versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.3 Brasília jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300022
to describe reports of violence against women made at a Women's Reference Center in Cajazeiras, Paraíba, Brazil.
this was a descriptive study using data from forms containing details of female violence victims between July 2010 and October 2012.
80 complaints were found. Most victims were aged up to 40 (n=52), with low schooling, married (n=47) with children (n=69) and had lived with their spouses for 9-18 years (n=23). Spouses were the main aggressors (n=33) and perpetrated violence in their own homes (n=50). Psychological violence was most common (n=64). Victims were referred to the Specialized Reference Center for Social Assistance, the Women's Police Station and the Child Protection Council.
most of the complaints were made by married women with children and who had lived for a significant length of time with the abuser.
Key words: Violence Against Women; Aggression; Epidemiology, Descriptive
describir denuncias de violencia contra la mujer, recibidas en un Centro de Referencia de Atención a Mujeres en Cajazeiras, Paraíba, Brasil.
estudio descriptivo con información de datos de formularios de mujeres víctimas de violencia entre julio de 2010 y octubre de 2012.
se encontraron 80 denuncias, la mayoría de las víctimas tenía hasta 40 años de edad (n=52), bajo nivel de escolaridad, casada (n=47) con hijos (n=69), y entre 9 y 18 años de convivencia con el cónyuge (n=23), que era el principal agresor (n=33); el sitio de las agresiones más común fue la propia casa (n=50) y el tipo más frecuente la agresión sicológica (n=64); las víctimas fueron trasladadas al Centro de Referencia Especializada para Asistencia Social, Oficina de Atención a la Mujer y al Consejo Tutelar.
la mayor parte de las denuncias fue hecha por mujeres casadas, con hijos y un tiempo significativo de convivencia con el abusador.
Palabras-clave: Violencia contra la Mujer; Agresión; Epidemiología Descriptiva
A violência contra a mulher constitui um problema mundial a acometer mulheres de todas as idades, classes sociais, raças, religiões e níveis de escolaridade, podendo-se relacionar ao domínio masculino, desigualdade econômica, problema mental e aspectos culturais. Essa violência pode se manifestar como doméstica e familiar, compreendendo violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, ou na forma de exploração sexual, assédio sexual no trabalho, assédio moral, tráfico de mulheres, ou ainda, no plano institucional.(1)
O Brasil registrou, entre 2009 e 2011, 16,9 mil feminicídios com características que sugeriam elevada ocorrência de agressão perpetrada por parceiros íntimos.(2) Para o enfrentamento da violência contra a mulher no país, existem políticas públicas e serviços especializados: Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM), Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), Delegacias de Proteção da Criança e do Adolescente (DEPCA), Conselho Tutelar.(3) A estas iniciativas, acrescenta-se a Lei n° 11.340, de 22 de setembro de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, um instrumento legal para proteção e prevenção da violência doméstica e familiar.(4)
Embora a violência contra a mulher seja um fenômeno de grande magnitude, ainda existe subnotificação de casos.(1),(5) O objetivo deste estudo foi descrever as denúncias de violência contra a mulher registradas em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher do município de Cajazeiras, estado da Paraíba, Brasil.
Trata-se de estudo descritivo, desenvolvido em um Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) da cidade de Cajazeiras.
Cajazeiras é o sexto maior município do estado, localizado no oeste do Sertão paraibano. O setor terciário é sua principal fonte de renda: comércio e serviços, portanto, representam importantes atividades econômicas locais. Em 2010, Cajazeiras contava com uma população de 58.446 habitantes e se apresentava na sétima colocação, no ranking do índice de desenvolvimento humano (IDH) da Paraíba.(6)
Foram incluídas no presente estudo todas as denúncias de mulheres vítimas de violência residentes em Cajazeiras que procuraram o CRAM no recorte temporal entre julho de 2010 e outubro de 2012.
Foram selecionadas as seguintes variáveis relacionadas ao perfil social e demográfico da mulher:
a) faixa etária (em anos: 15-40; 40-60; >60);
b) escolaridade (em anos de estudo: ≤7; ≥8; não informada);
c) profissão (do lar; agricultora; aposentada; diarista; desempregada; outras profissões; não informada);
d) remuneração (sim; não; não informada);
e) estado civil (casada; solteira; divorciada; viúva; não informado);
f) tempo de convivência com o cônjuge (7 meses a 8 anos; 9-18 anos; 20-35 anos; não informado);
g) presença de filhos (sim; não; não informada);
h) faixa etária dos filhos (em anos: >18; 0-18; não informada);
i) casos de violência
- agressor (cônjuge; familiares; outros; não informado);
- local da ocorrência (residência; via pública; local de trabalho; escola; outros locais; não informado);
- tipo de violência (psicológica; moral; física; tortura; patrimonial; sexual; outras; não informado);
j) motivo para permanecer na situação de violência (dependência financeira; medo; amor; outros; separação; não informado);
k) sentimentos em relação ao agressor (raiva; pena; tristeza; amor; medo; outros; não informados); e
l) encaminhamento, considerando-se as diversas instituições (CREAS; DEAM; Conselho Tutelar; Centro de Referência de Atendimento à Mulher - CRAM -; hospital; CRAS; Ministério Público; Defensoria Pública; casas de abrigo; Instituto Médico Legal [IML]; DEPCA; outros segmentos; não informado).
Os dados foram coletados e digitados duplamente, em planilha Excel, e logo importados para análise estatística pelo programa Epi Info versão 7. Os resultados foram descritos na forma de frequências absolutas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Alcides Carneiro/Universidade Federal de Campina Grande, sob o Parecer n° 278.035.
No período de julho de 2010 a outubro de 2012, foram registrados 80 casos de violência contra a mulher no CRAM de Cajazeiras. Observou-se que 52 dessas mulheres se encontravam na faixa etária entre 15 e 40 anos, 44 apresentavam até 7 anos de estudo, 24 eram 'do lar', 47 eram casadas, 23 tinham tempo de convivência com seu cônjuge entre 9 e 18 anos, 69 afirmavam ter filhos e destas, 55 tinham filhos menores de idade (Tabela 1).
Tabela 1 Perfil social e demográfico das mulheres vítimas de violência (n=80) no município de Cajazeiras, estado da Paraíba. Brasil, 2010 a 2012
Em relação ao agressor, 33 mulheres foram agredidas pelo cônjuge e 50 dos casos ocorreram em sua própria residência. A principal forma de violência foi a psicológica (n=64). Os motivos para permanecer com o agressor não foram informados por 38 mulheres; entretanto, 15 referiram sua dependência financeira como a principal razão para conviver com o agressor e 13 afirmaram nutrir sentimento de raiva por ele (Tabela 2). As vítimas foram encaminhadas para instituições como CREAS (n=26), DEAM (n=24), Conselho Tutelar (n=15) e Centro de Referência de Atendimento à Mulher (n=10) (Tabela 3).
Tabela 2 Distribuição dos casos notificados de violência à mulher (n=80) segundo agressor, local da ocorrência, tipo de violência, motivo para permanecer nessa situação e sentimentos em relação ao agressor no município de Cajazeiras, estado da Paraíba. Brasil, 2010 a 2012
a) Um único caso notificado pode apresentar mais de um tipo de violência
Tabela 3 Distribuição dos encaminhamentos da mulher vítima de violência (N=80) no município de Cajazeiras, estado da Paraíba. Brasil, 2010 a 2012
a) Um único caso notificado pode ter mais de um tipo de encaminhamento, para serviços diferentes.
Dados importantes de algumas mulheres não foram registrados em parte das fichas de atendimento, como, por exemplo, profissão (n=24), tempo de convivência com o cônjuge (n=29) e faixa etária dos filhos (n=15) (Tabela 1), além da relação com o agressor (n=14), local de ocorrência da violência (n=18), sentimentos em relação ao agressor (n=27) (Tabela 2), e locais de encaminhamentos (n=18) (Tabela 3).
No presente estudo, evidenciou-se que, entre as vítimas atendidas, a maioria era jovem, de baixa escolaridade, casada e do lar. O principal agressor foi o próprio cônjuge, agente destacado da violência psicológica em seu domicílio. Muitas das mulheres eram dependentes financeiramente dos parceiros, não dispondo de renda própria.
As mulheres em idade reprodutiva foram as principais vítimas. O baixo grau de instrução desfavorece a melhor qualificação profissional motivando, em algumas situações, o desemprego.(7) Há, também, casos em que a mulher deixa os estudos para cuidar da família, passando a depender economicamente do marido, o que pode aumentar sua vulnerabilidade e dificultar o rompimento do ciclo de violência.(5)
Apesar de o histórico da violência apontar o cônjuge como seu principal perpetrador, a maioria das vítimas encontrava-se casada e com tempo de convivência duradouro, o que reforça a percepção da dificuldade da mulher em romper situações de violência doméstica, especialmente quando têm filhos menores de idade,(8) como revelou o presente estudo. A tentativa desse rompimento pela mulher pode provocar a não aceitação da separação pelo cônjuge e desencadear um ciclo contínuo de violências.(9)
No presente estudo, a maior parte das vítimas foi agredida no próprio lar, de onde se espera um ambiente afetuoso, de acolhimento e refúgio contra a violência externa. Contudo, para essas mulheres, seu domicílio passou a ser residência do medo, tensão e agressões em razão das constantes ameaças a que estavam expostas. O lar passa a ser o local mais perigoso para mulheres agredidas por maridos ou companheiros, e a dependência afetiva, familiar e financeira dificulta a formalização de denúncias e, por conseguinte, a conclusão do processo violento.(9)
A violência mais prevalente foi a psicológica, geralmente a primeira a acontecer quando causada por um ente familiar da vítima, tornando-se contínua, embora menos percebida pela sociedade porque a mais divulgada pelos meios de comunicação é a violência sexual. Neste estudo, os demais tipos destacados foram a violência moral e a física. Tais dados assemelham-se aos evidenciados noutro estudo, em que as mulheres foram acometidas, simultaneamente, por mais de um tipo de violência, com prevalência das violências psicológica (62%), física (54%) e moral (50%).(8)
As razões referidas pelas mulheres para permanecerem em relação conjugal violenta estavam ligadas à dependência financeira, não obstante expressarem sentimentos negativos relacionados ao agressor, como raiva, pena, tristeza, medo, indignação, desprezo, repúdio, revolta.
Ao analisar dados semelhantes, outro estudo(8) identificou que os motivos pelos quais as mulheres permaneciam na relação de violência eram: (i) dependência financeira, emocional e afetiva do companheiro, (ii) medo de perder os filhos, (iii) exposição ao escândalo diante dos amigos e familiares, (iv) culpa por não conseguir manter o relacionamento, (v) incapacidade profissional para sobreviver por si e finalmente, (vi) as próprias ameaças feitas pelos agressores.
Considera-se que para enfrentar a violência contra a mulher, são necessárias ações conjuntas da sociedade, políticas públicas e serviços com esse objetivo. Conforme a Lei no 11.340/06, Lei Maria da Penha, a mulher vítima de violência deverá contar com o apoio institucional de uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais especializados das áreas da Saúde, psicossocial e jurídica, responsáveis pelo desenvolvimento de trabalhos de orientação e prevenção, e pelos encaminhamentos direcionados à mulher, familiares e agressor.(4)
No acompanhamento dos casos, os profissionais do CRAM orientaram as mulheres sobre seus direitos e encaminharam-nas para instituições como, por exemplo, CREAS, DEAM e Conselho Tutelar, haja vista a existência de vítimas adolescentes.(4)
Estudo realizado em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de fornecer subsídios teóricos práticos e assim contribuir para o atendimento e fortalecimento de mulheres em situação de violência doméstica,(3) mostrou que entre as instituições pesquisadas, o pronto-socorro foi o mais procurado, seguido de ambulatórios e hospitais, em razão das lesões físicas graves, não sendo relatado caso de violência no momento da procura. Em outra pesquisa, esta realizada em Presidente Prudente, estado de São Paulo,(9) com o objetivo de problematizar a função de vigilância social no CREAS - pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Intrafamiliar -, destacou-se o encaminhamento para a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) por se tratar de um serviço específico de atendimento às mulheres vítimas de violência, onde encontram maior facilidade e segurança para relatar sua situação de violência.
Como limitações do presente estudo, lacunas no registro nas fichas de atendimento refletem falhas no preenchimento de algumas informações relevantes - dados sobre profissão, tempo de convivência com o cônjuge, faixa etária dos filhos, relação com o agressor, local de ocorrência da violência, sentimentos em relação ao agressor e locais de encaminhamento -, possivelmente justificadas pelas dificuldades em referir informações relacionadas a si e ao parceiro, relacionadas ao sentimento de preservação da imagem e ao medo de reações violentas do agressor. São fatores capazes de induzir uma possível generalização dos dados apresentados, haja vista uma proporção expressiva das mulheres em situação de violência não procurarem a Delegacia de Defesa da Mulher para denunciar seus agressores.(4) A violência contra a mulher é um grave problema social, requer conscientização, apoio e atenção das diferentes esferas da sociedade para seu enfrentamento. É imperioso que as vítimas denunciem os agressores e preencham todos os dados previstos na ficha de atendimento, como se observou em algumas situações reveladas nesta pesquisa.
Nas últimas décadas, importantes avanços nas políticas públicas de combate à violência contra a mulher podem ser observados no Brasil, a exemplo da sanção da Lei Maria da Penha. Contudo, este estudo demonstrou déficit ou incompletude na execução dessas políticas pelos profissionais envolvidos, havendo a necessidade de capacitá-los sobre o assunto, desde o conhecimento da própria Lei. Para minimizar os casos de violência feminina, é fundamental que as condições de desigualdade entre homens e mulheres sejam superadas, maior divulgação de programas de apoio às vítimas, bem como a capacitação dos profissionais que atuam com mulheres em situação de violência.