos filhos (E2).
É preciso dar atenção, não só à criança, à mãe também, porque ela é a nossa ligação com a criança (E2).
A opinião da mãe é de fundamental importância para que a enfermeira obtenha informações relevantes sobre a saúde da criança, pois ela é a pessoa que mais conhece a realidade do seu filho, por ser, na maioria das vezes, a principal cuidadora da criança. A literatura enfatiza que se o profissional de saúde não considerar a importância dos pais para a manutenção e a proteção da saúde da criança, a assistência prestada a esta ficará limitada11. Por isso, o incentivo à participação da família em toda a atenção à criança, envolvendo-a com informações sobre os cuidados e os problemas de saúde, bem como nas propostas de abordagem e intervenções necessárias, entendidas como direito de cada cidadão e potencial de qualificação e humanização da assistência, é uma ação de saúde adequada para prover resposta satisfatória na produção do cuidado18.
O Ministério da Saúde19 recomenda a realização de sete consultas de rotina no primeiro ano de vida (na 1ª semana, no 1º mês, 2º mês, 4º mês, 6º mês, 9º mês e 12º mês), além de duas consultas no 2º ano (no 18º e no 24º mês). A partir do 2º ano, preconizam-se consultas anuais, próximas ao mês do aniversário. Essas faixas etárias são selecionadas porque representam momentos de oferta de imunizações e de orientações de promoção de saúde e prevenção de doenças. Nessas várias etapas a relação estreita com a família é crucial.
Eu acho que esse vínculo é tudo, é muito importante, porque se elas não confiam na profissional de enfermagem que vai atender o filho delas, elas não vão vir para o acompanhamento (E1).
A mãe passa a valorizar você como profissional, e aquele momento como sendo importante para a criança e para ela (E2).
Porque se ela confia na enfermeira, acaba absorvendo a importância de trazer os filhos (E7).
Assim, se conclui que a consulta de enfermagem à criança menor de dois anos é essencial para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, contribuindo para sua vida saudável. Ao pactuar com os pais o calendário de consultas, deve-se sempre levar em consideração o contexto familiar, as necessidades individuais e as vulnerabilidades20.
Assim, sob a perspectiva de que cuidar de crianças implica em criar laços e formar redes de apoio visando à saúde21, a relação construída com vínculo na APS garante que as mães ou outro familiar busquem sempre a unidade, não só quando a criança está doente, mas para a vigilância de seu estado geral.
A confiança que elas têm da consulta, mesmo a criança sadia, porque elas não costumam vir só quando a criança está doente, trazem a criança sadia só para acompanhamento de rotina (E2).
Quando não consegue criar esse vínculo, essa confiança, essa troca, aí a mãe acaba realmente não vindo, ou se vem é só para constar (E3).
Se não existe vínculo, logicamente ela só vai querer procurar a unidade se o filho estiver doente, quando não estiver doente não vai trazer (E6).
No programa de vigilância em saúde da criança, a atuação do profissional deve ser integral. O foco da atenção, seja na prevenção, na promoção ou na assistência, precisa manter o vínculo com a família e estimular a responsabilidade contínua e conjunta do serviço e da família no cuidado à criança20.
Outro aspecto considerado pelas enfermeiras é o papel desempenhado por toda a equipe que atua na unidade de saúde da família, revelando que o bom relacionamento entre os profissionais é fator determinante para viabilizar a construção de uma relação positiva com as mães, uma vez que a qualidade do cuidado prestado na atenção básica é fruto de um trabalho coletivo, onde todos os profissionais são sujeitos importantes no processo.
Então eu acho que esse vínculo também depende de toda a equipe, se você não tem uma equipe legal, se alguém quebrar esse elo, vai aparecer grandes dificuldades (E3).
Porque é importante a relação delas não só comigo, porque aqui o trabalho é em equipe, todos precisam estar envolvidos e construir essa relação com as famílias (E5).
O trabalho em equipe multiprofissional é um importante pressuposto para a organização do processo de trabalho no âmbito da atenção básica, na abordagem integral e resolutiva, pois permite a troca de informações e a busca do melhor plano terapêutico, colocando a cooperação como instrumento para enfrentar o fazer em grupo20.
As enfermeiras apontaram dificuldades para estabelecer uma vinculação com as mães na consulta à criança, dentre eles se destacam o acúmulo de trabalho que enfrentam no dia a dia, problemas de acesso às famílias e dificuldades culturais de compreensão das orientações.
Um dos obstáculos relevantes assinalados pelas entrevistadas é o acúmulo da demanda, uma vez que na Estratégia Saúde da Família existe grande quantidade de pessoas sob a responsabilidade dos profissionais. Além disso, o trabalho do enfermeiro não se resume apenas às consultas de crianças, pois a USF tem outras atividades que demandam esse profissional.
O usuário chega aqui e quer ser atendido na mesma hora, porque para ele a necessidade dele, naquele momento, é a maior (E7).
Eu acho que a maior dificuldade é a demanda de atendimento, porque a puericultura é um atendimento que demora (E7).
A literatura destaca que o excesso de demanda de cuidados aos profissionais de saúde, propicia um forte desgaste cognitivo, físico e psíquico cotidiano, na medida em que os atendimentos precisam respeitar as singularidades e serem efetivos9.
A puericultura demanda tempo, pois, como já foi dito, exige investigar os problemas mencionados pela família e examinar a criança dando-lhe toda atenção individualizada de que precisa. Quando realizada de forma integral e resolutiva, torna-se uma ação complexa, pois requer dos profissionais um conjunto de atributos e recursos tecnológicos bastante diversificados9.
Também as mães requerem atenção singular, pois a maioria refere sentir-se insegura no momento que se segue ao parto. Muitas delas se queixam de que vivenciam barreiras nas tentativas de entrar em contato com os profissionais de saúde e receber os cuidados que precisam22. Por isso, é fundamental que o enfermeiro esteja disponível também para elas e lhes propicie uma relação de empatia e vínculo, pois isso facilitará sua presença nas consultas. Assim como nesta pesquisa, em estudo realizado na Nova Zelândia com parturientes, os autores destacaram a importância do vínculo com os profissionais de saúde e evidenciaram que a falta de uma relação harmoniosa e de confiança leva as mães a se sentirem vulneráveis e ansiosas com o processo de nascimento da criança23.
Outra dificuldade apontada pelas enfermeiras diz respeito à ausência das mães na unidade de saúde, justificadas pela falta de tempo e por terem que trabalhar fora.
Minha dificuldade é trazer elas até aqui, nem que seja para marcar, então aproveito muitas vezes quando elas vêm para a vacina, ou para outro atendimento e aí já pergunto sobre a criança (E4).
Há mais dificuldades com as mães que trabalham fora do que com as mães da comunidade (E6).
Para mim, o grande motivo é o trabalho, porque muitas trabalham fora de casa e não têm tempo de vir à unidade para o acompanhamento das crianças (E7).
O vínculo ocorre mais facilmente quando o usuário é ativo e sistemático na procura e no uso do serviço, com interesse pelo acompanhamento em saúde, logo, uma das dificuldades para sua efetivação é a indisponibilidade do usuário para participar de atividades propostas pelo serviço4.
Pesquisa24 realizada com enfermeiros da Atenção Básica do município de Imperatriz, no estado do Maranhão, revelou a falta de adesão das mães aos agendamentos, como um dos problemas enfrentados para a realização da puericultura. Um dos motivos é o fato de elas desconsiderarem a importância de levar a criança saudável ao serviço de saúde. Mas os enfermeiros também referiram dificuldades no cumprimento da agenda programática de suas demais atribuições profissionais no âmbito da ESF.
Sobre tais problemas, é importante assinalar que pesquisa realizada nas regiões Nordeste e Sul do Brasil evidenciou que a cobertura de puericultura, adotando como critérios nove ou mais consultas, alcançou apenas um quarto das crianças cadastradas nas unidades de saúde. Os autores destacam que as dificuldades encontradas para a não adesão das mães podem decorrer do fato de elas preferirem cuidados especializados para seus filhos, alegando que os profissionais de ESF, por serem submetidos a uma ampla variedade de demandas da população, estariam menos aptos para as necessidades específicas da criança. A pesquisa constata ainda, reforçando a fala dos profissionais entrevistados para este estudo, uma tendência das mães de procurarem a ESF apenas quando a criança apresenta um problema de saúde25.
No relacionamento estabelecido entre enfermeira e mães de crianças menores de dois anos, um obstáculo considerado rotineiro pelas participantes deste estudo foi a resistência das mães em seguir as orientações obtidas durante a consulta. A influência dos hábitos da família e de pessoas próximas, de tabus culturais e até a mídia foi apontada como geradora dessa situação.
A minha maior dificuldade é fazer com que elas me escutem e sigam minhas orientações, porque assim, elas confiam em mim. Tem muito problema da cultura, da opinião da avó, das tias, da vizinha, tudo isso influência (E1).
Quando surgem dificuldades é aquela velha história da cultura, dos tabus (E2).
As maiores dificuldades nessa relação com a mãe é que geralmente elas não seguem as orientações. E os hábitos peculiares a elas, a gente não consegue mudar, a família também interfere bastante, a própria mídia também mostra certas coisas que acabam influenciando a introdução de alimentos antes da hora (E2).
Dentre as contribuições da puericultura, as ações individuais e coletivas da educação em saúde surgem como mediadoras no processo de saúde, fortalecendo as ações das famílias de modo a influenciar no desenvolvimento saudável da criança e a sobrepor os riscos potenciais para o adoecimento. É por meio da educação em saúde que se tem a possibilidade da troca de conhecimentos, entre enfermeiros e usuários. Essa é uma oportunidade para contemplar orientações que respondam aos anseios ou dúvidas trazidas pelas famílias para serem discutidas com os enfermeiros8,26.
A literatura é enfática ao afirmar que ao orientar as mães e formar vínculo com estas, o enfermeiro possibilita maior participação delas e da família no cuidado infantil, aumentando a adesão às consultas e em maior interesse em proporcionar bem-estar à criança27. É preciso reiterar mais uma vez que a relação entre mãe/família e o profissional enfermeiro são apresentados na literatura nacional e internacional como peça vital no fortalecimento do vínculo mãe-bebê, uma vez que esse profissional é preparado para ofertar cuidados e incentivos à participação dos pais na atenção à criança, facilitando a reciprocidade, o senso responsabilidade e a adequação das respostas maternas ao filho. Portanto, mães que recebem apoio de enfermeiros são mais propensas a construir uma relação positiva e saudável com seu bebê28.
Vale salientar que o profissional de saúde deve ver a mãe como corresponsável no cuidado à criança, com uma relação que privilegie o vínculo, com troca e construção de consensos com esta e o respeito à sua autonomia, fugindo de uma perspectiva que a considere passiva, apta apenas a seguir as orientações profissionais.
A avaliação das relações estabelecidas entre enfermeiros e mães de crianças menores de dois anos na consulta de enfermagem é de fundamental importância, por ter repercussão direta na atenção integral à saúde da população infantil. Foi evidenciado que, apesar de algumas dificuldades para a formação do vínculo efetivo entre elas e as progenitoras, as enfermeiras consideram que existe uma relação intersubjetiva desenvolvida por elas na atenção primária. Demonstraram, também, que conhecem os elementos indispensáveis à formação do vínculo, concebendo-o como um processo fundamental para o cuidado integral e de qualidade. Uma relação afetiva e de escuta qualificada com as mães influencia na procura destas pela unidade de saúde para a consulta de enfermagem ao seu filho, mesmo quando estes estão saudáveis.
Portanto, reafirma-se a necessidade de se oferecerem espaços de reflexão de forma continuada aos trabalhadores da saúde, a fim de que a equipe possa ser ouvida em sua demanda e, assim, fortaleça seus vínculos com as mães, com possibilidade de efetivar a vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil.