versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.3 Rio de Janeiro mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.15242014
A violência contra as crianças é universal e reconhecida pela Organização Mundial de Saúde como um problema de saúde pública em todo o mundo e que afeta, a cada ano, milhões de crianças, familiares e comunidades1 - 6. A incorporação do tema à agenda do setor saúde, iniciado na década de 60 e, mais fortemente, nas duas últimas do século XX, vem ganhando espaço e importância para o enfrentamento do problema7. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente8 avançou ao considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, garantindo-lhes prioridade absoluta9.
Mas sua dimensão real é desafio a ser superado pelas dificuldades em estabelecer as circunstancias das ocorrências relativas às violências, pela falta de uniformidade e de integração dos registros bem como pelas diferenças conceituais nas tipologias10 , 11. Scherer e Scherer11 retratam a insuficiente formação dos profissionais bem como a necessidade de integração dos serviços de atendimente e de proteção às vítimas.
A violência é fenômeno complexo não sendo possível explicá-lo por meio de uma visão unilinear de causa e efeito, mas como resultante de um contexto e de uma dinâmica sociocultural e política que, segundo relações de poder estabelecidas, perpassam o tecido social de forma arraigada e profunda, como se natural fosse a existência de um mais forte dominar um mais fraco. Esta naturalização da violência e das relações de dominação precisa ser enfrentada e superada12.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como "o uso intencional da força e do poder físico, de fato ou como ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação"1. No Brasil, o Ministério da Saúde a conceitua como evento causado por ações impostas por indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros e a diferencia de acidente, por serem estes de origem não intencional e evitável13. Quanto à sua natureza, a OMS a classifica como violência física, psicológica, sexual e por negligência ou abandono1.
Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Sistema Único de Saúde apontam que no ano de 2012 as causas externas foram as principais causas de mortalidade em crianças de 1 ano a 10 anos com grandes diferenciais segundo raça/cor14.
Alguns estudos encontraram maior frequência de notificações de violências em crianças do sexo feminino15 - 17, mas outros apontam o sexo masculino com maior predominância entre as vítimas18 , 19. Segundo Martins17, o coeficiente estimado de mortalidade por maus-tratos é de 2,2 por 100.000 crianças do sexo feminino e de 1,8 por 100.000 para meninos no mundo. Pelos dados do SIM, no ano de 201214, a razão dos óbitos por agressões nos meninos de 0 a 9 anos foi de 1,41 em relação às meninas.
As violências, mesmo quando não deixam marcas físicas evidentes, trazem sofrimentos psíquicos e afetivos que deixam profundos traumas para toda a existência1 , 20. O uso da violência física como prática disciplinadora é apontado em vários estudos como um dos motivos para tamanha violação dos direitos das crianças6 , 17 , 19 , 21 - 23. Destaca-se que a violência contra criança se associa com a experiência de violência vivida na infância pelos pais6 e ainda que, o contexto de violência doméstica aumenta o risco para que crianças nela envolvidas tornem-se vítimas de homicídios24.
As leis brasileiras vêm avançando sobremaneira no combate a qualquer forma de tratamento desumano e na garantia dos direitos das crianças. A Constituição de 198825, em seu artigo 227, expressa o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a identidade, a autonomia, os valores, as ideias e o direito de opinião da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança é importante marco neste cenário. Recentemente, foi aprovada a Lei Menino Bernardo26, que busca a mudança da cultura das práticas educacionais que violam direitos das crianças enquanto sujeitos cidadãos.
Em 2006, o Ministério da Saúde implantou a Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), com dois componentes: a) Vigilância por Inquérito, realizada por meio de pesquisa nas portas de entrada de emergências de municípios selecionados; e, b) Vigilância Contínua, feita por meio da notificação compulsória das violências doméstica, sexual e outras interpessoais ou autoprovocadas15. Este sistema que foi implantado inicialmente nas maternidades e nos serviços de atendimentos às doenças sexualmente transmissíveis e especializados para vítimas de violências, a partir 2009 estendeu-se para todos os serviços de saúde, integrando o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)15. A publicação da Portaria n. 10427, que torna compulsória todas as violências interpessoais e autoprovocadas trouxe também potência para esse movimento de ampliação. Importante conhecer essas ocorrências e sua distribuição no território brasileiro para a identificação de regiões e áreas do território com maior vulnerabilidade social e assim, nortear a implementação de ações de saúde capazes de impactar na melhoria da qualidade de vida15.
O presente estudo tem como objetivo analisar as notificações de violências contra as crianças com até 9 anos, 11 meses e 29 dias de idade, nos serviços públicos de saúde do Brasil.
Trata-se de estudo descritivo-analítico, baseado nas notificações de violência em crianças na faixa etária entre 0 e 9 anos, ocorridas no Brasil, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2011. A base de dados foi produzida a partir do preenchimento da ficha de notificação "Violência doméstica, sexual e/ou outras violências", disponível no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN NET). Todos os serviços de saúde, centros de referência para violências, ambulatórios especializados, dentre outros, são responsáveis pela notificação dos casos. As secretarias municipais de saúde dos municípios de ocorrência do agravo realizam o processamento dos dados no sistema de informação e, posteriormente, a transferência dos mesmos para a esfera estadual e federal, de modo a compor a base de dados nacional.
Foram selecionadas as seguintes variáveis para avaliação: (1) características demográficas da vítima/pessoa atendida (sexo, idade, raça/cor da pele, presença de deficiência ou transtorno e região de moradia); (2) características da ocorrência (se ocorrido no domicílio, violência de repetição, natureza da lesão, segmento corporal atingido); (3) tipo de violência; (4) Características do agressor (vínculo com a vítima, suspeita de consumo de bebida alcoólica); e, (5) evolução do caso e tipo de encaminhamento no setor saúde.
A associação entre as variáveis selecionadas e os grupos etários de crianças (0 a 1 ano, 2 a 5 e 6 a 9 anos de idade) foi verificada pelo teste do qui-quadrado (χ2). Por meio da regressão de Poisson, estimaram-se as Razões de Prevalência (RP), com intervalo de confiança de 95%.
Os dados foram processados no programa Stata, versão 11 (StataCorp College Station, Estados Unidos).
Por se tratar de uma ação permanente de vigilância epidemiológica instituída pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional, não foi necessário emitir termo de consentimento livre e esclarecido. Porém, foram garantidos o anonimato e a confidencialidade das informações nos registros para preservar a identidade dos indivíduos que compunham a base de dados analisada. Os dados foram obtidos junto ao Ministério da Saúde em base anônima, não identificada.
Em 2011, o VIVA/SINAN registrou 17.900 casos de violência contra a criança ≤ 9 anos, sendo 33% entre 0 a 1 ano, 35,8% entre 2 a 5 anos e 31,2% entre 6 a 9 anos. As meninas apresentam maior frequência dos registros, seja globalmente (54,3%) seja como quando se analisam os grupos etários (p < 0,001). Quanto à raça/cor da pele, as proporções da cor branca e preta/parda são semelhantes e a da amarelo/indígena foi 1,6%; a maior proporção de notificações em crianças de cor branca está na faixa de 0 e 1 ano (51,8%) e em crianças de cor preta/parda na faixa de 6 a 9 anos (52,6%; p < 0,001). Crianças com deficiência representaram 5,1% das ocorrências. A maior proporção de casos notificados foi na região sudeste (42,9%) e a menor foi na região Norte (8,2%) (Tabela 1).
Tabela 1. Notificações de violência contra crianças segundo características demográficas por faixa etária. Brasil, 2011.
Faixa etária | ||||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | ||||||||||||||||
0 a 1 | 2 a 5 | 6 a 9 | ||||||||||||||
Características | (N = 5.909; | (N = 6.401; | (N = 5.590; | (N = 17.900; | Valor de p | |||||||||||
33,0%) | 35,8%) | 31,2%) | 100,0%) | |||||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |||||||||
Sexo [n = 17.900] | 0,000 | |||||||||||||||
Feminino | 3.066 | 51,9 | 3.564 | 55,7 | 3.093 | 55,3 | 9.723 | 54,3 | ||||||||
Masculino | 2.843 | 48,1 | 2.837 | 44,3 | 2.497 | 44,7 | 8.177 | 45,7 | ||||||||
Raça/cor da pele [n = 13.873] | 0,000 | |||||||||||||||
Branco | 2.235 | 51,8 | 2.551 | 50,4 | 2.049 | 45,6 | 6.835 | 49,3 | ||||||||
Preto/pardo | 2.019 | 46,8 | 2.439 | 48,2 | 2.361 | 52,6 | 6.819 | 49,2 | ||||||||
Amarelo/indígena | 65 | 1,7 | 71 | 1,4 | 83 | 1,9 | 219 | 1,6 | ||||||||
Deficiência/transtorno [n = 12.972] | 0,000 | |||||||||||||||
Sim | 151 | 4,1 | 190 | 3,9 | 319 | 7,2 | 660 | 5,1 | ||||||||
Não | 3.519 | 95,9 | 4.690 | 96,1 | 4.103 | 92,8 | 12.312 | 94,9 | ||||||||
Região [17.900] | 0,000 | |||||||||||||||
Norte | 282 | 4,8 | 526 | 8,2 | 654 | 11,7 | 1.462 | 8,2 | ||||||||
Nordeste | 958 | 16,2 | 960 | 15,0 | 911 | 16,3 | 2.829 | 15,8 | ||||||||
Sudeste | 2.546 | 43,1 | 2.912 | 45,5 | 2.213 | 39,6 | 7.671 | 42,9 | ||||||||
Sul | 1.338 | 22,6 | 1.313 | 20,5 | 1.248 | 22,3 | 3.899 | 21,8 | ||||||||
Centro-Oeste | 785 | 13,3 | 690 | 10,8 | 564 | 10,1 | 2.039 | 11,4 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Em relação às características do evento, 73,6% dos casos ocorreram no domicílio da vítima. Em 43,6% dos casos a violência foi de repetição e esta proporção foi maior entre as crianças de 6 a 9 anos (53,8%; p < 0,001). Não houve lesão em 39,6% dos casos e, se presente, o segmento corporal mais atingido foi cabeça/pescoço (35,4%), seguida de tórax/abdome/pelve (33%). O registro de evolução dos casos notificados mostrou que 89,6% receberam alta e 198 casos (1,5%) evoluíram para o óbito, sendo 129 por violência e 69 por outras causas. Foram encaminhados para acompanhamento ambulatorial 61,6% dos casos, sendo esta proporção maior entre as crianças mais velhas de 6 a 9 anos (70,7%). A internação ocorreu em 22,2% dos casos registrados e foi proporcionalmente maior entre as crianças de 0 e 1 ano (32,5% p < 0,001) (Tabela 2).
Tabela 2. Notificações de violência contra crianças segundo características de ocorrência e região por faixa etária. Brasil, 2011.
Faixa etária | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | ||||||||||||||
0 a 1 | 2 a 5 | 6 a 9 | ||||||||||||
Características | (N = 5.909; | (N = 6.401; | (N = 5.590; | (N = 17.900; | Valor | |||||||||
33,0%) | 35,8%) | 31,2%) | 100,0%) | |||||||||||
de p | ||||||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |||||||
Ocorrência no domicílio [n = 15.655] | 0,000 | |||||||||||||
Sim | 3.536 | 69,8 | 4.322 | 77,5 | 3.661 | 73,0 | 11.519 | 73,6 | ||||||
Não | 1.527 | 30,2 | 1.252 | 22,5 | 1.357 | 27,0 | 4.136 | 26,4 | ||||||
Violência de repetição [n = 10.568] | 0,000 | |||||||||||||
Sim | 1.083 | 35,4 | 1.463 | 39,7 | 2.057 | 53,8 | 4.603 | 43,6 | ||||||
Não | 1.980 | 64,6 | 2.219 | 60,3 | 1.766 | 46,2 | 5.965 | 56,4 | ||||||
Natureza da lesão [n = 13.634] | 0,000 | |||||||||||||
Contusão/entorse/luxação | 570 | 11,9 | 577 | 12,1 | 624 | 15,3 | 1.771 | 13,0 | ||||||
Corte/amputação | 461 | 9,6 | 542 | 11,4 | 543 | 13,3 | 1.546 | 11,3 | ||||||
Fratura/traumas | 612 | 12,8 | 401 | 8,4 | 269 | 6,6 | 1.282 | 9,4 | ||||||
Outros | 1.246 | 26,0 | 1.464 | 30,7 | 920 | 22,6 | 3.630 | 26,6 | ||||||
Sem lesão | 1.906 | 39,8 | 1.781 | 37,4 | 1.718 | 42,2 | 5.405 | 39,6 | ||||||
Segmento corporal atingido [n = 8.362] | 0,000 | |||||||||||||
Cabeça/pescoço | 1.278 | 48,2 | 919 | 29,9 | 760 | 28,8 | 2.957 | 35,4 | ||||||
Tórax/abdome/pelve | 465 | 17,5 | 1.208 | 39,3 | 1.086 | 41,2 | 2.759 | 33,0 | ||||||
Membros superiores | 320 | 12,1 | 296 | 9,6 | 279 | 10,6 | 895 | 10,7 | ||||||
Membros inferiores | 185 | 7,0 | 236 | 7,7 | 233 | 8,8 | 654 | 7,8 | ||||||
Múltiplos órgãos/regiões | 404 | 15,2 | 412 | 13,4 | 281 | 10,7 | 1.097 | 13,1 | ||||||
Evolução [n = 13.191] | 0,000 | |||||||||||||
Alta | 3.675 | 83,7 | 4.322 | 91,5 | 3.827 | 93,9 | 11.824 | 89,6 | ||||||
Evasão/fuga | 593 | 13,5 | 359 | 7,6 | 217 | 5,3 | 1.169 | 8,9 | ||||||
Óbito por violência | 75 | 1,7 | 29 | 0,6 | 25 | 0,6 | 129 | 1,0 | ||||||
Óbito por outras causas | 48 | 1,1 | 12 | 0,3 | 9 | 0,2 | 69 | 0,5 | ||||||
Encaminhamento no setor saúde [n = 13.763] | 0,000 | |||||||||||||
Ambulatório | 2.163 | 49,2 | 3.222 | 64,7 | 3.098 | 70,7 | 8.483 | 61,6 | ||||||
Internação | 1.430 | 32,5 | 1.034 | 20,8 | 593 | 13,5 | 3.057 | 22,2 | ||||||
Não | 808 | 18,4 | 722 | 14,5 | 693 | 15,8 | 2.223 | 16,2 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Dos tipos de violência, as predominantes foram a negligência (n = 7.716; 47,5%), seguidas das violências física (n = 5.969, 38,5%), sexual (n = 5.675, 37%) e psicológica/moral (n = 3.772; 25,2%). A violência física predominou entre crianças de 6 a 9 anos (44,9%) seguida pelo grupo etário de 0 a 1 ano (37,6%; p < 0,001). A violência sexual foi mais frequente entre as crianças de 6 a 9 anos (52,3%), e menor entre 0 a 1 ano (11,3%; p < 0,001). A negligência foi mais frequente em crianças menores de 0 a 1 ano (67,8%; p < 0,001) e a psicológica predominou no grupo de crianças entre 6 a 9 anos (38,2%; p < 0,001). Em relação aos agressores verificou-se que os pais foram os principais autores da agressão (51,5%), sendo mais frequente no grupo entre 0 a 1 ano de idade (62,4%), seguido pelo de 2 a 5 anos (49%) e 6 a 9 anos (43%). Em 23,8% dos casos foi relatada a suspeita de consumo de álcool pelo autor da agressão, sendo esta proporção mais elevada no grupo de 6 a 9 anos (26,3%; p < 0,001). Foram registrados 337 casos de tortura (2,3%), 62 casos de intervenção legal (0,4%) (Tabela 3).
Tabela 3. Notificações de violência contra crianças segundo tipo de violência e características do agressor por faixa etária. Brasil, 2011.
Faixa etária | ||||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total | ||||||||||||||||
0 a 1 | 2 a 5 | 6 a 9 | ||||||||||||||
Características | (N = 5.909; | (N = 6.401; | (N = 5.590; | (N = 17.900; | Valor de p | |||||||||||
33,0%) | 35,8%) | 31,2%) | 100,0%) | |||||||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |||||||||
Tipo de violência | ||||||||||||||||
Física | 1.863 | 37,6 | 1.863 | 33,5 | 2.243 | 44,9 | 5.969 | 38,5 | 0,000 | |||||||
Psicológica/moral | 608 | 12,9 | 1.311 | 24,3 | 1.853 | 38,2 | 3.772 | 25,2 | 0,000 | |||||||
Tortura | 90 | 2,0 | 79 | 1,5 | 168 | 3,6 | 337 | 2,3 | 0,000 | |||||||
Sexual | 534 | 11,3 | 2.521 | 44,9 | 2.620 | 52,3 | 5.675 | 37,0 | 0,000 | |||||||
Financeira/econômica | 44 | 0,9 | 34 | 0,6 | 41 | 0,9 | 119 | 0,8 | 0,206 | |||||||
Negligência | 3.729 | 67,8 | 2.575 | 44,6 | 1.412 | 28,4 | 7.716 | 47,5 | 0,000 | |||||||
Trabalho infantil | 6 | 0,1 | 17 | 0,3 | 38 | 0,8 | 61 | 0,4 | 0,000 | |||||||
Intervenção legal | 22 | 0,5 | 18 | 0,3 | 22 | 0,5 | 62 | 0,4 | 0,504 | |||||||
Outros | 285 | 6,2 | 179 | 3,5 | 112 | 2,5 | 576 | 4,0 | 0,000 | |||||||
Paisa como agressores [17.900] | 0,000 | |||||||||||||||
Sim | 3.686 | 62,4 | 3.138 | 49,0 | 2.402 | 43,0 | 9.226 | 51,5 | ||||||||
Não | 2.223 | 37,6 | 3.263 | 51,0 | 3.188 | 57,0 | 8.674 | 48,5 | ||||||||
Ingestão de bebida alcoólica | 0,000 | |||||||||||||||
pelo agressor [9.280] | ||||||||||||||||
Sim | 749 | 26,1 | 652 | 19,7 | 811 | 26,3 | 2.212 | 23,8 | ||||||||
Não | 2.126 | 74,0 | 2.665 | 80,3 | 2.277 | 73,7 | 7.068 | 76,2 |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
a Inclui pai, mãe, padrasto, madrasta.
A Tabela 4 mostra a Razão de Prevalência (RP) dos principais tipos de violências contra crianças segundo características selecionadas. Verifica-se que a violência física predominou entre meninos (RP 1,22; IC 95%: 1,16-1,28), sendo maior entre os de 6 a 9 anos (RP 1,19; IC 95%: 1,12-1,27) e menor entre os de 2 a 5 anos (RP 0,89; IC 95%: 0,83-0,95); outros que não os pais foram os mais prevalentes autores da agressão e o relato de ingestão de bebida alcóolica pelo agressor foi o mais prevalente (RP 1,36; IC 95%: 1,27-1,47).
Tabela 4. Prevalência (%) e razão de prevalência (RP) dos principais tipos de violência contra crianças segundo características. Brasil, 2011.
Características | Tipo de violência | |||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Física | Psicológica | Sexual | Negligência | |||||||||||
% | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | |||||||
Sexo | ||||||||||||||
Feminino | 34,9 | 1,00 | 28,8 | 1,00 | 48,4 | 1,00 | 41,3 | 1,00 | ||||||
Masculino | 42,7 | 1,22 (1,16-1,28) | 20,9 | 0,72 (0,68-0,77) | 22,7 | 0,47 (0,44-0,50) | 54,8 | 1,33 (1,27-1,39) | ||||||
Raça/cor da pele | ||||||||||||||
Branco | 36,8 | 1,00 | 25,1 | 1,00 | 36,3 | 1,00 | 43,9 | 1,00 | ||||||
Preto/pardo | 39,2 | 1,06 (1,00-1,13) | 27,6 | 1,10 (1,03-1,18) | 40,9 | 1,12 (1,06-1,19) | 44,2 | 1,01 (0,96-1,06) | ||||||
Amarelo/indígena | 37,0 | 1,00 (0,79-1,27) | 27,5 | 1,10 (0,83-1,45) | 44,7 | 1,23 (0,99-1,52) | 40,3 | 0,92 (0,73-1,15) | ||||||
Faixa etária (anos) | ||||||||||||||
0 a 1 | 37,6 | 1,00 | 12,9 | 1,00 | 11,3 | 1,00 | 67,8 | 1,00 | ||||||
2 a 5 | 33,5 | 0,89 (0,83-0,95) | 24,3 | 1,88 (1,71-2,07) | 44,9 | 3,97 (3,62-4,36) | 44,6 | 0,66 (0,63-0,69) | ||||||
6 a 9 | 44,9 | 1,19 (1,12-1,27) | 38,2 | 2,95 (2,69-3,23) | 52,3 | 4,63 (4,22-5,08) | 28,4 | 0,42 (0,39-0,44) | ||||||
Ocorrência no | ||||||||||||||
domicílio | ||||||||||||||
Não | 37,5 | 1,00 | 20,1 | 1,00 | 28,1 | 1,00 | 53,0 | 1,00 | ||||||
Sim | 38,0 | 1,01 (0,95-1,08) | 28,2 | 1,40 (1,29-1,53) | 38,8 | 1,38 (1,29-1,48) | 44,9 | 0,85 (0,80-0,89) | ||||||
Paisa como | ||||||||||||||
agressores | ||||||||||||||
Não | 43,6 | 1,00 | 26,5 | 1,00 | 53,7 | 1,00 | 25,7 | 1,00 | ||||||
Sim | 33,3 | 0,76 (0,73-0,80) | 24,0 | 0,90 (0,85-0,96) | 20,0 | 0,37 (0,32-0,40) | 66,7 | 2,60 (2,47-2,74) | ||||||
Violência de | ||||||||||||||
repetição | ||||||||||||||
Não | 39,5 | 1,00 | 16,8 | 1,00 | 31,2 | 1,00 | 45,5 | 1,00 | ||||||
Sim | 41,9 | 1,06 (1,00-1,13) | 44,1 | 2,62 (2,42-2,84) | 45,0 | 1,44 (1,35-1,54) | 35,8 | 0,79 (0,74-0,84) | ||||||
Ingestão de bebida | ||||||||||||||
alcoólica pelo | ||||||||||||||
agressor | ||||||||||||||
Não | 35,9 | 1,00 | 22,1 | 1,00 | 33,8 | 1,00 | 46,2 | 1,00 | ||||||
Sim | 49,0 | 1,36 (1,27-1,47) | 42,5 | 1,92 (1,77-2,10) | 35,8 | 1,06 (0,97-1,15) | 37,8 | 0,82 (0,76-0,89) |
Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). a) Inclui pai, mãe, padrasto, madrasta. IC 95%: intervalo de confiança de 95%. Diferenças estatisticamente significantes encontram-se destacadas em negrito (p < 0,05).
A violência sexual predominou em meninas, da cor parda/preta (RP 1,12; IC 95%: 1,06-1,19), sendo a maior chance no grupo de 6 a 9 anos (RP 4,63; IC 95%: 4,22-5,08), seguida de 2 a 5 anos (RP 3,97; IC 95%: 3,62-4,36). A maior chance de ocorrer foi no domicilio (RP 1,38; IC 95%: 1,29-1,48), os mais prevalentes autores da agressão foram outros que não os pais e a maior chance foi ser de repetição (RP 1,44; IC 95%: 1,35-1,54).
A violência psicológica predominou em meninas; de cor parda/preta (RP 1,10; IC 95%: 1,03-1,18) com maior chance no grupo de 6 a 9 anos (RP 2,95; IC 95%: 2,69-3,23), seguida de 2 a 5 anos (RP 1,88; IC 95%: 1,71-2,07). A maior chance de ocorrer foi no domicilio (RP 1,40; IC 95%: 1,29-1,53), sendo outros que não os pais os mais prevalentes autores da agressão. O relato de ingestão de bebida alcóolica pelo agressor foi maior do que o da não ingestão (RP 1,92; IC 95%: 1,77-2,10) e maior a chance de ser ocorrência de repetição (RP 2,62; IC 95%: 2,42-2,84).
A negligência ocorreu mais entre meninos (RP 1,33; IC 95%: 1,27-1,39); sem distinção de raça/cor e com maior chance de ocorrer em crianças pequenas de 0 a 1 ano. Foi mais frequente fora do domicilio e, em geral, os autores mais prevalentes foram os pais (RP 2,60; IC 95%: 2,47-2,74). Este tipo de violência não se caracterizou como ocorrência de repetição (RP 0,79; IC 95%: 0,74-0,84), e houve menor relato de ingestão de bebida alcóolica pelo agressor (RP 0,82; IC 95%: 0,76-0,89).
A Tabela 5 aponta os tipos de violências e suas chances de ocorrências segundo as Regiões do país, predominando na região Sudeste.
Tabela 5. Prevalência (%) e razão de prevalência (RP) dos principais tipos de violência contra crianças segundo características. Brasil, 2011.
Características | Tipo de violência | |||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Física | Psicológica | Sexual | Negligência | |||||||||||
% | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | % | RP (IC 95%) | |||||||
Região | ||||||||||||||
Centro-Oeste | 29,1 | 1,00 | 18,6 | 1,00 | 26,4 | 1,00 | 59,6 | 1,00 | ||||||
Norte | 39,3 | 1,35 (1,20-1,52) | 44,1 | 2,37 (2,08-2,71) | 72,1 | 2,73 (2,45-3,04) | 20,2 | 0,34 (0,30-0,39) | ||||||
Nordeste | 41,2 | 1,42 (1,28-1,57) | 24,2 | 1,30 (1,14-1,49) | 33,1 | 1,25 (1,12-1,40) | 51,9 | 0,87 (0,80-0,94) | ||||||
Sudeste | 43,2 | 1,49 (1,36-1,63) | 20,4 | 1,09 (0,97-1,23) | 37,1 | 1,40 (1,28-1,55) | 47,4 | 0,80 (0,74-0,85) | ||||||
Sul | 33,1 | 1,14 (1,03-1,26) | 30,0 | 1,61 (1,43-1,82) | 31,2 | 1,18 (1,06-1,31) | 48,7 | 0,82 (0,76-0,88) |
Este estudo busca compreender a violência contra a criança segundo seus tipos e determinantes, contribuindo com ações de proteção às vítimas. A maior frequência das violências foi no ambiente doméstico, em meninas, sendo os pais os agressores mais frequentes. A violência se caracterizou pela repetição da ocorrência, sendo o uso de bebidas alcoólicas pelo agressor relatado em um quarto dos casos. A negligência foi o tipo mais notificado, seguida pela física, sexual e a psicológica. A negligência e a violência física têm maior chance de ocorrer em meninos, e a sexual e psicológica em meninas.
A subnotificação e a discrepância de informações sobre violência contra criança constituem problema em várias partes do mundo28 - 31.
Em 2006, ano da implantação do VIVA, foram 26 os municípios notificadores. Em 2010, esse número saltou para 1.49615 e, em 2014, já contabilizam cerca de 3000 municípios notificantes, o que amplia a possibilidade de compreensão do fenômeno da violência no Brasil. Essa melhoria na vigilância das violências se deveu à bem sucedida experiência da estratégia inicial em serviços sentinelas, à Portaria Ministerial de 2011 que tornou compulsória as notificações das vítimas e à inserção do tema no Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde32. Esse movimento de expansão vem contribuindo para o incremento de ações de vigilância e de construção de redes de atendimento às vítimas de violências18 , 19.
No entanto, ainda que seja considerável o desenvolvimento de um sistema de informação e abordagem, é prematura a realização de comparações regionais, ou mesmo entre Unidades Federadas e municípios, pois cada um encontra-se em um estado singular de implantação de Vigilância das Violências. A maior frequência de notificações em uma região se deve, muito provavelmente, à melhoria da vigilância e comprometimento de seus gestores e equipes técnicas sensibilizados com o tema. Portanto, errôneo seria concluir ser a Região Sudeste a mais violenta do Brasil, tendo-se de levar em conta a possibilidade de que, ao contrário, a maior ocorrência de casos poderia se dever ao maior grau de implantação da vigilância de causas externas nesta Região. A importante subnotificação ainda existente nos serviços19constitui um dos principais limites do presente estudo, pois, na sua presença, não se pode tomar as notificações como sendo o conjunto das violências praticadas contra as crianças, mas sim como uma fração ou uma proxy do problema. Com o aperfeiçoamento da vigilância, essas informações se aproximarão mais da violência real praticada nos territórios e dentro das famílias.
A delicadeza do tema reforça a necessidade de avançar na melhoria da notificação de cada ato de agressão, capacitando os profissionais para o atendimento e para identificar casos ocultados. Alguns profissionais sentem-se constrangidos frente a algumas situações de violações21 , 33, outros não percebem os sinais das violências pois os motivos reportados para o atendimento são mascarados e há ainda os que se sentem ameaçados e preferem não se expor21. Distinguir entre notificar o fato e a realidade do fato torna-se fundamental para o reconhecimento do esforço de uma unidade que melhor notifica20. Entretanto, mesmo com a ativa participação dos profissionais na identificação e notificação da violência, as informações para a completude da ficha são autodeclaradas, coletadas junto aos pais, responsáveis, acompanhantes, podendo ainda haver viés de informação. Destaca-se aqui que nem todos os campos da ficha utilizada no presente estudo foram preenchidos, o que resulta em totais diferentes em cada variável, em função deste não preenchimento (brancos, missings e ignorados).
O domicílio teve importante significado e elevado foi o índice da violência de repetição, principalmente em crianças de 6 a 9 anos, o que contribui para a perpetuação de um ciclo de sofrimento e traumas profundos ao longo das vidas dessas crianças1 , 20. A violência física, sexual e psicológica predominaram em crianças de 6-9 anos e a negligência em menores de 1 ano. Os pais foram os principais autores da agressão e foi significativo o relato da suspeita de consumo de álcool pelo autor da agressão.
Frente a estes resultados, algumas reflexões sobre a dialética da violência se fazem necessárias. Se a mulher e a menina - por uma questão das relações de gênero impostas transculturalmente - sofrem mais determinados tipos de violências1 , 15 , 19 , 34 - 37, são os homens e os meninos - pelo universo masculino e sua simbologia do poder - os mais expostos e susceptíveis a outros tipos de violência, como a física, sendo as maiores vítimas das agressões e da violência urbana1 , 17 , 18 , 38. Verificamos que os meninos tem maior RP em relação a sofrer violência física e negligência, enquanto as meninas, maior RP para violência psicológica e sexual.
Deslandes et al.20 descrevem a violência como problema mundial, presente em famílias de todas as classes, de diferentes credos e religiões e comentam que seus efeitos resultam da interação dos diferentes níveis de inclusão na cidadania de uma sociedade. Mas, é a população negra a maior vítima das iniquidades sociais e econômicas, ainda que o fenômeno da violência abranja diferentes segmentos sociais e raça/cor22 , 39. O estudo mostrou essas características, em especial em relação às violências psicológica e sexual.
A literatura nacional e internacional corrobora o resultado do estudo ao apontar o ambiente doméstico como lócus privilegiado para a ocorrência das violências interpessoais praticada por parte dos pais e outros familiares1 , 16 - 20 , 35 , 40 , 41. As explicações se devem em parte pelo fato das crianças permanecerem mais tempo em seus lares, mas também pela vinculação da violência ao processo cultural de "educar" as crianças por meio de castigos e ameaças18 , 19. O lar que deveria proteger e educar torna-se palco para os diferentes tipos de violências, transgressões do poder/dever e coisificação da infância20. Também deve ser considerada toda a violência estrutural vivenciada pela família, que contribui para a perpetuação de violações interpessoais nos lares1 , 20.
O consumo de álcool pelo agressor é um fator de risco frequentemente descrito na literatura15 , 19 , 33 , 42. Este fator está presente em um quarto das ocorrências e foi mais relatada entre os agressores das crianças de 0 a 1 ano de idade.
Pelo estudo, verificou-se que o segmento corporal atingido com mais frequência foi cabeça/pescoço, seguida do tórax/abdome/pelve, regiões também apontadas por Malta et al. 19 e Martins17. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)35 relata a "síndrome do bebê sacudido" como causador de muitas das lesões na cabeça. Assis e Deslandes43 relatam que os traumatismos privilegiam a cabeça e o abdome, e as queimaduras as regiões do períneo, troncos, nádegas e coxas.
Quanto às lesões, a maioria, em consonância com a literatura segundo a qual há prevalência dos casos de menor gravidade6 , 15 , 17 , 19, foi constituída de casos leves que evoluíram para alta, embora em hipótese alguma seja menos preocupante. Destaca-se, além disso, que cerca de um quarto das ocorrências evoluíram para internação e 198 crianças morreram, revelando a vulnerabilidade dessas vítimas.
Quanto aos tipos das violências, a negligência foi a mais frequente e ocorreu em crianças de 0 a 1 e em meninos, tendência apontada pelo VIVA15. Diferentemente, estudo da UNICEF35 descreve que as meninas são mais expostas ao risco da negligência e violência, em particular as crianças com deficiências. Estudo dos Estados Unidos aponta que cerca de 45% das agressões contra crianças constituem-se em negligência familiar22. A negligência permeia toda ausência ou insuficiência de cuidados físicos, emocionais e sociais advindas da condição também sofrida pela família1 , 20 , 35, mas pode ser expressão de um desleixo infringido de forma propositada1. Pode se relacionar também com a dependência materna de drogas44. Os pais foram os principais agressores, o que é confirmado pela literatura, segundo a qual, os pais são importantes autores desta violência1 , 19 , 21.
A violência física ocorre mais entre crianças maiores (de 6 a 9 anos), do sexo masculino, o que é compatível com a literatura que descreve serem os meninos os que mais sofrem violência física e com maior chance de aumentar à medida que crescem1 , 17 , 35. Há uma maior chance do uso de álcool pelo agressor.
A violência sexual que no estudo tem maior probabilidade de ocorrer nas meninas de 6 a 9 anos, seguidas pelas de 2 a 5 anos e nas de cor preta/parda, está em conformidade com a literatura18 , 22 , 34 , 36 , 45 - 47. A UNICEF35 descreve que 20% das mulheres adultas e de 5 a 10% dos homens relataram terem sido vítimas de violência sexual na infância e que, no ano de 2002, cerca de 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos abaixo de 18 anos foram forçados a manter relações sexuais ou sofreram outras formas de violência sexual que envolveu contato físico. O estudo ainda aponta a violência de repetição e a ocorrência no domicílio.
A violência psicológica apresenta maior chance de acontecer em meninas, de cor preta/parda, e aumenta com a idade. As ocorrências foram de repetição, no domicílio e o uso álcool pelos agressores foi frequente. Como apontado por Assis e Avanci48, são poucas as informações e estatísticas sobre esse tipo de violência. Ela se manifesta pela depreciação da criança por meio de humilhações, ameaças, impedimentos e ridicularizações que minam sua autoestima, sendo que acompanha também as demais violações1 , 20 , 35 , 49. A OMS36 estima que 25 a 50% das crianças sofrem algum tipo de abuso psicológico. O estudo realizado por Moura e Reichenheim49 mostra que o uso de agressão psicológica contra crianças foi referido pela maioria dos respondentes e chama a atenção ao fato da distância entre os relatos "espontâneos" e os encontrados na busca ativa, sinalizando a subnotificação existente. Outro estudo, realizado no Irã, também mostra que a maioria dos entrevistados (52,09%) sofreu abuso psicológico23.
Se a origem da história da violência remonta ao período pré-civilizatório, sua desconstrução demanda conscientização e comprometimento de toda sociedade frente às iniquidades do mundo contemporâneo. Os direitos ligados à infância e juventude estão expressos em constituições e declarações por todo o mundo. Porém, a universalização da garantia desses direitos é uma busca de movimentos sociais, de profissionais ligados à área e de toda população.
A saúde, neste contexto, assume importante papel na construção de políticas e de redes intersetoriais (sistema jurídico, educação, saúde, assistência social entre outros) para potencializar e incrementar ações de proteção e de promoção à qualidade de vida em sua abrangência individual e coletiva13 , 50 , 51.
O Sistema de Notificação VIVA é potente ferramenta para romper o silêncio e a invisibilidade da violência. A obrigatoriedade do preenchimento27 é um largo passo para melhor explicitação da sua dimensão e complexidade, principalmente porque traz à luz também os casos suspeitos. Política pública fundamental é a Política Nacional de Promoção à Saúde do Ministério da Saúde, pela atuação intersetorial e investimentos na prevenção dos agravos, riscos e tratamento integrado às vítimas52.
O debate ampliado com toda sociedade é o caminho para avançar na construção de uma sociedade mais justa, na qual a garantia do direito à vida e à cidadania seja obtida para todas as crianças.