Compartilhar

Vocabulário de pré-escolares com desenvolvimento típico de linguagem e variáveis socioeducacionais

Vocabulário de pré-escolares com desenvolvimento típico de linguagem e variáveis socioeducacionais

Autores:

Thaís Cristina da Freiria Moretti,
Rita Cristina Sadako Kuroishi,
Patrícia Pupin Mandrá

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.1 São Paulo 2017 Epub 09-Mar-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016098

INTRODUÇÃO

O léxico evolui com a idade, mas o tipo de vocabulário pode variar individualmente em crianças de mesma faixa etária(1,2) em decorrência de aspectos intrínsecos (cognição, processamento da informação, personalidade) e/ou extrínsecos (contexto socioeconômico (NSE) e cultural, linguístico familiar e escolar)(1-3). Experiências comunicativas e o NSE familiar agem sobre o desenvolvimento formal da linguagem em idade precoce(1,2,4-9). Crianças de diferentes NSE apresentam desempenho heterogêneo em provas de avaliação semântica(4,5). O vocabulário de crianças em idade pré-escolar é um dos preditores para o desempenho acadêmico futuro(2).

Variáveis sociais, culturais, geográficas, contexto escolar e familiares (nível educacional, hábitos de leitura e a profissão dos pais) são fatores de risco ou proteção para o desenvolvimento global e linguístico(4,6,7,10,11) e devem ser considerados durante a avaliação do léxico(1). O objetivo foi investigar a associação entre o NSE e o desempenho em teste de vocabulário emissivo (TVE) e receptivo (TVR) em um grupo preliminar de crianças para, posteriormente, realizar a coleta com uma amostragem por conglomerados (escolas) de diferentes bairros.

MÉTODO

Foi realizada amostragem aleatória simples seguindo o critério etário (3 anos a 5 anos e 11 meses) de matriculados, de ambos os gêneros, de duas Escolas escolhidas por conveniência de acesso, que resultou em 60 participantes. Os critérios de exclusão foram: alterações de linguagem após triagem, sinais de alterações auditivas e/ou neurológica, acompanhamento fonoaudiológico prévio ou atual, ausência de autorização (do responsável) ou de assentimento (da criança).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, processo nº 1488/2014. Os responsáveis pelos menores participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças assentiram em participar (Termo de Assentimento elaborado com base na Resolução (416∕12). O estudo foi transversal e analítico.

Os pais responderam à entrevista e preencheram o questionário de classificação socioeconômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa(12) na escola. Depois da triagem, os participantes foram avaliados individualmente, com os testes de vocabulário expressivo (prova de vocabulário do ABFW)(13) e receptivo (Teste de Vocabulário por Imagens Peabody- TVIP)(14), em sala da escola. Depois da análise, obteve-se a média do número absoluto de acertos, para os resultados do TVIP(14) e as médias de ocorrência de Designação Verbal Usual (DVU), Não Designação (ND) e Processo de Substituição (PS) por campo conceitual, de cada participante, por meio da somatória das porcentagens obtidas em cada um destes itens e divisão pelo total dos campos conceituais avaliados.

A classificação socioeconômica foi obtida através do agrupamento nas categorias A, B, C, D e E, de acordo com os intervalos de escores: A (35 a 46 pontos), B (23 a 34 pontos), C (14 a 22 pontos) e D e E (0 a 13 pontos)(12).

Depois do cálculo de média e desvio padrão para as variáveis quantitativas e de frequência e percentual para as qualitativas, empregou-se o modelo de regressão linear múltiplo para estudar a relação entre a variável dependente (Teste Peabody e ABFW) e as diversas variáveis independentes (grupo e NSE). Esse modelo tem como pressuposto que seus resíduos tenham distribuição normal com média 0 e variância constante. Utilizou-se um nível de significância de 5% e o software de apoio para obter os resultados foi o SAS® (versão 9.2).

RESULTADOS

Os participantes foram classificados em classes sociais de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1 Média etária e classe socioeconômica 

Grupos Média de idade Classe Social
A B C D Total
GI 3:6 0 6 11 3 20
GII 4:4 0 5 14 1 20
GIII 5:9 0 5 13 2 20
Total 4:6 0 16 38 6 60

Legenda: GI (3 a 3:11 meses); GII (G2 - 4 a 4:9 anos); e GIII (G3 - 5 a 5:11 anos)

Verificou-se evidência de diferença estatística com melhor desempenho no TVE (Figura 1) e TVR (Figura 2) para os grupos com maior média etária e classe social.

Legenda: 1-Grupo 1; 2-Grupo 2; 3-Grupo 3

Figura 1 Relação entre idade e desempenho em Teste de vocabulário emissivo 

Legenda: B- classe socioeconômica B; C- classe socioeconômica C; D- classe socioeconômica D

Figura 2 Relação entre o nível socioeconômico e desempenho em Teste de vocabulário emissivo 

DISCUSSÃO

O desempenho das crianças para o TVE e TVR sofreu influência do aumento da média etária e da classe socioeconômico familiar. Crianças de nível socioeconômico inferior apresentam baixo desempenho em prova de vocabulário(2).

Crianças com maior média de idade têm melhor desempenho durante o desenvolvimento típico(1,2), pois a criança irá desenvolver e ampliar as habilidades cognitivas para aprender novas palavras, organizando as informações obtidas através do convívio social e físico, durante a interação com o adulto e diferentes experiências(15). Porém, houve evidência(5) de pior desempenho de crianças mais velhas no TVR em pré-escolares com desenvolvimento típico, entre quatro e sete anos de idade. Este fato salienta a importância de ensino infantil de qualidade que promova situações para construção e ampliação do léxico(5).

Há uma inter-relação entre o acesso que a criança tem a brinquedos e objetos culturais, atividades divididas com os pais, bem como a realidade sociolinguística vivenciada(7) em diferentes classes sociais e de educação(2).

A maneira como os pais interagem e produzem suas falas são fatores determinantes para o desenvolvimento lexical e aquisições linguísticas mais complexas(6). Uma análise qualitativa de informações sobre os estilos comunicativos dos adultos e o nível do desenvolvimento infantil, associados à classificação socioeconômica e educacional dos pais é importante para a identificação de diferentes perfis de desenvolvimento. Mais do que o contexto, a fala dirigida à criança deve considerar o seu nível de desenvolvimento, assim, a emissão de estrutura linguística semântica e gramaticalmente mais simples durante a atividade de atenção conjunta é fundamental(4).

A classificação em uma classe socioeconômica baixa ou alta sempre poderá ser sugestiva de recursos físicos e materiais que a família pode ter, tais como acesso a um contexto lúdico e cultural rico e atividades de lazer, porém se faz necessária a análise conjunta a outros fatores de risco, como as características ambientais, as interações comunicativas vivenciadas e o estilo comunicativo utilizado pelos pais.

CONCLUSÃO

Houve evidência de associação entre a idade, o nível socioeconômico e o desempenho das crianças estudadas em teste de vocabulário emissivo e receptivo. Faz-se necessário ampliar a amostragem com estratificação em diferentes classes sociais para confirmar a evidência de ação desta variável sobre o desenvolvimento semântico.

REFERÊNCIAS

1 Cartmill EA, Armstrong BF 3rd, Gleitman LR, Goldin-Meadow S, Medina TN, Trueswell JC. Quality of early parente input predicts child vocabular 3 years later. Proc Natl Acad Sci USA. 2013;110(28):11278-83. PMid:23798423. .
2 Medeiros V, Valença RK, Guimarães JA, Costa CC. Vocabulário expressivo e variáveis regionais em uma amostra de escolares em Maceió. ACR. 2013;18(2):71-7.
3 Gurgel LG, Plentz RD, Joly MC, Reppold CT. Instrumentos de avaliação da compreensão de linguagem oral em crianças e adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Revista Neuropsicologia Latinoamericana. 2010;2(1):1-10.
4 Ramos DD. Interação adulto criança em creches públicas: estilos linguísticos [dissertação]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba; 2010. 154 p.
5 Araújo MV, Marteleto MR, Schoen-Ferreira TH. Avaliação do vocabulário receptivo de crianças pré-escolares. Estud Psicol. 2010;27(2):169-76. .
6 Brancalioni AR, Marini C, Cavalheiro LG, Keske-Soares M. Desempenho em prova de vocabulário de crianças com desvio fonológico e com desenvolvimento fonológico normal. CEFAC. 2011;13(3):428-36. .
7 Scopel RR, Souza VC, Lemos SM. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. CEFAC. 2012;14(4):732-41. .
8 Sohr-Preston SL, Scaramella LV, Martin MJ, Neppl TK, Ontai L, Conger R. Parental socioeconomic status, communication, and children’s vocabular development: a third-generation test of the Family investimento model. Child Dev. 2013;84(3):1046-62. PMid:23199236. .
9 Derbie AY. A look into vocabular spunt in a typically developing child and a child with a developmental language disorder. JCLAD. 2014;2(6):24-9.
10 Thomas MS, Forrester NA, Ronald A. Modeling socioeconomic status effects on language development. Dev Psychol. 2014;49(12):1325-2343. PMid:23544858.
11 Palácios T, Oliveira LN, Chiossi JS, Soares AD, Chiari BM. Fatores biológicos e socioculturais na avaliação do vocabulário receptivo em português oral de deficientes auditivos pós linguais. Audiol Commun Res. 2014;19(4):360-66.
12 ABEP: Associação Nacional de Empresas e Pesquisas. Critério de classificação econômica do Brasil. São Paulo: ABEP; 2013.
13 Befi-Lopes DM. Vocabulário (Parte B). In: Andrade CR, Befi-Lopes DM, Fernandes FD, Wertzner HF. ABFW: Teste de Linguagem infantil e nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba (SP): Pró-fono; 2000. p. 41-59.
14 Capovilla FC, Capovilla AG, Nunes LR, Araújo I, Nunes DR, Nogueira D, et al. Versão brasileira do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody. Distúrbios da Comunicação. 1997;8(2):151-62.
15 Borges LC, Salomão NM. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicol Reflex Crit. 2003;16(2):327-36. .