versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.2 Rio de Janeiro 2019 Epub 07-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0285
Sedimentada pela Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) no Brasil, a atenção básica (AB) determina a família como objeto principal da atenção, que por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) estabelece o vínculo entre a população e o sistema de saúde. Suas diretrizes são: ter adstrição do território, acesso universal, vinculação de pessoas, famílias e grupos a profissionais ou equipes, com o objetivo de ser referência para o seu cuidado, possibilitando vínculo e confiança entre o usuário e o trabalhador da saúde.1,2
Dentre as atribuições da equipe da ESF estão as visitas domiciliares, programadas ou voltadas ao atendimento de demandas espontâneas, segundo critérios epidemiológicos e estratificação de risco da população adscrita.3 Estas, por sua vez, permitem aos enfermeiros conhecer o contexto social e identificar as necessidades de saúde das famílias atendidas por esses profissionais, possibilitando uma maior aproximação com os determinantes do processo saúde-doença, subsidiando ações de intervenção visando à prevenção de doenças e promoção da saúde da coletividade.
Embora a prática da visita domiciliar não possa ser concebida como único elemento que influencia as internações por condições sensíveis a AB, considera-se uma proxy da atenção à saúde, especialmente no aspecto de prevenção e promoção à saúde, assim como pode ser um indicador de atuação da ESF no território.4 Ademais, deve-se considerar que o quantitativo de visitas não expressa sua qualidade e ainda deve sofrer interferência da cobertura populacional, que, por sua vez, pode influenciar diretamente no número de visitas.5 Esse número também pode ser influenciado pela necessidade de saúde da população, não permitindo a uniformidade proporcional entre o número de visitas e o número de famílias cadastradas.
A taxa de internações por condições sensíveis a AB é um indicador indireto da atuação das equipes de saúde da família,6,7 as quais possuem condições para atuar preventivamente sobre as condições crônicas que representam as principais causas de internações evitáveis; contudo, não são detectados estudos específicos sobre a visita domiciliar do enfermeiro e, tampouco, fazendo a relação com as internações sensíveis à atenção primária.
Este artigo objetiva identificar se as visitas domiciliares registradas pela ESF são proporcionais à população registrada e à população coberta pela ESF e, identificar sua relação com a taxa de internação por condições sensíveis a AB.
Estudo epidemiológico, ecológico, quantitativo, utilizando dados secundários do Departamento de Informática do SUS (www.datasus.gov.br. Acesso em 28/06/2016), por meio do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH).
Os dados deste estudo são referentes aos municípios do estado do Amazonas. O Amazonas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticaa, é o maior estado em extensão territorial da Federação com 1.559.146,2 km2. Em 2017, sua população estimada era de 4.080.611 habitantes, com densidade demográfica de 2,23 hab/km2. Tais características geográficas tornam o acesso aos serviços de saúde desfavoráveis à população que, somando-se às condições socioeconômicas, deixam-na vulnerável a diversas condições de saúde,5 em especial, aqueles nos quais a AB tem atuação direta.
Para coleta de dados anuais referentes às visitas do enfermeiro por número de famílias cadastradas na ESF e análise de cobertura populacional potencial por municípios do Amazonas no período de 2010 a 2015, foram coletadas as seguintes variáveis no SIAB: população total, teto assistencial, ESF credenciadas pelo Ministério da Saúde, ESF cadastradas no SIAB, ESF implantadas, estimativa da população coberta, proporção da cobertura populacional potencial, número de domicílios cadastrados que receberam visitas em cada mês dos anos selecionados.
Os dados referentes ao número de casos de internação por doenças sensíveis à atenção primária8,9 foram coletados no SIH (www.datasus.gov.br. Acesso em 28/07/2016), com base na lista de morbidade da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª revisão.10 Foram coletados os números de internação por: Asma (J45), Insuficiência cardíaca (I50), Pneumonia (J12 a J18), Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível (A09) e, posteriormente, calculada a taxa de internação para este grupo de doenças, utilizando como denominador a população total estimada para cada município, conforme cálculo abaixo:
Para análise de cobertura populacional potencial, foi realizado o cálculo do percentual de cobertura populacional potencial, segundo a fórmula utilizada pelo Ministério da Saúde11:
Para dados disponíveis mês a mês escolhemos o mês de julho como representante do ano referido, acompanhando recomendação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na qual, o mês de referência adotado é aquele que antecede ao mês de realização de nova pesquisa.12
Para análise do número de visitas realizadas por enfermeiro, foi considerada uma visita do enfermeiro por mês a cada ano, como número desejável, a cada família cadastrada por número de equipes em cada município. Então, calculou-se a razão de visitas domiciliares, dividindo o número de visitas realizadas pelo número desejável de visitas, conforme preconiza a Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017.1
A análise dos dados ocorreu em duas fases: fase exploratória e fase de agrupamento.
Na fase exploratória, os dados anuais foram avaliados em frequência e percentual por município, explorando suas diferenças e avaliando a distribuição, média e desvio padrão dos mesmos. Ao analisar a variação dos dados nos anos, optou-se por agrupar pela média dos dados anuais em triênios: 2010 a 2012 e 2013 a 2015.
Na segunda etapa da análise de dados, houve a avaliação dos dados médios dos triênios de todas as variáveis, com atribuição de escores e classificações, conforme discriminado a seguir:
- Cobertura populacional potencial conforme os seguintes pontos de corte: alta cobertura (maior que 70%), média cobertura (entre 50% e 70%) e baixa cobertura (menor que 50%), conforme valores adotados em outros estudos;5,13
- Visitas domiciliares realizadas pelos enfermeiros da ESF, com os seguintes escores atribuídos: escore 1 (um) cujo valor estivesse dentro do intervalo esperado, ou seja, pelo menos uma visita domiciliar do enfermeiro, por mês no decorrer do ano totalizando 12 visitas ao ano, para cada família cadastrada; e escore 0 (zero) para valores abaixo desse intervalo.
- Taxa de internações, estratificada em tercis, atribuindo-se escores específicos para determinar a classificação da taxa de internações por doenças sensíveis, conforme quadro abaixo:
Quadro 1 Distribuição dos tercis, escore e classificação da taxa de internação por condições sensíveis por 100 mil habitantes nos triênios 2010 a 2012 e 2013 a 2015, Amazonas.
Tercil | Taxa de internação por condições sensíveis por 100 mil habitantes | Escore | Classificação | |
---|---|---|---|---|
2010 – 2012 | 2013 – 2015 | |||
1º Tercil | ≤ 872 | ≤ 465 | 1 | Baixo |
2º Tercil | 873 a 1.376 | 466 a 1.063 | 2 | Médio |
3º Tercil | ≥ 1.377 | ≥ 1.064 | 3 | Alto |
Nota: As seguintes causas de internação foram selecionadas: Asma (J45), Insuficiência cardíaca (I50), Pneumonia (J12 a J18), Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível (A09).
Ao final, foram formuladas tabelas, cruzando os escores e classificações por municípios de acordo com os triênios analisados; com vistas a identificar as discrepâncias e semelhanças de classificação da internação, em relação a visita domiciliar do enfermeiro.
No período de 2010 a 2015, foram registradas 1.812.208 visitas domiciliares por enfermeiros no Amazonas. Isso corresponde em média a uma visita por família cadastrada na ESF por ano. Esse número foi semelhante quando se observam os dois conjuntos de anos deste estudo em separado, 2010-2012 e 2013-2015.
A cobertura média das ESF foi classificada em alta para 47,5% municípios no primeiro triênio, e 41,9% dos municípios. Embora tenha diminuído a quantidade de municípios na classificação alta, observa-se um movimento de municípios que passaram da classificação baixa e média para média ou alta. Nesse item não foi possível classificar São Gabriel da Cachoeira, devido ausência de dados (Tabela 1).
Tabela 1 Cobertura populacional total e razão de visitas domiciliares (VD) Amazonas (2010-2015).
Município | Cobertura total (%) | Classificação da cobertura | Razão de visitas domiciliares | Taxa de internações por doenças sensíveis a atenção básica | Classificação (taxa de internação) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2010-2012 | 2013-2015 | 2010-2012 | 2013-2015 | 2010-2012 | 2013-2015 | 2010-2012 | 2013-2015 | 2010-2012 | 2013-2015 | |
Alvarães | 74,2 | 72 | Alta | Alta | 1,6 | 1,5 | 323,1 | 729,4 | Baixa | Média |
Amaturá | 62,3 | 70,5 | Média | Alta | 5,2 | 4,7 | 2.128,5 | 1.390,7 | Alta | Alta |
Anamã | 100 | 100 | Alta | Alta | 9,6 | 4,4 | 2.287,5 | 1.010,1 | Alta | Média |
Anori | 92,8 | 100 | Alta | Alta | 0,5 | 0,5 | 461,2 | 111,6 | Baixa | Baixa |
Apuí | 75,4 | 91,4 | Média | Alta | 0,9 | 0,4 | 1.746,5 | 1.179,9 | Alta | Alta |
Atalaia do Norte | 37,8 | 76,7 | Baixa | Alta | 1,9 | 0,8 | 1.190,4 | 407,8 | Média | Baixa |
Autazes | 100 | 100 | Alta | Alta | 0,8 | 0,6 | 974,7 | 427,0 | Média | Baixa |
Barcelos | 13,4 | 39,9 | Baixa | Baixa | 0 | 0,4 | 545,8 | 682,0 | Baixa | Média |
Barreirinha | 49,7 | 61,4 | Baixa | Média | 0,4 | 2,6 | 1.396,2 | 1.543,1 | Alta | Alta |
Benjamin Constant | 49,1 | 65,8 | Baixa | Média | 0,2 | 0,2 | 1.181,8 | 950,0 | Média | Média |
Beruri | 60,3 | 78,3 | Média | Alta | 1 | 0 | 600,4 | 940,7 | Baixa | Média |
Boa Vista do Ramos | 31,6 | 81,4 | Baixa | Alta | 1,9 | 1,6 | 1.174,9 | 446,5 | Média | Baixa |
Boca do Acre | 55,8 | 59 | Média | Média | 0,4 | 0,4 | 1.378,5 | 1.526,6 | Alta | Alta |
Borba** | 80,9 | 70,4 | Alta | Alta | 0,7 | 0,3 | 1.066,5 | 1.251,2 | Média | Alta |
Caapiranga | 100 | 100 | Alta | Alta | 6,8 | 2,1 | 592,5 | 622,3 | Baixa | Média |
Canutama | 87,1 | 98,7 | Alta | Alta | 0,3 | 0,5 | 155,3 | 160,6 | Baixa | Baixa |
Carauari | 39,9 | 48,4 | Baixa | Baixa | 0,5 | 0,2 | 1.113,6 | 528,2 | Média | Média |
Careiro | 96,7 | 97,5 | Alta | Alta | 0,4 | 0,4 | 235,5 | 570,5 | Baixa | Média |
Careiro da Várzea | 70,8 | 83 | Alta | Alta | 0,1 | 0,5 | 73,7 | 113,3 | Baixa | Baixa |
Coari** | 56,8 | 84,5 | Baixa | Alta | 0,4 | 0,6 | 1.118,2 | 1.204,3 | Média | Alta |
Codajás | 48 | 71,6 | Baixa | Alta | 0,5 | 0,6 | 1.776,7 | 445,9 | Alta | Baixa |
Eirunepé | 89 | 99 | Alta | Alta | 0,4 | 0,4 | 896,3 | 1.033,4 | Média | Média |
Envira | 61,4 | 87,1 | Média | Alta | 0,4 | 0 | 962,0 | 309,5 | Média | Baixa |
Fonte Boa** | 60,7 | 69,4 | Média | Média | 0,6 | 0,3 | 1.325,6 | 1.079,9 | Média | Alta |
Guajará | 88,3 | 97,2 | Alta | Alta | 1,4 | 1,1 | 2.128,8 | 1.369,0 | Alta | Alta |
Humaitá | 63,8 | 70,1 | Média | Alta | 0,3 | 0,3 | 1.711,9 | 1.453,5 | Alta | Alta |
Ipixuna | 66,1 | 58,8 | Média | Média | 0,3 | 0,4 | 603,7 | 348,5 | Baixa | Baixa |
Iranduba** | 100 | 100 | Alta | Alta | 2,4 | 4,7 | 1.244,9 | 1.681,9 | Média | Alta |
Itacoatiara | 75,8 | 98,9 | Alta | Alta | 0,6 | 0,6 | 2.058,9 | 1.615,4 | Alta | Alta |
Itamarati** | 85,1 | 95,5 | Alta | Alta | 10,1 | 5,1 | 1.098,6 | 1.389,3 | Média | Alta |
Itapiranga | 100 | 100 | Alta | Alta | 0,7 | 0,4 | 1.401,0 | 349,7 | Alta | Baixa |
Japurá | 100 | 97,5 | Alta | Alta | 3,3 | 1,6 | 338,4 | 339,1 | Baixa | Baixa |
Juruá** | 22,7 | 73,5 | Baixa | Alta | 4,3 | 1,5 | 1.204,8 | 1.210,5 | Média | Alta |
Jutaí | 58,7 | 85,5 | Média | Alta | 6,6 | 3,1 | 2.276,3 | 1.560,7 | Alta | Alta |
Lábrea | 65,6 | 70,7 | Média | Alta | 0,6 | 0,7 | 477,0 | 294,6 | Baixa | Baixa |
Manacapuru** | 79 | 84,6 | Alta | Alta | 0,3 | 0,3 | 1.347,8 | 1.601,3 | Média | Alta |
Manaquiri | 46,3 | 75,6 | Baixa | Alta | 0,8 | 1,9 | 997,1 | 505,9 | Média | Média |
Manaus | 29,4 | 33,2 | Baixa | Baixa | 0,3 | 0,3 | 1.842,0 | 1.613,4 | Alta | Alta |
Manicoré | 56,1 | 71,3 | Média | Alta | 0,4 | 0,5 | 2.970,7 | 743,4 | Alta | Média |
Maraã | 19,4 | 58,8 | Baixa | Média | 3,2 | 1,2 | 4.697,6 | 1.546,3 | Alta | Alta |
Maués** | 80,2 | 92,2 | Alta | Alta | 0,1 | 0,1 | 1.015,8 | 1.227,3 | Média | Alta |
Nhamundá | 56,1 | 92,2 | Média | Alta | 0,8 | 0,3 | 318,9 | 283,9 | Baixa | Baixa |
Nova Olinda do Norte | 100 | 84,8 | Alta | Alta | 1,4 | 1,7 | 759,0 | 330,5 | Baixa | Baixa |
Novo Airão** | 60,7 | 85,3 | Média | Alta | 0,8 | 0,2 | 860,5 | 505,9 | Baixa | Alta |
Novo Aripuanã | 55,4 | 72,8 | Média | Alta | 1,7 | 1,1 | 2.883,3 | 2.547,9 | Alta | Alta |
Parintins | 74 | 74,2 | Alta | Alta | 0,5 | 0,4 | 1.372,7 | 880,4 | Média | Média |
Pauini | 31,3 | 56,5 | Baixa | Média | 3,9 | 4,9 | 778,2 | 747,5 | Baixa | Média |
Presidente Figueiredo | 100 | 100 | Alta | Alta | 0,4 | 0,5 | 2.020,2 | 1.658,4 | Alta | Alta |
Rio Preto da Eva | 100 | 100 | Alta | Alta | 1,5 | 0,5 | 1.309,9 | 960,8 | Média | Média |
Santa Isabel do Rio Negro | 43,5 | 59,6 | Baixa | Média | 1,9 | 1,1 | 566,2 | 87,6 | Baixa | Baixa |
Santo Antônio do Içá | 30,9 | 85,1 | Baixa | Alta | 1,2 | 1,6 | 506,3 | 837,3 | Baixa | Média |
São Gabriel da Cachoeira* | - | - | - | - | 0,3 | 0,2 | 1.574,0 | 441,7 | Alta | Baixa |
São Paulo de Olivença | 53,1 | 67,7 | Média | Média | 0,6 | 1,2 | 1.207,4 | 545,4 | Média | Média |
São Sebastião do Uatumã | 39,5 | 84,3 | Baixa | Alta | 0,4 | 0,8 | 1.485,2 | 377,5 | Alta | Baixa |
Silves | 100 | 100 | Alta | Alta | 0,5 | 0,4 | 1.436,3 | 876,4 | Alta | Média |
Tabatinga | 100 | 100 | Alta | Alta | 0,7 | 0,3 | 640,9 | 827,8 | Baixa | Média |
Tapauá | 56,2 | 71,8 | Média | Alta | 5,1 | 1,6 | 1.151,1 | 405,1 | Média | Baixa |
Tefé | 100 | 98,8 | Alta | Alta | 0,2 | 0,2 | 1.584,3 | 1.465,0 | Alta | Alta |
Tonantins | 68,1 | 79,2 | Média | Alta | 4,8 | 3,7 | 314,0 | 87,3 | Baixa | Baixa |
Uarini | 100 | 79,8 | Alta | Alta | 2 | 0,5 | 291,3 | 84,9 | Baixa | Baixa |
Urucará | 95,4 | 100 | Alta | Alta | 0,5 | 0,5 | 1.447,3 | 556,0 | Alta | Média |
Urucurituba | 100 | 100 | Alta | Alta | 1,1 | 1,2 | 284,8 | 247,4 | Baixa | Baixa |
Fonte: DATASUS – SIAB (28 de junho de 2016).
Notas: Selecionou-se as seguintes causas de internação: Asma (J45), Insuficiência cardíaca (I50), Pneumonia (J12 a J18), Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível (A09). Razão de visitas domiciliares (VD) = (VD realizadas/VD desejáveis). Número de visitas desejáveis = uma visita mensal do enfermeiro em cada família cadastrada, por número de equipes de cada município.
*Não foi possível a tabulação de dados desse município devido à ausência de registros no SIAB. Municípios com nome em negrito alcançaram o escore 1 (um), para visita domiciliar, em pelo menos um dos períodos analisados.
**Esses municípios obtiveram taxa de internação elevada no segundo triênio.
Em relação a razão entre o número de visitas realizadas e número de visitas desejáveis nos municípios observou-se que somente cerca de 30% dos municípios obteve razão um ou mais visitas, em ambos os triênios analisados. Os seguintes municípios apresentaram melhora na razão de visitas do primeiro triênio para o segundo triênio, Barreirinha, Manaus e Maraã; em contrapartida os municípios que apresentaram queda na razão de visitas foram: Fonte Boa, Humaitá, Parintins e Urucurituba (Tabela 1).
Observando as taxas de internação por doenças sensíveis à atenção básica, foi possível constatar a partir da divisão em tercis, que 21 municípios apresentaram alta taxa de internações no primeiro triênio reduzindo, para classificação média e baixa no segundo triênio, sendo 8 municípios: Anamã, Codajás, Itapiranga, Manicoré, São Gabriel da Cachoeira, São Sebastião do Uatumã, Silves e Urucará. Porém, em outros nove municípios, marcados em negrito na Tabela 1, houve um aumento na taxa de internações, quais sejam: Borba, Coari, Fonte Boa, Iranduba, Itamarati, Juruá, Manacapuru, Maués e Novo Airão.
Observa-se decréscimo na taxa média de internação por doenças sensíveis à atenção básica no Amazonas, durante a passagem do primeiro triênio para o segundo triênio analisados, passando de 1.208,3 internações/100 mil habitantes no primeiro triênio para 843,0 internações/100 mil habitantes no segundo triênio apesar da razão de visitas domiciliares continuarem estáveis no período.
Nota-se na Figura 1, que no primeiro triênio o grupo de municípios com baixa taxa de internação hospitalar apresentou maior mediana da razão de visita domiciliar comparados ao de média e alta taxa de internação, no entanto, esse padrão não é observado no segundo triênio no qual a mediana da razão de visita domiciliar são próximos entre os grupos. Além disso, são observados municípios com razão de visita domiciliar alta em todos os grupos de taxa de internação, como também grande variabilidade entre os grupos nos dois triênios.
Com esta pesquisa, foi possível obter um panorama sobre a cobertura da ESF no estado do Amazonas, bem como a ocorrência das visitas domiciliares realizadas pelos enfermeiros e a relação destas na taxa de internação por doenças sensíveis a AB no período de 2010 a 2015.
Evidenciou-se a falta de relação entre a cobertura populacional da ESF e a razão de visitas domiciliares. Isso pode indicar que as visitas domiciliares não ocorrem conforme o preconizado pela PNAB.1 Nota-se que, no primeiro triênio, apesar da alta cobertura populacional da ESF na maioria dos municípios, poucos alcançaram o escore 1 para a quantidade mínima desejável de visitas domiciliares. Observou-se também aumento do número de municípios com alta cobertura da ESF, no segundo triênio, porém em contrapartida houve a diminuição no número de municípios com razão de visitas domiciliares maior ou igual a 1. Com isso, depreende-se que a cobertura da ESF não garante a quantidade mínima de visitas domiciliares. A ausência de visita domiciliar mensal do enfermeiro pode fazer com que não sejam identificadas necessidades importantes, representando uma problemática para a atenção à saúde dessas pessoas. Contudo, estudos comprovam que além da ampliação da cobertura, é comum ocorrer a priorização de serviços, como visitas domiciliares para famílias em situação de vulnerabilidade, ou ainda que os enfermeiros realizam visitas apenas quando solicitado.14,15 Entretanto, há que se considerar que o estado do Amazonas conta com características geográficas desfavoráveis ao acesso fácil aos serviços de saúde, não garantindo que a cobertura calculada seja de fato efetivada, levando-se em conta as populações que vivem em áreas remotas ou aquelas de difícil acesso.5
Considerando-se que esta pesquisa é baseada em banco de dados secundários, o número real de visitas é desconhecido, pois existe a possibilidade de sub-registro, especialmente, quando se decide fazer uma visita sem que haja programação, devido a necessidade da população. Por outro lado, também há possibilidade de haver registros para além da realidade, ou seja, a visita é registrada, porém não é realizada, seja por reprogramação, seja por demanda no próprio serviço de saúde.16 Apesar dessas ponderações, considera-se que as equipes da ESF têm interesse em atingir suas metas, e a realização de visita domiciliar pelo enfermeiro está incluída, desse modo, o que indica que os resultados encontrados demonstram que está bem aquém de atender ao critério de uma visita por mês por família cadastrada.
Convém destacar também que, os resultados da pesquisa baseiam-se em dados sobre internação e não sobre indivíduos, pois a unidade de registro do SIH é o evento. Assim, múltiplas internações por doenças sensíveis a AB de um mesmo paciente não puderam ser identificadas e, além disso, os dados referem-se apenas às internações realizadas pelo SUS, limitando as extrapolações possíveis. Por outro lado, a taxa de cobertura por plano de saúde no Amazonas, nesse período, foi 13,2%, considerado baixo quando comparado ao restante do país, e os residentes do interior do Amazonas, quase em totalidade, utilizam o sistema público de saúde com taxa de cobertura por plano privado de saúde de apenas 1,0% no período (http://www.ans.gov.br/anstabnet. Acesso em 01 Mai 2018).
Outro aspecto que deve ser destacado, foi que a presente análise não permitiu identificar a origem dos pacientes que internaram por condições sensíveis, para saber se tinham o acesso ou não à ESF, uma vez que as distâncias geográficas nos polos de serviços de saúde nos municípios do interior do Amazonas deixam muitas pessoas sem assistência básica, gerando o agravamento dos problemas de saúde para essa população.5 Isso causaria mais demanda por internações, que mesmo sendo por condições sensíveis à atenção básica, não se pode atribuir relação, pois os doentes já chegam em situações mais graves, que necessitam de tratamento hospitalar.
A ESF deve garantir assistência resolutiva aos problemas de saúde dos usuários, evitando as internações desnecessárias, nesse sentido entende-se que as visitas domiciliares aproximariam mais o profissional da realidade do usuário, permitindo a identificação das necessidades de saúde dos usuários precocemente. Corroborando, considera-se que o mínimo que deveria acontecer para a implementação definitiva da estratégia, seria a realização das visitas domiciliares, por ser um pressuposto da ESF, como tecnologia leve de interação no cuidado à saúde.17,18
A visita domiciliar é considerada a atividade externa à unidade de saúde mais desenvolvida pelas equipes de saúde. Segundo dados do primeiro ciclo de avaliação externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), 100% das equipes de saúde avaliadas no Amazonas informaram realizar visita domiciliar, porém apenas 56,1% delas informaram realizar a partir de uma agenda organizada para o cuidado e somente 13,3% utilizam protocolo de prioridades segundo grau de risco de risco e vulnerabilidade.19
Desse modo, entende-se que a visita domiciliar do enfermeiro é realizada por meio de demanda espontânea ou de acordo com situações "problemáticas" descaracterizando o caráter preventivo da visita, pois, em sua maioria, os profissionais deparam-se com situações que extrapolam a complexidade do nível básico de atenção sendo o esforço da equipe pouco resolutivo. Apesar disso, o método de trabalho na ESF deve ser organizado de forma integrada, para o estabelecimento de vínculo entre os profissionais e usuários, incorporando os distintos processos de trabalho, prática que facilita a interação entre os profissionais da ESF.18
Além disso, estudos relatam que há uma exigência da gestão municipal para cumprimento de metas de produtividade tanto para a realização da visita domiciliar, quanto para as demais atividades da ESF. Sendo assim, os enfermeiros enfrentam um dilema, pois, por vezes, precisam optar por realizar um número menor de visitas domiciliares para cumprir com outras metas, fato que contribui para a prática de enfermagem seja centrada nas demandas imediatas dos usuários.13,15,17
A visita domiciliar possibilita reflexões sobre a prática, troca de experiências e planejamento das ações; com objetivo de fomentar a modificação do modelo de atenção à saúde, para um modelo que abranja desde a promoção à saúde até a reabilitação dos agravos da população.18 A realização de atividades coletivas ainda é considerada um desafio para todos os profissionais de saúde, os quais ainda têm, em sua formação, a centralidade na realização de procedimentos técnicos, individualizados e atrelados a tecnologias duras.
Outro fator que pode dificultar a realização das visitas é a distância entre o serviço de saúde e a área de abrangência. É comum as equipes serem responsáveis por uma área de abrangência relativamente distante da unidade; isto acontece porque em uma mesma unidade básica de saúde são alocadas mais de uma equipe e, normalmente, existe um grande número de famílias a ser visitadas, priorizando, dessa forma, aqueles com mais necessidade de acompanhamento domiciliar.20 Como já citado anteriormente, devido às particularidades geográficas do interior do estado, há necessidade da gestão disponibilizar transporte para a locomoção dos profissionais até o domicílio. Dados do segundo ciclo do PMAQ, mostram que das equipes que atendiam populações especiais, tais como população rural, ribeirinhos ou indígenas, apenas 55,4% tinham disponíveis meio de transporte até o domicílio, soma-se a isso a falta de recursos materiais e humanos nas equipes.5
Por meio dessa análise também se constatou que a capital Manaus está entre os 10 municípios com menor razão de visita domiciliar, concomitante com as menores taxas de cobertura da ESF nos triênios analisados. A baixa cobertura somada a exigência de produtividade e área de influência da unidade maior que a área de abrangência colaboram para a sobrecarga de trabalho dos profissionais. Devido esses fatores, muitos enfermeiros optam pelas atividades intramuros em contraposição às visitas domiciliares. Pode ser também que profissionais limitem as ações extramuros, principalmente pelo temor da violência urbana, situação comum em muitas localidades onde estão situadas as unidades de saúde, sendo designado esse tipo de violência, a violência territorial.21
Nos últimos anos, principalmente a partir de 2003, houve grande expansão da ESF em todo o território nacional, com forte indução e apoio do Ministério da Saúde, principalmente por ser considerada estratégia prioritária da estruturação da APS no Brasil.22 Nesse sentido, estudos mostram que a expansão na cobertura da ESF está associada à redução das internações por doenças sensíveis a atenção básica, em praticamente todos os estados brasileiros, exceto no Amazonas, no qual houve acréscimo de 30% nas taxas de internações entre 1999 a 2007.5
No período do estudo (2010 - 2015), o Amazonas apresentou redução de 30% no número de internações por doenças sensíveis a atenção básica selecionadas e aumento na cobertura da ESF com 80% dos municípios com classificação de alta cobertura no segundo triênio. No entanto, as visitas domiciliares pelo enfermeiro não acompanharam o aumento da cobertura da ESF, indicando que o aumento não resultou na reorganização das práticas assistenciais capazes de intervir nos determinantes do processo saúde-doença.
O déficit no quantitativo de visitas dificulta a identificação total das necessidades das famílias, o que representa um problema para a atenção à saúde da comunidade. Percebe-se que a ausência de visitas é uma lacuna assistencial cuja oportunidade deveria ser utilizada para promoção da saúde e consequente prevenção de agravos, o que talvez impactasse nas internações, embora se reconheça que o problema da internação por condições sensíveis à APS é muito mais amplo, e sofre influência de outros fatores, tais como: indicadores socioeconômicos e demográficos, oferta de serviços de saúde, rede de apoio à APS e oferta de profissionais (médicos/enfermeiros).22,23
Um paradoxo nos achados desta pesquisa é que mesmo com elevada cobertura de ESF, na maioria dos municípios do Amazonas, as visitas domiciliares ainda não são o principal foco dos enfermeiros visto que somente 30% dos municípios obtiveram razão de uma ou mais visitas domiciliares por família cadastrada, em ambos os triênios analisados. As visitas domiciliares deveriam ser utilizadas como ferramenta de prevenção de doenças e promoção da saúde, o que talvez explique a não redução das internações sensíveis à atenção básica.