Compartilhar

Vínculos institucionais para o enfrentamento da violência escolar: um estudo exploratório

Vínculos institucionais para o enfrentamento da violência escolar: um estudo exploratório

Autores:

Maria das Graças Carvalho Ferriani,
Diene Monique Carlos,
Andressa Janerini Oliveira,
Michelly Rodrigues Esteves,
José Eurípedes Martins

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 07-Ago-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0347

INTRODUÇÃO

Os acidentes e as violências se configuram como o principal problema de saúde pública entre adolescentes, considerando-se a faixa etária de 10 a 19 anos preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nessa população, tais fenômenos representam as maiores causas de morbimortalidade mundial, cuja distribuição é desigual, apresentando índices mais elevados em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.1 A OMS identifica três tipologias de violência, de acordo com a relação entre vítima e autor: violência autoprovocada, coletiva e interpessoal. A violência interpessoal pode ocorrer no espaço comunitário, no qual a escola adquire especial realce devido às características da adolescência.1

A violência escolar se expressa numa perspectiva mais explícita da violência, como a agressão entre indivíduos, e na violência simbólica que ocorre por meio das regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade desigual.2 A última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) demonstrou piora das situações de violência vivenciadas pelos adolescentes. De acordo com a PeNSE, um em cada dez adolescentes relatou insegurança no trajeto casa-escola e na escola, sendo o percentual maior entre adolescentes de escolas públicas, que geralmente se localizam em locais de risco, com grande presença de violência em seu entorno.3 A violência escolar emerge como um problema paradoxal, visto que a instituição escolar deveria prover proteção e segurança aos adolescentes, garantindo a esses atores um ambiente saudável de conquistas e afirmação, individuais e coletivas.3

A OMS propõe o modelo ecológico para compreensão da violência, baseado na evidência de que nenhum fator singular pode explicar o maior risco ou maior proteção de algumas pessoas ou grupos da violência interpessoal. Esse fenômeno resulta da interação entre múltiplos fatores nos níveis individual, relacional, comunitário e social,1 exigindo a articulação de ações e intervenções nos vários níveis de cuidado que considerem os aspectos citados. O conceito de rede social tem se apresentado como um novo processo em contraposição a abordagens tradicionais das políticas públicas, que são pautadas em ações fragmentadas, pontuais e compensatórias, gerando intervenções simplificadas e segmentadas, frente a fenômenos complexos.4,5 As redes são consideradas formas de organização social, tanto da sociedade como do Estado, detentoras de intenso fluxo de informação, e estruturadas a partir da cooperação entre unidades autônomas.6 O conceito de rede traz como características: o reconhecimento da existência e da importância do outro; o conhecimento das ações do outro; a colaboração recíproca; a cooperação através do compartilhamento de saberes, ações e poderes; e a associação, com objetivos e projetos comuns.4

Destarte, o conceito de rede social dialoga fortemente com os atuais dispositivos legais e científicos sobre o enfrentamento da violência escolar envolvendo adolescentes, e com os conceitos de prevenção de violências e de promoção de uma cultura de paz. Tal temática se apresenta como emergente à saúde e à Enfermagem, em função da importância que a instituição escolar ocupa na vida de adolescentes, bem como dos graves incidentes violentos que nela ocorrem envolvendo esses atores. Ressalta-se que a adolescência é um período-chave do desenvolvimento humano que possibilita a implementação de ações que promoverão uma vida adulta saudável.3-5

Considerando-se que a construção de uma rede social pode proporcionar a releitura do papel da escola nos dias atuais, bem como do enfrentamento da violência escolar, o presente estudo teve como objetivo identificar e analisar os vínculos institucionais das escolas estaduais de ensino médio para o enfrentamento da violência escolar.

MÉTODO

Delineamento do estudo

O estudo teve abordagem qualitativa, descritiva e exploratória. Essa abordagem permite o estudo das relações sociais plurais vividas no mundo contemporâneo; reconhece as perspectivas dos participantes envolvidos em determinado fenômeno, respeitando suas diversidades e singularidades. O contexto particular, local e temporal aparece como importante para descrição concreta e histórica de sistemas de conhecimentos e práticas.7

Ressalta-se que o percurso metodológico se apoiou no conceito de rede social.4-6

Campo de estudo

O campo de estudo foi o Distrito Oeste do Município de Ribeirão Preto - SP, Brasil, com uma população estimada de 141.998 habitantes, que representava cerca de 22% da população total do município no ano de 2014. Esse Distrito contava com 18 unidades públicas de saúde, sendo uma unidade básica distrital de saúde, oito unidades básicas de saúde e nove unidades saúde da família, e também com nove escolas públicas de ensino médio e fundamental, com aproximadamente 4.100 alunos. Cada escola possuía um diretor geral e dois coordenadores, sendo um coordenador para o ensino médio e outro para o ensino fundamental.

Coleta e análise dos dados

Foram entrevistados coordenadores do ensino fundamental e diretores de seis escolas da rede pública de ensino do Distrito Oeste do Município de Ribeirão Preto - SP, totalizando 12 atores sociais, denominados dirigentes. Todos os convidados aceitaram participar da pesquisa, após apresentação dos objetivos e da própria pesquisadora que realizaria a coleta.

A coleta de dados foi realizada por meio de Mapas Mínimos da Rede Social Institucional Externa e de entrevistas semiestruturadas, no período de março a junho de 2014. As construções do mapa e as entrevistas foram realizadas por uma das pesquisadoras, graduanda em Enfermagem, que recebeu orientação sobre as técnicas de coleta de dados, realizando estudo piloto antes da coleta. As escolas foram identificadas pelas letras de A-F, de acordo com a sequência da coleta dos dados. Os mapas mínimos permitem avaliar quais instituições compunham a rede externa da escola, bem como a qualidade dos vínculos estabelecidos entre a escola e as instituições.6 Foram realizados em folhas de papel A4 junto aos participantes, sendo que a construção dos mesmos teve aproximadamente 30 minutos.

Para analisar o Mapa Mínimo da Rede Social Institucional Externa, foram criados quadrantes que representassem os diversos setores que compunham a instituição, de acordo com a especificidade de cada situação. A qualidade dos vínculos existentes entre cada setor, departamento ou secretaria, foi classificada em três níveis, representados graficamente por meio de linhas: (i) vínculos significativos - linha preta contínua; (ii) vínculos fragilizados - linha preta pontilhada; (iii) vínculos rompidos ou inexistentes - linha cinza contínua. A representação gráfica do mapa, tanto no nível pessoal quanto no institucional, permite a identificação da qualidade dos vínculos e da sua distribuição entre os quadrantes.7 Os parâmetros obtidos pela análise dos mapas são tamanho; densidade; distribuição/composição; dispersão; homogeneidade/heterogeneidade.6

Para complementar a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com base em um roteiro contendo as seguintes questões abertas, relacionadas aos quadrantes do mapa a ser construído: (a) A escola constitui um ambiente capaz de oferecer segurança adequada a todos os alunos? (b) Você considera que existe integração entre a família e a escola? (c) Como você avalia a relevância dos esforços coletivos de setores diversos, visando o enfrentamento da violência escolar? As entrevistas, com cerca de 1 hora de duração, foram gravadas em MP3 com permissão dos participantes, e transcritas na íntegra. Os dados foram analisados segundo o método de análise de conteúdo, modalidade temática.8 Para operacionalização desse método, foram estabelecidos os seguintes critérios: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados. Foi realizada uma leitura compreensiva dos documentos (imagens dos mapas e relatos das entrevistas) para identificar as ideias centrais, a partir das quais foram organizados os núcleos temáticos. Neste estudo, será apresentada apenas a categoria, Mapeando a rede. Posteriormente, foram estabelecidas as relações entre os dados, os dispositivos legais e a literatura que versa sobre violência escolar. Reitera-se que, além de realizar a análise específica dos mapas mínimos seguindo-se os critérios mencionados acima, as informações extraídas foram analisadas em conjunto com os dados das entrevistas.

Aspectos éticos

O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, na data de 12 de fevereiro de 2014, sob o parecer número 528.246. O consentimento espontâneo foi solicitado aos participantes, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Caracterização da infraestrutura do entorno das escolas

A escola A situava-se próxima a uma importante universidade, contando com a parceria da mesma e, aos finais de semana, de uma organização não governamental (ONG). O bairro foi criado recentemente, sendo urbanizado, mas com pouca infraestrutura, com casas simples e mal conservadas, e sem áreas de lazer para a população. As escolas B e C estavam localizadas em bairros próximos ao centro da cidade, que contavam com melhor infraestrutura de comércio, Unidades Básicas de Saúde, e casas em melhor estado de conservação. As escolas D, E e F estavam situadas em bairros periféricos, mais distantes do centro da cidade, com presença de comércio, casas antigas e mal conservadas. O entorno dessas escolas era pouco iluminado. A escola D funcionava também no período noturno, em local próximo a uma praça sem iluminação, sendo a má iluminação um fator agravante para a violência.

A seguir, a partir da análise dos dados dos mapas mínimos e das entrevistas, será apresentada a categoria intitulada "Mapeando os vínculos institucionais".

Mapeando os vínculos institucionais

Apesar de estarem situadas em territórios e contextos diversificados, as escolas apresentaram características em comum, tais como uma rede ampliada, com vínculos presentes em todos os quadrantes, conforme demonstrado nas imagens (Figuras 1 a 3).

Figura 1 Mapa Mínimo da Rede Social Institucional Externa das Escolas A e B. Ribeirão Preto, 2014. 

Figura 2 Mapa Mínimo da Rede Social Institucional Externa das Escolas C e D. Ribeirão Preto, 2014. 

Figura 3 Mapa Mínimo da Rede Social Institucional Externa das Escolas E e F. Ribeirão Preto, 2014. 

Para melhor compreensão dos resultados obtidos, cada quadrante do mapa será apresentado separadamente, a seguir. Em relação à SEGURANÇA, os dirigentes de todas as escolas, sem exceção, classificaram a segurança dos alunos em interna e externa, sendo a primeira oferecida pela própria escola no seu ambiente interno, e a segunda realizada pela polícia militar por meio das atividades de ronda escolar. A segurança externa foi considerada fragilizada pelos dirigentes das escolas A, B, C e D, significativa pelos dirigentes da escola E, e inexistente pelos dirigentes da escola F. O predomínio de vínculos fragilizados demonstrou que não houve homogeneidade na prestação desse tipo de serviço para as escolas analisadas.

Os vínculos com a RELIGIÃO foram classificados como inexistentes pelos dirigentes das escolas A, C, D e F, e como fragilizados pelos dirigentes das demais escolas. Os dirigentes das seis escolas declararam que as instituições não ministravam o ensino religioso por considerarem a escola uma instituição laica, e também não contavam com o auxílio de grupos religiosos da comunidade local. Apesar dessa avaliação direta dos vínculos com a religiosidade, os dirigentes referiram a presença de alunos cujas famílias cultivavam valores religiosos e notaram que tais alunos tinham um comportamento ético diferenciado, apresentando-se mais respeitosos, mesmo quando o contato da família com a religião era pequeno.

Os resultados obtidos para os setores LAZER, ESPORTE E CULTURA foram semelhantes entre si, conforme já citado acima. Dentre as escolas avaliadas, apenas duas mencionaram a parceria com projetos culturais externos às escolas. As demais escolas desenvolveram apenas projetos culturais internos, sem o auxílio de outras instituições. As atividades esportivas ficaram restritas às aulas de educação física, e as atividades de lazer se limitaram a alguns passeios promovidos pelas próprias escolas. Os dirigentes da escola A relataram que a instituição abria aos sábados, para que fosse desenvolvido o projeto "Escola da Família" e realizado o trabalho da ONG "Saúde Solidária", enquanto que as demais escolas não contaram com o apoio de projetos externos de esporte e lazer. Os dirigentes das seis escolas não citaram o apoio da prefeitura municipal em seus projetos internos ou externos.

Em relação à ASSISTÊNCIA SOCIAL, o único órgão mencionado pelos dirigentes das escolas foi o Conselho Tutelar, e todos os vínculos foram considerados fragilizados ou inexistentes. Nos casos de violência envolvendo alunos, os dirigentes das seis escolas participantes do presente estudo relataram que, primeiramente, comunicaram aos pais e/ou responsáveis sobre o fato ocorrido e solicitaram a sua presença. Quando os recursos utilizados pela escola não foram efetivos, os seus dirigentes recorreram ao Conselho Tutelar. Em geral, houve descontentamento com o serviço prestado por esse órgão, conforme indicam os relatos abaixo:

Muito lento... muito devagar... deixa a desejar. (escola A, 2014)

[...] nós é que procuramos o Conselho Tutelar.... aliás, eu já fui lá pessoalmente com os casos. (escola A, 2014)

No quesito ASSISTÊNCIA SOCIAL, os dirigentes das escolas demonstraram descontentamento com o fato de serem obrigados a receber alunos que praticaram atos sérios de violência. As suas principais alegações foram que os profissionais que atuavam nas escolas não estavam preparados para lidar com esses indivíduos, e também não foram avisados com antecedência pelo juiz que receberiam tais alunos em suas unidades.

[...] totalmente. Muito longe da escola. Às vezes, que a gente vê a presença da assistente social aqui é porque tem algum aluno que o juiz mandou de novo para a escola. Não presta nem um visto para escola. Não pergunta como que tá sendo o aprendizado, nota... nada. A gente aqui não tem nenhum retorno. (escola C, 2014)

Quanto à área JURÍDICA, os dirigentes de todas as escolas consideraram que os vínculos eram inexistentes ou fragilizados. A principal queixa foi a falta de diálogo da promotoria com os dirigentes das escolas. Houve casos em que alguns alunos voltaram para a escola por meio de mandato judicial, mas sem que a promotoria comunicasse previamente a diretoria ou realizasse qualquer acompanhamento da situação.

Os dirigentes das escolas A, B, D e E relataram a existência de vínculos significativos com os serviços de SAÚDE, prestados por Unidades Básicas de Saúde ou projetos desenvolvidos por universidades públicas e privadas localizadas no município:

A saúde acaba sendo significativa por conta desses projetos... que eu acho que acabam trazendo muita informação de saúde pra eles [...] informações que somente nas aulas eles não têm... e como vem em forma de conversa, direcionado... eu acho que acaba sendo muito significativo. (escola B, 2014)

As escolas C e F relataram a existência de vínculos fragilizados com os serviços de saúde, marcada pela falta de continuidade das ações realizadas e pela ausência de profissionais da área, considerados essenciais no contexto avaliado:

[...] a saúde eu colocaria como uma relação fragilizada. (...) que a saúde na escola, eu assim acho que, particularmente toda escola (...) tinha que ter psicólogo, enfermeiro... dentro da escola. (escola C, 2014)

O presente estudo revelou que as parcerias das escolas com as UNIVERSIDADES ocorreram em projetos desenvolvidos na área da saúde, sendo mencionadas as áreas de enfermagem, nutrição e psicologia. Os vínculos foram diversificados, com a predominância de vínculos fragilizados, pois os participantes referiram que a presença da universidade na escola foi provisória, que os projetos desenvolvidos foram de curto prazo, e que as temáticas abordadas foram distantes da realidade da escola:

[...] bem distanciada. Tem poucos projetos aqui. Às vezes, têm estagiários da saúde que querem desenvolver projetos, mas que estão muito longe da realidade da escola. Parece que estão num mundo totalmente diferente. E eu acho que as pesquisas que se desenvolvem na universidade estão muito longe da realidade, muito longe mesmo. (escola C, 2014)

Os dirigentes das escolas A, C, D, E e F classificaram o vínculo com a FAMÍLIA como fragilizado, e a escola B o classificou como inexistente. Os relatos dos participantes evidenciaram estas questões:

[...] não vem por conta da educação do filho, não vem por conta do bem-estar do filho, não vem para contribuir para o bem-estar do filho... (escola D, 2014)

Os dirigentes de todas as escolas entrevistadas repetiram a informação acima, com suas particularidades e dizeres diferentes, e concluíram que o distanciamento da família aumentou em função da idade do aluno. A ausência total de participação familiar foi relatada em alguns casos onde os responsáveis não compareceram, mesmo quando a sua presença foi solicitada devido a atos envolvendo a justiça:

Mas nós já tivemos casos em que você liga para o pai e fala: seu filho brigou, está dando problema na escola... e o pai dizer: eu não quero saber... chama a polícia para ele!... E desliga o telefone. (escola D, 2014)

Outra evidência do presente estudo é que os alunos novos advindos de bairros onde haviam conjuntos habitacionais recentemente inaugurados nas proximidades da escola D tinham maiores problemas sociais e dificuldades de relacionamento com os colegas da escola.

DISCUSSÃO

Historicamente e socialmente, a escola é concebida para formar indivíduos na sua integralidade, somando conhecimento científico, cultural, técnico, pessoal e de cidadania. A escola é o primeiro núcleo social, depois do convívio com o seio familiar, e é nesse meio que os conceitos de cidadania, vivência em grupo, sentimento de pertencer e conviver com as diferenças e frustrações serão trabalhadas.3,9 Face aos atuais contextos e experiências de crianças e adolescentes, que não serão objeto deste estudo, a violência escolar passou a ser problemática relevante na agenda da educação, saúde e outros setores de proteção à infância e adolescência.

A análise dos Mapas Mínimos da Rede Social Institucional Externa das escolas A-F revelou que a densidade das redes das escolas foi baixa, com muitos vínculos fragilizados e poucos vínculos significativos. Em relação à distribuição e composição, os vínculos mais significativos ocorreram nas relações com a saúde, e foram identificadas lacunas importantes marcadas pela fragilidade ou ausência de vínculos institucionais concretos nos outros setores, principalmente no familiar. Apesar dos vínculos com os setores de esporte/lazer e cultura terem se apresentado como significativos em algumas escolas, durante as entrevistas percebeu-se que as ações eram pontuais e realizadas apenas pela escola, sem a parceria efetiva de outros âmbitos e serviços dessas áreas.

A elevada dispersão dos vínculos nos mapas indicou que a distância geográfica entre as escolas e os demais setores/instituições gerou uma grande fragilidade nos vínculos. Finalmente, os mapas revelaram uma rede homogênea, centrada em vínculos significativos com poucos setores, não permitindo o diálogo com outras instituições e setores necessários para o enfrentamento a fenômenos complexos, como a violência escolar.

O fenômeno da violência é complexo e exige o olhar constante, o trabalho permanente, o envolvimento de diversos setores sociais e o apoio do Estado. Para que isto ocorra, é imprescindível que haja uma visão poliocular do fenômeno, ou seja, que contextualize, reúna, englobe e globalize os saberes e as informações para construir um conhecimento pertinente e complexo da realidade. Para buscar essa complexidade, é necessário considerar um objeto de estudo em seu contexto. No entanto, é importante pontuar que a contextualização proposta não se apresenta como justaposição, mas como o desvelamento das inúmeras relações que constituem e permitem trabalhar em rede e perceber "as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo".10 Considerando-se essas concepções, serão discutidos os vínculos e as relações expressas pelos participantes para compreender lacunas ou possibilidades para o enfrentamento da violência escolar.

As ações relacionadas à segurança devem ser desenvolvidas por meio das políticas públicas. Entende-se que a segurança, representada simbolicamente pelas polícias civil e militar, seja parte de uma rede de enfrentamento à violência escolar, porém não a única. A mídia geralmente apoia essa concepção de políticas policialescas e penitenciárias como resposta às problemáticas de violência escolar, desconsiderando os investimentos em direitos sociais e a ausência do Estado neste âmbito.11

Apesar da escola ser concebida como espaço laico, os relatos dos dirigentes das escolas legitimaram que a presença de valores religiosos no ambiente familiar reflete positivamente no comportamento escolar dos alunos; a literatura reforça que a religião se constitui como rede social de apoio a famílias de adolescentes, aprimorando inclusive o envolvimento parental.12

Conforme já pontuado, a violência escolar tem seus fatores associados a contextos mais amplos. De acordo com a literatura, os setores de cultura, esporte e lazer são meios efetivos de combate à violência. Por meio de estratégias e ações nesses âmbitos voltadas para o convívio centrado numa cultura de paz e em aspectos mais positivos das relações humanas, os estudantes podem construir saberes e habilidades como cidadãos plenos e conscientes de seus direitos e deveres.5,13 Um dos caminhos utilizados para combater a violência escolar é o diálogo entre docentes e alunos, com os objetivos de envolvê-los em grupos de debate, identificar as fontes geradoras da violência, e estabelecer uma relação amigável e de confiança entre dirigentes, docentes e alunos. Dessa maneira, dar-se-á voz aos alunos para que eles façam parte da construção de um ambiente mais afetivo e menos violento, e inserir-se-ão os conceitos de cidadania, convivência em grupo e cultura.5,14 A literatura relata que os jovens adolescentes valorizam as regras de convivência, solicitam a discussão de temas relacionados à violência escolar, e clamam por mais monitoramento, mais professores nas escolas e maior diálogo com os docentes.15

A fragilidade da rede de enfrentamento à violência escolar torna-se evidente na área da assistência social. Um estudo australiano recente destacou que os serviços de proteção à infância e os serviços de assistência à violência doméstica, embora atendessem a situações comuns, possuíam filosofias e operacionalização fragmentadas e segregadas.16 Os dirigentes entrevistados no presente estudo consideraram fragilizada a relação da escola com o Conselho Tutelar, corroborando a literatura da área.17 Um estudo recente mostra que tal relação é recíproca: os conselheiros tutelares não mencionaram o trabalho em conjunto com a Saúde e a Educação, setores considerados como pilares das políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes.18 A falta de acompanhamento e referenciamento das situações de vulnerabilidade vivenciadas por essa população reforçam o distanciamento da área jurídica.17

As escolas são instituições estratégicas para o desenvolvimento de ações conjuntas com o setor saúde, em especial no que tange à saúde da criança e do adolescente. Essa relação tem sido empoderada por programas específicos e pela literatura, inclusive para facilitar a percepção das necessidades de saúde das crianças, adolescentes e suas famílias. Destaca-se, no Brasil, o Programa de Saúde Escolar (PSE), instituído em 2007, propondo-se ser uma política intersetorial entre Saúde e Educação nos três níveis do Estado (federal, estadual e municipal). Entretanto, tal articulação ainda se apresenta como um grande desafio, apesar das potencialidades desses espaços e dessa vinculação; existe ainda uma concepção de que o profissional de saúde esteja in loco no espaço escolar, e não que se estabeleçam ações interdisciplinares e interinstitucionais. Recente estudo que buscou conhecer a percepção de gestores sobre a intersetorialidade no PSE, desvelou que apesar de possuírem conhecimentos sobre o trabalho intersetorial, na prática os estudantes e a Escola não participam da priorização e do planejamento das ações.19 O contexto escolar se torna um espaço privilegiado para realizar ações de promoção da saúde que estimulem o autocuidado e a coparticipação social e comunitária, bem como para discutir sobre saúde, doença e cuidado.5

A literatura é abrangente ao abordar os benefícios de programas e projetos voltados à saúde escolar, desenvolvidos em parceria com as universidades; essa parceria representa uma das principais áreas para inserção universitária de vários cursos de graduação.20 Entretanto, a inserção tem ocorrido de forma fragmentada, por núcleo profissional, dificultando a identificação de lacunas e de possíveis estratégias para superar problemas semelhantes aos descritos pelos participantes deste estudo, como a falta de continuidade das ações.

A ausência cada vez maior da família no ambiente escolar tem sido associada ao crescimento da violência escolar.21 O ambiente familiar é um dos principais fatores que influenciam o comportamento dos alunos, sendo que quanto mais acolhedor e protetivo o ambiente familiar, menos frequentes são as expressões de violência na escola.22 Além disso, o espaço físico e a localização geográfica da escola têm influência direta nos índices de violência. As possibilidades de ocorrência de violência dentro da escola são maiores quando o entorno da escola se apresenta como um meio violento, com a presença de tráfico de drogas, gangues, roubos e aliciação de crianças e adolescentes.3

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

O presente estudo demonstrou importantes fragilidades nos vínculos institucionais entre as escolas estudadas e os demais setores para o enfrentamento da violência escolar. Tal aspecto é agravado pela vinculação fragilizada ou inexistente entre a escola e a família, que representa o contexto imediato de inserção dos adolescentes. Apesar das limitações, principalmente relacionadas a não generalização dos dados, o presente estudo metodologicamente se direciona às atuais diretrizes científicas identificadas para enfrentamento dos fenômenos contemporâneos, tais como o olhar em rede, e os resultados obtidos dialogam com a literatura da área.

Além disso, este estudo traz contribuições importantes para a Enfermagem, pelo seu relevante papel na gestão, assistência, ensino e pesquisa, bem como na equipe interdisciplinar, atentando-se para as atuais demandas de saúde do adolescente: (1) delineamento de ações conjuntas com as escolas em perspectiva interdisciplinar e intersetorial, apoiando-se em conceitos da atenção básica e PSE; (2) construção de estratégias para aproximação da família ao contexto de vida dos adolescentes, em especial no âmbito escolar; (3) elaboração de trabalhos junto a outros setores para promoção da saúde do adolescente, com ações "extramuros", e que envolvam o enfrentamento/prevenção das violências vivenciadas e a promoção de uma cultura de paz. Recomenda-se a realização de novos estudos que aprofundem tal temática sob o olhar de outros atores, como os adolescentes e suas famílias, empregando metodologias participativas.

REFERÊNCIAS

1 Word Health Organization. Global status report on violence prevention [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2014. 2 p. [cited 2016 Feb 16]. Available from:
2 Stelko-Pereira AC, Williams LCA. Reflexões sobre o conceito de violência escolar e a busca por uma definição abrangente. Temas Psicol. [Internet]. 2010; [cited 2016 Jan 17]; 18(1):45-55. Available from:
3 Malta DC, Mascarenhas MDM, Dias AR, Prado RR, Lima CM, Silva MMA, et al. Situations of violence experienced by students in the state capitals and the Federal District: results from the National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. [Internet] 2014; [cited 2015 Jun 16]; 17(Suppl.1):158-71. Available from: .
4 Mendes EV. Health care networks. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2010; [cited 2015 Nov 17]; 15(5):2297-305. Available from: .
5 Kothari A, Sibbald SL, Wathen CN. Evaluation of partnerships in a transnational family violence prevention network using an integrated knowledge translation and exchange model: a mixed methods study. Health Res Policy Syst. [Internet]. 2014; [cited 2015 Nov 17]; 12:25. Available from:
6 Ude W. Enfrentamento da violência sexual infantojuvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção. In: Cunha EP, Silva EM, Giovanetti MAC. Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil: expansão do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG; 2008. p. 30-60.
7 Flick U. An Introduction to Qualitative Research. 4th ed. London: Sage; 2009. 528 p.
8 Bardin L. Análise de conteúdo. 4ª ed. Lisboa: Edições 70; 2011. 280 p.
9 Vieira LJES, Abreu CAP, Valdês MTM, Oliveira EN, Ferreira RC, Catrib AMF. Violência na escola pública: relatos de professores. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2010; [cited 2015 nov 17]; 23(1):34-42. Available from:
10 Morin E. Ensinar a Viver: manifesto para mudar a Educação. Porto Alegre: Sulina; 2015. 183 p.
11 Silva LS, Alves LMSA. A criminalização da juventude no discurso midiático da violência escolar em Belém-PA. Rev Cad Ciênc Soc UFRPE [Internet]. 2013; [cited 2015 nov 17]; 2(3):110-30. Available from:
12 Becker APS, Maestri TP, Bobato ST. Impacto da religiosidade na relação entre pais e filhos adolescentes. Arq Bras Psicol [Internet]. 2015; [cited 2016 Mar 9]; 67(1):84-98. Available from:
13 Guimarães MRV. A educação física no enfrentamento da violência em uma escola da rede municipal de ensino de Pelotas/RS. Encontro Rev Psicol [Internet]. 2011; [cited 2016 Jan 16]; 14(21):25-35. Available from:
14 Monteiro EMLM, Brandão Neto W, Lima LS, Aquino JM, Gontijo DT, Pereira BO. Culture Circles in adolescent empowerment for the prevention of violence. Int J Adolesc Youth [Internet]. 2015; [cited 2016 Jan 12]; 20(2):167-84. Available from:
15 Silva EB, Costa MC, Santos M, Janh AC. School violence in the view of adolescents: possibilities for its confrontation. Cogitare Enferm [Internet]. 2014; [cited 2016 Jan 12]; 19(1):18-25. Available from:
16 Zannettino L, McLaren H. Domestic violence and child protection: towards a collaborative approach across the two service sectors. Child Fam Soc Work [Internet]. 2014; [cited 2016 Feb 16]; 19(4):421-31. Available from:
17 Martins CBG, Jorge MHPM. Department of Justice decision regarding cases of violence against children and teenagers. Acta Paul Enferm [Internet]. 2009 Dec; [cited 2017 Jan 24]; 22(6):800-7. Available from: .
18 Deslandes SF, Campos DS. Guardianship Councilors' views on the effectiveness of the existing network in providing full protection to children and teenagers in situations of sexual violence. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015; [cited 2016 Jan 17]; 20(7):2173-82. Available from: .
19 Ferreira IRC, Moysés SJ, França BHS, Carvalho ML, Moysés ST. Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola. Rev Bras Educ [Internet]. 2014; [cited 2017 Jan 24]; 19(56):61-76. Available from: .
20 Gomes AM, Santos MS, Finger D, Zanittini A, Franceschi VE, Souza JB, et al. Refletindo sobre as práticas de educação em saúde com crianças e adolescentes no espaço escolar: um relato de extensão. Rev Conexão UEPG [Internet]. 2015; [cited 2016 Jan 15]; 11(3):332-41. Available from:
21 Souza KOJ. Violência em escolas públicas e a promoção da saúde: relatos e diálogos com alunos e professores. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2012; [cited 2015 Jun 15]; 25(1):71-9. Available from: .
22 Tortorelli MFP, Carreiro LRR, Araújo MV. Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo. Psicol Teor Prat. [Internet]. 2010; [cited 2015 Jan 10]; 12(1):32-42. Available from: