versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.9 Rio de Janeiro set. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
As causas externas são o principal motivo de morbimortalidade em adolescentes, sendo estimadas, pela OMS, cerca de 875.000 mortes anuais1,2. Estudos apontam que a violência sofrida na infância e adolescência poderá resultar em consequências físicas e psicossociais devastadoras, atingindo diretamente a qualidade de vida destes indivíduos3,4, além de resultar em incapacidades, transtornos psíquicos1, e sofrimento para as famílias e sociedade. A violência contra adolescentes resulta, ainda, em gastos assistenciais elevados e constitui um grande problema em Saúde Pública5-8.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como: “uso intencional da força física ou poder, por meio de ameaças ou de forma concreta infringida a si mesma, a outra pessoa, a um grupo ou à comunidade, provocando ou possibilitando o aparecimento de lesão, morte, dano psicológico, deficiência no desenvolvimento ou privações” 6. A violência é um fenômeno multicausal, associando-se com desigualdades econômicas e socioculturais, além de aspectos subjetivos e comportamentais distintos em diferentes sociedades8-10.
No Brasil, em 2013, as causas externas foram responsáveis por 143.070 internações de pacientes entre 10 a 19 anos, em hospitais que integram o Sistema Único de Saúde, e por 18.296 óbitos11.
Estudos apontam que existe uma importante exposição de crianças e adolescentes à violência, sendo que esta pode ocorrer no ambiente familiar, no comunitário e no escolar12, com finalidade de dominação, exploração e opressão10. Os principais tipos de violência contra a criança são: negligência ou abandono, física, psicológica-moral, sexual e, em geral, são perpetradas pelos pais, no ambiente familiar13. Entre adolescentes, a violência física (agressões) tende a ser mais frequente, inserida no contexto de desigualdades, com exposição a atos violentos praticados por desconhecidos, e ao consumo de álcool e outras drogas8,14, podendo ser cometida dentro ou fora de casa.
Os adolescentes constituem grupo vulnerável, tornando-se importante desenvolver políticas de promoção à saúde e prevenção de doenças e agravos2. Estudos nacionais sobre a ocorrência de violência neste grupo etário ainda são escassos, na maioria apoiando-se em bases de dados de mortalidade e de internação11, estudos qualitativos9,12 ou de abrangência local13.
Em 2006, o Ministério da Saúde implantou a Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) com dois componentes: a) Vigilância por Inquérito, realizada por meio de pesquisa nas portas de entrada de serviços sentinelas de emergências em municípios; e, b) Vigilância Contínua, feita por meio da notificação compulsória das violências doméstica, sexual e outras interpessoais ou autoprovocada. Nova edição foi realizada em 2014 e torna-se importante o monitoramento contínuo das causas externas e violências contra adolescentes para apoiar o monitoramento de políticas públicas14. A análise atual é inédita e justifica-se pela gravidade do tema, a morbimortalidade e a transcendência associadas à violência contra adolescentes.
A literatura tem apontado maior ocorrência de violência entre jovens adultos do sexo masculino6, entretanto, aspectos ainda permanecem pouco explorados como a relação com os agressores, o local de ocorrência do evento e os meios de agressão utilizados. O VIVA reúne os adolescentes vítimas de violência nas capitais brasileiras que podem apontar circunstâncias das ocorrências e ajudar a responder as lacunas de conhecimento e, assim, orientar melhor o desenho de políticas públicas e apoiar práticas de prevenção.
O objetivo do estudo foi descrever as características das violências praticadas contra os adolescentes, segundo dados demográficos, tipos de agressores envolvidos, locais de ocorrência, além de se estimar associação entre as variáveis.
No estudo, de caráter transversal, foram analisados dados do inquérito da Vigilância de Acidentes e Violências (VIVA) referentes aos adolescentes (n = 815). Participaram da amostra do inquérito, em 2014, 86 serviços sentinelas de urgência e emergência, constantes do Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES), do Sistema Único de Saúde (SUS), localizados nas capitais brasileiras, à exceção de Florianópolis e Cuiabá que não realizaram o inquérito14. O inquérito VIVA adotou procedimentos padronizados de pesquisa em todos os serviços da amostra como: instrumentos para coleta de dados, material instrutivo e fluxos. Foi realizado treinamento prévio à coleta para capacitação dos coordenadores locais do inquérito, em Brasília, organizado pela Diretoria de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, do Ministério da Saúde14,15.
A população de estudo é composta pelas pessoas que procuraram atendimento em estabelecimentos do SUS, habilitados em emergências por causas externas, nos municípios e estabelecimentos selecionados. Trata-se de uma amostra por conglomerados em único estágio de seleção, sendo a unidade primária de amostragem (UPA) composta por turnos de 12 horas. Para efeito de sorteio de turnos, considerou-se o período 30 dias contínuos, dividido em dois turnos (diurno e noturno), para a coleta, totalizando 60. A amostra total do inquérito foi de 55.950 entrevistados e maiores detalhes do mesma podem ser conferidos em outras publicações14,15
No estudo atual analisou-se as agressões sofridas por adolescentes, de 10 a 19 anos, como preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)3. Foram utilizadas duas faixas etárias para comparação (10 a 14 anos e 15 a 19 anos).
Foi realizada análise exploratória das variáveis e para verificar possíveis associações entre as mesmas foi utilizada a análise de correspondência, uma vez que essa técnica permite trabalhar com uma grande quantidade de variáveis qualitativas, constituídas de grande número de categorias16,17.
A análise de correspondência é uma técnica descritiva e exploratória e apresenta as associações entre variáveis em forma gráfica, organizando as variáveis em linhas e colunas, indicando, portanto, o grau de associação entre as duas, expressas pela proximidade entre elas. Assim, as menores distâncias entre as categorias linha e coluna representam as associações mais fortes entre elas, enquanto que as maiores distâncias representam dissociações17,18.
Foram selecionadas as seguintes variáveis de interesse e que compõe a ficha de coleta do inquérito VIVA: variáveis coluna, que correspondem às variáveis demográficas (sexo, faixa etária – 10-14 anos e 15 a 19 anos); e as variáveis linha: a) características do evento: meios usados para perpetrar a violência, ou meio de agressão (força corporal/espancamento, armas de fogo, envenenamento, objeto perfurocortante/contundente, ameaça); b) relação vítima/agressor (pai ou mãe, familiar, amigo, desconhecido); c) local de ocorrência (residência, escola, área de recreação, via pública); d) Tipo de lesão (sem lesão, contusão/entorse/luxação, corte/laceração, fratura/amputação/traumas) (Quadro 1).
Quadro 1 Variáveis demográficas das vítimas de agressão (variável coluna) e Variáveis relacionadas à ocorrência (variáveis linha). Conjunto das 24 capitais e Distrito Federal, setembro a novembro de 2014.
Variáveis demográficas dos adolescentes vítimas de agressão | ||
---|---|---|
Variável | Valor | Descrição |
0 a 14 | 1 = Sim; 0 = Não | Idade entre 0 e 14 anos |
15 a 19 | 1 = Sim; 0 = Não | Idade entre 15 e 19 anos |
Masc | 1 = Sim; 0 = Não | Masculino |
Variáveis relacionadas à ocorrência | ||
Força corporal/ Espancamento | 1 = Sim; 0 = Não | Meio de agressão |
Arma de fogo | 1 = Sim; 0 = Não | Meio de agressão |
Envenenamento | 1 = Sim; 0 = Não | Meio de agressão |
Objeto perfurocortante/ Condundente | 1 = Sim; 0 = Não | Meio de agressão |
Ameaça | 1 = Sim; 0 = Não | Meio de agressão |
Residência | 1 = Sim; 0 = Não | Local de ocorrência |
Escola | 1 = Sim; 0 = Não | Local de ocorrência |
Área de recreação | 1 = Sim; 0 = Não | Local de ocorrência |
Via pública | 1 = Sim; 0 = Não | Local de ocorrência |
Sem lesão | 1 = Sim; 0 = Não | Natureza da agressão |
Contusão/Entorse/ luxação | 1 = Sim; 0 = Não | Natureza da agressão |
Corte/laceração | 1 = Sim; 0 = Não | Natureza da agressão |
Fratura/Amputação/ Traumas | 1 = Sim; 0 = não | Natureza da agressão |
Pai/Mãe | 1 = Sim; 0 = Não | Provável autor da agressão |
Familiar | 1 = Sim; 0 = Não | Provável autor da agressão |
Amigo | 1 = Sim; 0 = Não | Provável autor da agressão |
Desconhecido | 1 = Sim; 0 = Não | Provável autor da agressão |
A técnica de análise de correspondência simples (ACS) foi utilizada para descrever o perfil de adolescentes vítimas de violência do Inquérito VIVA. Por se tratar de dados provenientes de planos complexos de amostragem (PCA), em primeiro lugar, foram utilizadas tabelas de contingência para expansão da amostra (total de atendimentos de adolescentes) e, a partir delas, foi construído o gráfico de correspondência. O estimador18,19 do total de atendimentos por violências praticadas contra adolescentes em serviços sentinelas de urgência e emergência no período de 30 dias foi obtido pela expressão:
sendo:
whij o peso da amostra no h-ésimo estrato (nces), i-ésima UPA (turno) e j-ésimo número de elementos do h-ésimo estrato da í-ésima UPA
yhij o valor observado da variável (1 se possui e 0, em caso contrário) no h-ésimo estrato, i-ésima UPA e j-ésimo número de elementos do h-ésimo estrato da í-ésima UPA
O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
A Tabela 1 de contingência apresenta os dados expandidos de adolescentes vítimas de agressão. A coluna apresenta idade e sexo das vítimas e na linha são apresentados os meios da agressão, local de ocorrência, tipo de lesão e agressor. Predominam eventos de violência no sexo masculino, de 15 a 19 anos, a força corporal/espancamento foi o meio de agressão mais frequente, seguido do uso de arma de fogo e envenenamento. Para mulheres, predominou a força corporal/espancamento, seguido de envenenamento. O local de ocorrência mais frequente para as mulheres foi a residência, seguida da via pública; para os homens, foi o inverso: a via pública, seguida da residência. A escola ficou em terceiro para ambos. Adolescentes de 10 a 14 anos tiveram mais ocorrências na escola. Dentre os tipos de lesões predominam cortes e lacerações, seguidos de contusão/entorse/luxação. Os agressores desconhecidos foram mais frequentes para os homens e entre 15 a 19 anos.
Tabela 1 Variáveis relacionadas às ocorrências de agressão em adolescentes, expressa em frequências absolutas expandidas(*) estratificada por idade e sexo da vítima. Conjunto de 24 capitais e Distrito Federal, VIVA, setembro a novembro de 2014.
Varíaveis | Idade (ano) | Sexo | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
10 a 14 | 15 a 19 | Masculino | Feminino | |
Meio de agressão | ||||
Força corporal/ Espancamento | 388 | 774 | 685 | 477 |
Arma Fogo | 54 | 423 | 449 | 27 |
Envenenamento | 30 | 412 | 334 | 108 |
Objeto perfurocortante/Contundente | 108 | 162 | 183 | 87 |
Ameaça | 38 | 14 | 25 | 27 |
Local de ocorrência | ||||
Residência | 166 | 379 | 238 | 307 |
Escola | 185 | 76 | 162 | 99 |
Área recreação | 38 | 82 | 110 | 10 |
Via pública | 178 | 985 | 916 | 248 |
Tipo de lesão | ||||
1-Sem_lesão | 93 | 56 | 40 | 110 |
2-Contusão/Entorse/luxação | 222 | 378 | 357 | 242 |
3-Corte/laceração | 201 | 901 | 864 | 238 |
4-Fratura/Amputação/Traumas | 72 | 318 | 290 | 100 |
Agressor | ||||
Pai/Mãe | 56 | 52 | 26 | 82 |
Familiar | 102 | 136 | 134 | 104 |
Amigo | 293 | 398 | 498 | 194 |
Desconhecido | 144 | 944 | 896 | 192 |
(*) frequências expandidas.
A Tabela 2 apresenta as medidas estatísticas resultantes da análise de correspondência. A primeira coluna apresenta o número de dimensões necessário para explicar 100% da variabilidade conjunta das duas variáveis. As duas últimas colunas mostram a proporção simples e acumulada da variância explicada em cada dimensão. Assim, as duas primeiras dimensões explicam 100% da variância total, sendo que a primeira explica 84,6% e a segunda 15,4%. O valor do χ2 do teste de independência das linhas e colunas da tabela mostra que a hipótese H0 de independência entre as linhas e colunas é rejeitada. Conclui-se que existe associação entre as variáveis demográficas e as características relacionadas à ocorrência de vítimas de agressão em adolescentes.
Tabela 2 Dimensões, proporção da variância explicada na análise de correspondência.
Dimensão | Valor singular | Inércia | chi2 | % variância explicada | % variância explicada acumulada |
---|---|---|---|---|---|
1 | 0,30 | 0,09 | 1632,58 | 84.63 | 84.63 |
2 | 0,13 | 0.02 | 296,48 | 15.37 | 100.00 |
3 | 0,00 | 0.00 | 0,01 | 0.00 | 100.00 |
total | 0.11 | 1929.07 | 100.00 |
A Tabela 3 apresenta as características relacionadas à agressão entre adolescentes e as variáveis demográficas que compõem cada dimensão. A) A dimensão 1 é explicada pela variável meio de agressão, que contribui com 26% da explicação, sendo seguida da variável agressor com 24% de contribuição e tipo de lesão com 24%. Na característica demográfica, a idade é a que mais contribui para a dimensão 1 com 55%. B) Na dimensão 2, o local de ocorrência é a que mais contribui, com 59%, sendo seguida pela variável agressor, com 22%. C) Na característica demográfica, a variável sexo é a que mais contribui para a dimensão 2 com 55%.
Tabela 3 Características relacionadas à agressão entre adolescentes e as variáveis que compõem cada dimensão.
A representação simultânea dos conjuntos de variáveis, constituídas pelas linhas e colunas da tabela, foi possível devido à existência da associação entre as categorias das duas variáveis. Na Figura 1 aparecem as categorias de idade e sexo das vítimas associadas às características de violência nas duas dimensões. A Dimensão 1 explica 15,4% e a dimensão 2 explica 84,6%. Observando-se as proximidades das variáveis no gráfico, verifica-se que as associações foram: A) vítimas do sexo feminino, o local de ocorrência foi a residência, tendo o Pai/Mãe como agressores, e predominam agressões de menor gravidade, ou sem lesão. B) As vítimas do sexo masculino estão associadas com o meio de agressão por arma de fogo e objeto perfuro cortante. C) As vítimas com idade entre 15 e 19 anos mostraram-se associadas às lesões do tipo fratura e corte, o local de ocorrência mais frequente foi a via pública e o agressor foi desconhecido. D) As vítimas entre 10 e 14 anos mostraram associação com o meio de agressão: a ameaça, o agressor foi o amigo e o local de ocorrência a escola.
O estudo atual analisa a violência praticada contra os adolescentes, segundo dados do inquérito VIVA 2014, em portas de emergência nas capitais brasileiras e apontou que os homens foram vítimas de violência com maior frequência. Estudos anteriores têm destacado o sexo masculino como variável preditora de comportamentos violentos11,20,21. As diferenças culturais de gênero indicam uma perspectiva machista desde a infância, que se encontra expressa nas brincadeiras e jogos das crianças. Enquanto meninos preferem armas de fogo, espadas, meninas brincam com bonecas, naturalizando comportamentos de belicosidade, domínio e poder entre os primeiros10,21-23. Autores destacam, ainda, aspectos como o estímulo e a maior liberdade conferidos aos adolescentes do sexo masculino, que saem de casa com maior frequência, o que pode resultar em maior exposição aos riscos, em todas as faixas etárias, desde a infância até a fase adulta10,21-23.
O estudo atual apontou que adolescentes mais velhos, de 15 a 19 anos, foram mais envolvidos em situação de violência nas vias públicas, o que está coerente com a literatura1,11. Estas ocorrências expressam hábitos de vida, como sair com maior frequência, frequentar festas e baladas, expor-se a mais riscos nos espaços públicos, em conformidade com a literatura24-27. Já as meninas sofreram mais violência no domicílio, o que está de acordo com estudos anteriores, segundo os quais a violência sofrida pelas meninas na infância tem nos pais, namorado ou companheiro da mãe, os principais autores da agressão27-30.
A violência praticada contra as meninas em suas residências, pelos próprios pais, cria círculos viciosos, mantendo uma cultura de dominação, impondo em suas vítimas medo, angústias, silêncios e fatalidades29,30. Schraiber et al.29 apontam diferentes perspectivas da violência conforme o gênero: no caso das meninas, transforma os atos de violência em ocorrências comuns, cotidianas e, no caso dos meninos, perpetuam, na maioria das vezes, comportamentos machistas, transformando-os em futuros agressores29,30. Esses diferenciais segundo o sexo são elementos culturais de banalização e aceitação da violência29.
Quanto às características das lesões, predominam eventos sem estas entre meninas, enquanto que entre meninos de 10 a 14 anos foram mais frequentes as ameaças. Entretanto, entre os adolescentes do sexo masculino de 15 a 19 anos, foram descritas lesões mais graves como força corporal/espancamento, fraturas, cortes, entorses, e, na maioria, praticadas em vias públicas, por agressor desconhecido. Esta associação entre sexo masculino e adolescentes mais velhos e jovens adultos se define como um aumento de riscos e sobremortalidade masculina, já apontados na literatura11,26.
Este é o primeiro estudo do inquérito VIVA que associou a violência ocorrida na escola com adolescentes mais jovens, de 10 a 14 anos, sendo praticadas por meio de ameaças e por amigos. O tema bullying tem sido pesquisado em inquéritos específicos de adolescentes, como a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE)31,32. Este se caracteriza por ameaças e ofensas, perpetradas por amigos e colegas, mas também pode ocorrer pelo uso de força física32. Experiências de violência vividas por adolescentes se associam com maior envolvimento em atos de violência na escola, como vítimas ou agressores, havendo correlação significativa entre estes dois tipos de violência33.
O VIVA, mesmo sem incluir perguntas específicas sobre o tema, foi consistente com a literatura ao mostrar que a violência contra escolares atinge adolescentes mais jovens, e se traduz por ameaças e medos31,32. Destaca-se ainda o fato das vítimas terem procurado unidades de urgência e emergência, apontando, provavelmente, que foram eventos de maior gravidade e que resultaram em lesões, o que mostra a importância de se enfrentar, e prioritariamente, a violência na escola, visando sua superação.
A investigação atual sobre a violência entre adolescentes ganha importância ainda mais quando se pensa em suas consequências, não apenas no momento de sua ocorrência, mas para toda a vida; não apenas para cada adolescente e sim para toda a sociedade. Perpetrada no âmbito doméstico, a violência contra o adolescente se associa com desenvolvimento de comportamento agressivo34 e com distúrbios psicopatológicos34,35. A violência sofrida pelo adolescente, qualquer que seja sua expressão, se associa com comportamento agressivo, gerando, portanto, mais violência36.
Os atos de violência praticados contra crianças e adolescentes são obstáculos ao desenvolvimento desses indivíduos e constituem um grave problema de saúde pública. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990)37 assegura direitos especiais e proteção integral ao adolescente, além da obrigatoriedade da notificação compulsória de casos suspeitos ou confirmados de violência e maus-tratos pelos profissionais de saúde. O ECA assegura que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, dentre outros, tornando-se imprescindível avançar nas medidas de proteção.
O estudo atual inova ao empregar a análise de correspondência, que permite inserir diversas variáveis e observar proximidades dos dados de forma gráfica, indicando associação entre os mesmos18.
Dentre os limites do presente estudo, cita-se a possível omissão de informações relativas a ocorrências de violências pelos adolescentes ou responsáveis em função da natureza do tema. A utilização da estratégia de serviços de urgência e emergência públicas, por um lado, agrega vantagens por serem hospitais especializados em atendimentos de causas externas, com maior precisão na assistência instituída, mas, por outro lado, podem não representar estimativas populacionais, pela seleção na escolha dos serviços. Entretanto, os hospitais públicos, na maioria das capitais estudadas, constituem a referência de atendimento de causas externas, podendo se constituir como proxy do universo. Destaca-se ainda a natureza exploratória do estudo que poderá ser complementado com outras análises.
Dentre as recomendações, o estudo atual conclui sobre a importância de se incluir nas próximas edições do VIVA questões específicas referentes ao bullying, prática comum no ambiente da escola e perpetrada por colegas, amigos e, em geral, contra adolescentes mais jovens.
As violências contra adolescentes são um grave problema de saúde pública e acometem predominantemente o sexo masculino, de 15 a 19 anos, sendo mais praticado nas vias públicas por desconhecido, enquanto os adolescentes mais jovens, de 10 a 14 anos, sofrem mais violências nas escolas. As mulheres sofrem mais ocorrências de violências no domicílio. O VIVA torna-se um instrumento vital por permitir visibilidade ao tema. Assim, o estudo atual destaca que as violências encontram-se nas mais importantes instituições socializadoras – a família, a escola, o bairro, o que aponta a necessidade de mobilizar toda a sociedade na perspectiva do seu enfrentamento.