versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.31 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2018 Epub 23-Out-2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170086
Em 2010, nos Estados Unidos da América, quase 6 milhões de pacientes procuraram o setor de emergência (SE) com dor torácica, que é a segunda causa mais frequente de visitas a esse setor, embora apenas uma minoria seja diagnosticada com síndrome coronariana aguda (SCA).1 As estatísticas norte-americanas mostram que em 2011 a doença arterial coronariana (DAC) foi responsável por cerca de 1 em cada 7 mortes, no total de 375.295 mortes.2 A DAC é responsável por um substancial impacto no uso dos cuidados de saúde, com um custo estimado de 21,9 bilhões de dólares em 2011. Entre 2013 e 2030, espera-se que esse gasto aumente em ≈ 100%.3 Devido à alta prevalência de DAC, assim como ao seu impacto nos gastos em saúde e às várias opções de tratamento para reduzir a morbimortalidade a ela relacionada, um diagnóstico preciso é essencial.
Um teste diagnóstico efetivo e de alta precisão para excluir DAC aguda poderia reduzir o custo do sistema de saúde norte-americano em bilhões de dólares. O advento da angiotomografia computadorizada de artérias coronárias (ATCC), um método não invasivo para estudar a anatomia das coronárias, com um scanner tomográfico de pelo menos 64 canais, reduzindo artefatos e incrementando a resolução espacial e temporal, deu origem a um exame rápido e efetivo para excluir com segurança a SCA.4 Embora a angiografia coronariana invasiva (ACI) seja o "padrão ouro" para detecção de DAC, não é adequado para uso extenso por ser invasivo, não estar disponível rotineiramente e ter alto custo e elevado risco de complicações. Além disso, a probabilidade imediata e futura de eventos cardíacos em pacientes sem DAC ou com DAC mínima é baixa para aqueles que se apresentam no SE com dor torácica.5,6
Revisões sistemáticas (RS) são estudos com o mais alto nível de evidência (o mais alto na hierarquia da pesquisa baseada em evidência) e rigorosa qualidade metodológica.7 Devido à rápida expansão da literatura e à presença de um número relativamente grande de RS sobre esse tópico, este estudo visou a fornecer uma visão geral com meta-análise para compilar evidência a partir de múltiplas RS relacionadas ao valor diagnóstico e prognóstico da ATCC na avaliação da dor torácica aguda no SE.
A busca na literatura foi conduzida de janeiro de 2005 (o primeiro ano da publicação de estudos com scanners de 64 canais) a julho de 2015. A estratégia consistiu na busca dos seguintes termos no Medical Subject Heading (MeSH): "coronary artery disease", "computed tomography", "chest pain" e "emergency department". As bases de dados eletrônicos pesquisadas foram MEDLINE e COCHRANE LIBRARY. Essa pesquisa incluiu RS sobre o valor diagnóstico e prognóstico da ATCC no SE. Apenas estudos redigidos em inglês foram elegíveis e tiveram suas referências checadas.
Analisamos todos os estudos de RS, excluindo os duplicados e os realizados com ATCC com menos de 64 canais, com pelo menos 30 pacientes. Na presença de mais de um estudo utilizando a mesma base de dados, o mais antigo foi descartado.
Aprovação de comitê de ética não foi necessária para esta pesquisa.
Todas as RS foram avaliadas usando a ferramenta de avaliação qualitativa PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis),8 e aquelas que obtiveram um escore ≥ 80% foram aprovadas.
Dois autores extraíram os dados independentemente usando um formulário padrão de extração de dados, incluindo as características do estudo (design, critérios de inclusão e exclusão), características da intervenção (tomografia computadorizada de pelo menos 64 canais, uso e tempo das enzimas cardíacas em relação à ATCC, duração do seguimento), características dos pacientes (idade, sexo, fatores de risco cardíaco), desfechos [morte, infarto do miocárdio (IM) não fatal, avaliação repetida de dor torácica no SE, re-hospitalização por SCA, ACI, revascularização miocárdica por intervenção coronariana percutânea (ICP)/cirurgia de revascularização miocárdica (CRM)], tempo de permanência hospitalar e custo. As discordâncias foram resolvidas por consenso ou consulta de uma terceira parte.
As variáveis numéricas foram descritas como média e desvio-padrão, e as variáveis categóricas, como frequências simples e relativas. A sensibilidade e a especificidade foram descritas como estimativas com intervalo de confiança (IC) de 95%, arredondado para o inteiro mais próximo. Usando verdadeiro positivo (VP), falso positivo (FP), verdadeiro negativo (VN), e falso negativo (FN), derivaram-se sensibilidade, especificidade, razões de verossimilhança positiva e negativa (LR+ e LR-, respectivamente), e valores preditivos positivo e negativo (VP+ e VP-, respectivamente) para cada estudo.
Usou-se o teste de correlação de Spearman para analisar a correlação entre sensibilidade e taxa de FP. O teste do qui-quadrado (χ2) foi usado para avaliar a heterogeneidade da sensibilidade e da especificidade, sendo que, nos dois casos, a hipótese nula foi igual (homogeneidade). Avaliou-se a potencial heterogeneidade entre os estudos usando-se o teste Q de Cochran ou a estatística I2 de Higgins e Thompson. O teste Q de Cochran calcula a medida da variação geral entre os estudos, apresentando, como hipótese nula, a afirmação de que os estudos que compõem a meta-análise são homogêneos. A estatística I2 avalia a estimativa da variância devida à heterogeneidade, mais do que ao acaso, sendo baseada na variância estatística tradicional definida como Q de Cochran.9 Estabeleceu-se como heterogeneidade significativa se I2 > 50%. Adotou-se o nível de significância de 95%. A análise dos dados foi realizada com o pacote "mada" para meta-análise (R Core Team, 2015) com algumas abordagens para estudos diagnósticos, como estatística descritiva e gráficos. Na análise dos dados, em tabelas 2 x 2, células com zeros, com frequência, levaram a artefatos estatísticos, pois certas razões podem não existir; portanto, o pacote "mada" usa o valor de 0,5 como uma correção de continuidade "padrão". Esse pacote não calcula o valor agregado de sensibilidade e especificidade. Não se trata de indicador analítico adequado.10
Na presença de viés de publicação, é pouco provável que "funnel plot", o método conhecido para avaliar viés de publicação, seja útil para detectar o efeito do tamanho da amostra, pois tal parâmetro varia dependendo dos valores de corte e o erro randômico.11 Não se realizou meta-regressão, pois seu propósito é avaliar as causas de heterogeneidade e o odds ratio diagnóstico (DOR) foi homogêneo.
A busca na literatura resultou em um total de 4 RS sobre o valor diagnóstico e prognóstico da ATCC ≥ 64 canais no SE,25-28 contendo 91 estudos primários. Desses, 13 artigos atenderam aos critérios de inclusão, sendo, portanto, incluídos na análise qualitativa. Devido à falta de dados quantitativos, apenas 10 estudos foram usados na meta-análise. As principais causas de exclusão dos estudos primários foram: não realização no SE; duplicação de estudos; e ATCC com 4 ou 16 canais. A Figura 1 mostra o fluxograma de exclusão do estudo.
Figura 1 Fluxograma descrevendo o processo de inclusão no estudo. RS: revisões sistemáticas; PRISMA: Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis.
Um total de 4831 pacientes foram incluídos (idade média, 54 ± 6 anos; 51% eram do sexo masculino), dos quais 46% tinham hipertensão, 32% dislipidemia, 13% diabetes e 26% história familiar de DAC prematura. A Tabela 1 apresenta os estudos primários incluídos e suas características clínicas. Em geral, pacientes com fibrilação atrial, arritmias ventriculares, alterações enzimáticas, insuficiência renal, instabilidade hemodinâmica, alergia a contraste, e grávidas foram excluídos dos estudos.
Tabela 1 Estudos primários incluídos e suas características clínicas
Goldstein et al.12 | ECR | 2007 | 64 | Unicêntrico | 197 | 50 ± 12 | 50 | 29 ± 5 | 75/38 | 70(36) | 20(10) | 82(42) | 35(18) |
CT-STAT13 | ECR | 2011 | 64 a 320 | Multicêntrico | 699 | 50 ± 10 | 46 | 28 ± 5 | 259/37 | 234(33) | 48(7) | 212(30) | 157(22) |
ACRIN-PA14 | ECR | 2012 | ≥64 | Multicêntrico | 1370 | 49 ± 9 | 47 | - | 695/51 | 367(27) | 194(14) | 394(29) | 447(33) |
ROMICAT II15 | ECR | 2011 | 64 | Unicêntrico | 1000 | 54 ± 8 | 53 | 29 ± 5 | 541/54 | 454(45) | 173(17) | 271(27) | 492(49) |
Rubinstein et al.16 | Coorte | 2007 | 64 | Unicêntrico | 58 | 56 ± 10 | 64 | - | 33/57 | 32(55) | 12(21 | 9(16) | 22(38) |
Gallagher et al.17 | Coorte | 2007 | 64 | Unicêntrico | 85 | 49 ± 11 | 53 | - | 31(36,5) | 23(27) | 8(9) | 50(59) | 22(25,9) |
Hollander et al.18 | Coorte | 2009 | 64 | Unicêntrico | 568 | 47 ± 9 | 44 | - | 251(44) | 108(19) | 77(14) | 104(18) | 200(35) |
Ueno et al.19 | Coorte | 2009 | 64 | Unicêntrico | 36 | 66 ± 12 | 53 | - | 17(47) | 19(53) | 9(25) | 8(22) | 13(36) |
Hoffmann et al.20 | Coorte | 2009 | 64 | Multicêntrico | 368 | 53 ± 12 | 61 | 29 ± 6 | 145(39) | 135(37) | 40(11) | 180(49) | |
Johnson et al.21 | Coorte | 2007 | 64 | Unicêntrico | 55 | 67 ± 10 | 64 | - | - | - | - | - | - |
Johnson et al.22 | Coorte | 2008 | 64 | Unicêntrico | 109 | 63 ± 14 | 72 | - | - | - | - | - | - |
Takakuwa et al.23 | Coorte | 2008 | 64 | Unicêntrico | 197 | 49 ± 11 | 72 | - | 92(46,7) | 53(26,9) | 29(15) | 62(31) | 62(31,5) |
Hansen et al.24 | Coorte | 2010 | 64 | Unicêntrico | 89 | 56 ± 9 | 63 | - | 35(39) | 37(42) | 7(8) | 29(33) | 39(44) |
ATCC: angiotomografia computadorizada de artérias coronárias; DP: desvio-padrão; IMC: índice de massa corporal; HTN: hipertensão; HL: hiperlipidemia; DM: diabetes mellitus; HF: história familiar; DAC: doença arterial coronariana; ECR: ensaio clínico randomizado.
Os estudos foram conduzidos em pacientes de risco baixo e intermediário para DAC (exceto o de Ueno et al.,19 que incluiu pacientes de alto risco) com enzimas cardíacas normais e sem isquemia no ECG inicial.
Na meta-análise, 9 estudos definiram ATCC positiva quando havia lesões luminais ≥ 50%, enquanto 1 estudo definiu ATCC positiva quando havia lesão luminal ≥ 70%. Foram incluídos 1655 pacientes. As Tabelas 2 e 3 mostram a estatística descritiva para o desempenho do teste diagnóstico (ATCC). O estudo de Rubinstein et al.16 relatou a mais alta sensibilidade (S = 98%), enquanto o de Johnson et al.,22 a mais alta especificidade (E = 100%). O maior estudo, incluindo 568 pacientes, foi realizado por Hollander et al.,18 que reportou sensibilidade de 94% e especificidade de 92%.
Tabela 2 Características de desempenho do exame de ATCC nos estudos incluídos
Ano | Autores | N | VP | FN | FP | VN | S | IC95% | E | IC95% |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | Goldstein et al.12 | 99 | 8 | 0 | 24 | 67 | 0,94 | 0,63 - 0,99 | 0,73 | 0,64 - 0,81 |
2007 | Rubinstein et al.16 | 58 | 20 | 0 | 3 | 35 | 0,98 | 0,81 - 1,00 | 0,91 | 0,78 - 0,97 |
2007 | Gallagher et al.17 | 85 | 6 | 1 | 3 | 72 | 0,81 | 0,47 - 0,96 | 0,95 | 0,88 - 0,98 |
2009 | Hollander et al.18 | 568 | 7 | 0 | 47 | 508 | 0,94 | 0,60 - 0,99 | 0,92 | 0,89 - 0,94 |
2009 | Ueno et al.19 | 36 | 11 | 1 | 4 | 20 | 0,89 | 0,62 - 0,97 | 0,82 | 0,63 - 0,92 |
2009 | Hoffmann et al.20 | 368 | 24 | 7 | 44 | 293 | 0,77 | 0,60 - 0,88 | 0,87 | 0,83 - 0,90 |
2007 | Johnson et al.21 | 55 | 16 | 1 | 3 | 35 | 0,92 | 0,71 - 0,98 | 0,91 | 0,78 - 0,97 |
2008 | Johnson et al.22 | 109 | 13 | 0 | 0 | 96 | 0,96 | 0,73 - 1,00 | 1,00 | 0,95 - 1,00 |
2008 | Takakuwa et al.23 | 197 | 6 | 1 | 16 | 174 | 0,81 | 0,47 - 0,96 | 0,91 | 0,87 - 0,95 |
2010 | Hansen et al.24 | 89 | 3 | 0 | 1 | 85 | 0,88 | 0,40 - 0,99 | 0,98 | 0,93 - 1,00 |
ATCC: angiotomografia computadorizada de artérias coronárias; VP: verdadeiro positivo; FN: falso negativo; FP: falso positivo; VN: verdadeiro negativo; S: sensibilidade; IC: intervalo de confiança; E: especificidade.
Tabela 3 Análise descritiva da razão de verossimilhança
Ano | Autores | LR+ | Mínima | Máxima | LR- | Mínima | Máxima |
---|---|---|---|---|---|---|---|
2007 | Goldstein et al.12 | 3,546 | 2,439 | 5,157 | 0,076 | 0,005 | 1,123 |
2007 | Rubinstein et al.16 | 10,878 | 3,995 | 29,620 | 0,026 | 0,002 | 0,405 |
2007 | Gallagher et al.17 | 17,643 | 6,015 | 51,746 | 0,197 | 0,046 | 0,832 |
2009 | Hollander et al.18 | 10,974 | 7,925 | 15,196 | 0,068 | 0,005 | 1,001 |
2009 | Ueno et al.19 | 4,915 | 2,081 | 11,607 | 0,141 | 0,031 | 0,641 |
2009 | Hoffmann et al.20 | 5,815 | 4,163 | 8,123 | 0,270 | 0,144 | 0,506 |
2007 | Johnson et al.21 | 10,214 | 3,723 | 28,022 | 0,092 | 0,020 | 0,425 |
2008 | Johnson et al.22 | 187,071 | 11,763 | 2974,950 | 0,036 | 0,002 | 0,546 |
2008 | Takakuwa et al.23 | 9,405 | 5,325 | 16,611 | 0,205 | 0,048 | 0,869 |
2010 | Hansen et al.24 | 50,750 | 9,952 | 258,792 | 0,127 | 0,010 | 1,700 |
LR+: razão de verossimilhança positiva; LR-: razão de verossimilhança negativa.
Todos os estudos mostraram alta razão de verossimilhança positiva (a maior, no estudo de Johnson et al.22), e baixa razão de verossimilhança negativa (a mais baixa, no estudo de Rubinstein et al.16).
Para avaliar o efeito de diferentes pontos de corte para obstrução luminal "significativa" na análise, realizamos análises de limiar de diagnóstico. Encontramos coeficiente de correlação de Spearman de 0,045, p > 0,05 (IC95%: -0,602 - 0,656), indicando correlação muito fraca ou não significativa.
O teste de igualdade mostrou homogeneidade nos estudos para sensibilidade [χ2 = 8,4 (df = 9), p = 0,5] e heterogeneidade nos estudos para especificidade [χ2 = 55,5 (df = 9), p < 0,001], o que foi confirmado com "forest plot" (Figuras 2 e 3).
A análise univariada mostrou homogeneidade de DOR [Q = 8,5 (df = 9), p = 0,48 e I2 = 0%]. A Figura 4 mostra a estimativa da síntese.
O teste do χ2 não rejeitou a hipótese de homogeneidade para o modelo [χ2 = 10,14 (df = 1), p = 0,34, θ (teta) = 0,018 (IC95%: 0,0014-0,0246)], portanto, optamos pelo modelo de efeitos fixos. A área sob a curva (AUC) foi 0,982 (IC95%: 0,967-0,999).
Houve grande variabilidade nos eventos de desfecho entre os estudos. A Tabela 4 apresenta um resumo dos eventos compostos em todos os estudos, com suas características específicas. Na maioria dos estudos, os eventos investigados foram morte, IM, CRM e ACI. Alguns avaliaram o diagnóstico de SCA, sendo que três estudos usaram a técnica de 'triple rule-out', além de investigarem DAC, embolia pulmonar e dissecção aórtica.
Tabela 4 Desfechos clínicos dos estudos individuais
Autor | Ano | Tipo de estudo | Número de pacientes | Idade(média ± DP) | Masculino % | Risco de DAC | Seguimento (meses) | Desfechos |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Goldstein et al.12 | 2007 | ECR | 99 | 50 ± 12 | 50 | Muito baixo | 6 | CRM e ACI |
CT-STAT13 | 2011 | ECR | 361 | 50 ± 10 | 46 | Baixo | 6 | CRM e ACI |
ACRIN-PA14 | 2012 | ECR | 908 | 49 ± 09 | 47 | Baixo e intermediário | 1 | IM, CRM e ACI |
ROMICAT II15 | 2011 | ECR | 501 | 56 ± 10 | 53 | Baixo e intermediário | 1 | IM, ACI e PCI |
Rubinstein et al.16 | 2007 | Coorte prospectiva | 58 | 54 ± 8.0 | 64 | Intermediário | 15 | IM, morte, CRM |
Gallagher et al.17 | 2007 | Coorte prospectiva | 85 | 49 ± 11 | 53 | Baixo | 1 | Diagnóstico de SCA |
Hollander et al.18 | 2009 | Coorte observacional | 568 | 47 ± 8.9 | 44 | Baixo | 1 | Ausência de morte e IM |
Ueno et al.19 | 2009 | Coorte prospectiva | 36 | 66 ± 12 | 53 | Alto | 1 | - |
Hoffmann et al.20 | 2009 | Coorte observacional | 368 | 52.7 ± 12 | 61 | Baixo e intermediário | 6 | Dor torácica, API, readmissão |
Johnson et al.21 | 2007 | Coorte prospectiva | 55 | 67 ± 10 | 64 | Baixo e intermediário | ≥ 5 | Foco em testes adicionais e nefropatia induzida por contraste |
Johnson et al.22 | 2008 | Coorte prospectiva | 109 | 63 ± 14 | 71 | Baixo e intermediário | 6 | Arritmia; derrame pleural (pleurite); readmissão |
Takakuwa et al.23 | 2008 | Coorte prospectiva | 197 | 49 ± 11 | 72 | Baixo e intermediário | 1 | Nenhum evento (ou não especificou os eventos) |
Hansen et al.24 | 2010 | Coorte prospectiva | 89 | 56,3 ± 8,6 | 63 | Baixo e intermediário | 12 | Nenhum evento (morte e IM) |
DP: desvio-padrão; DAC: doença arterial coronariana; ECR: ensaio clínico randomizado; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; ACI: angiografia coronariana invasiva; IM: infarto do miocárdio; ICP: ntervenção coronariana percutânea; SCA: síndrome coronariana aguda; API: angina pectoris instável.
A Figura 7 mostra os principais eventos, que foram: 29 (0,6%) IM, 92 (1,9%) CRM e 312 (6,4%) ACI. Não houve morte. O diagnóstico de SCA ocorreu em 7,3% dos 1655 pacientes incluídos na meta-análise.
Figura 7 Eventos no seguimento. IM: infarto do miocárdio; CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; ACI: angiografia coronariana invasiva.
Embora analisados de maneira heterogênea, os quatro ensaios clínicos randomizados também avaliaram o tempo de permanência hospitalar e os custos. Em comparação ao cuidado padrão, o uso de ATCC reduziu o tempo de permanência hospitalar em todos os estudos, e, em três deles, também os custos.
Este estudo teve por objetivo avaliar o valor diagnóstico e prognóstico da ATCC na avaliação da dor torácica aguda no SE. Incluímos 4 RS, num total de 13 estudos. Após análise primária dos critérios de exclusão, usamos 10 estudos para análise quantitativa (meta-análise).
Descobrimos que a ATCC apresentou altas sensibilidade e especificidade para detecção de DAC em pacientes com dor torácica no SE em todos os estudos, assim como alta razão de verossimilhança positiva e baixa razão de verossimilhança negativa. A distribuição da sensibilidade foi homogênea, mas a da especificidade foi heterogênea. Observamos fraca correlação nos efeitos dos diferentes pontos de corte para diagnóstico de obstrução luminal significativa. O DOR foi homogêneo e significativo. Houve variabilidade no número e tipo de eventos entre os estudos. Os ensaios clínicos relataram redução dos custos e do tempo de permanência hospitalar.
A qualidade da imagem cardíaca na ATCC acha-se diretamente relacionada à evolução da tomografia. Os avanços técnicos atuais dos scanners e software de tomografia destinam-se a aprimorar a resolução espacial e temporal das imagens de tomografia computadorizada cardíaca, assim como a reduzir a dose de radiação recebida em um exame típico. Incluem faixas de detecção mais amplas, que permitem a aquisição simultânea de um maior número de cortes de imagem, rotação mais rápida do tubo de raio x, e aplicação de técnicas alternativas de reconstrução de imagem.29 Seu uso em pacientes com biomarcadores precoces e ECG negativo para isquemia miocárdica já está incluído no algoritmo de avaliação de dor torácica em vários centros de emergência, uma estratégia que encontra suporte nos atuais Critérios de Uso Adequado da Tomografia Cardíaca Computadorizada30 e na Atualização Focada das Diretrizes para Manejo de Pacientes Com Angina Instável/Infarto do Miocárdio Sem Elevação do Segmento ST.31
A ATCC tem a capacidade única de representar de maneira não invasiva a anatomia das coronárias, permitindo não apenas a visualização da luz arterial para detectar estenose ou oclusão grave responsável por isquemia miocárdica, mas ainda a avaliação da parede das artérias coronárias, demonstrando a presença ou ausência de DAC e as características da placa (pode identificar preditores de ruptura da placa).32 Pode auxiliar no diagnóstico diferencial de doenças, como embolia pulmonar e aneurisma aórtico.33
A ATCC permite a identificação de DAC não obstrutiva em pacientes com dor torácica aguda, aprimorando substancialmente o manejo terapêutico nesse grupo de pacientes ao permitir uma decisão clínica prévia, de modo a obter um tratamento mais efetivo.34
Ante a epidemiologia da dor torácica no SE, a avaliação desses pacientes é um grande desafio, tanto do ponto de vista de diagnóstico e otimização do tempo (começar tratamento ou dar alta) quanto do correto direcionamento dos recursos. O uso de biomarcadores séricos não permite uma rápida exclusão de isquemia miocárdica, resultando em alta precoce do SE. Portanto, as ferramentas disponíveis para uma rápida triagem dos pacientes com dor torácica são limitadas. Considerando isso, os quatro ensaios clínicos randomizados12-15 investigaram o tempo de permanência hospitalar e concluíram que o uso de ATCC no SE em pacientes de risco baixo e intermediário de DAC reduz a permanência hospitalar.
Shreibati et al.35 descobriram em uma coorte observacional (2005-2008) aumento dos custos e da incidência de cateterismo cardíaco usando ATCC. Três dos quatro ensaios clínicos randomizados12,13,15 mostraram redução nos custos hospitalares. Entretanto, a avaliação do impacto de novas tecnologias nos custos de saúde requer o uso de metodologia específica que permite análise de custo-efetividade.
Houve aumento de ACI no grupo submetido a ATCC em comparação àquele submetido a monitoração padrão, mas o desenho dos estudos não forneceu dados para se avaliar a existência de uso excessivo de ACI no grupo submetido a ATCC ou subutilização no grupo não submetido a ATCC. No Registro CONFIRM,36 durante seguimento, as taxas de ACI foram baixas em pacientes sem DAC ou com DAC leve segundo a ATCC, revelando que, na prática clínica, os médicos estão aceitando os resultados da ATCC, sendo, nesse caso, alto o valor preditivo negativo.
A taxa de eventos cardíacos maiores nos pacientes dos estudos foi muito baixa, concluindo-se que têm excelente prognóstico. Entretanto, os dados são insuficientes para determinar se o uso de ATCC, em comparação ao cuidado padrão, conferiu algum benefício quanto à redução na taxa de eventos cardíacos maiores (morte e IM).
A prevalência global de DAC na maioria dos estudos foi baixa; portanto, os dados não podem ser extrapolados para pacientes de alto risco. Mais estudos são necessários para detectar diferenças nos desfechos clínicos, considerando-se a natureza dessa população de baixo risco. A avaliação dos pacientes no SE não mostrou um padrão fixo entre os estudos; ao contrário, houve grande variação no comportamento. Na maioria dos estudos, o médico assistente decidiu o 'passo' seguinte na avaliação, mesmo para ensaios clínicos randomizados.
Para a exclusão de SCA em pacientes com oclusões coronarianas conhecidas, a ATCC seria menos útil como exame de triagem, pois a identificação de obstrução coronariana em pacientes com DAC conhecida não explica a etiologia da dor torácica.
Uma dificuldade encontrada foi a heterogeneidade dos estudos publicados realizados no SE. Houve deficiência de padronização nos métodos de avaliação e grandes diferenças no seguimento e nas medidas de desfecho.
Até mesmo com um total de 4831 pacientes, o "poder" de detecção de diferenças nos eventos clínicos, como IM e morte, ainda é baixo, pois são raros nesse grupo de pacientes.
Todos os estudos podem apresentar viés de verificação, por ser impossível "cegar" a conduta (ATCC ou cuidado padrão) para médicos e pacientes.
A metodologia usada nos estudos de acurácia diagnóstica é bem diferente daquela dos estudos terapêuticos/intervencionais, tendo sido substancialmente desenvolvida nas décadas recentes.37
O uso de ATCC como ferramenta de estratificação de pacientes com risco cardiovascular baixo e intermediário, que se apresentam no SE com dor torácica, tem alta acurácia e segurança, reduz o tempo de permanência hospitalar e provavelmente os custos, produzindo diagnóstico precoce e uma tomada de decisão mais efetiva. Para avaliar o valor da ATCC na prevenção de eventos futuros, estudos com desenho mais apropriado e seguimento mais longo são necessários.